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Rádio Cacique Fongue FM: o exercício do direito á comunicação na reserva do guarita

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS CONTÁBEIS E DA COMUNICAÇÃO – DACEC

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO JORNALISMO

NATANI OLIVEIRA PAZ

RÁDIO CACIQUE FONGUE FM: O EXERCÍCIO DO DIREITO Á COMUNICAÇÃO NA RESERVA DO GUARITA

IJUÍ, RS – BRASIL 2015

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RÁDIO CACIQUE FONGUE FM: O EXERCÍCIO DO DIREITO À COMUNICAÇÃO NA RESERVA DO GUARITA

Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo.

Orientação: Vera Raddatz

IJUÍ, RS – BRASIL 2015

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Aos que viviam a dizer-me no ensino médio: na faculdade tu descobres um mundo totalmente novo, cresce. Preciso dizer-lhes que estavam cobertos de razão. E, especialmente agora, olhando para traz e fazendo um balanço do quanto evolui nestes quatro anos, posso dizer que essa afirmação nunca fez tanto sentido para mim. O caminho percorrido até aqui teve muitos obstáculos, e em cada um deles, meus pais estiveram lá para segurar minha mão e fazer o impossível para realizar meu sonho. A eles o meu mais profundo e sincero agradecimento. Nunca poderei pagar pelo incentivo, pela liberdade em permitir-me escolher o que me faz feliz, pelos incontáveis sacrifícios cujo resultado vai muito além de um diploma. Ao meu pai pelos (muitos) quilômetros percorridos para a conclusão desta monografia. Pela paciência em me acompanhar em cada entrevista, pela parceria em me auxiliar, mesmo cansado, em absolutamente tudo o que pedi. Você não sabe o quanto estas atitudes significaram para mim. À minha mãe que sempre foi e será a maior incentivadora que tenho, por isso: obrigada, sem o seu apoio e encorajamento jamais teria escolhido este curso. Agradeço aos meus avós, e aos meus irmãos pela torcida de sempre. Amo vocês. A toda a minha família: muito, muito obrigada.

Agradeço àquele que antes mesmo de eu começar a sonhar com isso tudo já havia preparado todos os caminhos para que este momento chegasse. Àquele que abriu todas as portas. Através Dele realizei coisas que jamais pensei realizar. Sua força, sua alegria, sua paz e sabedoria inundaram minha vida em todos os momentos. Incrível o Seu cuidado comigo. Só Ele sabe o quanto este diploma significa para mim e por isso, não hesitou em fazer com que a experiência da faculdade me ensinasse tanto sobre o que Ele tem para mim. Ao meu Jesus, todos os meus dias e todos os sonhos que virão, pois apenas um obrigada jamais será o suficiente.

Confesso que não esperava construir laços tão fortes na faculdade. Jamais, nem em minhas melhores expectativas em relação a minha vida acadêmica, poderia esperar por pessoas tão completas. Esse é termo estranho para definir as pessoas, mas foi a única palavra que encontrei que pudesse resumir tudo aquilo que os meus colegas de faculdade significam. Sabe aquelas pessoas que você sente que vão estar contigo em qualquer parada? Estes são os meus amigos da faculdade. Na tristeza um dá o ombro pro outro chorar e diz que o final do semestre vai acabar bem e que as férias estão logo

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fossem as deles. Parceria, como dizem por aí, das fortes. Amizade que ultrapassa a academia e que vai para as outras esferas da vida. Que faz um bem danado. É por isso que eu não posso deixar de expressar aqui meu agradecimento aos meus amigos da Unijuí, à família que escolhi. Obrigada! Vocês são os melhores. Tenho muito orgulho de cada um, pois sei o quão talentosos são. Vocês me inspiraram ao longo destes quatro anos e continuam me inspirando, obrigada por isso.

Agradeço a cada professor pelo conhecimento e paixão compartilhados conosco, por causa de vocês fiquei ainda mais encantada com este mundo do jornalismo. Um agradecimento muito especial à minha orientadora Vera Raddatz, por entender o meu desejo de fazer algo que pudesse beneficiar diretamente uma comunidade e por ter me apresentado à educomunicação. Pela paciência, pelo conhecimento compartilhado, pelos quilômetros percorridos, pela atenção e motivação que me deu. De coração, tenho imenso orgulho em ser orientada por alguém que domina tanto o assunto tratado aqui. Obrigada, obrigada, obrigada, à todos.

Sabemos que a teoria é fundamental, mas a prática é extremamente necessária. Desde o início da faculdade o Grupo Sepé Tiaraju de Comunicação tem acreditado em mim. Obrigada pela oportunidade de mostrar meu trabalho e desenvolver o que aprendo no curso. Agradecimento especial à equipe do Jornal A Tribuna, acreditar em meu talento como vocês acreditaram, dando a mim espaço para a realização de novos projetos foi excepcional. Vocês são incríveis. Não poderia deixar de agradecer a TV Ijuí que, com muito carinho, me recebeu em sua equipe, confiando em meu trabalho e investindo no meu crescimento profissional. Impossível dizer o quanto aprendi através desta oportunidade. Se hoje sou uma quase jornalista com aprendizados profissionais em impresso, rádio, TV, e online, devo tudo isso a vocês. Muito Obrigada.

Por fim, gostaria de agradecer a todos, que sempre estiveram presentes em meu dia-a-dia, acompanhando a minha trajetória acadêmica e me dando força. Espero vê-los no dia em que me tornar oficialmente uma jornalista e aplaudi-los por tudo o que fizeram a mim. Pois por tudo o que fizeram para que meu sonho se tornasse real, naquele dia os merecedores de todos os aplausos serão vocês.

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Este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de avaliar como é estabelecida a comunicação dentro da Reserva do Guarita através da Rádio Cacique Fongue FM, emissora comunitária local. Este estudo busca aprofundar conceitos importantes acerca da forma como a comunicação comunitária acontece, resgatando as primeiras práticas desta comunicação, bem como a sua importância para o desenvolvimento de uma comunidade e para a efetivação de um direito muito importante para o ser humano, o direito de se comunicar e de ser comunicado. Ao longo deste trabalho é possível entender a forma como ocorrem as práticas comunicativas dentro da Reserva do Guarita e na Rádio Cacique Fongue FM, bem como os meios que os moradores utilizam para ter acesso à informação. Um projeto, ao final deste trabalho, é apresentado à comunidade da reserva, com o objetivo de melhorar a comunicação local. Utilizando os conceitos da educomunicação, entende-se que a escola possui um importante potencial para auxiliar a comunidade a estabelecer uma comunicação comunitária de fato, que vise, acima de tudo, o desenvolvimento do cidadão.

Palavras-chave: Cacique Fongue FM. Reserva do Guarita. Comunicação Comunitária. Direitos Humanos. Educomunicação.

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1. TEORIAS DA COMUNICAÇÃO... 12 2. RÁDIOS COMUNITÁRIAS... 28 3. AS RÁDIOS COMUNITÁRIAS EM TERRITÓRIO BRASILEIRO... 33 4. PROGRAMAÇÃO DA RÁDIO CACIQUE FONGUE FM... 38 5. ANÁLISE QUANTITATIVA REFERENTE À COMUNICAÇÃO

ONLINE DENTRO DA RESERVA... 60 6. ANÁLISE QUANTITATIVA REFERENTE AO PAPEL DO RÁDIO

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INTRODUÇÃO ... 08

1 COMUNICAÇÃO: UM DIREITO HUMANO ... 11

2 COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA ... 23

2.1 Rádios Comunitárias ... 25

2.2 A Rádio Cacique Fongue FM ... 34

2.3 O Exercício da Cidadania na Reserva do Guarita ... 40

2.4 A Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Gomercindo Jete Tenh Ribeiro e sua relação com a comunicação na reserva ... 42

3 EDUCOMUNICAÇÃO: EDUCAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA... 44

3.1 O papel do educador como facilitador do processo da educomunicação... 53

4 O EXERCÍCIO DO DIREITO À COMUNICAÇÃO NA COMUNIDADE INDÍGENA DA CACIQUE FONGUE FM ... 57

4.1 Análise quantitativa ... 57

4.2 A escola dentro da rádio da aldeia... 63

4.3 Considerações acerca do projeto... 66

4.4 Considerações acerca da pesquisa de campo ... 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 70

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Com poucas palavras, olhar desconfiado e sem muitos sorrisos, a maioria dos habitantes da Reserva do Guarita não demonstram interesse em manifestar a sua opinião ou trocar experiências com os brancos. É como se ainda houvesse muitas mágoas históricas ali. É como se o olhar de canto, vezes tristonho, vezes somente desconfortável com a presença de um descendente europeu, refletisse lembranças de muito sangue, muitas lutas e perdas. Perdas irreparáveis e que visivelmente não estão dispostos a esquecer. O povo que teve sua cultura, história, suas terras e seus direitos roubados pelo homem branco, hoje vive como um sobrevivente, tentando, e com muito custo, preservar a sua cultura, manter a sua história viva e seus direitos básicos assegurados. No entanto, é como se vivesse à margem, como se de alguma forma fosse inferior aos brancos. Mas não é. Com o apoio do governo para manter suas escolas funcionando, seus postos de saúde em boas condições, sente que não pode mais contar com o órgão que deveria lhe assegurar todos os direitos, “A Funai hoje é só um órgão fiscalizador das terras aqui”, “Mas ela não deveria exercer um papel de facilitadora e intermediadora dos direitos indígenas?” pergunta-se, “Pois é, deveria”, responde o cacique. Mesmo assim o índio ainda vive uma dualidade cultural, pois inserir-se no “mundo do branco” é inevitável para ele.

Dentre muitas dificuldades, sendo a econômica a mais visível, os indígenas, moradores da Reserva do Guarita, vivem sem muitas oportunidades de emprego dentro da comunidade. Por isso, acabam indo para a cidade, principalmente os jovens. Com uma rádio comunitária instalada em seu território desde 2006, que deveria facilitar o acesso à informação e às práticas da cidadania, os indígenas contentam-se com as programações de cunho religioso e musicais.

A Constituição Federal (art. 220, 1998, p. 144) dirá que é um direito de todo o cidadão ter acesso à informação e exercer a comunicação com o objetivo de construir conhecimento e gerar o desenvolvimento da sociedade. Ou seja, além de comunicar, o ser humano possui direito a receber informação.

Esta monografia surge com o objetivo de ampliar as discussões em torno do campo do direito que todo o ser humano tem à comunicação e a partir disso, entender como se faz comunicação comunitária, para que ela serve, a quem ela beneficia.

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utilizados para realizar esta comunicação. Compreender o objeto de análise: a Rádio Comunitária Cacique Fongue FM, a forma como a programação é feita, o modo como a comunidade enxerga a rádio e se de fato ela cumpre um papel comunitário dentro da Reserva de forma que seus ouvintes tenham acesso à informação e exerçam o seu papel de cidadão dentro da sociedade são propósitos deste estudo.

No primeiro capítulo as teorias da comunicação, bem como os conceitos dela, são descritos com base em autores da área. Além disso, é estabelecida uma relação com o tema direitos humanos, especialmente procurando compreender o direito à comunicação.

Iniciando com um apanhado histórico dos principais movimentos populares do Brasil que foram impulsionados pelos meios de comunicação, o segundo capítulo traz os conceitos relacionados à comunicação comunitária, sua importância para as minorias que viam nos meios que adotavam este tipo de comunicação, uma forma de expressar-se, lutar pelos seus direitos e promover a igualdade social. Ainda no segundo capítulo, a Reserva do Guarita é apresentada aos leitores e o objeto de análise: a Rádio Comunitária Cacique Fongue FM tem sua história, sua programação, estrutura e importância para a comunidade local descritas através de relatos pessoais e de entrevistas com os ouvintes. A partir do terceiro capítulo é possível deslumbrar uma solução para as problemáticas apresentadas no capítulo anterior. Tratando exclusivamente de educomunicação, esta parte da monografia traz conceitos, exemplos de aplicação deste paradigma, bem como a sua importância para o desenvolvimento de uma educação mais participativa, plural, diversificada e, acima de tudo, cidadã.

A análise do questionário aplicado entre os estudantes da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Gomercindo Jete Tenh Ribeiro, bem como uma avaliação da forma como a Rádio Cacique Fongue vem trabalhando a comunicação no local e posterior apresentação de um projeto que visa solucionar as problemáticas encontradas nesta avaliação podem ser encontrados no capítulo quatro.

A criação de um elo entre a escola e a rádio com atividades que utilizem os conceitos de educomunicação, acredita-se, pode auxiliar na transformação da Rádio Cacique

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Mesmo que, sob os olhares mais céticos, pareça algo difícil demais mudar totalmente a forma como a emissora trabalha a comunicação local através da aplicação de atividades educomunicativas entre os estudantes, no entanto, como diria Soares (2012), “a educominicação ela desde o início é um sonho, um sonho de mudanças”.

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1. Comunicação: Um Direito Humano

Se buscarmos no dicionário Aurélio, ele definirá comunicação como: “1. ato de comunicar; informação, aviso; 2. passagem, caminho, ligação”. Entretanto é impossível limitar a comunicação dentro dessa definição. Para uma demarcação mais precisa, recorremos à Marques de Melo (1975, p.14) que dirá que “comunicação vem do latim ‘communis’, comum”. O que introduz a ideia de “comunhão”, “comunidade”. Tal definição lembra alguns termos como: “propriedade de todos”, algo “acessível”, “compartilhado”.

Os estudos em torno da comunicação começaram a se desenvolver a partir do início do uso da comunicação de massa na Europa no período entre guerras (1914 – 1918). A partir daí a comunicação, principalmente em forma de publicidade, passa a ser vista pelos governantes como uma arma poderosa. “a opinião comum que prevalece no pós- guerra, é a de que a derrota das forças alemãs deveu-se enormemente ao trabalho de propaganda dos aliados”, (MATTERLAT, p. 37, 1999).

A partir deste período, surge a primeira das teorias comunicacionais, a Teoria Hipodérmica ou teoria da bala mágica. Esta teoria tratava toda a massa de indivíduos de forma idêntica, supondo que a informação atingisse a todos da mesma maneira, sem resistências, questionamentos ou críticas. Este estudo vem a público a partir do livro Propaganda Techniques in the Word War lançado em 1927 por Harold D. Lasswell (MATTERLAT, p. 36, 1995). A teoria trazia o conceito de que todo o indivíduo pensava da mesma maneira e não possuía capacidade intelectual para questionar coisa alguma.

Em 1933, surge um relatório da instituição Pyne Found que investiga os efeitos dos filmes exibidos no cinema no comportamento da população (MATTERLAT, p.41, 1995), “atentando em fatores de diferenças na recepção das mensagens, tais como idade, sexo, meio social, experiências passadas e influência dos pais” (WARTELLA E REEVES, 1985). Após estes estudos, Harold Lasswell aprofunda este conceito e traz a teoria da persuasão. O receptor não é mais visto como alguém passivo. Entende-se que cada grupo possui suas características próprias e recebe a mensagem de uma forma diferente. Paralelamente a esta teoria, surge a Teoria Empírica de Campo (ou Teoria de Efeitos Limitados) que tem seu fundamento baseado em aspectos sociológicos, e deduz que a mídia tem influência limitada na sociedade por ser apenas um instrumento de

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persuasão, pois a mídia é apenas parte da vida social. Depois dela, existem muitos outros fatores que podem influenciar um indivíduo.

O coração da teoria sobre os mass media ligada à pesquisa sociológica de campo consiste, de facto, em associar os processos de comunicação de massa às características do contexto social em que esses processos se realizam (WOLF, p. 46, 1985).

Através da escola de Frankfurt, em 1934, surge a teoria crítica. Tal teoria encara a mídia como instrumento que influencia a sociedade para o capitalismo. Teve papel importante no surgimento da indústria cultural, onde a arte passa a ser produzida como produto de consumo de massa (WOLF, p.83, 1985).

A Teoria Funcionalista tem seus primeiros estudos em 1948. Esta teoria procura entender o papel da mídia na sociedade e não mais apenas os seus efeitos. Nasce para dizer que o indivíduo que recebe a informação é mais importante do que a informação em si. A pergunta que norteia a pesquisa não é mais “o que a mass media faz com as pessoas?” e sim “o que as pessoas fazem com a mass media?”. Conforme defende Canclini (2003). O indivíduo deixa de ser estudado apenas por seu comportamento, e passa a ser avaliado por sua ação social.

A Teoria Culturológica surge a partir de um estudo realizado por Edgar Morin em 1962 (Wolf, p.100, 1985), parte do pressuposto de que a mídia não produz uma padronização cultural. Ela se baseia em uma padronização já existente nas sociedades, que surge a partir de características nacionais, religiosas e/ou humanísticas.

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Para Jesus Martín-Barbero, é inaceitável que análises referentes ao campo da comunicação não levem em conta as transformações sociais que as mensagens podem trazer. Por isso, elabora uma teoria a partir de conceitos do Cultural Studies, ou seja, uma abordagem cultural da comunicação. O autor observou que

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Os meios de comunicação não configuram o ser humano num receptor passivo e alheio à sua própria realidade, ou seja, a mídia não institui e delimita uma relação unilateral entre um emissor dominante e um receptor dominado, pois entre esses dois polos há uma intensa troca de intenções na cadeia comunicacional. Isto é, os conteúdos culturais são responsáveis, juntamente com a vivência individual, pelos repertórios que cada sujeito possui para interpretar a realidade. (DANTAS, 2008, p.2)

Dantas (2008, p.2) afirma que “na ordem geral desta proposta pode-se dizer que não é possível compreender o que ocorre no campo da comunicação apoiando-se apenas no que produzem os especialistas da área”. Para Freire (1987, p.78), importante pensador da área da educação, o indivíduo não deve limitar-se a teoria, é necessário que conhecimento e prática andem juntos, pois “A teoria isolada da prática social gera apenas a “palavreria, o verbalismo, blablablá”, também a ação sem o refletir, sem o pensar, é apenas “ativismo” (FREIRE, 1987, p.78)

O clássico conceito de como funciona o processo de comunicação se apresenta-se como o mesmo pertencente a teoria da agulha hipodérmica da seguinte forma: de um lado está o receptor – aquele a quem a informação é direcionada – do outro lado encontra-se o emissor – aquele responsável por emitir a informação – e entre os dois existe a mensagem. Esta forma de comunicação

No entanto, dentro deste modelo de comunicação, o receptor não tem voz. Ou seja, a comunicação é vertical. O receptor é visto como alguém passivo, que recebe a informação sem questionar. Este processo é descrito com perfeição por Beltrán (1981)

[...] o que ocorre seguidamente sob o nome de comunicação é pouco mais do que um monólogo dominante em benefício do iniciador do processo. A retroalimentação não é empregada para proporcionar a oportunidade de um diálogo autêntico. O receptor das mensagens é passivo e está submetido, uma vez que quase nunca se lhe dá a oportunidade adequada para atuar também como verdadeiro e livre emissor; seu papel consiste em escutar e obedecer. Tão vertical, assimétrica e quase autoritária relação social constitui, no meu modo de ver, uma forma antidemocrática de comunicação (...). Devemos ser capazes de construir um novo conceito de comunicação – um modelo humanizado, não elitista, democrático e não-mercantilista, (BELTRÁN 1981, p. 72).

Entretanto, o ato de comunicar ultrapassa a percepção de que a comunicação seja estabelecida entre indivíduos apenas com a finalidade de transmitir uma informação. Comunicação é interação, participação, conexão. Percepção que vem ancorada nos estudos de Beltrán e completa o modelo apresentado acima (1981).

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[…] Comunicação é o processo de interação social democrático baseado no intercâmbio de símbolos mediante os quais os seres humanos compartilham voluntariamente suas experiências sob condições de acesso livre e igualitário, diálogo e participação. Todos têm direito à comunicação com o propósito de satisfazer suas necessidades de comunicação por meio da utilização dos recursos da comunicação. (BLETRÁN, 1981, p. 65)

A comunicação funciona como um processo, ou seja, algo que está sempre em evolução, algo mutável, não estático, algo que não se pode prever onde ainda poderá chegar, ou o que ainda será capaz de transformar.

Um exemplo atual é a internet. Com o seu surgimento a forma de estabelecer a comunicação foi totalmente reinventada. Isso significa que este processo do qual se fala, está intimamente ligado com a tecnologia. Das prensas de Gutemberg à nova ferramenta de socialização de Zuckerberg1, a comunicação está sempre em movimento e, cada vez mais, é observada como uma ferramenta de conexão e interação do indivíduo com o mundo.

Partindo da definição de comunicação como processo, problematiza-se uma das questões que norteiam este estudo: De que forma este “processo” pode propiciar, abrir caminhos, facilitar ou promover o exercício do direito humano dentro de uma sociedade?

De acordo com Wolton (2004), a concepção de comunicação que uma sociedade possui, bem como a forma como a mesma a exerce, tem direta influência no modo como a democracia é vista/ praticada em um grupo social:

No momento em que a informação e a comunicação, dimensões ancestrais de qualquer experiência humana e social, passam a constituir indústrias e mercados. É preciso desenvolver urgentemente conhecimentos e teorias para relativizar o tecnicismo e o economismo, e preservar as dimensões de emancipações que, desde o século XVI, na Europa, estiveram na origem das batalhas pela liberdade de informação e de comunicação. Para mim, não haverá democracia no plano mundial sem uma reflexão teórica sobre os desafios políticos, culturais, técnicos, antropológicos e sociais ligados à comunicação. O mais importante, na informação e na comunicação, não são as ferramentas nem os mercados, mas [ ] o ser humano, a sociedade e as culturas. Por isso, não há comunicação sem uma teoria da comunicação, isto é, sem uma representação das relações humanas e

1 Mark Elliot Zuckerberg é um programador e empresário norte-americano. Ele ficou conhecido mundialmente por ser um dos fundadores do Facebook, a maior rede social do mundo, em 2004.

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sociais, e, finalmente, sem uma teoria da sociedade e da democracia. ‘Diga-me a qual teoria da comunicação você adere, eu lhe direi, finalmente, a qual concepção da sociedade você está ligado. (WOLTON 2004, p. 18).

De acordo com a Constituição Federal, (art. 220, 1998, p. 144), é garantido ao cidadão o acesso à informação e o exercício da comunicação para a construção de conhecimento e desenvolvimento social. Portanto, entende-se que, além de receber informação, é de direito do sujeito, estabelecer uma comunicação da qual ele participe como sujeito ativo. Para Lafer:

Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, o direito à informação está contemplado no art. 19 nos seguintes termos: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, que implica o direito de não ser inquietado pelas opiniões e de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão. ( LAFER, 1991, p. 241).

Para Raddatz (2012), nenhuma forma de poder, seja ela política ou econômica pode propiciar a tranquilidade e a paz se não respeitar os direitos humanos. Estes direitos podem ser classificados em três gerações. Na primeira estão os direitos civis e políticos, na segunda os direitos econômicos, sociais e culturais e na terceira o direito de solidariedade internacional. De acordo com Raddataz (2012) o direito à vida caracteriza-se como o mais importante.

Os homens nascem livres e iguais, em dignidade e direitos, conforme prega o artigo 1º da Declaração dos Direitos Humanos, de 1948. Isso, entretanto, não se concretiza na prática, em razão de que os cidadãos nascem entranhados nas suas diferenças de toda a ordem, desde a econômica, étnica até a social, o que faz com que os ideais de justiça e humanismo não sejam atingidos. (RADDATAZ 2012, p. 299).

De fato este mundo perfeito onde todo o ser humano é tratado de modo igualitário não existe. Neste cenário as perspectivas das minorias em relação as demais classes são menores devido as suas condições materiais que os garantes diversos benefícios. Pinsky (2003) discorre sobre isso

O conceito de “cidadão”, expandido para incluir a democracia foi então utilizado como método para permitir e legitimar a coexistência de tantos homens diferentes. Só que isso, dentro do ideário de cidadania, podia ser feito unicamente por meio da negação de diferenças grupais; a aplicação de princípios genéricos solucionaria, acreditou-se, as desigualdades particulares. O ideal se chocou com a dura realidade social de discriminação, preconceitos, perseguição, alienação. (PINSKY 2003, p.344).

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Um exemplo de grupos menores que acabam por ter seus direitos muitas vezes negados e parte de sua identidade cultural perdida ao longo da história são os indígenas. Em sua monografia, “Direitos Humanos e Cidadania na Reserva Indígena do Guarita, Janassana de Oliveira (2005)

No Brasil pode-se exemplificar as afirmações propostas por meio da análise da questão indígena. Durante a colonização, a maior parte dos índios brasileiros foi dizimada, e os que sobreviveram sofreram com as atitudes dos brancos [...] houve a tentativa de inseri-los no meio social dos brancos, perdendo-se com isso, muito da identidade cultural deste povo, que hoje se tornou vulnerável e dependente. (OLIVEIRA 2005, p.20).

Para Marders apesar da aproximação dos povos, da evolução dos meios e do importante avanço da comunicação, a globalização acabou afastando o cidadão da proteção que seus direitos deveriam lhe proporcionar.

Em um cenário baseado no modelo de globalização, como o que se vive não seria ilógico pensar que todos deveriam ter maior facilidade em acessar e gozar dos serviços públicos e ter garantidos os seus direitos, um vez que isso lhes seria proporcionado, em parte, pelo acesso à informação. Lamentavelmente, isso não é o que tem ocorrido, pois, apesar dos avanços dos meios de comunicação, que deveriam viabilizar o acesso à informação a todos, grande parcela da população ainda se encontra a margem, lutando pelo pão de cada dia para amenizar a sua fome e garantir a sobrevivência, sem se preocupar com a violação dos seus direitos.(MARDERS 2012, p.212).

Sessenta anos após a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a sociedade ainda vive como se desconhecesse os direitos que possui. A falta de informação torna o ser humano vulnerável a qualquer violação e abuso. Infelizmente esta tem sido a realidade de inúmeros grupos sociais que, pela falta de informação, são

privados dos direitos mais inerentes à vida humana. Dentro desta questão, o direito à informação ganha destaque como sendo

o primeiro direito assegurado ao cidadão através de um acesso a uma ordem jurídica justa (LIMA FILHO, 2003, p.96-97).

Uma sociedade justa se constrói com liberdade de expressão e direito à informação (Raddatz, 2012), no entanto, com o surgimento de novas tecnologias, que emergem como instrumentos facilitadores do acesso à informação, diversos grupos sociais correm o risco de não exercerem o seu direito, já que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) nem sempre podem ser acessadas por todos. Ou seja, a tecnologia que revoluciona a forma de exercermos a comunicação, facilita relações interpessoais e

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estabelece no indivíduo uma nova cultura - a cultura da interatividade, da troca de informações instantâneas, da comunicação ao alcance de um click - também acaba por excluir ainda mais os grupos sociais que não possuem acesso aos novos meios de acesso à informação. Realidade que é retratada por Raddatz (2012)

As tecnologias e a técnica não devem ser olhadas, porém, como a tábua de salvação, mas como suportes para dominar os novos códigos dessa sociedade, sem os quais, os indivíduos podem vir a se sentir marginalizados e desprotegidos. (RADDATZ, 2012, p. 297).

O desenvolvimento das variadas tecnologias, a transição do analógico para o digital (entre o final do século XX e início do século XXI) trouxeram valiosas mudanças para a sociedade. É necessário ressaltar o quanto a mudança na forma de comunicar influenciou na transformação de toda uma cultura. Hoje a comunicação ocorre por vários meios. O indivíduo não está mais limitado em somente receber a informação e questioná-la ou comentá-la em seu grupo de amigos. Ao mesmo tempo em que se recebe a informação, dá-se um feedback. Este processo é quase que instantâneo. É como se cada indivíduo ganhasse um alto-falante e pudesse exibir sua opinião a todos. Vive-se na sociedade da informação, mas isso não significa que o acesso a ela esteja ao alcance de todos os cidadãos, pensamento retratado por Kucinski:

Os meios de comunicação de massa substituíram as praças públicas na definição do espaço coletivo da política no mundo contemporâneo, mesmo em países como o Brasil, nos quais ainda ocupam as ruas importantes movimentos sociais e de protestos. (KUCINSKI, 1995, p.16).

A informação é o princípio da cidadania e condição para o cumprimento dos direitos humanos, (RADDATZ, 2012). Ou, seja, todo o indivíduo possui direito a ser informado e informar com verdade. Um exemplo deste exercício é a imprensa, que além de exercer o direito de informar, garante que a sociedade tenha assegurado o direito à informação. Além disso, o artigo 5º, LXXII, da Constituição Federal (1988, p. 11) assegura “o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constante de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público”. O direto à informação garante o acesso a outros direitos. Para Gentilli (2005, p. 128) o direito a informação é “toda aquela informação, de sentido social, indispensável para a vida em sociedade”.

Ainda de acordo com Gentilli (2005), o direito a informação, dentro do contexto do direito civil, é “a forma como se manifesta presentemente a liberdade de manifestações

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e de expressão no contexto do Estado de direito, dentro do campo da política. “Deve ser entendido como a informação que permita ao cidadão a escolha, a opção, no campo da esfera pública,” (Gentilli 2005, p. 128). Além disso, o direito à informação pode ser visto de uma segunda maneira, “o acesso à informação é uma prerrogativa e deve ser garantido por lei” (p.134). O direito à informação é visto como aquele que dá ao cidadão os recursos para entender melhor a sociedade em que se vive, levando-o a interagir com os outros de forma solidária e responsável (RADDATZ, 2005, p. 302). De acordo com Lima Filho (2003, p.96-97), os direitos do homem são diferentes dos direitos do cidadão. Enquanto o direito do homem é inerente a ele, imutável não levando em conta as circunstâncias, o contexto histórico em que vive uma sociedade, acompanha o homem onde quer que ele vá, é universal e absoluto. O direito do cidadão é dado ao homem para que o mesmo exerça o seu papel dentro de uma sociedade, garantindo que a mesma funcione de modo harmonioso.

Para auxiliar o Estado em relação à proteção dos direitos humanos, as ONGs surgem após o regime militar no Brasil (1985). Com trabalhos focados em grupos distintos, estas organizações trazem a importância de respeitar os aspectos culturais de cada grupo e de, literalmente, tirar estes direitos do papel e colocá-los em prática nos locais menos assistidos, condizendo com a visão de Santos. O autor defende

[...] que pratique a indivisibilidade dos direitos humanos, que permita a coexistência entre direitos individuais e direitos coletivos, que se paute tanto pelo direito a igualdade como pelo direito ao reconhecimento da diferença, e, sobretudo que não se auto-contemple em programações tão exultantes quanto vazias de direitos fundamentais, que normalmente de pouco servem àqueles que vivem na margem da sobrevivência em contacto permanente com a desnutrição e a violência. Uma concepção contra-hegemônica dos direitos humanos tem de enfrentar a situação dos desempregados e dos trabalhadores precários, dos camponeses sem- terra, dos indígenas espoliados, das vítimas de despejos, das mulheres violentadas, das crianças e adolescentes abandonados, dos pensionistas pobres. É adoptando esta concepção que o sistema judicial assumirá a quota-parte de responsabilidade na execução das políticas sociais (SANTOS, 2008, p.35).

De acordo com a análise de Corrêa (2000), o direito somente constitui-se de fato como tal, a partir do instante em que começa a ser estabelecido nas esferas mais baixas da sociedade, nos grupos marginalizados, nos lugares onde a necessidade de algo que garanta sua dignidade é maior pois:

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O direito é direito de todos somente quando começar a ser respeitado a partir dos condenados da terra; a vida é garantida a todos, unicamente quando se inicia sua promoção [...] Se de saída excluímos todos estes e começamos a vivenciar os direitos humanos a partir das classes beneficiadas pela ordem vigente, então sim, parcializamos a questão universal dos direitos humanos. (CORRÊA, 2000, p.201-202)

Apesar de o direito humano ser válido a todos independentemente da nacionalidade, raça, crença ou grupo social, ao promover a conscientização e o acesso a ele em determinados grupos é necessário ter o entendimento de que existe uma cultura naquele local, construída ao longo de muitos anos, tradições, crenças e costumes que devem ser preservados.

Conforme Marders (2012, p. 212) o direito humano só pode ser aplicado quando se reconhecem as características culturais de um determinado grupo, adequando estes direitos aos atributos locais. Pensamento semelhante ao de Baldi, “A falta de legitimidade cultural é considerada uma das grandes causas de violação dos direitos humanos” (Baldi, 2008, p.41). A realidade cultural deve ser preservada. Não há como exercer direitos humanos impondo determinada cultura a um grupo.

A comunicação e os direitos humanos são áreas interdependentes. A partir da ideia de que uma sociedade só pode ser de fato democrática se todos os que dela fazem parte tiverem voz, seja em momentos de tomadas de decisão, de expor suas necessidades ou apenas ao emitir seu ponto de vista em determinadas ocasiões, a comunicação, desde o surgimento das linguagens – que coincide com o surgimento da vida humana – adquire uma importância crucial para a vida em sociedade.

[...] Com efeito, num plano lógico de consideração dos fatos, o processo da comunicação humana poderia ser encarado como o fundamento da vida social e não o contrário, conquanto do ponto de vista da natureza ou da estrutura de tais fenômenos os dois se manifestam de forma nitidamente inseparáveis e, mais que isso, interdependente: [...] (MENEZES, 1973, p. 147).

Por ser tão presente no dia-dia de todos os indivíduos, a comunicação apresenta-se como um importante instrumento para promover a cidadania. O equilíbrio de uma sociedade depende disso. Cada indivíduo precisa exercer o seu papel dentro dela.

Cidadania trata-se da consciência de um indivíduo em relação aos direitos que possui dentro de uma sociedade. A partir disso, é necessário que o mesmo contribua com a sociedade a partir da prática dos seus deveres para com ela. Deve ser entendida como

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um processo contínuo e de direito de todos os indivíduos. É a concretização dos direitos humanos. Corrêa afirma que:

A cidadania, pois significa a realização democrática de uma sociedade compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude de vida. (CORRÊA, 1999, p. 217)

O cidadão é aquele que participa, interage e contribui com a sociedade. Aquele que possui consciência dos seus direitos e cumpre com os seus deveres. O termo cidadania tem origem etimológica no latim civitas, que significa "cidade", ou seja, o “cidadão” é pertencente a uma sociedade e isso lhe atribui direitos e deveres. Para Raddatz (2012, p. 300), a informação é o princípio da cidadania e condição para o cumprimento dos direitos humanos, e a mesma só se concretiza a partir da inclusão do cidadão na sua comunidade com acesso aos direitos de modo igualitário. A partir de conceitos como este, desenvolve-se na América Latina em meados de 1970, as primeiras experiências de comunicação popular. Auxiliando este processo, Paulo Freire surge como um inspirador dos críticos ao modelo clássico de comunicação. Esta visão traz um modelo de comunicação no qual o conhecimento é construído de modo conjunto, através da comunicação, onde a imposição de algo é descartada. Mas para além disso, o “processo de comunicar” é visto como um instrumento de socialização e inclusão.

Implica na participação, sugere uma transferência interativa da informação. E, subjacente ao conceito, há uma sugestão ética ou humanitária sobre a responsabilidade de assegurar uma distribuição global mais justa dos recursos necessários para que a comunicação se torne possível (FISCHER, 1984, p.16).

Essa forma de comunicar contribui para o desenvolvimento de uma sociedade e para além disso o indivíduo que a pratica desenvolve o espírito participativo, a liberdade de expressão e cumpre com o dever de contribuir, com seus aprendizados, suas ideologias, suas crenças, e experiência para uma sociedade mais diversificada e democrática. Diria até que uma sociedade mais “pensante”. Para Laurício Neumann (1990, p. 64), “Quanto mais intensa for a comunicação, maior será a interação, mais livres são as pessoas envolvidas”.

Essa visão sai do papel e começa a tomar forma em 1961, quando Paulo Freire, com o apoio da igreja católica inaugura Movimento de Educação de Base (MEB). Tratava-se de um programa nacional de alfabetização de adultos pertencentes às classes menos

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favorecidas do Nordeste, através de experiências radiofônicas. O meio utilizado para ensinar são as rádios da Igreja.

Por volta de 1960, os bispos começam a ver nos meios de comunicação alternativos um instrumento de evangelização, no entanto, para isso, se fazia necessário educar a população para a utilização destes meios.

Foram criadas escolas radiofônicas como centros de educação e conscientização, sementes da igreja. Em 1965, eram 1 410 escolas radiofônicas da Arquidiocese de Natal. Através delas, reuniram-se grupos de pessoas para alfabetizar-se, formar uma comunidade, menor que o povoado e paróquia. Todos os participantes eram católicos. O trabalho era orientado pela arquidiocese. Então, catequizava pelo rádio. Aos domingos, as comunidades se reuniam em torno do aparelho de rádio para responder à missa que o bispo celebrava e para escutar a sua palavra. (MELO, 1985 p. 52).

A partir da visão de uma comunicação mais cidadã, surge o conceito de que o rádio pode ser muito mais do que um simples meio de transmitir uma mensagem, ele se estabelece, para Brecht, como um aparelho de comunicação que possibilita ao ouvinte estabelecer uma relação.

O rádio seria o mais fabuloso aparato de comunicação da vida pública [...] quer dizer, seria se soubesse não somente transmitir, mas também receber, portanto, não somente fazer o ouvinte escutar, senão, pôr-se em comunicação. (BRECHT, 1985, p. 4).

Portanto, entende-se que é possível estabelecer uma comunicação cidadã através do rádio, contribuindo para o exercício dos direitos humanos dentro de um grupo social considerado minoria. É possível aproximar indivíduos, propiciar trocas de conhecimento e desenvolver o senso crítico de uma população que, talvez até desconheça o quanto uma realidade pode ser transformada através da comunicação.

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2. Comunicação Comunitária

A comunicação popular tem seu início no Brasil, através das Comunidades Eclesiásticas de Base no País, as CEBs. Estas comunidades foram antecedidas pela catequese popular de Barra do Paraí, realizadas no Rio de Janeiro, experiências de apostolado leigo e os esforços da renovação paroquial. O Movimento de Educação de Base (MEB), conforme vimos no capítulo anterior, também antecedeu este processo.

Após o surgimento do MEB, e dos outros movimentos promovidos pela igreja que acabaram por trazer à tona uma nova forma de comunicar, o conceito de comunicação que tem a sua fundamentação no emissor, mensagem e receptor, começa a perder o sentido já que a comunicação deixa de ser unilateral e passa a ser participativa, popular, comunitária. É o que afirma Cogo:

Essa nova comunicação vai ser vivenciada nas reuniões, encontros, liturgias e em diversos outros momentos, mediante o emprego de diferentes dinâmicas e recursos pedagógicos ou simplesmente por meio da retomada da palavra, da simbologia, da partilha de experiências (COGO, 1998, p. 37).

Com a equipe formada por voluntários militantes do meio popular, as Comunidades Eclesiásticas de Base somam 80 mil em todo o país durante o período de 1970. Talvez o grande responsável por este crescimento todo tenha sido o fato de que o espaço que as CEBs sediavam não eram destinados somente aos cristãos, mas a toda a população. De acordo com Cogo, esta nova forma de comunicação teve grande importância para impulsionar diversos movimentos populares.

Devido a estas ações e levando em conta a relevância social que elas tiveram, alguns autores destacam a igreja católica como uma das principais articuladoras dos movimentos sociais por volta de 1960 no Brasil. Assim como a igreja é considerada responsável pelos movimentos sociais, estes são considerados responsáveis pelo desenvolvimento da comunicação popular no Brasil. Ou seja, comunicação popular e movimentos sociais crescem e se aperfeiçoam juntos. Isso denota a importância da comunicação para dar voz aos grupos sociais considerados minorias. Funciona basicamente como um canal onde estes grupos têm o poder de se manifestar. A comunicação já não é mais elitizada, uma nova forma de expressão é descoberta, os grupos ganham um novo aliado na luta por seus direitos.

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No entanto, a falta da liberdade de expressão é algo que marca as décadas vindouras. Os meios de comunicação de massa passam a ter suas informações controladas e, não raramente, manipuladas por militares. A comunicação passa a ser restrita. Com o controle dos grandes meios, as formas alternativas de comunicação tornam-se aliadas da sociedade, “os meios de comunicação emergentes não diretamente sujeitos a tal controle passam a ser algo extremamente real e de interesse da sociedade e pesquisadores” (Peruzzo, 1991, p. 68).

Para Cogo, a comunicação tornou-se instrumento de transformação e apoio às minorias:

O movimento popular, portanto, não faz comunicação por comunicação, gerando e fortalecendo lógica à comunicação, mas a pratica no marco de um processo transformador no qual o componente comunicacional se une ao pedagógico e organizativo (COGO, 1998, p.40).

Ainda segundo a autora, é necessário entender as reais necessidades do grupo e pelo que luta. É preciso adaptar a comunicação às necessidades locais para que ela de fato possa ser útil na comunidade em que está inserida.

[...] o contexto torna-se essencial, gerando e fornecendo lógica à comunicação popular, ou seja, o conceito “popular” passa a dizer respeito muito mais a uma inserção num contexto alternativo de luta, atribuindo assim uma nova definição à comunicação comunitária [...] Assim, sejam os protagonistas da comunicação popular os próprios membros dos grupos populares, seja essa comunicação realizada por “mediadores” junto às classes dominantes, emissores e receptores formam parte de um mesmo grupo que tem um projeto em comum que vai se realizando (Cogo, 1998, p. 40).

Como o nome já explica, comunicação comunitária tem o objetivo de envolver toda a comunidade na elaboração da mensagem que será transmitida. Ou seja, o mais importante aqui é a participação de todos no processo da comunicação. Na prática talvez esse processo não funcione assim. Ignorando a verdadeira razão de existir da comunicação comunitária, muitos meios não têm se mostrado dispostos a produzir a mensagem de forma conjunta, ou seja, tornam-se semelhantes aos meios de comunicação de massa, perdem as verdadeiras características de uma comunicação comunitária. Estabelecem o autoritarismo em um meio onde a colaboração deveria imperar. Esquecem-se das transformações sociais das quais estes meios já foram responsáveis. As minorias perdem a voz, o seu direito de comunicar é violado.

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No entanto, é importante lembrar que em algumas ocasiões nem todos se engajam no processo da elaboração da mensagem. Assim como nem todo o movimento social tem relação com a comunicação comunitária, nem toda a comunicação comunitária tem relação com estes movimentos. No entanto, em ambos os casos, é preciso construir um ambiente de produções de caráter colaborativo, pensando sempre no bem comum, trazendo conteúdos que construam o conhecimento, informem de modo sério e ofereçam espaço para que a luta pelos direitos da comunidade aconteça. Geram assim um ambiente democrático, com indivíduos conscientes do papel transformador através da comunicação e não um canal em que ecoa “a voz do dono”.

A comunicação comunitária tem o objetivo de dar voz a quem normalmente não tem oportunidade de se expressar nos veículos tradicionais de comunicação – eletrônicos e impressos, no entanto, não se posiciona contra a comunicação de massa (que ao contrário da comunicação comunitária, possui interesses comerciais e de classes dominantes).

2.1 Rádios Comunitárias

Em mais de cinco décadas de existência, as rádios livres, hoje chamadas de comunitárias2 ainda são vistas com maus olhos por parte de alguns grupos da sociedade. Inicialmente, com equipes trabalhando de forma voluntária, estas rádios passaram a ter a sua estrutura de programação construída a partir de influências, principalmente, das rádios latino-americanas e das comerciais brasileiras. Outras mantêm um estilo próprio à forma de comunicar.

Por seu baixo custo em relação aos outros meios de comunicação, por seu alcance – rádios comunitárias hoje possuem um alcance de 25 watts - e agilidade, o rádio pode ser considerado um meio mais alternativo e por isso, um instrumento muito utilizado pelos pequenos grupos como forma de expressão.

Em 1947 surge a primeira rádio comunitária em uma comunidade isolada na Colômbia, que influenciou o surgimento de outras emissoras semelhantes posteriormente.

2 Regina Festa levanta 33 termos que podem ser utilizados para designar comunicação comunitária, sendo alguns deles: comunicação alternativa, comunicação popular alternativa, comunicação participativa, comunicação comunitária, comunicação grupal, comunicação de base, comunicação emergente, comunicação de resistência, comunicação militante, comunicação dos marginalizados, comunicação libertadora, comunicação dialógica, comunicação do oprimido, comunicação horizontal, imprensa pequena, imprensa popular, imprensa sindical (FESTA, 1986, p. 35).

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Comandada por um padre, a rádio Sutatenza tratava de assuntos de interesse da população. É provável que naquela época a comunidade ainda não possuía acesso a nenhum outro meio de comunicação de caráter comunitário.

Voltada à difusão rural, não somente agrícola, a Rádio Sutatenza, enquanto meio de comunicação coletiva, combina-se com uma série de outros meios e programas de comunicação para a promoção do desenvolvimento rural. Além da transmissão e recepção de programas de rádio, o projeto envolve o emprego de cartilhas, distribuídas gratuitamente, uma biblioteca rural, um periódico semanal (com maior tiragem entre a população rural colombiana), discos e fitas cassetes, que servem para esclarecer e complementar as mensagens educativas (Cogo, 1998, p. 59).

O resultado de um relatório científico sobre os aprendizados básicos com relação à produção agrícola ilustra a importância de uma rádio comunitária de caráter social para a transformação de uma comunidade

Segundo relatório científico realizado por Stefan Musto em 1969, foram educados 700 mil pessoas receberam conhecimentos básicos sobre a produção agrícola entre os anos de 1954 e 1968 através da rádio. Este número é considerado mais expressivo ainda quando se tem conhecimento de que 70% da população colombiana habitava no meio rural (COGO, 1998, p. 54).

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No decorrer de uma década, formou-se uma cadeia de oito rádios comunitárias. Conquistou-se patrocínio internacional e apoio do governo. O objetivo era intermediar a educação dos camponeses. Após essa experiência se estendeu pela américa Latina por volta de 1950. Cerca de 500 rádios semelhantes à Sutatenza surgiram em 15 países,

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todas com foco na educação de indígenas e camponeses. Alguns anos depois, o foco se estendeu também para as populações marginalizadas (Torres, 2009).

O rádio chegou no continente em meados de 1923 e foi o primeiro dos grandes meios eletrônicos a entrar em solo latino-americano. Nos anos 60 a América Latina já possuía 14 milhões de aparelhos rádio. De acordo com Cogo (1998, p.56) no continente tinha-se uma emissora de rádio para cada 17 mil ouvintes. Levando em conta este resultado, na América Latina, em comparações com outros locais, como o Canadá, por exemplo, que possui uma emissora para cada 75 mil ouvintes, temos um número expressivo de aparelhos radiofônicos.

Com o grande número de rádios, a América Latina também caracteriza-se como o lugar onde a experiência da comunicação participativa tem acontecido em maior número.

Estas emissoras latino-americanas, posteriormente denominadas rádios comunitárias, educaram seus povos, melhoraram a situação de pequenas populações, combateram ditaduras e participaram de vários feitos históricos neste continente. São, definitivamente, um exemplo de bom uso dos meios de comunicação, mostrando a capacidade socializadora do rádio (TORRES, 2009, p. 348).

Como visto anteriormente, a igreja, principalmente a Católica, teve participação efetiva na construção de uma comunicação realizada junto com grupos marginalizados pela sociedade através do rádio. Mas foi com o surgimento da Aler3 em meados dos anos 70, que as rádios comunitárias ganharam força. Além disso, neste mesmo período, registrou-se o surgimento da educação popular nas escolas latino-americanas (Torres, 2009, p. 351).

Utilizada por militantes, as rádios comunitárias se tornaram uma arma poderosa na luta das minorias por seus direitos. Os salvadorenhos deixaram um marco na história das rádios comunitárias com a difusão da luta do povo para ser legalizada. Nenhuma proposta de uso de rádio em favor de um projeto revolucionário popular na América Latina foi conduzida com tanta habilidade e êxito quanto pelos guerrilheiros de El Salvador na luta contra a intervenção norte-americana (COGO, 1998).

3 Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica é a rede de rádios comunitárias educativas mais importante da América Latina. Surgiu em 1972, em Sutatenza, na Colômbia. Sua missão inicial foi unir esforços e compartilhar experiências entre as emissoras cristãs no campo da alfabetização e na educação de adultos. Atualmente tem sua sede localizada em Quito, no Equador. (TORRES, 2009, p. 359).

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De acordo com Torres (2009) as primeiras emissoras livres na América foram voltadas para lutas sindicais e revolucionárias e ainda em 1950 surgem as rádios dos trabalhadores das minas na Bolívia. Em poucos anos, diversas rádios relacionadas aos mineiros emergem, “isso provoca uma febre de emissoras sindicais que se espalha, especialmente nos mineiros [...] Em 1963 haviam 23 emissoras funcionando em todo o país” (Masagão, 1987, p.19).

No Brasil, apesar de exercerem um papel importante dentro dos grupos das minorias, nas lutas por seus direitos, as rádios comunitárias não chegaram a ter um papel tão revolucionário quanto nos demais países latino-americanos. De acordo com Torres (2009, p. 354), todas as rádios de caráter comunitário desta época eram ilegais.

Essa forma popular de comunicação teve grande relevância no país, já que as principais emissoras nem sempre estabeleciam um ambiente democrático para a prática da comunicação, ou seja, emissoras comerciais que na maioria das vezes não davam voz aos pequenos grupos sociais. Além disso, a legislação de radiodifusão nem sempre permitia o acesso dos pequenos grupos às concessões e estes grupos estavam impossibilitados de exercer o direito que lhes é garantido na Constituição.

Em 1985 surge a Rádio Xilik FM4, criada por alunos da PUC em São Paulo, “o objetivo era contestar a programação das rádios comerciais em frequência modulada” (LORENZON, 2009, p. 17). Foi a partir deste experimento que começam a surgir diversas outras emissoras de comunicação com caráter comunitário.

Acredita-se que o desenvolvimento de uma sociedade com anseio por informações verídicas reproduzidas a partir do interesse focado no bem comum, sem manipulações, sem interesses comerciais ou de um grupo dominante motiva a população a buscar meios alternativos de receber a informação. Portanto, o rádio transforma-se em “um instrumento de informação essencial como mobilizador e conscientizador em uma população quase nada alfabetizada” (SANTORO, 1981, p.98).

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A rádio Xilik FM possui um portal na internet que não é atualizado desde 2014. Mas disponibiliza materiais importantes com debates sobre a monopolização dos meios de comunicação. Isso demonstra que o rádio pode se utilizar das diversas possibilidades que a internet oferece. O material da rádio está alí, através de áudios e textos demonstra a grande garra dos integrantes da rádio em lutar por uma comunicação menos elitizada, bem como a sua efetiva participação no ambiente acadêmico.

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Por ser um meio de simples acesso, o rádio pode chegar aos lugares mais remotos ao mesmo tempo em que está presente em grande número nas grandes cidades. Caracterizado por sua linguagem simples, ele aproxima o ouvinte da mensagem e muito mais do que isso, o rádio se insere no dia-a-dia da população de uma forma extraordinária e como já foi visto, tem grande potencial para promover mudanças sociais através de uma comunicação comunitária.

O rádio é o meio mais presente, ele pode ser escutado em qualquer cômodo da pequena e precária habitação popular, enquanto a pessoa cozinha, passa a roupa ou espia a janela. A vulgarização do transistor permite que o rádio se estenda à lavoura, ao tanque de lavar roupas, á caminhada pela estrada. O rádio é a janela auditiva de contato das classes populares com o mundo: por ele as pessoas ouvem suas músicas, seus programas preferidos, o noticiário. (Festa,1986, p. 103).

Estas vozes do rádio comunitário podem ser definidas como as portadoras do impulso de mudança. Pelo fato de permitirem a democratização da comunicação, pois não estão sujeitas a interesses comerciais, as rádios comunitárias dão à população a oportunidade de ouvir a voz de sua comunidade, bem como expor as principais reivindicações a respeito de um grupo local. Esse processo não acontece nas grandes emissoras de rádio que por vezes tem a sua programação voltada a interesses comerciais, sem abrir espaço à pluralidade de pensamentos, opiniões, reivindicações. Por conta disso, a ação de pensar o rádio como um instrumento transformador de uma realidade local não ocorre. As Rádios Comunitárias no Brasil passaram finalmente a ter um aparato legal em 1998 quando foi aprovada a Lei de Radiofusão Comunitária, nº 9.612. No entanto esta aprovação causou certo descontentamento por parte das rádios comerciais, pois, de acordo com o artigo 18 da legislatura, as rádios comunitárias estariam autorizadas a receber patrocínio, “As prestadoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária poderão admitir patrocínio, sob a forma de apoio cultural, para os programas a serem transmitidos, desde que restritos aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendida” (Lei de Radiofusão Comunitária nº 9.612, 1998).

Com isso muitas empresas redirecionaram seu patrocínio para estas rádios com o objetivo de alcançar novos públicos. As rádios comunitárias passam então a se popularizar de uma forma mais ampla no país (LORENZON, 2009, p. 18). Ao mesmo tempo em que isso ocorre, mais um benefício para as comunidades é descoberto, os pequenos estabelecimentos que até então não possuíam condições de veicular a

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publicidade em grandes rádios, começam a ter oportunidade de anunciar seus produtos através da rádio comunitária.

Para Lorenzon (2009), a lei 9.602 significa um avanço para a democracia no país, no entanto o uso irresponsável de uma emissora de caráter comunitário gera grandes perdas para a comunidade. E, infelizmente, isso é mais recorrente do que se pensa. Uma pesquisa realizada em território brasileiro no ano de 2003 apontou que cerca de 90% das 1.680 emissoras comunitárias serviam para uso privado. Ou seja, o monopólio da comunicação também existe dentro das emissoras de caráter comunitário. Não trata-se de um mundo cor-de-rosa, onde a igualdade, o bem comum e a democracia imperam. O fato de tornar uma rádio local constituída para a prática da comunicação cidadã em um meio de comunicação privado, não só faz com que determinada emissora, instalada na comunidade “x” perca a sua razão de ser, como priva uma comunidade inteira do conhecimento, do desenvolvimento, de conhecer e lutar por seus direitos, lhe tira uma das poucas chances de exercer a cidadania.

De acordo com o portal5 oficial da Associação Brasileira de Radiofusão Comunitária (Abraço), o surgimento das rádios comunitárias e a posterior aprovação da lei 9.612, levaram os meios de comunicação da época não só a temerem perder seus patrocinadores, mas também sua audiência para as rádios comunitárias:

A mídia convencional, mercantilista, capitaneada pela Rede Globo à época, fez uma campanha nacional multimilionária em todos os seus veículos rádio, TV, revistas, Jornais, sites, etc, de que a radcom derrubava avião, interferia em serviços públicos de comunicação como ambulâncias, aeroportos, viaturas policiais, etc, e que a Radcom era crime, numa tentativa de ”jogar” os cidadãos e cidadãs incautos/as contra as rádios comunitárias, no que conseguiram certo intuito, inicialmente. Porém, com as mudanças comunitárias acontecidas com a implantação das rádios comunitárias, essa estratégia não mais “vingou”, tornando-se, as radcom, em indutoras de desenvolvimento local, fortalecimento da cultura e da identidade local e em “antenas locais” da comunidade, que sempre foram excluídas pelos meios comerciais e agora se viam refletidas no seu meio de comunicação: usos, costumes, festas, folguedos, artes, costumes sociais, setor produtivo local, etc. O que veio a fortalecer o mosaico cultural brasileiro. (SÓTER, p.1, 2009).

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De acordo com o Ministério das Comunicações (MC), o Brasil possui 4.715 rádios comunitárias. Até agora, 520 municípios brasileiros ainda não possuem uma rádio comunitária em seu território. Neste ano o MC lançou um plano de novas outorgas para as rádios comunitárias, com isso, 699 municípios estão sendo beneficiados com a iniciativa. Além disso, o número de documentos para a abertura de uma rádio comunitária, que antes chegava em 33, a partir do mês de setembro diminuiu para sete. Veja no mapa os municípios que possuem emissoras comunitárias licenciadas:

Figura 3: As rádios comunitárias em território brasileiro

Fonte: ObsComCom

No entanto, essa facilidade toda é questionável. Veja bem: o fato de não serem mais necessários tantos documentos para conseguir a outorga poderia facilitar a abertura de emissoras onde quem detém o poder não é a comunidade e sim um grupo de pessoas com o objetivo de utilizá-la para benefício próprio.

No mesmo dia em que a nova portaria do Ministério Comunicações que facilita a abertura de novas rádios comunitárias e libera a publicidade em sua programação é divulgada (21/09/2015), a representante das emissoras comerciais, Abert (Associação

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Brasileira de Rádio e Televisão), entra com um recurso junto à Justiça contra esta proposta e consegue a suspensão da portaria.

De acordo com o portal oficial de notícias do Senado, 4 mil rádios brasileiras reivindicaram no mês de outubro a criação de fontes de recursos que possam garantir a sobrevivência das emissoras. Já que o patrocínio cultural é restrito à área em que a rádio atua, a proposta apresentada pelos responsáveis por estas emissoras é de uma legislação que libere a publicidade tradicional (com menção de produtos e preços, o que atualmente é proibido) do comércio local. No entanto, essa liberação pode ser vista pelas rádios comerciais como uma ameaça ao seu quadro de anunciante. Entretanto, conforme o presidente da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), José Luiz do Nascimento Sóter, as rádios comunitárias geralmente ficam em áreas menos centrais e possuem um alcance menor, portanto, a empresa que anuncia em uma rádio comercial, não será a mesma que anunciará em uma rádio comunitária.

Para a resolução do problema da receita das rádios comunitárias, foi proposta também a criação de um fundo de financiamento da comunicação comunitária. Ficou a cargo dos senadores Hélio José (PSD-DF) e Lasier Martins (PDT-RS) a missão da elaboração de um projeto para tentar solucionar a questão da falta de dinheiro nas emissoras

Hoje, quando a gente chega em uma rádio comunitária, que é tão importante para a comunicação nas cidades, ficamos até meio deprimidos. São cubículos tão pequenos, com insalubridade, com dificuldade de funcionamento (Senador Hélio José, 200156).

No que diz respeito à valorização das rádios comunitárias, os meios de comunicação convencionais e a própria população necessitam de um entendimento de que a importância deste meio para o desenvolvimento da cidadania das minorias é inquestionável. Rádio comunitária se faz da comunidade para a própria comunidade, com o auxílio de programas de incentivo a estas práticas. É meio de instrução, informação, educação, discussão, exercício da cidadania e da democracia.

6 Fala durante reunião do Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática – CCT é uma comissão permanente do Senado Federal. Disponível em:

http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/10/06/radios-comunitarias-pedem-mais-verbas-do-governo, acessado em: 20/10/15.

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2.2 A Rádio Cacique Fongue FM

Entre poucos metros quadrados, muita simplicidade e aparelhos de transmissão longe de serem os mais atuais, a Rádio Cacique Fongue sobrevive ao aparente descaso. A construção de alvenaria fica localizada no fim da principal e pacata rua da Reserva do Guarita e chama a atenção pela cor laranja viva de suas paredes. Um banner com a imagem do cacique que deu o nome à rádio é a primeira coisa que se vê. Uma olhada a mais e a constatação do quão carente a rádio está de estrutura e cuidado.

A Rádio Cacique Fongue FM está localizada no setor km 10 na Reserva do Guarita, região Noroeste do Rio Grande do Sul. Esta localidade é habitada por dois povos: os Kaingangs e os Guaranis. A Reserva abriga atualmente cerca de 60 famílias Guaranis e 800 famílias Kaingangs. Ao todo a localidade possui uma população de em média 8 mil índios residindo em uma área de 24 mil hectares distribuídos entre os municípios de Tenente Portela, Miraguaí, Redentora e Erval Seco.

Logo na entrada da Reserva, mais especificamente no km 10, lugar onde mora o cacique, a escola indica que aquela comunidade possui todos os traços de uma sociedade civilizada. As casas de madeira e alvenaria, a terra de chão, os automóveis, as crianças que brincam nos pátios, as duas igrejinhas, o posto de saúde, o ginásio de esportes e um núcleo comprovam que a comunidade indígena, ao contrário do que se poderia imaginar , é um lugar como todas as outras comunidades rurais gaúchas.

O rádio que hoje já não é mais tão incomum nas aldeias indígenas brasileiras há alguns anos era visto como um privilégio. E a Reserva do Guarita teve o privilégio de ter esse meio de comunicação em sua área antes de todas as outras aldeias indígenas do Brasil. A localidade foi a primeira área indígena brasileira a receber uma rádio comunitária em seu território.

A estreia da Rádio Cacique Fongue FM, no ano de 2006, culminou com a inauguração da rede de energia elétrica, e por conta disso teve a presença do presidente Luís Inácio Lula da Silva. A emissora é assim chamada em homenagem ao primeiro cacique da reserva.

Referências

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