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PATRIMONIO RELIGIOSO DA SÃO PAULO DO SÉCULO XVIII

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PATRIMONIO RELIGIOSO DA SÃO PAULO DO SÉCULO XVIII

Edgar da Silva Gomes Universidade Cruzeiro do Sul – NEHSC da PUCSP

dredgargomes10@gmail.com

Art. 1 – O conceito de monumento histórico engloba, não só as criações arquitetônicas isoladamente, mas também os sítios, urbanos e rurais, nos quais sejam patentes os testemunhos de uma civilização particular, de uma fase significativa da evolução ou progresso, ou algum acontecimento histórico. Este conceito é aplicável, quer às grandes criações, quer às realizações mais modestas que tenham adquirido significado cultural com o passar do tempo. (Carta de Veneza, 1964)

Considerações Iniciais

A população da Vila de São Paulo de Piratininga no final do século XVII e início do século XVIII tinha verdadeira obsessão para ter sua pequena Vila elevada à categoria de cidade e ser sede de um bispado, porém foi somente no início da segunda década do setecentos que a Vila se tornou Cidade (1711), o bispado teve que esperar mais algum tempo, foi no reinado de D. João V que o Papa Bento XIV, concedeu a São Paulo o seu bispado (1745), nomeando D. Bernardo Rodrigues Nogueira para ocupar o cargo. Finalmente a outrora insignificante Vila de São Paulo de Piratininga tinha realizado seus sonhos: era uma cidade e abrigava uma autoridade eclesiástica. A Religião e a Cidade eram símbolos importantes para demonstração de poder da burguesia emergente, e para uma pequena comunidade, no caso a São Paulo do setecentos, perdida do outro lado do Atlântico, aqui no Novo Mundo, ter os símbolos que representavam as aspirações da sociedade local foi uma grande vitória, pois segundo Le Goff, “A cidade respeita a Igreja e com frequência se coloca a seu serviço” (1988, p. 95).

Apenas o valor simbólico desses ganhos pode ser mencionado, não estamos na Europa e a sociedade da São Paulo do século XVIII, ainda não viviam nem a realidade

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encontrada na França do século XII, nossa pobreza era extrema, o cotidiano muito diferente da realidade europeia, como relatava o abade Surger, “consagra a arte gótica na construção da nova igreja da abadia de Saint-Denis. A inovação é notável e se propagará em quase toda a rede das igrejas do campo” (1988, p. 114). A cidade mal conseguia recursos para se administrar. Porém a igreja exercia funções de fascínio e temor pelo seu poder, e o pedido de um prelado para São Paulo foi para coibir a decadência moral do clero e da vida cristã, havia também o problema de a grande extensão de terra para cada bispado administrar. O público, o religioso e o privado, viviam entrelaçados no período colonial. Na Igreja, o rigor era extremo; o religioso foi motivo de obediência, temor e veneração por parte da população. As regras impostas pela igreja eram rígidas. As pastorais dos bispos tratavam até mesmo da vida particular de cada cidadão das dioceses. Se as regras não fossem cumpridas, poderiam dar motivos a excomunhão. A vida seguia ao toque dos sinos!

De acordo com Mota, “de todo modo, São Paulo fortalecia-se na medida em que estava situada num ponto de comunicação com a Villa Imperial de Potosí, a grande cidade mineradora” (2003, p. 247), porém as vilas e cidades do Brasil colonial não podiam ser comparadas à riqueza das suas congêneres na América Espanhola, esta diferença fica clara na observação de um padre procedente de Lima, vice-reino do Peru, Ruiz Montoya, observava que “uma cidade como o Rio de Janeiro ou São Paulo pareciam pobres, como um canto de arrabalde da capital do vice-reino do Peru, com judeus, muitos insubordinados e preadores de índios” (2003, p. 247).

Durante o setecentos foram grandes as transformações administrativas em São Paulo, de acordo com Carlos Guilherme Mota, a província perde sua autonomia no ano de 1720 e os transtornos só começaram, pois ainda haveria a separação da capitania de Minas Gerais, no ano de 1748 novas cisões a enfraquecem ainda mais, Goiás e Mato Grosso se tornam territórios independentes de São Paulo. Somente década de 1760 é que as coisas começam a entrar nos trilhos, no ano de 1765 o rei português restaurou sua autonomia e nomeou um governador, o Morgado de Mateus, que se instalou no Colégio dos Jesuítas por uma década, fazendo parte da estratégia de reformas implementadas pelo Marques de Pombal que havia expulsado os religiosos de todo império português. O texto

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de Mota responde um importante questionamento sobre como era a São Paulo do século XVIII, nas palavras do Morgado de Mateus,

A vida paulista era morna, o lazer incluía banhos no rio Tamanduateí, pouca coisa mais. Doenças como icterícia e lepra assolavam a população, e a pobreza dominava, levando Pombal a fomentar a atividade agrícola e de comércio, chegando a mandar instalar uma forja de ferro em Sorocaba. Sobre os paulistas, o Morgado escreveu que gastam tudo quanto têm e vão até o fim do mundo, se necessário. O seu coração é alto, grande e animoso, o seu juízo grosseiro e mal limado, mas de um metal muito fino (...) a capitania tinha sessenta mil habitantes, espalhados em uma cidade, dezoito vilas, nove aldeias e 38 freguesias. São Paulo contava com cerca de quatro mil almas (Mota, 2003, p. 249).

Outro indício sobre o cotidiano dos colonos nos é dado por Leila Algranti, “no mundo americano, durante os primeiros séculos de colonização, o espaço de sociabilidade, para a maior parte da população se concentrava fora das paredes do domicílio, fosse ele a rua ou a igreja, uma vez que os grandes momentos de interação social eram as festas religiosas” (1997, p. 113). Havia na colônia, apesar da miscigenação, uma continuidade da religiosidade ibérica, ou seja, marcada por muitas festas dedicadas aos santos protetores, santos padroeiros das igrejas que se construíam nas vilas e cidades ou que faziam parte do calendário religioso católico. Havia uma confraternização grande, onde se reuniam às vezes diversos povoados em uma única festa marcadas por missas, procissões e te-déuns. Segundo Algranti, as festas para as autoridades civis e eclesiásticas existiam, mas em menor quantidade. A igreja também era o lugar de oração que reunia cotidianamente senhores e escravos, era, portanto, o lugar das diversas festas públicas e religiosas de oração à Deus e aos santos. E quais são e onde estão estas igrejas que fazia o cotidiano da população!

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Para além da questão do tombamento, e a carta de Veneza deixa-nos claro que, as construções podem ser grandiosas ou pequenas, pois “às realizações mais modestas que tenham adquirido significado cultural com o passar do tempo” (Carta de Veneza, 1964), passa a ter valor pelo significado que uma comunidade lhe atribui. Em relação aos templos católicos espalhados pelo mundo afora, a relação da comunidade católica com vários deles tem muitas vezes mais valor simbólico, pelo que ele representa para sua fé, do que propriamente pela sua beleza ou grandiosidade, se este templo é tombado por algum órgão governamental local, regional, nacional ou mundial (no caso de bens tombados pela UNESCO), não tem a mínima importância. Neste caso o valor se dá pela fé no santo padroeiro, na comunidade que lhes acolhe, pelo local de batismo, casamento e ou celebrações da vida e da fé de um povo/comunidade.

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No Século XVIII a pequena cidade de São Paulo era movida pela batida dos sinos das suas igrejas e capelas, poucas na realidade, mas o suficiente para atender sua população. No mapa acima, do ano de 1810, podemos visualizar os pontinhos vermelhos por onde se espalham nossas igrejinhas do setecentos na cidade de São Paulo. Algumas dessas igrejas aparecem em nossa história já no final do século XVI na forma de uma humilde ermida como, por exemplo, a Igreja de Santo Antônio do Largo do Patriarca, coração pulsante da megalópole do Século XXI, e vai se transformando por mais de dois séculos para figurar em nossa lista de igrejas setecentistas, momento em que este templo passa por uma das maiores reformas de sua história.

Outras igrejas se tornaram famosas por seus nomes encurtados e suas quase lendárias histórias como no caso da Igreja de Santa Ifigênia e seus sinos quebrados de tanto que trabalhavam para marcar o compasso do cotidiano de seu entorno durante os séculos XVIII e XIX, esta igreja também passou por várias transformações desde a sua primeira missa rezada no ano de 1795 até a demolição da capela e construção do templo atual em 1911. Mas, vamos saber um pouco mais desses patrimônios religiosos da cidade que foram construídos ou reconstruídos, ou ainda que tiveram seu valor reconhecido pela comunidade local durante o setecentos.

Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos

Na São Paulo colonial, a Confraria de Nossa Senhora do Rosário foi uma das primeiras devoções lusitanas a surgir, esta devoção durou um longo período sem ter uma Capela para seus fiéis, o que veio a acontecer no início do século XVIII, em data controversa, alguns pesquisadores afirmam que o ano de sua construção foi 1721, enquanto outros como Antônio Egydio Martins citam a data de 1746. A Irmandade de Nossa Senhora dos Homens Pretos reunia os negros católicos da pequena e pobre cidade de São Paulo que reproduziam as características dos festejos das comunidades negra no Norte e Nordeste, como os congos e cucumbis onde eram eleitos os “reis e rainhas” da festa, “a igreja foi construída e permaneceu por muitos anos no Largo do Rosário, que ficava na confluência da rua São Bento com a avenida São João e Praça Antônio Prado.

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No ano de 1903 foi demolida e reedificada no Largo de Paissandu” (Gomes, 2004, p. 268).

Igreja de Nossa Senhora da Conceição de “São Gonçalo”

Erigida no ano de 1756 pela Irmandade do mesmo nome, que se abrigava na Igreja de Santo Antônio. Esta irmandade obteve permissão para construir uma igreja para sua devoção na administração do bispo frei Antônio da Madre de Deus. A edificação propriamente dita se deu no ano de 1757, em local próximo à Igreja Catedral de São Paulo, atrás da Praça da Sé, no largo conhecido como Praça João Mendes. Tombada pelo Condephaat no ano de 1971 sob n. 25428/71, livro do Tombo Histórico, inscrição n. 58, p. 3, 24/09/1971, pela resolução de 20/09/1971, pode-se ler nos registros deste órgão que,

Sabe-se que a Igreja de São Gonçalo foi construída pela Irmandade de Nossa Senhora de Conceição e de São Gonçalo, no século XVIII, na Praça João Mendes, antigo Largo da cadeia. Inicialmente, de aspecto modesto, ela foi se alterando no decorre dos anos com o auxílio do governo e de particulares. As intervenções que modificaram a igreja aconteceram principalmente durante a segunda metade do século XIX. Implantada nos alinhamentos do lote de esquina, suas elevações são marcadas por linhas horizontais, definindo os dois pavimentos. Os arremates do frontão e da torre única são em suaves linhas curvas. Sobre a capela-mor, foi introduzida uma cúpula com lanternim. A decoração do interior, proporcionada por numerosas imagens, talhas, afrescos e retábulos, não forma um conjunto uniforme. Os retábulos laterais, por exemplo, pertencem ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida, como é o caso de outras peças originárias de outras igrejas. (Condephaat, 1971)

Humilde e com traços coloniais, hoje esta pequena igreja é frequentada pela comunidade católica japonesa, a simplicidade da construção faz crer que desde o início seus frequentadores eram pessoas de poucas posses. O santo de devoção da comunidade japonesa tem uma história intimamente relacionada com o país dos imigrantes, “São Gonçalo Garcia foi martirizado na cidade de Nagasaki, no Japão, no século XVI, crucificado com outros companheiros da Ordem Terceira de São Francisco e da

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Companhia de Jesus. O motivo da condenação foi estarem pregando o evangelho cristão naquele país.” (Gomes, 2004, p. 262). A forte devoção dedicada ao santo conseguiu suplantar o nome original da igreja e hoje são poucas as pessoas que fazem menção à Nossa Senhora, preferindo citar apenas o nome de São Gonçalo para se referir a igreja. Atualmente a igreja é administrada pelos padres jesuítas pela concessão dada à eles pelo bispo diocesano D. Lino Deodato no ano de 1893.

Capela Nossa Senhora dos Aflitos

Situada no bairro da Liberdade, esta pequena capela foi erigida no ano de 1775, e inaugurada em 1779, sua construção em taipa de pilão, ficava junto ao cemitério público da cidade para abrigar os corpos de escravos, indigentes e pobres, além dos condenados à morte no Largo da Forca. O antigo cemitério era famoso por abrigar o corpo do soldado Francisco José das Chagas, condenado por sublevação, enforcado no ano de 1821 e tido como mártir pelos populares que pediram clemencia após a corda para o enforcamento arrebentar três vezes, porém, quando foi trocada pela corda de couro, finalmente o condenado sucumbiu ao martírio. O antigo largo da Forca é conhecido atualmente como Largo da Liberdade e abriga a Igreja de Santa Cruz das Almas dos Enforcados a cerca de cem metros da Igreja dos Aflitos.

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Capela dos Aflitos - Fonte: kimitirion blogspot

O bairro da Liberdade abriga esta pequena capela, tão pequena e escondida que morei no bairro mais oriental da capital paulista, vindo do interior, lá pelos idos anos de 1980 do século passado, e percebi sua existência muito tempo depois de estar morando a poucas quadras desta capelinha de aparência soturna, mas encantadora, principalmente quando procuramos conhecer um pouco de sua história. Segundo o sítio eletrônico da Arquidiocese de São Paulo,

Reza a tradição que os escravos, vindos dos baixos do Carmo, da várzea do Tamanduateí, subiam a Tabatinguera. Paravam estatelados na Igrejinha da Boa Morte. Seguiam ao pelourinho, ali no atual Largo sete de setembro. Viam o suplicio dos seus irmãos de cor e destino. Seguiam não raras vezes, até o Largo da forca (...) Nesta paragem baloiçavam os corpos inanimados dos escravos condenados à morte certa. Seus irmãos de cor e sorte, desciam aos Aflitos. E ali compartilhavam a dor de uma vida sem esperanças. Eis a origem humilde e plangente da Capelinha de Nossa Senhora dos Aflitos.

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As histórias e lendas sobre esta capelinha sobrevive até os dias de hoje, tornando esta pequena e escondida construção, um valoroso patrimônio religioso encravado em um beco sem saída no bairro da Liberdade em São Paulo.

Igreja de Santo Antônio

Esta igreja fica situada no Largo do Patriarca, “tem uma decoração simples, na qual se destaca o retábulo principal, executado em 1780 (...) e considerada a mais bela talha rococó de São Paulo” (Gomes, 2004, p. 261). Existia no local desde o ano de 1592 uma ermida de santo Antônio. No século XVII o local serviu como igreja matriz e hospedaria e de abrigo para os franciscanos até a construção do convento no Largo de São Bento. A igreja passou por uma grande reforma, no ano de 1717, e por fim ganha mais uma reforma no ano de 1899, quando a prefeitura demoliu sua torre e realinhou a fachada com a rua Direita. A reforma segundo consta foi financiado pelas familias da Baronesa de Tatuí e da Condessa Prates,

Nessa ocasião, foi construído um novo frontispício ao gosto da Belle Époque, que, na opinião de Arroyo, deixou-a com um rosto de ‘Madona Triste, em meio à praça tumultuosa, ‘com um aspecto comprimido e assustado de quem não se sente bem entre tanto ruído e tanto arranha céu’, uma situação que o autor via como sendo de um desequilíbrio dramático. (Sanctuária, 2016).

Apesar de Leonardo Arroyo prever um futuro incerto com a possível demolição da igreja de Santo Antônio do Largo do Patriarca, como é mais conhecida, pois temos outras igrejas de Santo Antônio espalhada pela cidade, a igreja permanece espremida, com o rosto triste ainda nos dias de hoje, pois não sucumbiu às exigências do progresso, como temia Arroyo. A igreja de Santo Antonio teve seu tombamento declarado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), no ano de 1970, pelo processo n. 08576/69, livro do tombo histórico, inscrição n. 335, p. 8, p. 2, s.d. (sic), outro reconhecimento veio posteriormente por parte do órgão municipal de defesa do patrimônio, o Conpresp, que reafirmou o valor histórico

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e cultural deste templo para a cidade de São Paulo. Um dado importante encontrado no sítio do Condephaat nos dá conta que, “São de grande beleza os retábulos dos altares, em madeira talhada, reconstituídos em parte depois de atingidos por um incêndio na década de 1980”. Fonte IHGSP (sic).

Igreja Nossa Senhora da Conceição de Santa Ifigênia

Conhecida nas primeiras décadas de sua construção como “a igreja dos sinos quebrados” ficava situada na esquina das ruas da Conceição com rua Santa Ifigênia, hoje temos no local o Largo de Santa Ifigênia. Diz a lenda que seus sinos tocavam constantemente irritando os moradores dos arredores, isso resultou inclusive em uma punição aos “fabriqueiros” da igreja com multas pesadas. “Nos séculos XVIII e XIX, os sinos das igrejas ‘marcavam’ com suas badaladas o ritmo da vida cotidiana da população. Tudo era motivo para badalar os sinos nos templos da cidade: festas, batizados, mortes, casamento, inundações, incêndios e chegada de clérigos”, (Gomes, 2004, p. 267), a marcação do toque era diferente para cada situação vivida no cotidiano. O uso abusivo dos sinos causava despesas para a Câmara que deveria substituir o sino quebrado por um novo daí o “apelido” da Igreja. A gênese da capela desta igreja é como em outros casos devido à formação de uma irmandade, neste caso era a Irmandade de Santa Ifigênia e Santo Elesbão. Consta que a primeira missa rezada no local onde se erigiu a Capela se deu em janeiro de 1795. Depois de passar por várias reformas no século XIX, a primeira Capela foi demolida no ano de 1911 para a construção do atual templo de Santa Ifigênia.

Igreja Nossa senhora da Consolação

Erigida pelos devotos de Nossa Senhora no ano de 1799, no antigo Caminho de Pinheiros, hoje rua da Consolação, era um local bastante afastado da cidade e com poucos moradores até meados do século XIX. A época de sua ereção, o bispo diocesano era D. Mateus de Abreu Pereira, que autorizou a comunidade devota a construir igreja com provisões para celebrar missas e demais ofícios divinos. Pobre, a comunidade

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provavelmente recorreu ao antigo costume de esmolar em nome da santa para conseguir a quantia necessária à construção do templo.

Nas Atas da Câmara Municipal de São Paulo (Atas da Câmara Municipal de São Paulo, v. 27, pp. 380, 399, 468.), podemos ver que no decorrer do século XIX, com a construção da Igreja, onde havia um pântano e poucas moradias, com falta de coesão urbana, com a chegada do templo, o bairro foi se desenvolvendo e adquirindo uma fisionomia mais harmoniosa que não havia nas décadas anteriores. No ano de 1892 a Igreja da Consolação foi elevada à Igreja Matriz e “sob sua responsabilidade encontravam-se as Igrejas de Santa Cecília, do Divino Espírito Santo e de Nossa Senhora do Monte Serrate, do bairro de Pinheiros, e a Capela de Santa Cruz, do bairro de Perdizes”. (Gomes, 2004, p. 264). A edificação da antiga igreja cedeu lugar à uma nova edificação no ano de 1907.

Igreja Senhor Bom Jesus de Matosinhos, a Igreja do Brás

A igreja dedicada ao Senhor de Matosinhos no Brás, mais conhecida como “Igreja do Brás”, tem uma tradição oral que suplanta a sua documentação histórica, “a origem da igreja foi atribuída a um negociante português, que também tem como certa a origem do bairro que leva seu sobrenome, o bairro do Brás, na região central da cidade de São Paulo. O negociante era o português José Brás, citado por alguns historiadores”. (Gomes, 2004, p. 265). O negociante português figura nas Atas da Câmara, porém nos documentos do Arquivo da Cúria Municipal de São Paulo seu nome está omitido, pela tradição oral, o ano mais provável para a construção de uma pequena capela dedicada ao Senhor de Matosinhos é no ano de 1769 no caminho que ligava a região que foi construída ao bairro que dava nome ao caminho.

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Imagem da “Igreja do Brás” Século XVIII - Fonte: rotadefe.blogspot

Outra tradição relacionada ao templo é a de que o tenente-coronel José Correia de Morais reedificou a igreja no ano de 1800 com a autorização do bispo diocesano D. Mateus de Abreu Pereira e reinaugurada no ano de 1803. A segunda metade do século XVIII é a data mais provável para construção da primeira capela dedicada a Senhor de Matosinhos. A região central passou por forte crescimento a partir da segunda metade do século XIX e com isso o templo foi passando por algumas reformas e ampliações a fim de melhor atender a população que crescia. Outra curiosidade presente na história desta igreja é que o Cristo que ornamenta seu altar principal é o Bom Jesus da Cana Verde supostamente por influência da forte migração italiana para o bairro durante a segunda metade do oitocentos!

Considerações Finais

As Igrejas e Capelas do período colonial, como vimos acima, muitas vezes foram remodeladas e reformadas para se adaptarem a realidade da cidade que crescia e se “movimentava”. Estes templos fizeram parte do cotidiano de homens e mulheres, brancos, negros e mestiços, pessoas livres, libertas e escravizadas, que recorriam a esses

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espaços para chorar a morte de seus entes queridos, em outras ocasiões para festejar o santo padroeiro, realizar casamentos e batizados numa polifonia onde os sentimentos se misturavam com o badalar dos sinos! Alguns desses patrimônios espirituais/religiosos tiveram seu tombamento feito por algum órgão oficial, mas todos foram/são parte da vida da população desta cidade e ainda recorrerem a eles, para celebrar a vida, chorar suas dores, ou simplesmente para se proteger da chuva ou da violência dessa metrópole bem diferente do contexto em que se ergueram do chão com suas torres contemplando o céu.

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