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POLÍTICAS EDUCACIONAIS NOS ANOS 90, EQÜIDADE

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POLÍTICAS EDUCACIONAIS NOS ANOS 90, EQÜIDADE E QUALIDADE NO ENSINO FUNDAMENTAL EM MINAS GERAIS:UMA EXPLORAÇÃO SOBRE OS RESULTADOS1.

Bruno Lazzarotti Diniz Costa Laura da Veiga DESIGUALDADE SOCIAL E DESIGUALDADE EDUCACIONAL

Os debates recentes sobre a magnitude e persistência dos altos graus de desigualdade da sociedade brasileira apontam uma convergência entre as políticas de combate à pobreza, de redistribuição de renda e de educação. De fato, uma política sustentável e responsável de combate à pobreza deve, ao lado das ações emergenciais e políticas compensatórias, examinar e intervir sobre os mecanismos de produção e reprodução da pobreza. No caso da sociedade brasileira, não há como discutir seriamente o combate à pobreza sem o enfrentamento da desigualdade. A divulgação anual dos relatórios do Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e outras agências apontando persistentemente o Brasil como um dos países mais desiguais do mundo2, e uma série de estudos nacionais (ver HENRIQUES et alli, 1999) demonstram que a questão da desigualdade no país é de extrema gravidade.

Para se ter uma idéia, do ponto de vista por exemplo da desigualdade de renda, os indicadores são bastante eloqüentes. Segundo a PNAD, os 10% mais pobres detinham, em 1997 1% da renda e os 10% mais ricos 47% da renda. É importante notar a rigidez da estrutura da desigualdade, o que alerta para a necessidade de se buscarem os mecanismos de sua reprodução: apesar das enormes transformações por que o país passou, desde 1960 nunca os 10% mais pobres se apropriaram de mais de 1,2% da renda nacional e nunca os 10% mais ricos se apropriaram de menos de 40% da renda. Quando se foca um grupo ainda mais restrito, o 1% mais rico da população (ou seja, em torno de 1,6 milhão de pessoas), encontra-se uma apropriação de 17% da renda nacional. Se encontra-se deixa de lado a renda para encontra-se avaliar a riqueza, o resultado é ainda mais estarrecedor: 1% da população detém 53% da riqueza nacional. A título de comparação, nos Estados Unidos, o 1% mais rico apropria-se de 8% da renda e de 29% da riqueza e, na Grã-Bretanha, de 8% da renda e de 26% da riqueza.

Além disto, o trabalho de HENRIQUES (1999), do IPEA, mostra que o problema principal, na distribuição da renda no Brasil é, digamos, “o excesso de riqueza dos mais ricos”, a extraordinária concentração da renda e da propriedade no ápice da pirâmide. Em condições de desigualdade tão extremas como a nossa, a elasticidade da pobreza em relação ao crescimento econômico é muito menor, pois a literatura recente mostra que a possibilidade de que o crescimento econômico diminua a pobreza é mediada pelo grau e perfil da desigualdade. O trabalho citado mostra que, diante disto, a diminuição da desigualdade seria uma alternativa bem mais eficiente do que o crescimento econômico puro para o combate à pobreza.

Tem-se assim uma convergência importante no debate – e nas políticas – relativo ao combate à pobreza e à desigualdade. A partir de então, o foco tende a se dirigir para os mecanismos produtores de desigualdade e pobreza. A literatura aponta diversos ciclos através dos quais a desigualdade se manifesta e se reproduz. Por exemplo, do ponto de vista da estrutura fundiária, cerca de 35.000 propriedades concentram mais da metade da área em estabelecimentos rurais. A concentração da terra é apontada como um fator determinante da baixa produtividade do setor e da baixa demanda por mão de obra. O acesso ao crédito apresenta a mesma lógica desigual: na América Latina (e o Brasil, sob a ótica da desigualdade é um caso de paroxismo latino-americano), enquanto as pequenas e médias empresas

1 Este trabalho baseia-se em grande parte nos resultados e informações obtidos na pesquisa O Fundef e a descentralização do Ensino Fundamental em Minas Gerais, desenvolvido pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. O projeto contou com o apoio da Fundação Ford e do CNPq.

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representam 90% do total de empresas e são responsáveis pela maior parte dos empregos, a elas couberam apenas 5% do crédito, o que prejudica sua capacidade de emprego, de crescimento ou mesmo de sobrevivência, contribuindo para uma maior oligopolização da economia (KLIKSBERG, 2000).

Entretanto, tem sido a educação a política pública sobre a qual as atenções e debates têm se voltado. Tanto quando se buscam as fontes da pobreza e da desigualdade quanto quando se discutem as alternativas para enfrentá-las é sobre a democratização das oportunidades educacionais (ou sobre a falta dela) que a discussão e algumas ações se concentram. Em grande medida, isto se deve à recuperação relativamente recente do prestígio de um tipo de funcionalismo na compreensão da estratificação social e na distribuição de posições sociais e de seu correlato econômico, a teoria do capital humano. Ambos, após seu auge nas décadas de 50 e 60, haviam experimentado um certo ostracismo até finais dos anos 80, voltando ao debate acadêmico e político depois disto.

O tema da igualdade de oportunidades educacionais ganhou centralidade nas ciências sociais e na agenda pública, por um lado, com a afirmação do funcionalismo associado à ideologia meritocrática e, por outro, desde a economia, com o surgimento e difusão da teoria do capital humano. Ambos terão impacto importante tanto sobre a pesquisa empírica e teórica quanto sobre as políticas educacionais do período.

De fato, a formulação do funcionalismo parsoniano apontava para uma tendência crescente, à medida que as sociedades transitavam do tradicionalismo para o industrialismo, de substituição da adscrição pelo desempenho (achievement) como critério de alocação de posições, status e de seleção social. As sociedades industriais seriam cada vez mais fundadas na racionalidade técnica e econômica, a qual exigiria uma correspondência muito estreita entre o grau de importância funcional das diferentes posições sociais e as capacidades e desempenho daqueles que as ocupam (GOLDTHORPE, 1997). Os indivíduos seriam portanto cada vez mais alocados às posições sociais de acordo com o que demonstravam poder realizar e menos de acordo com sua origem social. Mais que isto, o desempenho se tornaria o critério adequado de recompensa. Ou seja, diferentes posições teriam que oferecer recompensas proporcionais a sua importância funcional, de tal modo que as funções mais importantes atraiam os indivíduos mais capazes e que estes estejam motivados ao mais alto nível de desempenho.

CARABAÑA (1983) resume quais seriam os principais traços da sociedade tendencialmente meritocrática do funcionalismo:

a) As posições sociais se distribuem segundo o mérito e a qualificação, não segundo a filiação hereditária. As sociedades meritocráticas são sociedades “aquisitivas”. b) A educação formal é o meio principal de adquirir estas qualificações. As sociedades

meritocráticas são sociedades acadêmicas.

c) Para todo indivíduo, a possibilidade de acesso à educação formal depende apenas de suas preferências e capacidades. Nas sociedades meritocráticas há igualdade de oportunidades em relação à Educação. (pp. 44).

Assim, como afirma BONAL (1998), não é casual que a sociologia da educação viesse a constituir uma especialidade central da sociologia funcionalista. A educação é a instituição adequada para identificar, selecionar, hierarquizar os talentos disponíveis, que teriam acesso aos postos de trabalho social e funcionalmente adequados a suas capacidades. Daí se depreendem os dois principais temas de que se ocuparia a sociologia da educação funcionalista: a função de estratificação da educação, através da análise da relação entre educação e emprego e a igualdade de oportunidades educacionais.

Os traços tendencialmente meritocráticos da sociedade, expressos na hipótese “menos adscrição, mais aquisição” do funcionalismo parsoniano, seriam ainda mais enfatizados na

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formulação acerca da sociedade pós-industrial, que teve em Bell o expoente mais famoso. De acordo com este autor,

“A sociedade pós-industrial é, em sua lógica, uma meritocracia. As diferenças de status e de rendimentos são baseadas em qualificações técnicas e em educação superior, e poucas posições superiores estão abertas a aqueles que não detêm estas qualificações (Bell, 1972)”.

“Sem estes achievements não se pode preencher os requisitos da nova divisão social do trabalho, que é uma característica desta sociedade (1973).”3

As citações acima refletem não só o caráter meritocrático mas também abertamente funcionalista da formulação de Bell.

Desde o campo da economia surge, no mesmo contexto, a corrente do capital humano, que exerceu grande influência acadêmica e em termos de formulação de políticas, inclusive as políticas para o Terceiro Mundo de agências internacionais como O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Após um declínio de meados da década de setenta a meados de oitenta, a corrente do capital humano, recuperou sua influência e prestígio, junto com a emergência do paradigma neoclássico em teoria econômica, sobre o qual se assenta.

Apesar de não ser, em seus fundamentos, propriamente inovadora, pois remonta aos trabalhos de Alfred Marshall, se não a Adam Smith, a teoria do capital humano encontrará sua formulação mais sistemática no discurso presidencial de Theodore Schultz frente à American Economic Association (SCHULTZ, 1977), onde enuncia os princípios básicos da abordagem, ao mesmo tempo em que conclama a um maior investimento em capital humano. O princípio básico da teoria é relativamente simples: o processo de aquisição de qualificação e conhecimento através da educação não deveria ser visto como um consumo, mas como um investimento, na medida em que ampliaria os rendimentos futuros e o arco de escolhas disponíveis para os indivíduos. Além disto, mais que incrementar a produtividade individual, o investimento em capital humano assentaria as bases técnicas e criaria a força de trabalho necessária ao desenvolvimento econômico acelerado (KARABEL e HALSEY, 1977).

Entretanto, seria o trabalho de Gary Becker, de 1964, que proporcionaria a construção técnica da teoria, com uma teoria da formação do capital humano e análise das taxas de retorno do investimento humano. Portanto, mais que uma analogia, a teoria do capital humano aborda a educação e o treinamento como investimentos em sentido estrito. Quando se referem à educação como investimento em capital humano, os economistas estão afirmando, explica WOODHALL (1977),

“que é possível medir a lucratividade [ou taxa de retorno]4 do investimento em capital humano utilizando as mesmas técnicas de custo-benefício tradicionalmente aplicadas ao capital físico (p.220).”

Além disto, como já se mencionou, o investimento em capital humano produziria benefícios tanto para o indivíduo quanto para a sociedade como um todo. O indivíduo que investe em sua educação se beneficiaria através da ampliação tanto de suas chances de emprego quanto dos rendimentos que receberia ao longo de sua vida profissional. Isto porque a educação ou o treinamento aumentaria a produtividade dos indivíduos, aumentando em conseqüência a remuneração de seu capital (ou seja, si mesmo). Estes benefícios poderiam ser comparados com os custos – diretos e indiretos – aos quais o indivíduo teria que fazer frente para sustentar sua educação, incluindo mensalidades, gastos em material escolar, rendimentos que poderia receber enquanto estava na escola etc.. Esta comparação proporcionaria a taxa privada de retorno do investimento em educação. Este investimento (tanto os custos quanto os

3 Ambas as citaçoes sao retiradas de GOLDTHORPE (1997), p. 665.

4 A lucratividade ou taxa de retorno de um investimento é um medida do yeld esperado do investimento, em termos do benefício futuro, ou os acréscimos ou a cadeia de rendimentos gerados pelo capital, comparados com os custos de adquirir o ativo do capital.

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benefícios) também tem conseqüências para a sociedade, na medida em que esta se beneficia do aumento da produtividade dos trabalhadores e geralmente arca, através do financiamento público direto ou de subsídios, com boa parte de seus custos. A comparação dos custos e benefícios para a sociedade seria possível através da taxa de retorno social (WOODHALL, 1997).

Fica clara, assim, a cadeia sobre a qual se sustenta a teoria do capital humano: o investimento em educação gera maior produtividade, que, por sua vez, gera melhor remuneração. Aceitar a cadeia causal da teoria do capital humano implica aceitar também os pressupostos de que a) a educação aumenta a produtividade do trabalho e b) de que é a produtividade e, consequentemente, a qualificação do trabalhador, o determinante básico do salário. Serão justamente a estes pressupostos que se dirigirão as principais críticas a esta abordagem, principalmente a partir dos anos setenta.

Como se pode depreender da exposição acima, a teoria do capital mostra-se consistente com o funcionalismo tecnológico dos anos cinqüenta. Como notam KARABEL e HALSEY (1977),

“ambas as teorias enfatizam a função técnica da educação e o uso eficiente dos recursos humanos. A preocupação com a eliminação do desperdício também sustenta a noção liberal de igualdade de oportunidades. Para o funcionalista tecnológico, há o inimigo da adscrição e para o defensor da teoria do capital humano a frustração do sub-investimento. Ambas as formulações justificam as recompensas relativamente maiores destinadas aos mais educados como incentivos necessários para encorajar estudos mais extensos. (...) Mas o que precisa ser ressaltado a respeito da teoria do capital humano é o apelo direto ao sentimento ideológico pró-capitalista que reside em sua insistência de que o trabalhador é um detentor de capital (concretizado em suas qualificações e conhecimento) e que tem a capacidade de investir (em si mesmo) (p.13).”

A teoria do capital humano, desde seu aparecimento exerce forte influência no planejamento e financiamento de políticas sociais, notadamente da educação, nos países industrializados e, com muita ênfase, também no Terceiro Mundo. Já no discurso de Schultz se anunciava a recomendação de se utilizar a abordagem do capital humano para auxiliar os países subdesenvolvidos a alcançar o desenvolvimento econômico. Assim como a pobreza no interior das nações desenvolvidas, a pobreza das nações encontra uma explicação despolitizada, quase técnica: a superação da pobreza seria possível através do incremento da qualidade e perfil dos recursos humanos disponíveis, ou seja, do investimento em capital humano.

Apesar de originar-se na economia, a corrente do capital humano exerceu – e volta a exercer – grande influência nas ciências sociais em geral e, concretamente, influenciou de forma decisiva as bases sobre as quais se assentaram a oferta e a demanda de educação. Agências multilaterais, como o Banco Mundial, adotaram esta abordagem como ferramenta e parâmetro no financiamento de projetos nos países em desenvolvimento. Por um lado, condicionou as mudanças nos princípios organizadores das políticas educacionais. As pautas de gasto público em educação – e por nível de ensino – passam a se orientar em função dos critérios de eficiência econômica. Sendo a educação basicamente investimento e não consumo, o planejamento educacional pode e deve se orientar pelo critério da taxa de retorno social de cada nível de ensino5 ou da estimativa das necessidades de mão-de-obra por parte do mercado de trabalho. Por outro lado, a popularização da teoria contribuiu para modificar a pauta da demanda social por educação. As expectativas de mobilidade social da população passam a se estruturar em grande medida em torno dos melhores empregos proporcionados pela educação, o que contribuirá para o crescimento do ritmo da demanda por educação tanto

5 Explica-se assim, por exemplo, a prioridade ou quase exclusividade outorgada pelas agencias multilaterais ao financiamento à educaçao básica nos países em desenvolvimento, já que esta é a que apresenta, segundo os estudos internacionais, as maiores taxas de retorno social e privado destes países (WOODHALL, 1997).

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de indivíduos quanto de grupos sociais até então sem acesso ao sistema educacional (BONAL, 1998).

Paralelamente, os sociólogos de vocação mais empírica, que já trabalhavam com o tema da adscrição versus achievement nos processos de mobilidade social, puderam refinar suas hipóteses, chegando a uma operacionalização dos postulados funcionalistas, que seria chamada hipótese IMS (increased merit selection, ou seleção progressiva por mérito): o mérito responderia cada vez mais pelas diferenças no acesso à educação pós-obrigatória e, portanto, pela posição no mercado de trabalho obtida (com a mediação da educação). O complemento da hipótese seria o declínio da influência das características pessoais ou da origem familiar sobre a educação obtida e sobre a posição na divisão social do trabalho (GOLDTHORPE, 1997)6. A hipótese IMS apontava para a) um enfraquecimento da relação entre origem social dos indivíduos e a educação obtida, b) para o enfraquecimento da relação entre origem social e destinação de classe ou de status e c) para o fortalecimento da relação entre educação obtida e destinação de classe e status.

Os resultados produzidos, no entanto, foram no mínimo ambivalentes, como afirma GOLDTHORPE (1997), ao rever seis dos mais importantes estudos realizados em torno do tema adscrição versus meritocracia ou achievement7, no período de 1967 a 1993. Goldthorpe identifica dois grupos de resultados dos trabalhos analisados. Os primeiros estudos tendem a dar suporte à hipótese IMS, na medida em que apontam um enfraquecimento da relação entre origem social e destinação de classe ou status dos indivíduos. No entanto, grupo mais recente de estudos relativos à Suécia e Inglaterra aponta em outra direção: até onde se pode perceber alguma tendência, os estudos apontam para um enfraquecimento da relação entre educação e destinação de classe ou status. Por outro lado, os estudos não revelam uma tendência consistente de declínio na relação entre origem social e educação obtida, levantando o problema da desigualdade de oportunidades educacionais.

O início do desencanto acadêmico8 com o funcionalismo tecnológico e com a teoria do capital humano coincide com o fracasso de diversas tentativas de reformas educacionais. Já no início dos anos setenta diversos observadores já afirmavam que o esforço e investimento massivos empreendidos em reformas educacionais tanto nos países industrializados como no Terceiro mundo em nome do crescimento econômico e da redução dos padrões de desigualdade apresentavam resultados, no mínimo, menos que satisfatórios.

Como descreve Farrell (1999), nesta época já era possível perceber que tanto na Europa quanto nos Estados Unidos as reformas educacionais não haviam produzido alterações significativas nos padrões estruturais de desigualdade. No caso da Europa, diversas reformas do ensino secundário não foram totalmente implantadas ou, quando o foram, em diversos casos não foram suficientes para mudar a composição social deste nível de ensino; nos Estados Unidos os grupos minoritários continuavam com níveis de sucesso acadêmico inferiores, apesar das políticas de combate à segregação nas escolas. Nos países em desenvolvimento, apesar da significativa expansão dos sistemas educacionais, o ritmo de

6 Deve-se notar aquí que a maior parte dos trabalhos utilizou a educaçao obtida (em termos de anos de escolaridade ou nível de qualificaçao obtido) como índice do mérito. Esta opçao se sustentava na suposiçao funcionalista de que eram as instituiçoes escolares que identificavam os talentos e forneciam a primeira e decisiva oportunidade para a demonstraçao do mérito. O problema óbvio aqui, como lembra Goldthorpe, é que esta mesma suposiçao permanece sem verificaçao até que educaçao e mérito possam ser analisados separadamente.

7 Os trabalhos analisados por Goldthorpe sao Blau e Duncan (1967), Featherman e Hauser (1978), Halsey (1977), jonsson (1992, 1993), Heath et alli (1992) e Ganzeboom et alli (1992).

8 É notório e nao deixa de ser curioso que os questionamentos práticos e teóricos ao funcionalismo tecnológico e à corrente do capital humano sejam praticamente desconsiderados a partir do início dos anos noventa e que seja restaurado, sem mais, seu prestígio acadêmico e junto às agências governamentais e multilaterais.

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crescimento das matrículas seguia inferior ao acelerado ritmo de crescimento populacional, o que elevava o número de crianças fora da escola. As taxas de alfabetização cresciam, mas também o número absoluto de analfabetos.

Além disto, do ponto de vista dos resultados que se esperavam com a reforma educacional, a frustração também foi se mostrando evidente. Em primeiro lugar, mesmo que alguns países tenham experimentado crescimento econômico acelerado, a distância entre países pobres e ricos tendia a aumentar. Segundo, no interior dos países – industrializados ou não -, tampouco se podia notar qualquer tendência consistente de diminuição das desigualdades, apesar de, neste caso, o quadro ser menos evidente.

O crescente questionamento teórico e empírico da hipótese forte da sociologia da educação funcionalista levou ao surgimento de interpretações e formulações alternativas em relação tanto ao funcionalismo quanto ao seu congênere econômico, o capital humano. Duas das mais importantes foram a abordagem credencialista de Collins e o que ficou conhecido como a abordagem “da fila de emprego” de Lester Thurow.

Partindo do conceito weberiano de grupo de status, inspirado claramente no texto “Classe, status e partido”, COLLINS (1989) dirige suas críticas explicitamente ao modelo funcionalista de sociologia da educação. A expansão do sistema educacional americano, argumenta, dever-se-ia menos às necessidades técnicas da economia que à competição dos diversos grupos de status por riqueza, poder e prestígio. Para Collins, a principal tarefa das escolas seria na verdade ensinar não conhecimento técnico, mas determinada “cultura de status” – vocabulário, estilos de vestuário, gostos estéticos, valores e maneiras.

Collins analisa as necessidades de educação nos novos empregos dos Estados Unidos e aponta o fato de que os indivíduos mais qualificados não estão nos postos mais intensivos em necessidades de qualificação e uso de tecnologia, mas nos postos burocráticos e administrativos no setor público e em grandes conglomerados privados, que concentram maiores parcelas de poder e prestígio. Como afirma BONAL (1998), para Collins,

“o crescimento da burocracia, portanto, explica melhor que a estrutura produtiva a inflação artificial da educação, assim como a luta entre os grupos sociais pelo acesso e monopólio dos postos de trabalho com os maiores níveis de remuneração, status e poder (p. 72)”.

Para Collins, somente as necessidades tecnológicas não explicam a acelerada expansão do sistema educacional. Como Weber, onde o funcionalismo vê as necessidades sistêmicas, Collins vê o conflito de interesses como responsável principal pela conformação do sistema educacional. Assim, para explicar a rápida inflação de requisitos educacionais, Collins assume a posição weberiana de que a educação serve para reforçar culturas de status, identificando os insiders e opondo barreiras aos outsiders. No caso, a disputa estaria centrada no mercado de trabalho, no qual as credenciais educacionais são utilizadas pelas organizações para alocar indivíduos em posições com recompensas variáveis (COLLINS, 1989). Deste ponto de vista, conflitos em torno dos requisitos e credenciais educacionais são em grande medida conflitos entre grupos dominantes tentando monopolizar posições de privilégio e grupos subordinados tentando ter acesso a elas.

Ao analisar, por exemplo, o prestígio das chamadas profissões liberais e os requisitos e barreiras em termos de formação por elas impostos, Collins afirma que ambos se originam não nas necessidades e competências técnicas a elas associadas, mas resultam de uma dupla capacidade de a) pressionar o Estado e b) intensificar a dependência de sua clientela. Assim compreende-se o papel do conflito e dos grupos de status no processo de expansão da educação e dos requisitos educacionais. Pois o acesso às posições sociais dá-se, para Collins não apenas através da diferenciação de conhecimentos, mas também – e principalmente - da distinção entre grupos que se estruturam tanto em torno de estilos de vida (a cultura de status), quanto de formação e conhecimento.

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A educação torna-se, então, para Collins, um importante instrumento de diferenciação entre grupos, através das credenciais que fornece aos indivíduos e que lhes proporciona acesso às melhores posições sociais. Os diversos grupos sociais privilegiados disputam o acesso e o “valor” das diferentes credenciais fornecidas pelo sistema educacional, tentando sobrevalorizar alguns títulos e desvalorizar outros. À medida que os grupos melhor posicionados aumentam os requisitos e credenciais educacionais, os grupos de status mais baixos demandam acesso mais amplo e a níveis mais elevados de educação. Este processo origina e sustenta uma espiral educacional que é a principal responsável pela expansão acelerada do sistema educacional e a inflação de requisitos educacionais no mercado de trabalho.9 Tem-se assim, uma explicação alternativa aos incrementos de produtividade ou aos requisitos tecnológicos tanto para a remuneração da educação quanto do aumento dos requisitos educacionais no mercado de trabalho. Portanto, mesmo quando é possível identificar um aumento da correlação entre educação e classe ou posição de status, isto não implica necessariamente corroborar a hipótese IMS.

THUROW (1977) dirige sua crítica mais explicitamente à teoria do capital humano. A partir de uma série de indícios que apontam na direção contrária ao que previa a teoria do capital humano, como por exemplo o simultâneo aumento dos níveis educacionais e da pobreza em diversos países em desenvolvimento, ou do descompasso entre, por um lado, o acelerado ritmo de crescimento relativo da população com estudos universitários e, por outro, o ritmo do crescimento econômico (muito menor) nos países desenvolvidos, Thurow afirma que o que explica as diferenças salariais não seria nem as diferenças intelectuais nem os anos de escolaridade da população, mas determinadas características próprias do mercado de trabalho.

O equívoco básico da teoria do capital humano, segundo Thurow, é a manutenção do pressuposto neoclássico de que o mercado de trabalho é regido pela competição por salários. Assim, o aumento dos níveis educacionais dos grupos populares levaria a uma tendência de equiparação, ou ao menos de aproximação, da remuneração entre as ocupações mais qualificadas e as menos qualificadas. Este pressuposto, no entanto, não se sustentaria diante de situações como aquelas em que altos níveis de desemprego não geram diminuição de salários das ocupações mais qualificadas. Alternativamente, Thurow afirma que, em lugar da competição por salários, o mercado de trabalho se regeria pela competição por empregos ou postos de trabalho. O mercado de trabalho, segundo esta visão, não funcionaria pelo ajuste entre a oferta e a demanda de qualificação, mas sim pelo “ranqueamento” dos indivíduos, ou seja, seu posicionamento em diferentes escalas de qualificação. A educação serviria portanto para posicionar o trabalhador nas “filas de empregos” existentes (THUROW, 1977). Para

9 É´ ssempre de mérito duvidoso centrar a crítica a uma teoria de um ponto de partida “negativo”, discutindo os temas ou aspectos que o autor não tratou e poderia ou deveria ter tratado, em lugar de debater o núcleo de sua abordagem, ou seja, o que o autor efetivamente tratou e discutiu. Pois sempre haverá em qualquer trabalho individual muito mais temas, aspectos ou problemas relevantes não tratados do que os tratados. No caso de Collins, no entanto, parece que parte substantiva da corroboração e credibilidade do que tratou fica comprometida pelo caráter insuficiente da discussão de certos aspectos. Sendo mais explícito, a discussão exposta acima conduz Collins ao contexto escolar. Pois se afirma que o principal que é ensinado na escola não são as competências técnicas, mas as culturas de status, torna-se central identificar as diferenças entre as culturas ensinadas aos diversos grupos de status e as formas pelas quais as escolas as ensinam. Entretanto, Collins não dispõe de dados diretos sobre o contexto escolar. Alternativamente, apresenta dados sobre a relação entre características organizacionais e requisitos educacionais de um conjunto de empresas norte-americanas. A partir destas informações, afirma que as organizações que apresentavam os requisitos educacionais mais elevados eram as que necessitavam de um alto grau de controle normativo sobre os empregados. Ora, ainda que esta tentativa indireta de verificação aumente a plausibilidade da interpretação de Collins, a hipótese de que as organizaçoes buscam no sistema educacional trabalhadores que internalizem suas metas e menos trabalhadores tecnicamente capacitados para as funções permanece, no trabalho de Collins, carecendo de verificação empírica direta (COLLINS, 1989 e KARABEL e HALSEY, 1977).

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Thurow, portanto, existem “filas de emprego”, organizadas a partir das qualificações dos trabalhadores, as quais certificam diferentes níveis e capacidades de aprendizagem e funcionam para o empresário como indicador ou “proxy” do investimento necessário, em termos de tempo e dinheiro, em sua formação para o desempenho adequado de sua função no posto de trabalho.

A formulação de Thurow permite também explicar o fenômeno da sobreeducação, que não encontra lugar na teoria do capital humano. Para a teoria do capital humano, em situações de excesso de oferta de determinadas qualificações, o mercado de trabalho se ajustaria através da adequação, por um lado, da relação entre qualificação e salário e, por outro, das expectativas e demandas individuais em relação à qualificação, o que levaria a economia sempre a uma tendência ao pleno emprego. Estas expectativas foram – e vêm sendo – largamente frustradas pelas diversas situações, principalmente a partir dos anos setenta, em que altos níveis de desemprego e subemprego de trabalhadores titulados convivem com aumento da demanda por educação. Se este tipo de situação de sobreeducação não pode ser explicado sob o suposto da competição por salários, a competição por postos de trabalhos permite inferir que os indivíduos preferirão continuar investindo em educação como estratégia defensiva e não a partir da avaliação das taxas de rendimento, pois preferem aguardar e tentar melhorar sua posição na “fila” de empregos melhores (BONAL, 1998).

A interpretação de Thurow, a partir do suposto da competição por empregos mostra-se consistente, lembram BONAL (1998) e KARABEL e HALSEY (1977), com outras abordagens do mesmo tema, notadamente a teoria do filtro de Arrow e a da segmentação do mercado de trabalho, defendida por vários autores. Arrow defende que é virtualmente impossível ou, no mínimo, altamente custoso para o empresário conhecer e avaliar de antemão as capacidades, habilidades e produtividade potencial do trabalhador. Assim, no momento da contratação, o empresário utilizaria a escolaridade dos indivíduos como uma espécie de filtro dos mais capazes. A teoria da segmentação do mercado de trabalho, por sua vez, assume que o salário que o trabalhador receberá depende do segmento do mercado de trabalho no qual se encontra. O mercado de trabalho apresenta (pelo menos) dois segmentos que funcionam de forma relativamente independente. O segmento primário é formado pelos “bons” empregos – bem remunerados, estáveis e com requisitos altos de qualificação; já no segmento secundário acontece o contrário: nele se encontram os empregos mais precários, mal remunerados e menos qualificados. Além disso, como para Thurow, também para estes autores o investimento em educação pode se mostrar uma estratégia defensiva. Os indivíduos investiriam em educação para evitar a “queda” no segmento secundário do mercado de trabalho, que restringiria suas possibilidades de mobilidade e de acesso a outro segmento do mercado de trabalho.

Assim, é ainda é objeto de polêmica teórica, empírica e em termos de políticas públicas o quanto se pode esperar da política educacional, em termos de redução da pobreza e de desigualdade. Parece evidente que os altíssimos níveis de desigualdade e pobreza da sociedade brasileira, resultantes de cadeias complexas e sobrepostas de causas não poderão

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ser corrigidas apenas no âmbito de uma política social setorial, como a educação10. Entretanto, a análise da distribuição das oportunidades educacionais é relevante para verificar se e em que medida a educação tem contribuído para a redução ou para a reprodução da desigualdade de oportunidades no Brasil. Para isto, uma breve discussão de um conceito tão utilizado quanto ambíguo como o de equidade em política educacional faz-se necessária para estruturar o debate proposto.

EQÜIDADE EM EDUCAÇÃO: DESIGUALDADE DE QUÊ?

É bastante conhecido o caráter altamente insatisfatório das condições educacionais brasileiras. A distribuição da educação no Brasil apresenta diversas características insatisfatórias: nível educacional médio muito baixo; distribuição muito desigual do nível de escolaridade da população; ausência de igualdade de oportunidades educacionais, expressa pela alta correlação entre o nível educacional das crianças e o de seus pais e avós; graves disparidades regionais nos níveis de educação. No que se refere ao componente educação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), dentre 22 países da América Latina, os indicadores brasileiros situavam-se, em 1995, acima apenas dos indicadores da Bolívia, da República Dominicana, de Honduras, da Nicarágua e da Guatemala. Para uma melhor avaliação da desigualdade – ou da eqüidade educacional –, no entanto, é necessária uma definição mínima do conceito de eqüidade, dado o grau de ambigüidade do termo e os sentidos diversos com que tem sido utilizado.

O conceito de eqüidade tem sido objeto de intensa reflexão, debate e pesquisa em vários campos do conhecimento, desde a filosofia até áreas mais aplicadas, como a avaliação de políticas públicas. Nem de longe é objetivo deste trabalho cobrir os termos e posições desse debate. A menção extremamente simplificada a alguns deles tem aqui unicamente o objetivo de estruturar a discussão empírica posterior.

Apesar de ser possível orientar o debate sobre a eqüidade em diferentes referenciais, como diversas concepções de justiça (principalmente justiça distributiva) ou como garantia de certos direitos básicos, no tocante às políticas sociais a discussão sempre tendeu a se orientar em torno de alguma noção de igualdade (Van Parijs, 1993; Sen, 1997; Bonal e Calero, 1999; Mokate, 2001). Entretanto, a partir daí vários tipos de questões podem ser colocadas. Uma delas refere-se à pergunta: Igualdade entre quem? A partir da resposta a essa questão, podem-se distinguir as noções simplificadas de eqüidade vertical e de eqüidade horizontal (Mokate, 2001).

A concepção vertical de eqüidade diz respeito à necessidade de tratamento igual entre todos os membros de uma sociedade, apontando para uma sobreposição do conceito de eqüidade ao de igualdade absoluta de tratamento. Ao contrário, a noção de igualdade horizontal refere-se à admissibilidade de tratamento diferenciado entre grupos diferentes entre si, ou seja, ao tratamento igual para iguais. Desse ponto de vista, poderia haver tratamento diferenciado entre grupos sem ser necessariamente injusto. Para quem defende essa noção de eqüidade, a dificuldade resulta, então, em responder quais diferenças de tratamento seriam justas. Principalmente a partir do trabalho de Rawls, a resposta mais comum a esse tipo de questão é a de que serão justas aquelas diferenças (ou desigualdades) de tratamento que corrijam desigualdades anteriores ou que aproximem os indivíduos e grupos de uma condição inicial de igualdade de oportunidades de competição quanto a certos recursos básicos (por

10 Inclusive porque, no mínimo desde o importante Relatório Coleman, demonstra-se que, em grande medida (apesar de ser polêmica ainda a magnitude desta influência), o desempenho educacional é condicionado não pelo perfil da oferta de serviços, mas em parte pela demanda (capital financeiro, social e cultural das famílias) e pelas relações que se estabelecem entre família e escola, dimensões estas atravessadas justamente pelas condições e desigualdades socioeconômicas.

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exemplo, acesso à educação, à saúde, etc.). Desse ponto de vista, seria justificado, por exemplo, o desenvolvimento de programas governamentais educacionais focalizados em populações mais vulneráveis, já que isso seria consistente com a função de correção de desigualdades existentes entre os grupos quanto à renda, à propriedade, à educação dos pais, ao acesso ao consumo cultural, dentre muitas outras.

Em contextos de grandes desigualdades, como o da sociedade brasileira, essa distinção adquire particular relevância, pois implica dizer que um tratamento ou uma oferta de serviços educacionais podem ser igualitários e, ao mesmo tempo, iníquos. Por exemplo, no que tange à educação, sabe-se que os diferentes grupos sociais apresentam capacidade desigual de utilizar os recursos educacionais disponibilizados, em virtude de fatores extra-educacionais, como as condições econômicas, culturais, educacionais e sociais das famílias. Desse ponto de vista, uma política de oferta de serviços e recursos educacionais absolutamente igualitária tenderia a reproduzir a desigualdade de oportunidades prévia, sendo, portanto, pouco eqüitativa11. Considerando-se as graves desigualdades de oportunidades educacionais no Brasil, a análise dos impactos e das condições de eqüidade das políticas educacionais será feita levando em conta esse critério "horizontal" e simplificadamente "rawlsiano" de avaliação.

O segundo tipo de questão que a avaliação de eqüidade na política educacional levanta são aquelas relativas à pergunta: Igualdade de quê? No tocante à educação, o primeiro tipo de especificação com relação a esse aspecto refere-se à distinção entre eqüidade externa e eqüidade interna. A eqüidade externa, da qual não se tratará aqui, refere-se às desigualdades entre os diferentes grupos sociais (gênero, cor, estratos de renda, grupos urbanos ou rurais, etc.) do ponto de vista dos impactos de médio e longo prazos da política educacional, sendo, portanto, conseqüências futuras esperadas dos serviços prestados sobre a sociedade, mas que ocorrem em âmbitos externos aos dos serviços educacionais propriamente ditos. No caso da educação, tem a ver com os níveis de escolaridade que os diferentes grupos conseguem alcançar, sua produtividade, seu desempenho como cidadãos ou como pais das futuras gerações, etc.

Do ponto de vista das realizações educacionais, a evolução dos indicadores na última década aponta para uma melhoria do desempenho educacional do País, considerando-se várias dimensões, como redução da taxa de analfabetismo, ampliação da cobertura e do número de matrículas do sistema educacional, com uma taxa de escolarização líquida que chega a 95% em 1998. Por outro lado, trabalhos recentes, notadamente o de Valle e Hasenbalg (1999), sugerem uma tendência de lenta redução de desigualdades educacionais na sociedade brasileira do ponto de vista das regiões, grupos de cor, gênero e estratos de renda, apesar de se manterem em patamares ainda muito altos.12

A avaliação destes resultados dirige a atenção quase sempre a mudanças no perfil da oferta educacional, a qual também será objeto mais adiante deste trabalho. Os mesmos VALLE e HASENBALG (1999) alertam, porém, para a importância de se analisarem os impactos sobre a distribuição e desigualdade educacional das transformações no perfil da demanda (estrutura das famílias) decorrentes de mudanças na estrutura demográfica e da intensa urbanização das últimas décadas no Brasil. Os autores consideram três tipos de características das famílias, apontadas como centrais para o desempenho das crianças na vida escolar: capital econômico,

11 Para o caso brasileiro, no entanto, uma política de oferta de serviços educacionais totalmente igualitária já significaria um avanço em termos de eqüidade, já que historicamente o que ocorre é uma estrutura regressiva de oferta de serviços educacionais: as escolas que atendem às populações mais vulneráveis são aquelas cujos corpos técnico e docente são menos qualificados e com condições físicas piores etc.

12 Nota-se, além disso, que a melhoria nos indicadores e a diminuição das desigualdades educacionais não se fizeram acompanhar de melhorias no perfil da renda ou em sua distribuição pela população, como ressaltam os autores. Evidenciam-se novamente os limites da política educacional como instrumento privilegiado de combate à pobreza e à desigualdade.

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cultural e social13.A partir da análise destas dimensões, VALLE e HASENBALG (1999) estimam o peso dos diferentes componentes sobre a distribuição educacional do país e concluem que

“O exercício de decomposição dos fatores explicativos da melhoria educacional proposto neste trabalho sugere, como estimativa conservadora, que aproximadamente 60% dessa melhoria é devida à mudança nas condições de vida e à distribuição geográfica das famílias, decorrente da urbanização e da transição demográfica, devendo-se os 40% restantes às melhorias efetivas no desempenho do sistema educacional (p. 18)”.

Ou seja, a maior parte da melhoria dos indicadores educacionais não se deveu a quaisquer avanços ou progressos do ponto de vista do perfil, características, qualidade ou distribuição da oferta educacional, mas a transformações na estrutura e características da demanda por serviços educacionais, decorrentes das transformações estruturais do ponto de vista geográfico e demográfico das famílias brasileiras.

Já a eqüidade interna, da qual vamos tratar aqui, no caso de Minas Gerais, refere-se ao âmbito interno dos serviços educacionais e ao acesso e à capacidade de atendimento aos diversos grupos sociais por parte do sistema educacional. Tem a ver, por exemplo, com os níveis diferenciados de abandono, de reprovação e de aprendizagem que o sistema educacional é capaz de garantir aos diferentes grupos sociais, o que pode contribuir para reduzir, reproduzir ou ampliar as desigualdades sociais existentes.

EQÜIDADE INTERNA NA POLÍTICAEDUCACIONAL: O CASO DE MINAS GERAIS No plano da eqüidade interna, uma resposta à pergunta Igualdade de quê? – que orientou durante bastante tempo o debate em torno da igualdade de oportunidades educacionais – era bastante simples, apesar de demorar bastante a se realizar (e, no caso brasileiro, estar ainda distante da universalização): a eqüidade na política educacional significaria igualdade na oferta de serviços educacionais. Ou seja, garantir uma oferta universal e homogênea de serviços educacionais a todos os grupos sociais independentemente de classe social, renda, cor, sexo etc. (Coleman 1966). Entretanto, à medida que os estudos sobre a desigualdade de oportunidades educacionais avançavam, foi-se tornando cada vez mais claro que um foco exclusivo sobre a oferta educacional negligenciaria que os diferentes grupos sociais aos quais pertenciam as crianças apresentavam condições sociais muito distintas que lhes afetavam a capacidade de responder a uma oferta e aproveitar bem as oportunidades oferecidas, o que fazia com que a igualdade na oferta fosse insuficiente para garantir a eqüidade da política. EQÜIDADE QUANTO AO ACESSO À EDUCAÇÃO

A partir daí, o conceito de eqüidade educacional foi se complexificando para se tornar cada vez mais um conceito multidimensional (Mokate). Uma primeira dimensão é quanto ao acesso à educação. A avaliação da eqüidade no acesso à educação leva em conta, mais que a oferta, principalmente a capacidade desigual entre a população para fazer uso dos recursos e serviços educacionais disponibilizados. Uma política para a garantia da eqüidade no acesso à educação deveria se orientar para a igualdade das condições efetivas para que todos os grupos sociais possam ter acesso efetivo à educação, ainda que isso signifique em alguns casos uma distribuição desigual de benefícios em favor dos grupos mais vulneráveis. Esse tipo de política inclui programas como bolsa-escola, o encurtamento dos custos de deslocamento das crianças (garantindo a existência de escolas próximo à sua clientela ou, no mínimo, transporte escolar), qualificar a demanda, fornecendo informação e convencendo as famílias mais vulneráveis, etc. Nos termos de Mokate, eqüidade no acesso à educação implica "fazer com que o esforço relativo que os usuários tenham que fazer para aproveitar o serviço ou o programa seja aproximadamente igual". Do ponto de vista do acesso ao sistema escolar, o

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quadro do ensino fundamental em Minas Gerais parece ter sofrido uma melhoria significativa. Em 1991, a porcentagem média de crianças de 7 a 14 anos que não freqüentavam a escola nos municípios de Minas Gerais era de 21,7%, variando de 2,7% a 58,7%. Já em 1996, de acordo com a contagem realizada pelo IBGE, a situação havia mudado significativamente. A porcentagem média de crianças que não freqüentavam a escola caiu para menos da metade – cerca de 10% –, variando de menos de 1% a 27,5% . 10 Como se vê, houve uma expansão importante do acesso ao ensino fundamental no Estado.

A análise mais detida desse indicador, porém, revelará que, sob outros aspectos – principalmente da eqüidade –, mantém-se um certo padrão de desigualdade no acesso à educação. Tudo indica que os fatores que condicionavam a distribuição da freqüência das crianças à escola em 1991 continuam operando em 1996. Uma maneira de avaliar este mesmo ponto é analisar o quanto a porcentagem de crianças que não freqüentam a escola em 1991 permite predizer o valor do mesmo indicador em 1996. Isso é possível através da regressão linear, considerando o valor de 1996 como dependente e o de 1991 como independente.11 O resultado dessa operação fornece um coeficiente de correlação de 0,63 e um R quadrado de 0,4. Ou seja, somente a porcentagem de crianças que não freqüenta a escola em 1991 permite prever 40% de toda a variação desse indicador em 1996. O teste acima parece indicar que, apesar de haver, de forma geral, uma expansão do acesso ao ensino fundamental, os mesmos fatores tendem a continuar agindo, mantendo, apesar de num patamar mais baixo, a estrutura de desigualdade no acesso.

Ao utilizar o Índice de Condições de Vida (ICV) como indicador para avaliar a influência do contexto socioe-conômico sobre o acesso ao ensino fundamental, encontra-se a seguinte situação em 1991: tomando-se as duas variáveis como um contínuo, encontra-se um coeficiente de correlação de 0,74 e um coeficiente de regressão R 2 igual a 0,54, o que indica que apenas o contexto socioeconômi-co prediz com acerto cerca de 54% de toda a variação entre os municípios no tocante ao acesso ao ensino fundamental. 12 A operação de regressão entre o ICV e a porcentagem de crianças que não freqüentavam a escola nos municípios mineiros em 1996 demonstra a manutenção de patamares altos de desigualdade no acesso à escola. O coeficiente de correlação obtido é de 0,53 e o coeficiente de regressão R quadrado é de 0,28. Isso pode indicar que a expansão da cobertura mudou as condições de eqüidade positivamente, tornando o acesso ao ensino fundamental um pouco menos dependente do contexto socioeconômico. Entretanto, o que é de se notar é que a expansão notável da cobertura do sistema escolar que, para Minas Gerais em 1996, chega a quase 93% da população de 7 a 14 anos de idade, manteve uma influência muito significativa do contexto socioeconômico em sua distribuição, de tal maneira que, quanto pior o contexto socioeconômico, maior o número de crianças fora da escola.

Já no ano 2000, parece ter havido uma melhoria ainda mais significativa no acesso à educação de maneira geral. Ao se tomar como indicador de acesso a taxa de escolarização14 bruta para os anos de 1991 e 2000, estas mudanças tornam-se mais evidentes. Em 1991, a taxa média para os municípios mineiros era de 54, 4 % e variava de 31, 19% a 76,67%. Já em 2000, o mesmo indicador apresentava uma média de 73,73% e variava de 53,25% a 95,47%. Quanto às condições de equidade, também parece ter havido uma significativa redução da

14 Os autores não tiveram acesso aos dados referentes às crianças de 7 a 14 anos de idade matriculadas no ensino fundamental (taxa de escolarização líquida) referente ao ano 2000. A taxa de escolarização bruta utilizada aqui é definida como a “proporção entre o número total de pessoas em todas as faixas etárias que freqüentam os cursos fundamental, segundo grau ou superior em relação ao total de pessoas na faixa etária de 7 a 22 anos” e foi calculada pela Fundação João Pinheiro. Como fica claro pela definição, o indicador é pouco específico em relação ao ensino fundamental e, para este nível de ensino, a análise de sua variação padece provavelmente de distorção causada pela muito forte expansão do ensino médio e superior no período. Entretanto, considerando o peso do ensino fundamental sobre o total de matrículas, considera-se o indicador suficientemente adequado para uma estimativa mais geral da evolução do acesso.

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desigualdade. A associação entre o contexto socioeconômico, medido pelo IDH municipal e a taxa de escolarização bruta reduz-se significativamente no período. Em 1991, o coeficiente de correlação entre IDH /1991 e taxa de escolarização bruta / 1991 era de 0,642 e o R2 resultante de regressão era 0,41, indicando que o IDH explicava 41% de toda a variação da taxa de escolarização bruta em 1991. Ao se realizarem os mesmos procedimentos para IDH e taxa de escolarização bruta referentes ao ano 2000, encontram-se resultados bem distintos: para este ano, o coeficiente de correlação passa a ser 0,221 e o resultado da regressão aponta um R2 de aproximadamente 0,05, o que significa que em 2000 o contexto socioeconômico de um município, medido pelo IDH, era capaz de prever 5% da variação da taxa de escolarização bruta daquele município. Ou seja, o constrangimento imposto pelo contexto socioeconômico ao desempenho do sistema educacional do ponto de vista do acesso, medidos por estes indicadores, parece ter se reduzido muito no período15. Considerando que os excluídos do acesso ao sistema educacional eram justamente os grupos em condições socioeconômicas mais vulneráveis, não chega a ser surpreendente que a expansão das matrículas beneficiasse desproporcionalmente estes grupos e se refletisse na melhoria das condições de equidade do sistema educacional do ponto de vista desta dimensão.

Nesse aspecto tanto quanto, em outros que serão abordados, apesar dos avanços registrados, a dimensão da eqüidade continua sendo um problema central: quanto mais pobre uma região ou município, maior a proporção de crianças fora da escola, formando um círculo vicioso de reprodução da pobreza. O problema, neste caso, não é decorrente tanto do total de vagas ofertadas no Estado, que tem, inclusive, experimentado um crescimento moderado, proporcionalmente maior nos municípios, mas da distribuição espacial das escolas e das condições socioe-conômicas das crianças e de suas famílias que dificultam o acesso e a permanência dessas crianças na escola. Esse problema deve ser enfrentado com estratégias diferenciadas. Nas regiões onde há ainda carência de vagas, a rede deve se expandir, seja através de negociação, apoio e incentivo aos municípios, seja através da ação direta do Estado; em outros casos, o acesso deve ser facilitado, através, por exemplo, da oferta de transporte escolar. Mas o maior desafio é reverter a exclusão dos mais pobres, e para isso são fundamentais programas, como a bolsa-escola, que proporcionam melhores condições para que as famílias possam inserir e manter seus filhos na escola.

Outro aspecto problemático, ainda em relação à distribuição da cobertura, com conseqüências importantes sobre as condições de acesso tem a ver com a zona rural. É notória a situação desfavorável em que se encontra a oferta de educação nas escolas rurais em relação às das zonas urbanas. Entretanto – e este ponto será desenvolvido mais adiante – a vigência do FUNDEF não teve resultados necessariamente positivos sobre esta dimensão da equidade das condições de acesso. Considerando as características do mecanismo de financiamento do Fundo, há um incentivo a que estados e municípios busquem ganhos de escala na prestação dos serviços educacionais, através da redução de custos fixos. A tendência então seria a da concentração de mais turmas e alunos em um número menor de estabelecimentos. Se, em zonas urbanas, de maior concentração populacional, os efeitos desta estratégia podem não ser tão sérios do ponto de vista do acesso (do ponto de vista da qualidade, o ponto é mais discutível), no caso das populações rurais, que se encontram muito dispersas geograficamente, a concentração – ou nucleação – das escolas tende a aumentar significativamente as distâncias a serem percorridas pelos alunos diariamente, significando um incremento dos custos e dificuldades de acesso à educação desproporcionalmente desfavoráveis a estas populações.

Não há, com dados agregados, como avaliar os impactos sobre a qualidade da oferta ou sobre as distâncias realmente percorridas pelos alunos, ou sobre a provisão ou não dos

15 É preciso notar que há alguma colinearidade nestas estimativas, já que a taxa de escolarização bruta é um dos indicadores que compõem o IDH. Entretanto, como isto acontece em ambos os anos, a comparação das diferenças entre 1991 e 2000 não fica prejudicada.

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municípios e estado de transporte escolar e em que condições. No entanto, as informações disponíveis sobre a distribuição da oferta de ensino fundamental público em Minas Gerais são consistentes com as informações acima. Em 1997, existiam em Minas Gerais 15.637 estabelecimentos estaduais ou municipais de ensino fundamental, sendo 10.713 deles rurais. As escolas rurais eram, em sua grande maioria, pequenas e atendiam a um número reduzido de alunos, daí o grande número de estabelecimentos. Em 2002, o número de escolas rurais reduziu-se em 37%, o que significou 3.986 estabelecimentos a menos. Enquanto a rede urbana expandiu-se em pouco mais de 520 escolas no estado, houve uma redução das escolas rurais, que responderam por toda a redução do número de estabelecimentos. Além de muitos alunos. Enquanto em 1997 o número médio de alunos por estabelecimento na zona rural era de 48, em 2002 passou a 62, um aumento de 28,5%, o que indica uma estratégia de concentração do atendimento em um número menor de unidades. Como se afirmou acima, não é possível, com estes dados, avaliar o conjunto de impactos desta estratégia sobre o desempenho do sistema educacional, mas do ponto de vista das condições de equidade no acesso, ela parece apresentar riscos importantes para os alunos da zona rural.

INSUMOS

A eqüidade de insumos refere-se à maneira como se distribuem os recursos educacionais aos diferentes grupos. Insumos aqui têm uma concepção ampla, incluindo recursos financeiros, quantidade e qualificação do corpo docente, equipamentos, dentre outros. Há, historicamente, e no Brasil isto é ainda mais grave –, uma tendência regressiva – ou seja, de iniquidade – na distribuição de insumos educacionais. Os grupos sociais mais vulneráveis tendem a estudar nas escolas com corpo técnico menos experiente e qualificado, número maior de alunos por professor, dentre outros problemas. Desse ponto de vista, mesmo a garantia de alocação de insumos em igual quantidade e qualidade a todos já seria uma contribuição importante para uma política educacional mais eqüitativa.

Tanto no que se refere a insumos quanto a efeitos (dos quais trataremos mais adiante), existem diferentes maneiras de conceber e promover políticas de eqüidade. Uma delas é a garantia de um patamar mínimo de insumos ou de resultados aos quais todos devem ter acesso, revertendo a tendência geralmente regressiva de alocação de recursos educacionais. Outra estratégia é mais ambiciosa do ponto de vista da progressividade e significa, de forma simplificada, "dar mais a quem tem menos ou a quem necessita mais". No campo da política educacional, uma maneira de viabilizar tais estratégias seria dar atenção especial a escolas que atendem crianças oriundas de contextos familiares pouco favoráveis à aprendizagem escolar, dotando-as de profissionais aptos a enfrentar os desafios de ensinar a quem tem baixo nível de exposição à linguagem ou ao raciocínio característicos da vida escolar, além de adaptar o processo de ensino através de maior atenção aos que revelam maiores dificuldades em aprender.

Do ponto de vista dos insumos financeiros, a maneira pela qual a oferta de ensino fundamental foi organizada no Brasil – basicamente sob responsabilidade dos níveis subnacionais (Estados e municípios), mas sem mecanis-mos específicos de indução à cooperação ou de correção de desigualdades – criou problemas importantes para a eqüidade. A educação pública, principalmente no que se refere ao ensino fundamental, expandiu-se, desde o início, a partir das unidades subnacionais, com a União desempenhando um papel complementar, ainda que pouco sistemático e com baixos níveis de eficácia e eficiência, comprometidos, dentre outros motivos, pelos problemas de "deseconomia" de escala. No entanto, a notável expansão do ensino fundamental a partir da década de 70 padece de qualquer política ou mecanismo de integração entre estados e municípios. Sem uma definição mais clara de competências e de mecanismos intergoverna-mentais de incentivo à cooperação, o desenvolvimento concorrente e paralelo das redes de ensino fundamental gerou resultados

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ambivalentes. Por um lado, em termos de disponibilidade de vagas, houve um grande avanço na direção da universalização do acesso à educação.

Entretanto, o perfil da rede pública de ensino fundamental resultante mostrou-se heterogêneo e desigual. Há grande diversidade entre as regiões quanto à participação relativa das redes estaduais e municipais na oferta de vagas nas diversas etapas do ensino fundamental, além de diferenças também na localização dessas redes, possibilitando o atendimento prioritário da clientela residente nas áreas urbanas ou rurais pelas redes estaduais e municipais.16 Ao lado dessas diferenças – e em parte por causa delas –, surgem problemas graves, seja do ponto de vista da eficiência e racionalidade, seja do ponto de vista da eqüidade na prestação dos serviços. Sem mecanismos ou políticas que induzissem cooperação entre os entes federados, cada rede se organizou e se expandiu segundo suas próprias lógicas ou prioridades educacionais e/ou políticas. O resultado, além da heterogeneidade mencionada, foram lacunas e sobreposições na distribuição da oferta de serviços educacionais.

Ademais, a rede pública de ensino fundamental enfrenta desigualdades importantes na qualidade dos serviços prestados. Em virtude da grande desigualdade do desenvolvimento econômico e social e capacidade fiscal, administrativa e técnica entre os municípios e Estados brasileiros e a ausência de mecanismos para corrigi-la, a qualidade da educação – e, portanto as oportunidades educacionais – a que os educandos tinham acesso dependia – e ainda depende – em larga medida da rede à qual pertence a escola em que se matriculavam. Esse problema é ainda agravado pelo caráter tendencialmente regressivo dessa situação: geralmente são nos municípios e regiões mais frágeis fiscal e administrativamente que se encontram os grupos social e politicamente mais vulneráveis, os quais, recebendo educação de pior qualidade, vêem comprometidas suas possibilidades de rompimento com o ciclo de reprodução da desigualdade. Some-se a isso, ainda, a regressividade das transferências educacionais negociadas da União durante o período, fortemente condicionadas pela capacidade instalada de Estados e municípios, favorecendo a concentração dos investimentos e permeadas por critérios pouco claros e clientelísticos de repasse.1714

Chega-se, assim, ao fim da década de 80 com um panora-ma no ensino fundamental caracterizado por avanços importantes na cobertura e acesso e uma situação muito preocupante do ponto de vista da qualidade e eqüidade na oferta de oportunidades de escolarização, o que se reflete no desempenho do sistema educacional.15 O ensino fundamental público brasileiro tem, porém, sido objeto de mudanças importantes em sua organização na última década. No caso do ensino fundamental, a partir da diminuição das pressões e necessidades de expansão da rede de atendimento, outras questões passaram a ocupar a agenda educacional. Além da busca de renovação pedagógica – com mudanças na seriação, no currículo e nas estratégias de ensino –, destacam-se os temas do aumento da eficiência na utilização dos recursos educacionais, a descentralização do atendimento e a busca de melhores padrões de eqüidade no acesso e aproveitamen-to dos serviços educacionais por parte de seu público.

Minas Gerais é um caso exemplar das mudanças e dile-mas da agenda do ensino fundamental brasileiro. O processo recente de descentralização 16 no ensino fundamental público mineiro ocorreu em duas vertentes: a municipalização e o aumento da autonomia das unidades escolares. Quanto à municipalização, esta já era uma tendência nos últimos anos, decorrente da maior autonomia dos municípios desde a Constituição de 88 e dos problemas fiscais dos Estados. Por exemplo, entre 1996 e 1997, as redes municipais aumentaram em 8% seu atendimento ao ensino fundamental, enquanto a rede estadual praticamente permaneceu estável. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, confirmou

16 Cf. SOUSA, 1993, 1995. 17 Cf. GOMES, 1992.

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essa tendência ao definir que o ensino fundamental – que acumula o maior número de estudantes e de escolas – seria atribuição basicamente dos municípios, enquanto os Estados seriam responsáveis pelo ensino médio. O perfil do sistema escolar público em Minas Gerais vem expressando esta diretriz: se a oferta de vagas no ensino fundamental da rede estadual permaneceu estável entre 1996 e 1997, a oferta no ensino médio da rede estadual aumentou em 18%, chegando a cerca de 470 mil, o que ainda não é suficiente. De qualquer maneira, as redes municipais vinham já acumulando um aumento de sua participação no total de vagas, que passou de 23% em 1996 para cerca de 25% em 1997.

Entretanto, foi a implantação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF) que intensificou o processo de municipalização, criando uma estrutura de fortes incentivos e custos financeiros aos municípios, proporcionalmente às vagas que assumissem na rede pública de ensino fundamental. O FUNDEF é um arranjo institucional de incentivo para que a manutenção e o desenvolvimento do ensino fundamental fossem o foco das políticas no setor, baseado no envolvimento das três esferas federadas, mas crescentemente sob a responsabilidade dos municípios. Trata-se de uma decisão planejada do poder público federal (apesar de o conceito vir de antes e de já estar contido no Plano Decenal de Educação), intencionalmente dirigida e talvez a única política a apresentar resultados parcialmente positivos. Municípios que jamais haviam investido em educação fundamental, sob pena de perdas de recursos, viram-se compelidos a repensar suas políticas para o setor. Os três primeiros anos de vigência do Fundo apontam neste sentido, do ponto de vista da alocação de recursos, apresentando um movimento favorável em relação aos municípios.Enquanto em 1998 o valor recebido pelo conjunto dos municípios representou 69% do valor retido, em 1999 e 2000, ele superou em cerca de 9% e 14%, respectivamente, o valor retido, conforme aponta a tabela 1:

Tabela 1 - Evolução do número de matrículas da rede pública municipal e total, e dos valores retido e recebido pelo fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e de valorização do magistério (FUNDEF)

1998 1999 2000

Matrícula Municipal (A) (1) 912.407 1.495.983 1.507.172 Matrícula Total (A) (2) 3.108.595 3.657.558 3.568.359 Matrícula Municipal / Matrícula Total 29,35 40,90 42,24 Valor Retido ( em R$ correntes)(B) (C) 467.979.114 534.995.601 603.752.207 Valor Recebido (em R$ correntes) (A) 323.020.152 583.057.052 690.098.062 Valor Recebido / Valor Retido 69,02 108,98 114,30

Fonte: FORTES (2003)

O trabalho de FORTES (2003) aponta ainda que, do ponto de vista redistributivo, o FUNDEF tem efeitos de diferentes tipos. De um lado, o Fundef contribui para a redução da desigualdade na rede pública de ensino, no tocante aos valores anuais disponíveis por aluno, principalmente por meio da elevação do piso de gastos. No ano de 1999 por exemplo, na ausência do Fundef, e supondo a distribuição do montante de recursos retidos em cada município pelo número de alunos da rede municipal, em 25% deles o valor disponível por aluno seria menor que R$ 322,65, enquanto outros 25% teriam valores maiores que R$481,20. Em 2000, 25% teriam valores inferiores a R$ 368,98 e outros 25% valores superiores a R$559,70. O Fundef, no entanto, garantiu, conforme visto, um mínimo de recursos por aluno de R$ 354,14 e R$ 389,75 respectivamente, em todos os municípios mineiros. Por outro lado, na medida em que o Fundef subvincula receitas de transferências, seu efeito indutor será diferenciado nos municípios, em função da dependência destes de recursos de transferências. De fato, o impacto do Fundef sobre as finanças municipais (no sentido de aumentá-las ou diminuí-las) foi mais forte naqueles municípios cujas bases econômica tributária são mais frágeis.

Referências

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