Imposto sobre heranças e
doações de bens no exterior
Segundo a Constituição Federal, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre heranças e doações. Quando se tratar de bens imóveis, a competência é do Estado (ou DF) em que o bem estiver situado. Em se tratando de bens móveis, compete ao Estado (ou DF) onde se processar o inventário, ou onde o doador tiver domicílio.
Portanto, a cobrança de Imposto de Transmissão Mortis Causa e Doação (ITCMD) pelos Estados (ou DF) está constitucionalmente prevista nas seguintes hipóteses (artigo 155, §1º, incisos I e II, da CF):
(i) Bens imóveis doados ou objeto de herança: o imposto é devido ao Estado (ou DF) onde os bens estiverem situados, independentemente do local de domicílio das partes (falecido, doador e donatário); (ii) Bens móveis doados ou objeto de herança: o imposto é devido ao Estado (ou DF) onde for processado o inventário ou onde o doador tiver domicílio.
E como fica a cobrança de ITCMD se os bens estão situados no exterior e o inventário desses bens for processado fora do Brasil?
É devido ITCMD se o doador tiver domicílio ou residência no exterior e implementar a doação de bens situados fora do Brasil para donatários que têm domicílio aqui?
Para que essas perguntas sejam respondidas, a Constituição Federal estabeleceu a necessidade de lei complementar (art. 155, §1º, III, da CF). Ou seja, a matéria não pode ser objeto de lei ordinária.
Ocorre que, passados mais de 30 anos da vigência da CF/88, não foi aprovada lei complementar sobre o tema. Importante esclarecer que a lei complementar difere da lei ordinária em dois aspectos: (i) quórum de aprovação: a lei complementar exige maioria absoluta, ou seja, metade dos parlamentares integrantes da casa legislativa mais um; por sua vez, a lei ordinária requer maioria simples, o que significa metade dos parlamentares presentes na sessão mais um;
(ii) matéria: somente pode ser objeto de lei
complementar matérias que sejam para tanto expressamente previstas na CF, ou seja, a CF exige lei complementar para determinadas matérias; deve ser objeto de lei ordinárias todas as outras matérias para as quais a CF não exige lei complementar.
Inobstante a ostensiva exigência de lei complementar para tratar da cobrança de ITCMD sobre a transmissão de bens inventariados fora do Brasil e sobre a doação de bens situados no exterior cujo doador seja domiciliado ou residente fora do Brasil, alguns Estados trataram do tema em leis ordinárias e efetivamente cobraram o imposto.
Diante do descompasso entre o que a CF estabelece sobre o tema e a cobrança de ITCMD realizada pelos Estados (sem observar a exigência constitucional de lei complementar), a questão foi objeto de diversas ações judiciais promovidas por contribuintes com foco em isentar-se do pagamento do ITCMD que consideravam indevido.
O tema – com indiscutível apelo constitucional – foi recentemente julgado pelo STF no Rext nº 851.108/SP,
"É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o
ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional."
Portanto, enquanto não houver lei complementar sobre o tema, os Estados e o Distrito Federal não podem cobrar ITCMD sobre a transmissão de bens inventariados fora do Brasil e sobre a doação de bens situados no exterior cujo doador seja domiciliado ou residente fora do Brasil.
Os efeitos da decisão do STF foram modulados, de forma que somente se aplicam a fatos geradores (falecimentos ou doações) ocorridos após a publicação do acórdão, ou seja, após 20.04.2021. Foram ressalvados – e, portanto, amparados pela tese de repercussão geral – os fatos geradores anteriores e que tenham sido objeto de ação judicial.
Com o julgamento do STF foram acelerados projetos de lei complementar sobre a matéria, de modo que, em breve, possivelmente não haverá mais controvérsia a respeito da cobrança de ITCMD nas situações aqui tratadas.
O tema demanda atenção redobrada no contexto de um planejamento sucessório, pois o Brasil nunca aderiu a acordos de bitributação sobre impostos de heranças e doações. Corre-se o risco de pagar imposto em duplicidade: no Brasil e onde o bem estiver situado.
Fora do Brasil, o imposto de heranças e doações tem alíquotas bastante altas, chegando a ter características expropriatórias. Na França, por exemplo, o imposto de herança chega a 60%, a depender de quem for o beneficiário.
A matéria tributária é de extrema relevância no planejamento sucessório, mas é apenas uma das intrincadas questões a serem desbravadas quando se lida com bens situados no exterior. Onde o inventário vai ser processado? Qual lei será aplicada? Quais são os custos envolvidos? Quanto tempo demora para os herdeiros terem acesso à herança? As respostas a essas perguntas necessariamente devem ser ponderadas em conjunto com as questões fiscais para que se defina a organização patrimonial e sucessória que melhor atenda os objetivos da família.
Por Adriana Chieco , Camila Ieracitano Maia e Alessandra de Santis Ribeiro - Maio/2021