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QUE IMIGRANTE É ESSE? REPRESENTAÇÕES DO IMIGRANTE EM UM MUSEU DE JOINVILLE/SC 1

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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

QUE IMIGRANTE É ESSE? REPRESENTAÇÕES DO IMIGRANTE EM

UM MUSEU DE JOINVILLE/SC

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GUEDES, SANDRA P.L. DE CAMARGO. (1); BAPTISTA, LILIAN VEGINI. (2)

1. UNIVILLE. Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade Rua Itaiópolis, nº 254 apto 902, América – Joinville/SC

Sandraplcguedes@gmail.com 2. UNIVILLE. Departamento de História Rua Alberto Kroehne, nº 194, Atiradores – Joinville/SC

Lilivegini@hotmail.com

RESUMO

A pesquisa que originou este artigo visa entender quais as representações sobre imigração são formadas a partir das exposições do Museu Nacional de Imigração e Colonização. Apesar de o nome remontar à imigração para o país como um todo, foi pensado e organizado como um lugar de memória da imigração para Joinville, Santa Catarina, e tem o poder de influenciar a visão de como a história da cidade foi constituída. A escolha e preparação das exposições não são ingênuas ou desprovidas de intencionalidade. Os museus tem papel importante na preservação de memórias e na construção de identidades e podem colaborar para a construção de representações sobre diferentes aspectos da sociedade. Ao analisar as exposições e observar reações e impressões dos visitantes, foi possível perceber que transmite uma representação de um imigrante bem sucedido, que chegou à cidade e conseguiu ter todo o conforto possível na época. A casa principal que abriga a instituição, por sua imponência e pelos objetos perpassa a ideia de que aqueles que ali moraram eram pessoas de muitas posses. Por outro lado, a casa enxaimel montada no jardim acaba representando a residência de imigrantes com menor poder aquisitivo ou, até mesmo, de caseiros da casa principal.

Palavras-chave: Patrimônio Cultural.Representações. Museu. Imigração.

1A pesquisa que deu origem a este artigo está relacionada ao Grupo de Pesquisas “Estudos Interdisciplinares de

Patrimônio Cultural” da Universidade da Região de Joinville e é financiada pelo Fundo de Apoio à Pesquisa – FAP/UNIVILLE.

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INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como foco as representações da imigração construídas a partir

das exposições do Museu Nacional de Colonização e Imigração – MNIC, situado em

Joinville/SC. Falar de imigração é falar do deslocamento de pessoas, “mas o espaço dos

deslocamentos não é apenas um espaço físico, ele é também um espaço qualificado em muitos sentidos, socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente, etc.” (Sayad, 1991, p.15). Estes deslocamentos não afetam somente aqueles que se instalam em uma nova região, mas também aqueles que os recebem; como aconteceu em Santa Catarina que tem em sua cultura a influência de diferentes etnias representada na culinária, no estilo de construções, nas festas e tradições, dentre outras. "A condição de imigrante se acopla, assim, à de estrangeiro. Isso significa se sentir e ser considerado como diferente. O grau de estranhamento depende de muitas variáveis: o lugar de onde veio, as razões da imigração, a situação de viajar em família ou só" (Oliveira, 2002, p.12). Aqueles imigrantes que se deslocaram da Europa para o Brasil no século XIX, vieram em embarcações que não permitiam muito conforto e muito menos higiene, o que tornava comum a morte de muitos deles, abalando parentes ou amigos durante as navegações que duravam muitos dias. Sabendo das condições em que as viagens aconteciam, o que os motivava a submeter-se a uma viagem destas?

Na segunda metade do século XIX a maioria dos países europeus enfrentava sérios problemas de fome, desemprego e guerras que dificultavam a vida dos moradores que precisavam encontrar um lugar que oferecesse uma oportunidade para recomeçar. A história de Joinville está relacionada à imigração para a região sul do país e parte dessa história está representada no MNIC. Fundada em 1851, por imigrantes de origem germânica, a cidade de Joinville está localizada na região nordeste do estado de Santa Catarina e, apesar de não ter sido construída apenas por imigrantes europeus, mas com a participação de brasileiros que se deslocaram de diferentes áreas do país, ainda é a partir da história de vida e realizações daqueles imigrantes que o imaginário popular acredita que se construiu a Joinville que, segundo dados do IBGE, conta atualmente com pouco mais de 515 mil habitantes.

Museu é definido pelo Instituto Brasileiro de Museus - IBRAM (2012), como: “[...] casas que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas. Os museus são pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e pessoas diferentes.” Essa visão múltipla de museus está ligada às novas perspectivas sobre esse espaço que, durante muitos anos foi considerado um lugar onde se depositava o passado, local que deveria guardar os objetos

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que não faziam mais parte da vida cotidiana das pessoas, algo que deveria ser protegido do perigo de desaparecer e/ou, principalmente, objetos de memória sobre um tempo ligado a grupos privilegiados (social e economicamente) da região onde se instala o museu (Possamai, 2001). É possível afirmar que um museu representa uma história, uma visão sobre determinado tempo e determinado grupo, e essa representação está diretamente ligada à intencionalidade que o grupo social no qual está inserida a instituição tem. A escolha de peças e imagens que compõem o acervo e, principalmente, a exposição de uma instituição, não é uma escolha inocente e livre de posicionamentos políticos e intelectuais. Toda peça de museu é um documento a ser estudado e discutir as representações que podem ser formadas a partir dessas peças que foram cuidadosamente selecionadas para montar uma exposição é uma maneira de entender as várias representações de história que convergiram para a construção desse espaço de memória. Esta é a principal proposição do presente artigo. Fazendo uso da Teoria das Representações Sociais buscamos saber quais representações sobre a imigração são construídas a partir das exposições do maior museu da cidade de Joinville, o MNIC.

AS REPRESENTAÇÕES

A Teoria das Representações Sociais aparece na década de 1960, inspirada pelas formulações do sociólogo francês Emile Durkheim, e desenvolvida pelo psicólogo social romeno, Serge Moscovici, mas ganha força apenas por volta da década de 1980. Desde então, tem sido foco de pesquisas em diversas áreas possibilitando encontros interdisciplinares bastante interessantes, já que as Representações Sociais são interdisciplinares por essência. “Entendemos que a perspectiva psicossocial, sustentada por Moscovici, e os desdobramentos que ela tem gerado, constitui um terreno fértil, e aberto desde seu início para a ‘inter’, ‘trans’, ‘multi’, ‘cross’, ‘joint’ disciplinaridade” (Almeida et al., 2009, p.10). Através das representações sociais a psicologia social “reflete sobre como os indivíduos, os grupos, os sujeitos sociais, constroem seu conhecimento a partir da sua inscrição social, cultural etc., por um lado, e por outro, como a sociedade se dá a conhecer e constrói esse conhecimento com os indivíduos” (Arruda, 2002, p.128). Moscovici (2009) destaca que a Teoria das Representações Sociais tem como objetivo estudar um fenômeno, sobretudo urbano, em que o homem manifesta sua capacidade inventiva para se assenhorear do mundo por meio de conceitos. “A dinâmica das relações é uma dinâmica de familiarização, onde os objetos, pessoas e os acontecimentos são percebidos e compreendidos em relação a prévios encontros e paradigmas e [...] a memória prevalece sobre a dedução, o passado sobre o presente” (Moscovici, 2009, p.34). Essas relações estão presentes também nos museus, quando o visitante explora o acervo e o subjetiva; construindo então representações sobre

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aquilo que viu. O museu, além de guardar, preservar e expor seu acervo passa a agir em outra dimensão: a de produzir leituras e memórias que estabeleçam uma relação com a comunidade, relação esta que pode ser de identificação ou de estranhamento.

As representações sociais são construtoras do saber social e possibilitam a apreensão e decodificação da realidade que é compartilhada por um grupo de pessoas. Constituem um sistema de representação que age na forma como nos relacionamos com o mundo e com os outros, orientando e organizando nossas condutas que, por sua vez, possibilitam a comunicação social, inclusive quando se relaciona com o museu. “Torna-se evidente que “representar” ou uma “representação” implica a acção de mostrar ou tornar claro algo que não está presente, seja por palavras faladas ou escritas, por acções, por imagens, seja mentalmente ou simbolicamente” (Rechena, 2011, p.217). É através do museu que as representações encontram uma possibilidade de tentar mostrar o passado ou pelo menos uma pequena representação dele, seja por objetos, fotografias, pinturas, reconstruções espaciais, entre outros. As representações são compreendidas como um conhecimento do

senso comum que é partilhado de forma social e “tem em seu bojo a ideia de um

conhecimento construído por um sujeito ativo em íntima interação com um objeto culturalmente construído, que revela as marcas tanto do sujeito como do objeto ambos inscritos social e historicamente” (Almeida et al., 2011, p.102).

Os fenômenos de representação social estão presentes nas diversas áreas da mídia, nas ruas, nas escolas, dentro de nossas casas, museus, nas relações com o outro, estão por toda a parte, o que nos faz pensar que estamos imersos em um mundo (que é representado)

de representações.“[...] estão ‘espalhados por aí’, [...] nas comunicações interpessoais e de

massa e nos pensamentos individuais. Eles são, por natureza, difusos, fugidios, multifacetados, em constante movimento e presentes em inúmeras instâncias da interação social” (Sá, 1998, p.21). Mas de onde vêm as representações? Como são elaboradas? Elas surgem dependendo do momento e da necessidade que um determinado grupo apresenta, e de acordo com Moscovici (2009) existem dois mecanismos importantes para a formação das representações: o de ancoragem e o de objetivação. O de ancoragem permite que aquilo com que nos deparamos e é visto como estranheza seja comparado a algo que nos é familiar a fim de torna-lo um objeto conhecido. Já o mecanismo de objetivação tem a função de converter o abstrato em concreto a partir de imagens já existentes no cotidiano, tirar aquilo que está somente no campo mental e traze-lo para o mundo físico.

Podemos dizer que temos um contato muito rápido com a realidade, pois logo que ela

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representações [...] são matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade” (Pesavento, 2005, p.39). Certamente a representação formada por um é diferente da do outro, pois a interpretação de uma dada situação perpassa pelo campo de experiências já vividas, e certamente dentro de um museu isto também é comum. A representação que o curador da exposição tem sobre imigração, por exemplo, sem dúvida exerce extrema influência na escolha das peças que compõem o acervo e fazem parte de um todo que se pretende fazer visível ao visitante. “A presença de um determinado conjunto de objetos no museu não surgiu aleatoriamente, mas foi produto de uma escolha dos indivíduos, originada em uma vontade de conservar e perpetuar esses elementos materiais” (Possamai, 2001, p.125), e os responsáveis por essas escolhas é que estarão dando sentido aos objetos da exposição. “Essa atribuição de sentido presente numa exposição por meio da narrativa curatorial se mostra na escolha dos objetos, em seus agrupamentos, relações e formas de apresentação” (Lara Filho, 2009, p.167). Fatores como iluminação diferenciada, proteção por vidros, se estão em um pedestal ou não, acabam fazendo parte da significação do objeto, lhe dando mais ou menos atenção e até mesmo importância, assim como a disposição de uma sequencia de objetos ou imagens e a ordem em que a visitação ocorre. Uma “narrativa construída, por mais séria que ela possa ter se constituído, nada assegura a sua boa recepção” (Pesavento, 2005, p.61), assim como acontece com a exposição museológica, pois a certeza de que a compreensão esperada será alcançada por todos os visitantes é praticamente inexistente. O objeto exposto é apenas parte de uma representação, ele carrega vários significados que, muitas vezes, não têm voz e que precisam de uma observação mais precisa para tomarem forma.

A CIDADE E O MUSEU

As terras correspondentes à cidade de Joinville são frutos do dote de casamento de uma das filhas de D. Pedro I, a Princesa Dona Francisca Carolina, com o Príncipe da cidade francesa de Joinville, François Phillipe d’Orleans, realizado em 22 de abril de 1843 (Ficker, 1965). Para administrar essas terras, foi criada, em 1849, a Sociedade Colonizadora de Hamburgo que destinou oito léguas quadradas de área do dote para a construção da então Colônia Dona Francisca que, a partir de 1851, possibilitou a chegada e o abrigo de imigrantes de origem germânica que, através de propagandas feitas na Europa, foram atraídos para

emigrarem para o Brasil."A política de imigração visava a atrair estrangeiros para povoar e

colonizar os vazios demográficos, o que permitiria a posse do território e a produção de riquezas. O imigrante desejado era o agricultor, colono e artesão que aceitasse viver em

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colônias" (Oliveira, 2002, p.13). Depois de lançarem-se à extensa e intensa viagem, os

imigrantes desembarcavam no lugar sonhado. “O lugar sonhado, era a Colônia que estava

assentada em terreno alagadiço (manguezal), clima úmido e tropical, sujeito a intempéries permanentes e o mais agravante é que havia um único galpão para abrigar todos os

imigrantes recém-chegados” (Tamanini, 2000, p.69). A região, no entanto não era

completamente desabitada. Existiam diversas propriedades rurais habitadas por colonos

luso-brasileiros e vicentistas2 que fizeram fronteira com a linha, bastante tênue, de

demarcação das terras dotais. Durante o século XIX “[...] o Brasil sofria com a presença de epidemias de febre amarela, varíola, malária, sem contar os frequentes surtos de cólera trazidos, principalmente, pelos navios de imigrantes que vinham superlotados e sem nenhuma

condição de higiene” (Guedes, 2005, p.17). Diante das dificuldades encontradas e

“conformados com a situação que se lhes apresentava, atiraram-se os imigrantes ao trabalho, com coragem, perseverança e abnegação” (Ficker, 1965, p.115).

Além da adaptação natural que sofreram perante as novas condições encontradas no Brasil, muitos foram duramente reprimidos durante a Campanha de Nacionalização, realizada na era Vargas, que exigia o abrasileiramento de toda a população do território nacional proibindo, inclusive, o uso da língua alemã e a manifestação de práticas culturais

estrangeiras. Essas e outras dificuldades iniciais colaboraram para a construção de

representações que indicam a força e a perseverança do imigrante, muitas vezes lhes dando uma aura de heróis.

O ano de comemoração do centenário da cidade (1951) foi um “momento propício para a reafirmação das origens de sua população, que mostrava claros sinais de modificações. [...] uma série de eventos faziam lembrar a grandeza da cidade e a necessidade de evidenciar seus heróis fundadores, os imigrantes” (Guedes, 2010, p.25). Neste contexto de exaltação dos imigrantes é que surge a ideia de montar um museu que contasse e registrasse para sempre essa história.

O prédio escolhido para abrigar o Museu que foi denominado “Nacional” da Imigração e Colonização foi o de um edifício tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1939. Tratava-se do primeiro tombamento feito em Santa Catarina que não estava localizado no litoral. O prédio que em 1957 se tornou a sede do MNIC, e que também é conhecido como Palácio dos Príncipes, serviu, inicialmente, para abrigar a sede da

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Administração da Colônia Dona Francisca, mas, no imaginário popular da cidade, o local serviu de residência ao Príncipe e a Princesa.

Construído em 1870, o prédio do MNIC (Figura 1) não foi erguido com o planejamento de um palácio, mas sim com dimensões baseadas em uma casa média de Paris. No entanto, para a época e considerando a simplicidade das demais casas da Colônia, era, e ainda é, visto como um palácio.

Figura 1: Prédio principal do Museu Nacional de Imigração e Colonização

Fonte: http://museudeimigracao.blogspot.com.br/

Atualmente, Joinville não é só uma cidade de imigrantes, mas também de migrantes, a imigração europeia e migrações de várias regiões do país se sucederam em diferentes momentos. Na década de 1970, com a expansão das indústrias, muitos grupos de diversas regiões do país, em busca de trabalho, dirigiram-se para Joinville incutindo ao município uma pluralidade cultural (Guedes et al., 2003). Analisando a trajetória histórica de Joinville, Guedes (2005) ressalta que vários títulos foram construídos a fim de representá-la, tais como: Cidade das Flores e Cidade dos Príncipes, que procuram traduzir uma história de tradição de um povo

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de origem nobre. Em contrapartida, temos os títulos de Cidade do trabalhador e Manchester Catarinense para representar a cidade moderna e industrializada. Ao interpretarmos esses títulos vamos ao encontro da influência que o Museu Nacional de Imigração e Colonização - MNIC, exerce sobre as representações da história joinvilense a partir de sua imagem de “Palácio dos Príncipes”, transmitindo a versão que as elites gostariam de manter na memória da cidade (Machado et al., 2004).

Ao longo dos anos, as exposições do MNIC já passaram por diversas reconfigurações, pensadas por diferentes pessoas e com diferentes objetivos; mas as representações de uma história ligada a uma realeza que nunca esteve na cidade, permanecem. A primeira exposição teve a colaboração de uma comissão de voluntários formada por representantes de descendentes de imigrantes que auxiliou na instalação do museu e na aquisição do acervo que foi recolhido junto àquela sociedade que desejava ver sua história ali representada. Aquela montagem inicial teve seu acervo selecionado a partir da tipologia expositiva de coleções, sendo que os objetos foram separados na sala dos relógios, sala das máquinas, sala dos baús, entre outras. Situação semelhante foi detectada por Possamai (2001), em suas pesquisas em Porto Alegre onde o espaço museal abriga uma luta material e simbólica em relação ao que será escolhido para ser visto pelas próximas gerações, travando uma disputa entre aqueles que querem estar representados. Por ter uma estrutura antiga e ser considerado patrimônio, o museu torna-se uma possibilidade de conexão entre o passado e o presente e, no caso do MNIC, o passado de uma elite de imigrantes. Atualmente o acervo do MNIC está estimado em cinco mil peças distribuídas em 14 coleções. A montagem atual foi planejada em 2006 e ampliou a área de exposição de 800 para 2500 metros, buscando valorizar os artigos de marcenaria e artes decorativas. Em 2004, uma casa enxaimel (Figura 2) foi inclusa no jardim do Museu com o objetivo de mostrar a técnica de construção e ilustrar uma residência de classe média de imigrantes do fim do século XIX e início do XX. O estilo enxaimel é uma técnica de construção muito comum no nordeste de Santa Catarina que foi trazida pelos alemães no século XIX e consiste em uma estrutura feita com encaixes de madeiras com pinos do mesmo material sem a utilização de pregos e cujo preenchimento é feito com tijolos. Essas casas podiam ser totalmente desmontadas e remontadas em outros locais, o que ocorreu com a que faz parte do MNIC. A casa possui um quarto, sala, cozinha, um pequeno estábulo e banheiro nos fundos; está toda mobiliada com objetos de diferentes origens e transmite a sensação de que seus moradores tinham todo conforto possível, contando com mobiliário de marcenaria em todos os cômodos, objetos de decoração e artigos de cozinha como louça, fogão à lenha e até uma geladeira utilizada para armazenar blocos de gelo que eram comprados, que, com certeza, não existia em qualquer residência.

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Figura 2: Casa Enxaimel do Museu Nacional de Imigração e Colonização

Fonte: Foto de Lilian Vegini Baptista, Arquivo pessoal.

Ainda no jardim do MNIC, encontram-se dois galpões que também foram construídos com base na técnica enxaimel. O primeiro deles é o Galpão de Tecnologia Patrimonial, construído em 1963, onde são expostos engenhos e alguns maquinários e, ao lado deste outro galpão que foi aberto ao público em 2007, onde estão os veículos de transporte à tração animal. Dentre os veículos estão um carro de noivos, um de entrega de pães, dois carros fúnebres e outros de transporte de mercadorias, sendo que alguns deles circularam até a década de 1970 aproximadamente.

Porém, o local que mais chama a atenção dos visitantes e para aqueles que passam na rua é a casa principal (Figura 1) que está logo na entrada da área do Museu. Com mais de 850 m², os três pisos da casa são utilizados para exposição de sala de visitas, sala de jantar, quarto, banheiro, porcelanas, pratarias, galeria de retratos de imigrantes, escritórios, artigos musicais, femininos e religiosos, dentre outros.

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Devido ao tamanho, a localização e peças como porcelanas, pianos e pratarias, dispostas em cômodos que dão a sensação de uma residência que, algum dia, fora habitada, a casa principal denota uma imagem de riqueza e luxo que é atribuída aos imigrantes ali representados. Alguns ambientes da casa são protegidos por vidros e formam barreiras que impedem a circulação do visitante pelas salas, o que confere valorização ao acervo que não pode ser tocado e nem olhado muito de perto. As mobílias de madeira trabalhada, candelabros adornados, relógios e louça pintada marcam um estilo de vida pomposo, aquele desejado pelas elites, mas que é um tanto quanto peculiar aos dias de hoje.

Hack (2011, p.80) afirma que “a busca da preservação da memória é essencial para a valorização da identidade e da cidadania cultural de um lugar e tempo, a fim de que o passado possa servir ao presente e ao futuro”. Nesse sentido, acreditamos que o museu pode ser compreendido como um lugar de memória e é através dele que muitas pessoas têm acesso a um fragmento da história de sua região e, talvez, até de seus descendentes. “Os Museus constituem importantes espaços de aprendizagens, contribuindo significativamente para o conhecimento, o respeito e a valorização do patrimônio sócio histórico e cultural dos povos” (Fonseca, 2003, p. 224). É também através dos visitantes que a história toma forma e continuidade, pois aquilo que é observado no espaço museológico irá ocupar um lugar no discurso social. Dentre os visitantes do museu estão homens, mulheres, excursões escolares e turísticas de todo o país, que carregam para sua casa uma representação da cidade e de sua história.

No roteiro da exposição a casa principal é a primeira a ser visitada, podendo gerar ao público a representação de que os imigrantes eram dotados de alto poder aquisitivo e dispunham de muito conforto em suas moradias. Ao adentrar a casa enxaimel nos fundos do casarão o cenário é modificado juntamente com as representações, podendo dar a entender que as duas casas representam duas classes totalmente opostas, algumas vezes até de que a menor servia de morada para os funcionários da casa maior. As moradas também são diferenciadas por sua proposta, sendo uma de aspecto rural por conta do estábulo e a outra uma casa da região urbana devido à decoração e artigos de alto valor. A presença de instrumentos musicais também denota o acesso a uma cultura diferenciada, o que não é possível observar na casa enxaimel. A comparação entre as duas casas é quase inevitável, mas ao analisarmos de maneira mais próxima podemos perceber que a casa enxaimel oferecia muito conforto, assim como a casa principal, mas não possuía tanto refinamento em suas peças. A comparação com o tempo presente também é muito comum, o que torna impactante dar-se conta de que algumas facilidades das quais desfrutamos atualmente como

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saneamento, energia elétrica e outras tecnologias eram inexistentes na época que se procura representar.

Os museus do século XXI têm como função estimular ideias e reflexões e “através da dinamização dos seus acervos, estabelecer canais de comunicação com seus usuários e visitantes [...]. Em museus de história em particular, devem ser encontrados meios para a comunicação de um ideário sócio-politico-cultural que desperte questionamentos” (Benchetrit et al., 2010, p.13). A disposição do acervo do MNIC permite o levantamento de questões e hipóteses sobre como viviam os imigrantes. É possível imaginar como ocorriam as refeições, como recebiam os convidados, como preparavam os banhos e até mesmo como compravam pão. Também surgem questões relacionadas à comunicação, já que não tinham telefones e computadores que permitissem o estabelecimento de uma comunicação muito rápida e prática como acontece na atualidade. No entanto, a análise da exposição permite verificar que para além dos questionamentos, predomina a imagem de que os imigrantes tiveram muito sucesso econômico e puderam ter uma vida com tranquilidade financeira e conforto. Conforme afirmou Suano, “[...] O museu deveria abandonar seu silêncio diante da sociedade que o mantém e abordar o movimento, sobretudo o conflito, deixando de ser o templo para ser o fórum” (Suano, 1986, p.90).

Considerações finais

O MNIC foi criado em um período comemorativo e buscava exaltar os heróis imigrantes dando-lhes um sentido de fundadores da cidade, o que ainda permanece na organização da exposição. Este sentido heroico, no entanto, exclui o sofrimento enfrentado nas viagens e as dificuldades encontradas pelos imigrantes na chegada ao Brasil, como a higiene inadequada que proporcionava doenças e a falta de infraestrutura para tratar as epidemias, por exemplo. As exposições também não mostram os colonizadores de outras origens que não a europeia, que ajudaram a construir a cidade proporcionando a falsa impressão de que somente os imigrantes europeus construíram a cidade.

As representações construídas pelo visitante são únicas e podem ser transformadas à

medida que entrarem em contato com outras informações. “As representações sociais são

fenômenos complexos, permanente ativados na vida social, constituindo-se de elementos informativos, cognitivos, ideológicos e normativos” (Cabecinhas, 2004, p.127). Com relação ao assunto aqui tratado, alguns fatores exercem grande influência sobre a formação de representações, como o conhecimento que as pessoas possuem sobre imigração e/ou sobre a cidade de Joinville e o contato com histórias de familiares que são descendentes de

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imigrantes. No entanto, as representações formadas a partir daquilo que é mostrado nos museus históricos recebem uma “aura de verdade” que as tornam mais permanentes que as outras, mesmo porque as mudanças realizadas nessas exposições são, geralmente, muito raras e não chegam a influenciar as representações objetivadas. Nesse sentido, o discurso daqueles que visitaram o MNIC também pode servir como influência para a formação de outras representações. Conhecer essas representações pode ajudar os profissionais do museu, assim como professores dos mais diferentes níveis, a provocar, junto aos visitantes e estudantes, questionamentos que promovam um salutar debate sobre este e tantos outros

temas que os acervos de museus possam suscitar.

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