Campinas, 19/03/03
Aula de Doutrina 12 (moral 2), 1o Mandamento 1. Introdução
Dentro da concepção de moral que havíamos analisado na última aula, vamos a partir de agora “descer ao caso concreto”, isto é, analisar como aqueles fundamentos gerais da moral se aplica nos casos concretos, em cada um dos âmbitos da vida humana. Vamos sair um pouco do geral para ir ao particular.
De um modo ou de outro, o certo mesmo seria começarmos analisando as virtudes, e não os mandamentos. Afinal de contas, são elas o fundamento da ordem moral, ao fim e ao cabo, dentro da moral das virtudes.
Mais para a frente, vamos abordar cada uma das virtudes com cuidado (3teol+4card). Antes disso, vamos nos deter em analisar a moral dentro de uma perspectiva mais pragmática e menos filosófica.
Eu acho que é mais fácil de assimilar as coisas nessa ordem, e aos poucos vamos adquirindo elementos básicos que mais para a frente serão de grande utilidade na aquisição das virtudes, que é o que importa afinal de contas.
Pois bem, como já dissemos, os mandamentos, mais do que leis que devem ser cumpridas custe o que custar, os mandamentos são enunciados sobre a natureza humana”
que possuem uma característica que os elevam acima de qualquer reflexão filosófica, o fato de terem sido revelados por Deus.
Não obstante, esses mandamentos até que poderiam ser descobertos simplesmente com a razão natural (e de fato são, basta ver as muitas coincidências no plano moral que há entre culturas cristãs e não-cristãs).
De certo modo, os mandamentos poderiam ser achados lendo-se os gregos (Platão (Sócrates) e Aristóteles).
Apesar disso, de serem em princípio acessíveis à razão natural, Deus resolveu revelá-los explicitamente. Por quê?
Por um lado, porque Deus sabe que o homem é um bicho safado, e é sempre bom avisar. E por outro, é por que esse conhecimento moral é algo muito importante para o homem. Deus não revelou a existência do átomo na estrutura da matéria. Tanto faz para o homem saber ou não saber isso do ponto de vista da salvação. A ciência moral não.
Mt 19 “16 E eis que se aproximou dele um jovem, e lhe disse: Mestre, o que devo fazer para alcançar a vida eterna?
A atenção do homem à ordem moral está ligada diretamente à salvação, à vida eterna a que todo homem aspira. Mas que deve além disso merecer!
Afinal a mesma liberdade que está envolvida na salvação (nos salvamos por que queremos, e se não quisermos Deus não nos manda na marra para o Céu) Existe uma relação direta entre liberdade, moralidade e salvação: a liberdade é a fonte da moralidade, e a moralidade é a fonte da salvação: logo a liberdade é a fonte da salvação (nos salvamos se quisermos), mas passando pela moralidade.
Segundo o CIC “a existência moral é resposta à iniciativa amorosa do Senhor”. Isso significa, entre outras coisas:
reconhecer que Deus é maior
cooperar com o plano de Deus na história da humanidade resposta pessoal (não coletiva) à iniciativa de Deus 2. Momento histórico dessa revelação
Segundo a Bíblia, os 10 mandamentos foram escritos diretamente por Deus (“com o seu dedo”) e entregues a Moisés. 3 numa tábua e 7 na outra.
Ex 31 18 E deu a Moisés, quando acabou de falar com ele no monte Sinai, as duas tábuas do testemunho, tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus.
E o texto dos mandamentos estão mostrados em duas versões na Bíblia (Ex e Dt), e a Igreja utiliza normalmente na catequese a versão compilada por Sto. Agostinho. O fato dessa revelação ter-se dado dentro do contexto do Êxodo (CIC “Grande acontecimento libertador de Deus no centro da Antiga Aliança”) é significativa: O Êxodo do povo de Israel (A fuga do Egito) tem um sentido simbólico muito forte na SE: libertação de traços de paganismo no povo eleito, libertação do pecado pela catarse do deserto, quarentena antes de chegar à terra prometida, cenário para manifestação da misericórdia e da providência de Deus etc.
E os 10 mandamentos, dentro do contexto do Êxodo, significa a libertação do homem da escravidão das paixões bagunçadas, do seu afastamento de Deus pelo desprezo à ordem moral.
Outro fato importante e significativo é que os mandamentos foram escritos em duas tábuas, 3/7. 3 c/ rel a Deus e 7 c/ rel ao próximo.
A divisão não é certamente tipográfica, mas denota que existem dois grupos de mandamentos: os que dizem respeito a Deus:
1) Amar a Deus sobre todas as coisas 2) Não tomar seu Santo nome em vão
3) Guardar o descanso semanal e praticar o culto a Deus e os que dizem respeito ao próximo
5) não matar etc.
3. 1o mandamento
Hoje vamos falar mais detidamente sobre o primeiro mandamento do primeiro grupo: “Amar a Deus sobre todas as coisas”
Mt 22 37 Respondeu-lhe Jesus: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento.
38 Este é o grande e primeiro mandamento.
Ex 20 2 Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. 3 Não terás outros deuses diante de mim.
4 Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.
5 Não te encurvarás diante delas, nem as servirás;
Esse é um tema absolutamente central hoje e sempre: o homem sempre foi assim e provavelmente sempre será. A sua condição humana (e especialmente a sua finitude temporal) sempre necessita de algum tipo de sacralidade.
Há um livro do Rafael Gomez Perez “Los nuevos dioeses” que desenvolve uma tese muito interessante, que é o “princípio da conservação do sacro na vida humana”, da mesma forma que a conservação da matéria ou a 1a lei da termodinâmica.
Você tira Deus da vida do homem. Ele coloca outra coisa no lugar. Alguma outra coisa (em geral uma criatura) vai tomar um caráter de sacralidade:
Duende, fada etc.
Moto do Vidal (Vidal passou a se sentir total com seu sonho de metal. Vidal e sua moto, mas que união feliz)
Prazer (fim da vida) Trabalho
grana (isso é coisa séria. Falou em grana...) Poder
Todos os princípios de respeito e reverência que são devidos a Deus pasam a ser devidos aos novos deuses.
Bancos por exemplo....Solidez do templo, mármores, Átrio dos gentios (que não são cliente estrela), sancta sanctorun (cofre), sumo sacerdote gerente etc.
Isso sempre foi assim. Todos os povos antigos tinham seus deuses dos mais diferentes tipos
E está cheio de ídolos o seu país, adoraram a obra das suas mãos, a qual tinham feito com os seus dedos.
Is 2, 8
Mais exemplos de coisas sagradas: beleza/fitness (de Gisele Bunchen à fulana do cachorro...), comida etc. Rituais complicadíssimos.
a) Dt 6, 13: Adorarás ao Senhor teu Deus e o servirás
Na última aula mencionamos as virtudes, entre elas as teologais: fé, esperança, caridade. Essas três virtudes, que compõe o núcleo central da intimidade do homem com Deus, devem estar ordenadas, em harmonia com Deus.
Os pecados contra o 1o. mandamento acontecem justamente quando essas virtudes são “desvirtuadas”.
Esse é o esquema que apresenta o CIC. Pode parecer um pouco esquemático demais, mas é fruto de uma longa reflexão da Igreja sobre a natureza humana à luz da revelação. Foi um trabalho importante de sistematização do comportamento e das falhas de comportamento do homem na sua relação com Deus.
a1) Fé: Assentimento da vontade para aceitar o que Deus revelou, em função da própria autoridade de Deus.
Assim, o 1o. mandamento nos obriga a vigiar pela nossa fé, e rejeitar o que se opõe a ela.
Dúvida voluntária: CIC 2088 Laduda voluntariarespecto a la fe descuida o rechaza tener por verdadero lo que Dios ha revelado y la Iglesia propone creer.
duda involuntariadesigna la vacilación en creer, la dificultad de superar las
objeciones con respecto a la fe o también la ansiedad suscitada por la oscuridad de ésta. Si la duda se fomenta deliberadamente, puede conducir a la ceguera del espíritu.
Isso obriga o homem a procurar uma solução para as suas dúvidas, e não ficar parado para ver o que acontece.
Incredulidade: Não concorda com o que Deus revelou, ou não está nem aí para o que Deus revelou.
heresia: “negação pertinaz, depois do batismo, de algo que se deve crer”
apostasia: repúdio total à fé cristã. Era cristão vira islâmico. Era católico e vira crente (assim dá para casar de novo etc.)
cisma: recusa da autoridade do papa ou dos bispos em comunhão com o papa a2) Esperança
2090 Cuando Dios se revela y llama al hombre, éste no puede responder plenamente al amor divino por sus propias fuerzas.
Essa é uma grande verdade, ainda que dura. A gente não tem forças para responder à altura do que Deus nos pede. A fé e a própria vida são mais exigentes que as nossas forças. E são mesmo!
Aí entra a esperança: eu quero corresponder ao amor de Deus mas sei que é impossível pelas minhas próprias forças (quem achasse o contrário estaria
completamente fora da realidade). Mas eu sei que junto com o meu esforço (que não pode faltar) Deus vem e me dá, Ele mesmo, capacidade de corresponder ao seu amor.
desespero: não tem jeito, eu tou ferrado mesmo. Isso se opõe à justiça, à bondade e à misericórdia de Deus.
presunção: eu sozinho no muque me salvo, sem ajuda de Deus (“vou para o céu nem que seja a porrete”, como dizia Augusto Matraga na Hora e a Vez)
Espera o perdão de Deus sem conversão, sem arrependimento. E a glória sem mérito. “Se o Bras é tesoureiro a gente acerta no final, podes crer, que Deus é brasileiro e a vida é um grande carnaval”
a3) Caridade
É justamente o que diz a fórmula sintética do mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas. É a própria raiz de todo o pecado (aversio a Deus et conversio ad
creaturas)
Indiferença: negligência ou recusa à consideração da caridade divina. Tudo bem que Deus se encarne e morra na cruz por mim. Dane-se. Sim, Deus me tirou do nada. Mas o que eu tenho com isso?
ingratidão: recusa a pagar amor com amor.
Tibieza: é aquela pessoa que vai progredindo na vida espiritual, mas que hesita em responder ao amor de Deus. Sim, vai para a frente, devagar, mas fica muito aquém do que Deus poderia esperar dele
Ofereceis aos vossos Deuses o que menos vos custa: genuflexões, bichanices, perfumes e cantos, mas raramente sabeis oferecer alma e vida. O vosso coração não pertence ao eterno: está sujeito ao ventre, ao sexo, à cupidez rapace e homicida. G. Papini, apud VDHum pg. 115
acídia ou preguiça espiritual: modorra para buscar a Deus.
Ódio a Deus: CIC 2094 Elodio a Dios tiene su origen en el orgullo; se opone al amor de Dios cuya bondad niega y lo maldice porque condena el pecado e inflige penas. b) Só a ele prestarás culto
Esse mandamento se manifesta através de 3 atos de uma virtude específica, que é a virtude da religião: virtude da justiça com relação a Deus.
1o ato, Adoração: É no fundo reconhecer que a gente é subnitrato de pó de trapo, como diz um amigo meu, e que precisamos mostrar nossa gratidão para com Deus adorando-o.
2o ato, Oração: Elevação do espírito para Deus. É a expressão verbal e afetiva da adoração
3o ato, Sacrifício: É algo que está misteriosamente inserido no núcleo mais íntimo do cristianismo e de qualquer religião mais ou menos séria. Sem algum tipo de sacrifício não existe propriamente relação com Deus consistente. Provavelmente, por que o sacrifício combate a tendência natural do homem ao egoísmo, e é necessário que o objeto dos nossos amores seja Deus, e para isso deve haver uma espécie de morte ao eu, que se obtêm pelo sacrifício.
Difícil não é entregar seus bens; difícil é entregar-se a si mesmo. É mais fácil renunciar o que se tem do que ao que se é.
S. Gregório Magno, Defensor de Ligugê, Cult e educ. I. Média, pg. 140 c) Não terá outros deuses diante de mim
Os gregos falavam que a virtude está no meio (na realidade um pico entre dois vales, e não um vale entre dois picos) e a virtude da religião está entre dois erros extremos: superstição e a irreligião
Excesso
superstição: dar uma importância mágica a certos atos de piedade, independentemente da disposição interior: amuletos, sortilégios, relíquias.
Achar que a graça provêm da materialidade da coisa. É um problema que a Igreja sempre enfrentou e combateu na sua história, na medida em que as populações iam sendo cristianizadas. Algumas vezes a própria Igreja se viu enredada nesses
problemas (venda de indulgências...)
Idolatria: problema mais velho do que andar para a frente. É algo que irrita especialmente a Deus.
É interessante notar que na Bíblia: ladrão se dá bem, adúltero se dá bem, meretriz se dá bem, violento se dá bem, covarde se dá bem.
E o idólatra só se ferra: Rei Acab, Caldeus (Babilônia), Nabucondonosor etc. Adivinhação e magia: curiosidade doentia sobre o futuro, não colocar nas mãos (amorosas) de Deus a vida. É no fundo uma falta de confiança no amor de Deus. 2116 Todas las formas deadivinacióndeben rechazarse: el recurso a Satán o a los demonios, la evocación de los muertos, y otras prácticas que equivocadamente se supone ‘desvelan’ el porvenir (cf Dt 18, 10; Jr 29, 8). La consulta de horóscopos, la astrología, la quiromancia, la interpretación de presagios y de suertes, los fenómenos de visión, el recurso a ‘mediums’ encierran una voluntad de poder sobre el tiempo, la historia y, finalmente, los hombres, a la vez que un deseo de granjearse la protección de poderes ocultos. Están en contradicción con el honor y el respeto, mezclados de temor amoroso, que debemos solamente a Dios.
Espiritismo
Exploração e mau que isso faz às pessoas: a Igreja condena duramente. Falta: Irreligião
Tentar a Deus: colocar à prova a sua bondade e onipotência: se você é poderoso mesmo me livra desse problema, senão eu nunca mais vou acreditar em você... sacrilégio: profanar ou tratar indignamente os sacramentos e outras ações litúrgicas, pessoas e coisas consagradas a Deus. Hoje em dia, comunhão em pecado mortal. Falta de cuidado no culto divino.
simonia: comércio de bens espirituais. Ofertas pelos sacramentos ok, desde que alguém não se veja privado deles por falta de $$. Venda de indulgências.
Ateísmo: fenômeno complexo e atual. A maior parte dos ateus não é que neguem formalmente a existência de Deus. Mas são ateus práticos: vivem, na prática, como se Deus não existisse.
Todas as ambições, todas as esperanças estão colocadas no espaço e no tempo dessa vida terrena, como se não existisse nenhuma outra ordem.
humanismo ateu: homem é o único fim e autor da história.
Libertação econômica e social CIC 2124: Otra forma del ateísmo contemporáneo espera la liberación del hombre de una liberación económica y social para la que ‘la religión, por su propia naturaleza, constituiría un obstáculo, porque, al orientar la esperanza del hombre hacia una vida futura ilusoria, lo apartaría de la construcción de la ciudad terrena’ (GS 20, 2).
O ateísmo é uma situação grave, com implicações morais sérias, ainda que essa gravidade possa ser diminuída pela negligência dos que crêem.
agnosticismo: Deus existe, mas não se revela. Não dá para conhecer. Eu não tenho nada com isso. Tanto faz, o negócio é ir tocando o barco.
