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RELAÇÕES SOCIAIS NA SALA DE AULA E NO RECREIO

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(1)

RICARDO CASCO

AUTORIDADE E FORMAÇÃO

RELAÇÕES SOCIAIS NA SALA DE AULA E NO RECREIO

(2)

RICARDO CASCO

AUTORIDADE E FORMAÇÃO

RELAÇÕES SOCIAIS NA SALA DE AULA E NO RECREIO

DOUTORADO: Tese apresentada à Banca Examidadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Educação: História, Política, Sociedade. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. José Leon Crochík.

(3)

Comissão Julgadora:

_______________________________________________ Prof. Dr. José Leon Crochík – PUC-SP (orientador)

_______________________________________________ Prof. Dr. Odair Sass – PUC-SP (Membro)

_______________________________________________ Prof. Dr. Paulo Albertini – IPUSP (Membro)

_______________________________________________ Profa. Dra. Alda Junqueira Marin – PUC-SP (Membro)

(4)
(5)

Agradecimentos

Ao Professor Dr. José Leon Crochík, pela generosa condução dada a orientação, por

seu profissionalismo, sensibilidade, amizade e companheirismo;

À Professora Dra. Alda Junqueira Marin, por sua dedicação e por suas contribuições

a minha formação durante o doutoramento;

Ao Professor Dr. Odair Sass, pelas importantes sugestões dadas para a melhoria da

pesquisa;

À Professora Dra. Maria Helena Souza Patto, por sua generosidade e ensinamentos

sobre a necessidade do combate à barbárie, onde quer que ela se manifeste;

Ao Professor Dr. Paulo Albertini, por suas preciosas sugestões dadas para a melhoria

da pesquisa;

À Professora Dra. Maria das Mercês Sampaio, por seus ensinamentos profundos

sobre a importância da construção de pesquisas que tratem sobre dia-a-dia da escola

tendo em vista a melhoria da qualidade do ensino público, e por sua generosidade e

apoio ao projeto que terminou por se constituir neste trabalho;

Ao Professor Dr. José Geraldo Silveira Bueno, por sua generosidade e pelas preciosas

sugestões dadas por ocasião da leitura do projeto que originou este trabalho;

Aos Professores Doutores: Maria Rita de Almeida Toledo, Bruno Bontempi Júnior,

(6)

Cezar Freitas, Paula Perin Vicentin e Luciana Maria Giovanni, pelos preciosos

ensinamentos proferidos durante a minha permanência no Programa de Estudos

Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da PUC de São Paulo;

Aos meus pais, por seu amor e por compreenderem os momentos em que precisei me

ausentar do seu convívio;

À querida Maíta, por seu companheirismo, compreensão, sugestões dadas ao

trabalho e por seu apoio incondicional em todos os momentos da realização desta

pesquisa;

À Isadora, por poder compartilhar de sua alegria;

Aos meus irmãos, Niura, Patuca, Patrício, e aos amigos, Marília, Nilton, Guto, Liza,

Jôpa, Mathieu, Laura, Ieda, Bruno, Jerry, Duvaldo e Carlos, por seu companheirismo

e apoio;

Ao Carlos, Mário, Mauro, Marta, Vivi, Fernando, Kiyoshi, Paulinho e Selma pelas

cantorias que muito animam a vida;

Aos colegas de estudos da PUC: Davi Poit, Fernanda Mazante, Marieta Gouvêa de

Oliveira Penna, Alex Sandro Corrêa, Flávia Roberta Torezin Liba, Maria Angélica P.

Minhoto, Domênica, Cândida, Kelly, Luciane Paiva, Fernanda Medeiros, Pedro

Fernando da Silveira, Márcio Santin, Gil Gonçalves Júnior, Ednilton, Maria Isabel

Formoso C. S. Batista, Branca, Tiago Lopes de Oliveira e Dulce Regina dos Santos

(7)

Aos colegas do Laboratório - IPUSP: Marian Dias, Marie Claire Sekkel, Marisa

Feffermann, Cíntia Freller, Rafael Baioni, pelas discussões e aprendizados em

conjunto;

À querida Betinha, por sua generosidade, alegria e tranquilidade no lidar com a fria

burocracia institucional.

Aos professores, pais e alunos da escola pública que generosamente permitiram que

eu observasse o seu cotidiano. Não cito os nomes para que o anonimato de todos seja

preservado.

Ao povo brasileiro, por possibilitar a concessão das bolsas de estudos por meio do

recolhimento de impostos;

À Capes e ao CNPq, pela concessão das bolsas de doutoramento, sem as quais não

(8)

RESUMO

Tomando como referência principal a produção teórica de T.W. Adorno, M.

Horkheimer e H. Marcuse, o estudo privilegiou a compreensão dos diferentes tipos

de exercícios de autoridade professoral e suas possíveis associações com as relações

sociais que se constituem entre alunos na sala de aula e durante o recreio. Foi

realizada, em 2005, uma pesquisa empírica que privilegiou observações das relações

socias que se deram em um grupo de alunos da quarta série de uma escola pública

municipal de Ensino Fundamental da cidade de São Paulo. As observações na sala de

aula incidiram sobre as frequências de agressões e repreensões entre alunos; de suas

participações nas atividades escolares e das repreensões e dos elogios feitos pelos

seus professores. Foram realizadas, também, observações que possibilitaram analisar

as inserções dos alunos nos grupos sociais organizados durante o recreio, assim

como as atividades por eles desenvolvidas. Após realizar o cotejamento entre os dois

conjuntos de dados (principalmente por meio da construção de tabelas, sociogramas

e a realização de teste estatístico), as análises empreendidas permitiram verificar

algumas associações entre o exercício da autoridade do professor e a constituição das

relações sociais que se dão entre os alunos. Na amostra estudada, os alunos que

foram mais repreendidos pelos professores, porque não conseguiam desenvolver

suas tarefas escolares, foram os mesmos que foram repreendidos pelo mesmo motivo

pelos seus pares na sala de aula, assim como, também, tiveram dificuldades de

inserção nos grupos sociais que ser formaram durante o recreio. No recreio, os alunos

agredidos na sala de aula não se integraram em grupos de sua própria turma; os

elogiados pelos professores preferiam jogos lúdicos e participavam de grupos

estáveis; os repreensores e agressivos ocuparam o espaço central do recreio com

jogos esportivos viris; os alunos participativos constituíram grupos estáveis. As

pesquisas que se debruçam sobre as relações entre o que se passa na sala de aula e a

(9)

recreio, constituem uma perspectiva fértil, e pouco explorada, de estudos que visam

ampliar a compreensão sobre a escola e os processos sociais que atuam sobre a

formação do indivíduo.

Palavras-chave: AUTORIDADE E FORMAÇÃO; RELAÇÕES SOCIAIS; SALA DE

(10)

ABSTRACT

Taking the theoretical production of T. W. Adorno, M. Horkheimer and H. Marcuse as main reference, this study has privileged the comprehension of different types of teaching authority practice and its possible associations with social relationships established among students in the classroom and at playtime. An empirical research based on the observation of social relationships that occurred inside a group of students from the 4th grade of a municipal public elementary school, in São Paulo, was accomplished in 2005. The observations in the classroom fell upon the frequency of aggressions and reprehensions among students, their participation in school’s activities, as well as teachers’ reprehensions and praises. Some observations that let us analyze the students insertions in social groups organized at playtime, as well as the activities that they developed, were accomplished too. After comparing and analyzing the two sets of data (especially through tables, sociograms and statistic tests), we could realize some associations between the teacher’s authority practice and the social relations constituted among students. During the study we noticed that the students who were reprehended by the teacher because they couldn’t perform their school tasks were the same that were reprehended by their peers in the classroom for the same reasons, just as these students also had difficulties of being inserted in social groups formed during playtime. At playtime, students who were beaten in the classroom did not take part in groups of their own class; those who were praised by the teachers preferred ludic activities and took part in solid groups; those who reprehended and beat their classmates occupied the central space at playtime with vigorous sports; the participative students constituted solid groups. The researches that focus the relations between what happens in the classroom and the social relationships constituted by students during playtime establish a rich perspective – still not so much explored – of studies that aim to enlarge the comprehension about school and social processes that act upon the individual development.

(11)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...1 

CAPÍTULO 1: AUTORIDADE E FORMAÇÃO ...7 

1.A AUTORIDADE FAMILIAR ... 13 

1.2 Repressão sexual e submissão autoritária ... 18 

2. A AUTORIDADE ESCOLAR ... 25 

2.1 O professor e o grupo de alunos ... 32 

2.2 Autoridade professoral e as relações sociais entre pares na escola ... 43 

2.3 Modelos de exercício da autoridade professoral ... 58 

2.4 Autoridade professoral e o recreio ... 74 

3.OBJETIVOS DA PESQUISA ... 83 

3.1 Objetivo geral ... 83 

3.2 Objetivos específicos ... 83 

4.HIPÓTESES DA PESQUISA ... 84 

4.1 Hipótese geral ... 84 

4.2 Hipóteses específicas ... 85 

5.PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ... 86 

6.MÉTODOS DE PESQUISA ... 87 

6.1 Sujeitos ... 87 

6.2 Material ... 87 

6.3 Observações na sala de aula ... 87 

6.4 Observações no recreio ... 93 

6.5  Entrevistas ... 94 

6.6  Conselhos de Classe ... 95 

6.7  Construção de sociogramas ... 95 

6.8  Carta de um professor ... 96 

CAPÍTULO 2: AUTORIDADE E FORMAÇÃO NA ESCOLA - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ...97 

1. O CONHECIMENTO, A PARTICIPAÇÃO E O COMPORTAMENTO ESCOLAR... 98 

1.1 A aquisição do conhecimento e a participação dos alunos ... 98 

1.2  A normatização dos comportamentos dos alunos ... 121 

1.2.1 Elogios ... 122 

1.2.2 Repreensões ... 123 

1.2.3 Relações sociais entre alunos ... 133 

2.O RECREIO ... 158 

2.1 Caracterização dos recreios observados ... 158 

2.1.1 Espaços para brincar e atividades desenvolvidas ... 159 

3. RELAÇÕES ENTRE A SALA DE AULA E O RECREIO: ANÁLISE DOS AGRUPAMENTOS ... 163 

3.1 Alunos repreendidos por seus pares ... 167 

3.1.1 Sociogramas das repreensões ... 167 

3.1.2 A participação dos alunos repreendidos em sala de aula ... 178 

3.1.3 Observações realizadas durante o recreio ... 184 

3.2 Alunos repreensores e agressivos ... 188 

3.2.1 Repreensões entre alunos ... 188 

3.2.1.1 Sociogramas das repreensões entre alunos ... 188 

3.2.2 Agressões entre alunos ... 194 

3.2.2.1 Sociogramas das agressões verbais entre alunos ... 194 

3.2.2.2 Sociogramas das agressões físicas ... 199 

3.2.3  Repreensões disciplinares do professor ... 206 

3.2.4  Observações realizadas durante o recreio ... 209 

3.3 Alunos elogiados pelos professores ... 211 

3.3.1 Observações realizadas durante o recreio ... 214 

(12)

3.4.1 Vitimações físicas ... 216 

3.4.1.1 Sociogramas das vitimações físicas entre alunos ... 216 

3.4.2 vitimações verbais ... 219 

3.4.2.1 Sociogramas das vitimações verbais entre alunos ... 219 

3.4.3  Observações realizadas durante o recreio ... 223 

3.5 Alunos participativos, pouco repreendidos e não agredidos ... 226 

3.5.1 Participações em sala de aula ... 227 

3.5.2 Observações realizadas durante o recreio ... 237 

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...242 

BIBLIOGRAFIA ...247 

ANEXO I ...252 

CRITÉRIO DE CLASSIFICAÇÃO ECONÔMICA BRASIL ... 252 

ANEXO II ...255 

PROTOCOLOS DE OBSERVAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS EM SALA DE AULA ... 255 

ANEXO III...257 

FREQUÊNCIAS GERAIS – OBSERVAÇÕES NA SALA DE AULA ... 257 

ANEXO IV...258 

ORGANIZAÇÃO DOS AGRUPAMENTOS NO RECREIO ... 258 

ANEXO V ...259 

(13)

Introdução

No livro Dialética do esclarecimento, Horkheimer e Adorno (1985) apresentam

reflexões importantes sobre alguns dos elementos característicos da organização

social contemporânea, com o objetivo de compreender a maneira pela qual a

racionalidade – necessária para “a passagem do caos para a civilização, onde as

condições naturais não mais exercem seu poder de maneira imediata, mas através da

consciência dos homens” (p.30) – acaba por corroborar a emergência de relações

sociais heteronômicas e violentas. Adorno (1995) considera que a barbárie é o

contrário da formação cultural (p.116). Atenta ainda para o fato de que “a

desbarbarização da humanidade é o pressuposto imediato da sobrevivência” e que “é

preciso contrapor-se à barbárie principalmente na escola” (idem).

Frente às dificuldades de se alterar as condições objetivas - seus

determinantes econômicos, sociais e políticos -, as ações humanas devem se voltar

para a criação de formas de contraposição à barbárie, para a formação de

indivíduos sensíveis e auto-reflexivos. Os processos formativos devem auxiliar à

conscientização dos indivíduos sobre os processos sociais que os impelem para um

estado de menoridade e regressão. Devem poder formar indivíduos sensíveis e

auto-reflexivos que possam se contrapor à violência, imanente aos processos

adaptativos operantes na atual organização social, devem poder colaborar com a

criação de um clima cultural, que possa levá-los a resistir frente à possibilidade de

adesão irracional aos apelos regressivos da sociedade. Segundo Adorno (1995):

como hoje em dia é extremamente limitada a possibilidade de mudar os pressupostos objetivos, isto é, sociais e políticos que geram tais acontecimentos, as tentativas de se contrapor à repetição de Auschwitz são impelidas necessariamente para o lado subjetivo. (p.121)

Na afirmação: “a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para

(14)

indivíduos auto-reflexivos e avessos à violência. Mas, o autor adverte que “a

barbárie continuará existindo enquanto persistirem no que têm de fundamental as

condições que geram esta regressão”(idem). Assim, a compreensão sobre as relações

de poder que regem a vida social e o princípio de autoridade, subjacentes aos

processos formativos que geram a regressão, se impõe como etapa importante na

luta política que objetiva a alteração do clima cultural, em prol da vida humana.

Os processos sociais que definem as características das instituições que

atuam na formação humana são historicamente determinados. O estudo das

transformações pelas quais passou a instituição familiar com o desenvolvimento

do modo de produção capitalista propiciou a compreensão sobre como a sua

dependência das gigantescas forças do aparato econômico alterou as funções

formativas, a ela correspondentes, em períodos históricos precedentes. A

autoridade concernente à esfera familiar é enfraquecida, os processos formativos se

dão fora da família e, por vezes, contra ela.

Concorrem com a família, nos processos sociais relativos à formação do

indivíduo, agências extra-familiares, dentre as quais uma organizada

especificamente para esse fim: a instituição escolar. A escola pode ser

compreendida como uma instituição burocrática (cf. Sampaio 1998, p. 242 e

seguintes), segundo a qual as regras que norteiam as condutas dos atores sociais,

nela envolvidos, se caracterizam pela instauração de processos de

despersonalização, massificação e homogeneização do atendimento. Tais

processos, no entanto, não deixam de ser contraditórios e cheio de fissuras.

No face a face da relação pedagógica que se dá na sala de aula, o professor

deve poder mediar as regras normativas burocráticas que se destinam a organizar

o trabalho escolar. Ele deve corresponder às prescrições oficiais e ensinar os

conteúdos previstos no currículo para um grande número de alunos que reagem

aos intensos processos de despersonalização1. Mas a instituição desses processos

1 Segundo Sampaio (1988, p.248): “(...) o atendimento burocratizado de massa não prevê diferenciação, mas

(15)

de despersonalização parece contraditória, pois, a ação viva do professor na sala de

aula expressa processos de personalização2, imanentes à relação pedagógica, que

se distanciam da racionalidade requerida pela organização burocrática. Como

analisa Adorno (1995):

Os professores têm tanta dificuldade em acertar justamente porque sua profissão lhes nega a separação entre seu trabalho objetivo – e seu trabalho em seres humanos vivos é tão objetivo quanto o do médico, nisto inteiramente análogo – e o plano afetivo pessoal, separação possível na maioria das outras profissões. Pois seu trabalho realiza-se sob a forma de uma relação imediata, um dar e receber, para a qual, porém este trabalho nunca pode ser inteiramente apropriado sob o jugo de seus objetivos altamente mediatos. Por princípio, o que acontece na escola permanece muito aquém do passionalmente esperado. (p.112-113)

A atuação profissional requer do professor o domínio dos conhecimentos

que coloca em cena na relação pedagógica. Aliada a essa formação, a

impossibilidade da separação, que ocorre na maioria das outras profissões, entre o

plano afetivo pessoal e o trabalho objetivo, como destaca Adorno (1995), implica a

necessidade de “conscientização e de aprendizado psicanalítico para o magistério

(idem), pois a mediação requerida ao professor, entre o saber objetivado que deve

ser ministrado e o (não) saber do aluno, assim como o seu plano afetivo pessoal e

os dos seus alunos, são elementos importantes que incidem sobre a relação

pedagógica. Por isso Adorno (1995) chama a atenção para o reconhecimento das

forças subjacentes a essa relação, já que podem ser decisivas nos processos

formativos que se constituem na escola.

ocupadas por professores e alunos, que aparta essas duas categorias”. Segundo a autora “a massificação (...) despersonaliza as relações e as enquadra em categorias abstratas e internamente homogêneas (...)”. A autora argumenta ainda que “(...) o tratamento mais personalizado parece um desvio desequilibrador do trabalho de sala de aula, não tendo lugar nas relações de ensino e aprendizagem na organização burocrática. Transmitir igualmente para todos exige manter o público disciplinado e afastado, numa relação determinada pelos lugares que cada um ocupa na organização de modo que os alunos façam as mesmas coisas ao mesmo tempo e cumpram as mesmas regras e exigências, num mesmo ritmo. As provas cumprem a função de reunir todos sob o mesmo denominador e de classificar os que não se ajustam – e que serão excluídos do grupo -, como parte do processo de formação do indivíduo como aluno e como público disciplinado”. (idem, p.253)

2 “A burocracia não tem o poder de eliminar o sujeito; pode, no máximo, amordaçá-lo. Palco sumultâneo da

(16)

Na instituição escolar, o professor ocupa um papel central. Suas opções

quanto às formas de lidar com o conhecimento, ainda que, em parte, ancoradas em

diretrizes oficiais, como pôde demonstrar Sampaio (1998), guardam possibilidades

para o exercício de alguma autonomia profissional dentro da sala de aula. No

entanto, a objetivação dos dispositivos requeridos pela organização do sistema de

ensino, centrado no currículo, para a transmissão dos conhecimentos - como os

exercícios, as exposições de conteúdos e as avaliações -, bem como os que visam o

controle de comportamentos - como as repreensões, as exposições públicas de

crianças com dificuldades de aprendizagem -, tendem a excluir aqueles que não

alcançam os padrões requeridos por essa racionalidade. Quem não consegue

acompanhar o ritmo do desenrolar dos inúmeros conteúdos apresentados pelos

professores e nem desenvolver hábitos de estudo para a sua aquisição, é

paulatinamente excluído da escola. O exercício da autoridade do professor, na sala

de aula, parece se relacionar com as chances dos alunos progredirem para séries

subsequentes do sistema de ensino, do mesmo modo como se relacionam com a

constituição das relações sociais que se dão entre pares, no interior dos

estabelecimentos escolares.

Na relação pedagógica estão envolvidos interesses ligados à apreensão dos

conhecimentos veiculados, assim como são assimiladas maneiras de se lidar com o

outro que expressam as disputas de poder dispostos na organização da totalidade

da sociedade. Expressão contundente é a “formação da dupla hierarquia na

escola”, caracterizada por Adorno (1995). A hierarquia não oficial (cf. Adorno,

1995, p. 111) foi objeto de estudo de minha dissertação de mestrado3. Por meio

desse estudo, foi possível apreender a importância conferida ao corpo viril,

atlético, hábil, no conjunto de elementos que podem influenciar a formação das

relações sociais entre alunos na escola, assim como compreender a importância das

3 As cicatrizes do corpo: a pedagogia esportiva nas aulas de Educação Física. Dissertação de Mestrado,

(17)

escolhas dos conteúdos colocados em cena, pelos professores, durante suas aulas4,

bem como dos procedimentos utilizados para sua apreensão.

A pesquisa de doutoramento, ora apresentada, ateve-se a aspectos mais

relacionados à formação da hierarquia oficial, segundo a qual “o intelecto, o

desempenho, as notas” (Adorno, 1995, p.111) são valorizadas. Pretendi investigar

alguns dos elementos que constituem o exercício da autoridade professoral, com a

meta de compreender o papel que ocupa na formação dos alunos, durante seu

processo formativo e suas possíveis implicações sobre as relações sociais que se

estabelecem, entre os mesmos, na escola; na sala de aula e durante o recreio.

Apresento, no primeiro capítulo deste estudo, reflexões - estimuladas

principalmente por contribuições formuladas por Horkheimer e Adorno (1973),

Adorno (1993, 1995), Horkheimer (1990, 1983), Adorno e Horkheimer (1985), Freud

(1974) e Marcuse (1999) - sobre as relações que se dão entre a autoridade e a

formação do indivíduo na organização social contemporânea. Trato

particularmente da autoridade nas relações sociais familiares e na escola.

A autoridade professoral na sala de aula e a sua importância na constituição

das relações sociais que se dão entre alunos, no cotidiano escolar, é também

tematizada nas reflexões presentes no primeiro capítulo. Para tal , tomo como base

teórica, principalmente, as contribuições de Horkheimer e Adorno (1985), Adorno

(1993, 1995), Freud (1974, 1981) e de autores brasileiros como Kupfer (1982),

Morgado (2000), Furlani (1995) e Crochík (2006). Posteriormente, em diálogo com

proposições feitas em estudos de autores, como Furlani (1995) e Snyders (1974),

trato dos diferentes tipos de exercício de autoridade professoral e de suas possíveis

associações com as relações sociais que se constituem, entre alunos, na escola. Por

fim, tomando as contribuições de Adorno (1995a), Freud (1974), Pereira (2000) e

Corrêa (2005), apresento reflexões sobre as possíveis associações entre o exercício

4 Sobre as expressões sociais que compõe a cultura corporal colocada em cena nas escolas, foi possível

(18)

professoral e as relações sociais que se desenvolvem entre os alunos, durante o

recreio. O primeiro capítulo deste estudo compreende ainda a apresentação dos

objetivos, hipóteses e métodos utilizados para a realização da pesquisa empírica,

realizada numa Escola Municipal de Ensino Fundamental da cidade de São Paulo.

O segundo capítulo compreende a análise dos dados e as conclusões obtidas

pela pesquisa. Por meio da observação das relações sociais, que se dão entre

professores e alunos e destes entre si, na sala de aula e durante o recreio, foi

possível apreender algumas relações entre o exercício da autoridade do professor e

as relações sociais que ocorrem entre os pares de alunos de uma quarta série do

Ensino Fundamental. Por fim, apresento as Considerações Finais em que faço o

(19)

Capítulo 1: Autoridade e formação

Se não fosse pelo meu temor em ser interpretado equivocadamente como sentimental, eu diria que para haver formação cultural se requer amor; e o defeito certamente se refere à capacidade de amar. Instruções como isto pode ser mudado são precárias. Em geral a definição decisiva a respeito se situa numa fase precoce do desenvolvimento infantil. Mas seria melhor que quem tem deficiências a esse respeito, não se dedicasse a ensinar. Ele não apenas perpetuará na escola aquele sofrimento que os poetas denunciavam há sessenta anos e que incorretamente consideramos hoje eliminado, mas além disto dará prosseguimento a esta deficiência nos alunos, produzindo ad infinitum aquele estado intelectual que não considero ser o estado de uma ingenuidade inocente, mas que foi co-responsável pela desgraça nazista. (Adorno, 1995, p. 64)

Horkheimer e Adorno (1973), no texto Indivíduo, destacado do livro Temas

básicos em Sociologia, compreendem a constituição do indivíduo como mediação

social, sendo, a autoconsciência, fruto da convivência entre semelhantes sob

condições objetivas, historicamente constituídas. As instâncias psíquicas

individuais são forjadas, mediante a relação que os indivíduos mantêm entre si e

expressam o espírito objetivo que rege os processos da totalidade da vida social.

Horkheimer (1990) afirma:

(...) se há mais de cem anos foi posta de lado a opinião de que o caráter se pode explicar a partir do indivíduo totalmente isolado e se concebe o homem como uma entidade já socializada, isto significa, ao mesmo tempo, que os impulsos e paixões, as disposições de caráter e modo de reação foram cunhados pela respectiva relação de poder na qual se desenvolve o processo social de vida. (p.193)

Os impulsos e as paixões humanas são constituídas historicamente e

expressam as contradições, imanentes à constituição das relações de poder que

regem a totalidade da vida social. Segundo Adorno (1993):

(20)

A racionalização própria à organização das relações econômicas acaba por

ditar as regras gerais que regem as relações sociais entre os homens. Em razão da

sua dependência e integração no processo produtivo, o indivíduo é formado

segundo à lógica imanente a produção e reprodução do capital. Segundo Adorno

(1993):

Se a integração da sociedade, sobretudo nos estados totalitários, determina os sujeitos a serem cada vez mais exclusivamente aspectos parciais no contexto da produção material, então a “transformação da composição técnica do capital” prolonga-se nos indivíduos absorvidos, e a rigor, em primeiro lugar constituídos pelas exigências tecnológicas do processo de produção. (p.201)

Na organização social operante, a força de trabalho é transformada em

mercadoria e os impulsos transformados em “variante da relação de

troca”(Adorno, 1993, p.201), intercambiáveis, “a qualidade das coisas

transforma-se de algo estransforma-sencial, na manifestação contingente do transforma-seu valor. A `forma

equivalente´ deforma todas as percepções (…)” (idem, p.199). A “forma

equivalente” opera a racionalização da vida social, os ideários relativos às trocas

mercantis são interiorizados pelos indivíduos como naturais, imutáveis. Nessas

condições, o indivíduo se encontra “só no mundo que tinha que sujeitar-se se não

quisesse perecer. As próprias condições se tornaram autoritárias”

(Horkheimer,1990,p.199). O indivíduo é obrigado a ceder e adaptar-se às condições

sociais existentes, sucumbindo à racionalidade do todo social5. Adorno (1995) tece

considerações que reafirmam o posicionamento de Horkheimer. Segundo o autor:

A ordem econômica e, seguindo seu modelo, em grande parte também a organização econômica, continuam obrigando a maioria das pessoas a depender de situações dadas em relação às quais são impotentes, bem como a se manter numa situação de não-emancipação. Se as pessoas querem viver, nada lhes resta senão se adaptar à situação existente, se conformar (…). (p. 43)

Os indivíduos se relacionam, entre si, correspondendo aos imperativos do

modo de produção econômico. Numa situação, na qual as condições objetivas que

5 Segundo Horkheimer (1983): “O pensamento organizador concernente a cada indivíduo pertence às reações

(21)

organizam a vida social são dadas a priori, o desenvolvimento social sucumbe à

racionalização vigente. Nesses termos, para Horkheimer (1983):

a sociedade é comparável com processos naturais extra-humanos, meros mecanismos, porque as formas culturais baseadas em luta e opressão não é a prova de uma vontade autoconsciente e unitária. Em outras palvras: este mundo não é o deles, mas sim do mundo do capital.(p.130)

A sociedade, que deveria expressar a racionalidade necessária para o

bem-estar geral, sucumbe aos processos naturais extra-humanos e as relações sociais

são mediadas por interesses contrários à vida. As formas culturais se tornam

opressoras, expressões de irracionalidade da organização social. Diante do

existente, os indivívuos sentem-se impotentes6 e se mantêm em situação de

menoridade, conformam-se com a situação e “conseguem sobreviver na medida

em que abdicam seu próprio eu” (Adorno, 1995,p.43). Sobrevivem à medida que

naturalizam e sustentam a autoconservação no ordenamento social, existente e

forjada, segundo interesses de grandes corporações econômicas. Horkheimer

(1990) afirma ainda que:

(…) se a fome e o medo de uma existência miserável obrigam os indivíduos a trabalhar, então todas as forças econômicas e culturais devem empenhar em seu trabalho de novo em cada geração, para habituá-la a este trabalho em suas formas respectivas. (p.213)

As interdições econômicas e os apelos à adaptabilidade social são

transmitidas de geração em geração como verdades eternas que parecem

expressar um destino coletivo imutável. A introjeção dos valores sociais que

exigem o sacrifício ad eternum dos indivíduos, para satisfazer interesses contrários

aos seus, se dão, inicialmente, por meio das relações de autoridade que se

desenrolam no interior da família7.

6 Sobre a impotência do indivíduo, Adorno (1995, p.36) comenta: (…) a ideologia dominante hoje em dia

define que, quanto mais as pessoas estiverem submetidas a contextos objetivos em relação aos quais são impotentes, ou acreditam ser impotentes, tanto mais elas tornarão subjetiva esta impotência”.

7 Horkheimer e Adorno (1973) comentam que Freud obteve a visão da “família como lugar socialmente

(22)

Segundo Horkheimer (1990), “entre as circunstâncias que influenciam de modo

decisivo a formação psíquica da maior parte de todos os indivíduos, tanto pelos mecanismos

conscientes quanto pelos inconscientes, a família tem uma importância

predominante”(p.214). Na família8 são constituídas as primeiras figuras de

autoridade que operam a constituição da personalidade9. Adorno (1995) considera

que “o momento de autoridade seja pressuposto como um momento genético pelo processo

de emancipação”(p.177).

A interiorização da autoridade é tributária do desenvolvimento da

instância psíquica que Freud nomeou de superego. Segundo Freud (1974), no

aparelho psíquico do indivíduo, diferencia-se do ego a instância psíquica

responsável pela auto-observação, consciência moral e pela repressão. A formação

do superego ocorre por meio da interiorização das exigências e dos interditos

parentais. Segundo o autor, o superego é fruto de interdições externas, originárias

no desenvolvimento do complexo de Édipo. Freud (1974) afirma que essa

instância:

era herdera del narcisismo primitivo, en el qual el yo infantil se bastaba a sí mesmo y que poco a poco iba tomando, de las influencias del médio, las exigências que este planteaba al yo y que el mismo no siempre podia satisfacer, de manera que cuando el hombre llegaba a hallarse descontento de si mismo podía encontrar su satisfacción en el ideal de yo, diferenciado del yo. (p.47)

A formação do superego se dá por meio da interiorização dos modelos

identificatórios (ideal de ego) aos quais o indivíduo procura se conformar, sendo,

ele , “resultante da convergência do narcisimo e das identificações aos pais, seus

substitutos e aos ideais coletivos.” (Laplanche e Pontalis,1998, p.184). Os pais

8 Segundo Horkheimer e Adorno (1973), “(...) as funções que satisfazem à família e o modo como as

satisfazem dependem, substancialmente, da constelação histórica em que a família se situa. Antes de ser uma categoria primordial e eterna, a própria família é produto da sociedade”. (p.73)

9 (...) la personalidade es una organización más o menos permanente de las fuerzas internas del individuo.

(23)

constituem os primeiros modelos com os quais a criança procura se identificar,

como forma de poder resolver o conflito imposto pela repressão que a impede de

satisfazer seus impulsos sexuais. Para poder aplacar tal frustração, a criança

procura se identificar com o progenitor do mesmo sexo (no caso da "resolução

positiva” do complexo de Édipo) como forma de restituir o objeto perdido,

assemelhando-se a ele. Segundo Freud (1981), “cuando el yo toma los rasgos del objeto,

se ofrece, por decirlo así, como tal al Ello e intenta compensarle la perdida experimentada,

diciéndole: ´puedes amarme, pues soy parecido al objeto perdido´” (p.2711).

A formação do superego ocorre pela incorporação parcial de diversos

modelos. Alguns são incorporados, outros rejeitados. Se o desenvolvimento do ego

ocorre de modo satisfatório, os primeiros modelos de autoridade, com o quais o

indivíduo se identificou, podem ser questionados, processo imanente à

diferenciação do ego. Esse processo corresponde à formação do superego que não

mais necessita de modelos de autoridade externos. Um ego bem estruturado deve

ser capaz, para que possa se dar o processo de individuação, de poder

diferenciar-se dos modelos que, por imposição de diferenciar-seu próprio dediferenciar-senvolvimento psíquico,

constituíram as primeiras identificações com os ideais de ego parentais. A

identificação primária com a autoridade paterna deve ser superada para que o

indivíduo possa se diferenciar. O ego deve ser capaz, por meio da experiência

concreta com os diversos modelos, de poder incorporar valores e modelos que

correspondam a uma análise consciente da realidade e não mais, apenas, à adesão

aos modelos rígidos e valores estereotipados. Segundo Adorno (1995):

É o processo – que Freud denominou como o desenvolvimento normal – pelo qual as crianças em geral se identificam com uma figura de pai, portanto, com uma autoridade, interiorizando-a, apropriando-a, para então ficar sabendo, por um processo sempre muito doloroso e marcante, que o pai, a figura paterna, não corresponde ao eu ideal que aprenderam dele, libertando-se assim do mesmo e tornando-se, precisamento por essa via, pessoas emancipadas. (p.177)

Contudo, quanto maior a rigidez do superego, menor é a possibilidade de

(24)

al., 1965), baseados nos estudos de Freud, afirmam que o ego é a “parte da

personalidade capaz de apreciar a realidade, integrar as demais partes e atuar com o maior

grau de consciência” (p.36). O ego é a instância psíquica responsável por tomar

consciência das forças irracionais que atuam no aparato psíquico individual, dos

impulsos provenientes do id, assim como deve poder avaliar e responder às

influências provenientes da realidade que lhe é exterior. O ego pode ser

compreendido como a instância psíquica que cumpre uma função intermediária

entre as necessidades internas do indivíduo e os constrangimentos advindos do

exterior, representadas, entre outras instâncias, pelos interditos superegóicos.

A formação debilitada do ego implica em importantes repercussões na

análise da realidade e constitui um dos elementos principais que incidem na

formação de distúrbios psíquicos, próprios de indivíduos preconceituosos e aptos

à submissão autoritária10. Segundo Adorno et al. (1965), “o autoritarismo é uma

tendência geral a se colocar em situações de dominação ou submissão frente aos outros como

consequência de uma básica insegurança do ego”(p.5). Devido ao seu ego frágil, as

personalidades autoritárias11 identificam-se com indivíduos que se julgam

superiores, assim como tendem a aderir a ideários promovidos por grandes

coletivos, sentindo-se amparados por seu poder (cf. Adorno, 1995,p.37).

Adorno (1995) afirma que para que seja possível uma desbarbarização “a

dissolução de qualquer tipo de autoridade não esclarecida, principalmente na

primeira infância, constitui um dos pressupostos mais importantes” (p.167). Se a

vida familiar e a vida escolar são momentos estruturantes na formação dos

10 Adorno et al. (1965,p.136) compreendem a submissão autoritária como “(...) el deseo de un líder fuerte, la

subordinación del individuo al Estado y demás (...)”. Segundo os autores, os indivíduos sujeitos à submissão autoritária, geralmente, “acordaran que la obediencia y el respeto por la autoridad son las virtudes más importantes que deberían aprender los niños, que tenemos que acatar las decisiones de un poder sobrenatural, etc”. Outra hipótese postulada pelos autores assinala que “la sumisión autoritaria, sería, por lo común, una manera de dar salida a los sentimientos ambivalentes hacia las figuras de autoridad: ocultos impulsos hostiles y rebeldes, reprimidos por el temor, llevan al sujeto a exagerar el respecto, la obidiencia, la gratitud, etcétara”.(idem)

11 A personalidade autoritária “seria definida muito mais por traços como pensar conforme as dimensões de

(25)

indivíduos, faz-se, então, necessário conhecer a conformação dos modelos

identificatórios atuantes nesses âmbitos da vida social, à busca de refletir sobre as

possibilidades de constituírem-se formas de resistência às suas expressões

irracionais.

1. A autoridade familiar

Devido ao processo de expropiação da vida, infringida pelo atual modo de

produção econômica, a maioria dos indivíduos é forçada a dispender grande parte

de sua vida com brutais jornadas de trabalho e a empregar todos os seus esforços

para a autopreservação. São imposições que contribuem para a queda da

autoridade familiar, em favor de agências extrafamiliares que influenciam a

formação psíquca do indivíduo, pois este não conta mais com a possibilidade da

família se constituir numa espécie de anteparo às pressões sociais exteriores; e, por

ela não mais exercer as mesmas funções desempenhadas, em períodos anteriores, a

autoridade parental não representa mais interesses universais – como a liberdade e

a razão (Crochík, 2006a,p.143) –. A família sucumbe aos interesses econômicos

coercitivos do aparato social vigente. Segundo Horkheimer e Adorno (1973):

a família moderna, em relação à família burguesa antiga, vê reduzida a sua capacidade de formar indivíduos autônomos e radicalmente transformado o caráter da experiência proporcionada, em seu próprio seio, às pessoas que a compõem. (p.73)

As experiências formativas, ocorridas no seio familiar, sucumbem às

pressões objetivas e auxiliam na introjeção dos valores necessários para a

manutenção da organização social. Segundo Horkheimer e Adorno (1973):

(26)

A organização social, baseada no modo de produção próprio ao capitalismo

tardio, implica em alterações profundas no papel de mediação que a família

outrora ocupou na relação entre o indivíduo e a sociedade. A autoridade familiar

converteu-se em agente da sociedade, atuando como instância mediadora das

aprendizagens necessárias para lograr a adaptação social. Segundo Horkheimer e

Adorno (1973):

a efetiva debilidade do pai na sociedade, que tem sua origem na redução da esfera da concorrência e da livre iniciativa, penetra assim até as células mais profundas do equilíbrio psíquico-moral; a criança já não pode identificar-se totalmente com o pai, não pode fazer a interiorização das exigências impostas pela família que, apesar de seus aspectos repressivos, contribuía de forma decisiva para a formação do indivíduo autônomo. (p.144)

Reduzida a autonomia da liberdade individual, a autoridade paterna

constitui os modelos de adaptabilidade. A fragilidade dos pais, diante o aparato

social12, acarreta transformações que alteram o modo como se dão as relações

sociais familiares e, tais alterações, implicam em consequências problemáticas para

a formação do indivíduo e do todo social. Se durante o desenvolvimento da

organização social burguesa a família deixou de representar a esfera relativa à

intimidade, que podia oferecer condições para o exercício de certa autonomia

individual, frente o todo social, com o desenvolvimento e aperfeiçoamento do

modelo de produção econômica, no capitalismo tardio, a função concernente à

família – a realização da mediação entre a sociedade e o indivíduo – foi

enfraquecida. Segundo Adorno (1993): “Com a família desfez-se, enquanto o sistema

subsiste, não somente a mais eficaz instituição burguesa, mas a resistência, que decerto

reprimia o indivíduo, mas também o reforçava, se é que não o produzia pura e

simplesmente. O fim da família paralisa as forças de oposição” (p.17). Com a queda da

autoridade familiar, os indivíduos são precocemente arregimentados por uma série

12 “Todos tornaram-se empregados e, na civilização dos empregados, desapareceu a dignidade (aliás

(27)

de agências extrafamiliares que tendem a fornecer modelos identificatórios frágeis

que corroboram a formação debilitada do ego13. Segundo Crochík (1993):

No passado, a constituição da subjetividade preservava a mediação entre os desejos e proibições; no presente, a formação do Ego é frágil, devido à escassez de modelos fortes para a identificação, substituídos por diversos modelos, cujos contatos com a criança são, em geral, rápidos e superficiais, quando não indiretos (através da televisão, por exemplo). Com o Ego enfraquecido perde-se parte da mediação entre o indivíduo e a cultura, perdendo-se também a possibilidade do confronto entre eles, que permite a diferenciação individual. (p.344)

As instâncias psíquicas são formadas, segundo modelos identificatórios não

particularizados, abstratos, que, ao negarem o tempo e espaço necessários para a

socialização primária, outrora realizada no interior das relações familiares, acabam

por obstar à própria possibilidade da experiência formativa14. Os processos sociais

atinentes à formação do superego, outrora particularizados no seio das relações

sociais familiares, tendem a ser suprimidos. Segundo Marcuse (1999):

(...) sob o domínio dos monopólios econômicos, políticos e culturais, a formação do superego maduro parece, agora, saltar por cima do estágio de individualização: o átomo genérico torna-se diretamente um átomo social. A organização repressiva dos instintos parece ser coletiva, e o ego parece ser prematuramente socializado por todo um sistema de agentes e agências extrafamiliares. Ainda no nível pré-escolar, as turbas, o rádio e a televisão fixam os padrões para a conformidade e a rebelião; os desvios do padrão são punidos não tanto no seio da família, mas fora e contra a família. (p.97)

A organização social mobiliza agências extrafamiliares, constituídas em

épocas relativamente recentes, para substituir a função formativa outrora relegada

ao seio familiar. Os meios de comunicação de massa “fixam os padrões para a

conformidade e para a rebelião”, (falta algum conectivo: (e)?) a indústria cultural

constitui modelos de autoridade, aos quais os indivíduos procuram se conformar.

13 Verificar também, a esse respeito, o texto de Adorno (1995b), Glosa sobre personalidade in: Palavras e

Sinais - modelos críticos 2, Ed. Vozes.

14 Crochík (2006a) comenta: “Com o enfraquecimento da família, o indivíduo passa a ser socializado

(28)

Para Horkheimer e Adorno (1985), os mecanismos adaptativos imanentes à

indústria cultural, levam o homem à submissão cega e irrefletida e à identificação

com os ideais de sucesso padronizados pelos meios de comunicação de massa. O

indivíduo desenvolve, também, uma forma de pensar e sentir, nas suas relações

afetivas e de lazer, compatíveis a formas que regem a vida do trabalho. Segundo

Adorno (1993):

O que se tornou estranho aos homens é o aspecto humano na cultura, o que mais de perto defende seus interesses diante do mundo. Eles fazem causa comum com o mundo contra si mesmos, e o que há de mais alienado, a omnipresença das mercadorias, a conversão deles próprios em apêndices da maquinaria, torna-se para eles a imagem falaz da proximidade. (p.129)

A cultura inflige a coerção necessária para a adaptabilidade. Vociferando a

falsa harmonia entre o indivíduo e a sociedade, os objetos culturais devolvem aos

indivíduos sua própria imagem deformada, docilmente afeita aos desígnios

encantatórios levados a --- cabo pelo modo de produção econômica operante.

Segundo Adorno e Horkheimer (1985), nessas condições, “a racionalidade técnica

converte-se na racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade

alienada de si mesma”(p.114). O fetiche da mercadoria15 reflete a alienação do

homem dominado pelos padrões que organizam a esfera produtiva e funda as

bases para a formação da consciência coisificada. Ao promover uma falsa

reconciliação entre o particular e o universal16, os modelos fetichizados de

autoridade mediática auxiliam na composição da falsa realidade que conduz os

indivíduos para a realização de uma felicidade ilusória. Para Adorno e

Horkheimer (1985),

15 “Marx descreve o caráter fetichista da mercadoria como a veneração do que é autofabricado, o qual por sua

vez, na qualidade de valor de troca se aliena tanto do produtor como do consumidor, ou seja, do ´homem`. Escreve Marx: ´o mistério da forma mercadoria consiste simplesmente no seguinte: ele devolve aos homens, como um espelho, os caracteres sociais do seu próprio trabalho, como propriedades naturais e sociais dessas coisas; em conseqüência, a forma mercadoria reflete também a relação social dos produtores com o trabalho global como uma relação social de objetos existente fora deles`”. (Apud: Adorno, 1999, p.77-78)

16 “A unidade evidente do macrocosmo e do microcosmo demonstra para os homens o modelo de sua cultura:

(29)

(...) a indústria cultural promove a mecanização da produção dos bens culturais, (...) a mecanização atingiu tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias destinadas à diversão, que as pessoas não podem mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho. (p.129)

A indústria cultural confere aos bens de consumo um ar de semelhança. Seus

produtos são concebidos para corresponder aos interesses de poderosas

corporações econômicas, segundo o modo de produção operante17. Ela invade

amplas áreas da atividade humana – o trabalho, o lazer, a educação - promovendo

satisfações substitutivas àquelas reprimidas pelo ordenamento social. O indivíduo

é submetido a um verdadeiro bombardeio de imagens, sons e palavras que acabam

por influenciar na conformação de modos de pensar e agir estereotipados. Para

Horkheimer e Adorno (1985): “Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade

do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios

produtos (...) paralisam essas capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva

(p.119). A imaginação e a espontaneidade, próprias de indivíduos autônomos, são

paralisadas. Elas devem corresponder aos modelos culturais reapresentados ad

eternum pelos meios de comunicação de massa, repetição essa que objetiva a fixação

dos padrões culturais, aos quais todos devem corresponder do mesmo modo. Para

Horkheimer e Adorno (1985): “inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural

reproduz as pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo” (p.119). As expressões

artísticas não expressam o sofrimento dos indivíduos, os conflitos subjacentes à sua

submissão, à irracionalidade do todo social. Não apresentam os “traços em que

aparece a discrepância”, o “necessário fracasso do esforço apaixonado em busca de

identidade” (idem, p.123) e, assim, a obra de arte não trancende a realidade. As

expressões artísticas, moldadas segundo padrões calculados pela indústria cultural,

17 “Os padrões teriam resultado originariamente das necessidades dos consumidores: eis por que são aceitos

(30)

reafirmam a dominação existente e fornecem os modelos de identificação e

adaptabilidade. Para Horkheimer e Adorno (1985): “a barbárie estética consuma hoje a

ameaça que sempre pairou sobre as criações do espírito desde que foram reunidas e

neutralizadas a título de cultura” (idem). A contradição entre o particular e o todo

desaparece sob o manto da integração à universalidade harmônica18. Mesmo as

expressões de contestação cultural19, são facilmente transformadas na última

atração do programa dominical. A lógica da indústria cultural consiste em um

único fim: “ocupar os sentidos dos homens da saída da fábrica, à noitinha, até a chegada ao

relógio do ponto, na manhã seguinte, com o selo da tarefa de que devem se ocupar durante o

dia (...) (idem). Os bens culturais expressam os constrangimentos infringidos por

poderosos aparatos ideológicos e econômicos20 sobre a vida social e dão a ver os

“sinais do engenhoso planejamento de grandes coorporações internacionais” (Horkheimer

e Adorno, 1985, p.113).

1.2 Repressão sexual e submissão autoritária

Se a dominação da natureza encerra o princípio ordenador que constitui a

base das relações entre os homens, o domínio da natureza externa, assim como da

natureza interna humana acaba por perpetuar a cisão e corroborar o clima cultural

próprio à barbárie. Apoiando-se na análise da relação de dominação, da razão

esclarecedora sobre a natureza, articulando-a ao modo peculiar com que Freud

entendeu a emergência da civilização – na qual a repressão sexual é condição

necessária para a sua constituição – Marcuse (1999) constrói a noção de princípio de

18 “Mas o milagre da integração, o permanente ato da graça da autoridade em acolher o desamparado, forçado

a engolir sua renitência, tudo isso significa o fascismo”. (Horkheimer e Adorno, 1985,p.143)

19 Tais como o movimento dos panteras negras nos E.U.A., durante a década de 1960, do movimento punk, na

década de 1980 na Inglaterra, bem como o hip-hop nos guetos negros de Nova York na década de 1990.

20 Se em nossa época, a tendência social objetiva se encarna nas obscuras intenções subjetivas dos diretores

(31)

desempenho que permite desvendar os mecanismos de controle atuantes, sobre o

indivíduo, no capitalismo tardio21.

Marcuse (1999) aponta que sob as condições do ordenamento social

repressivo, “sob o domínio do princípio de desempenho, o corpo e a mente passam a

ser instrumentos do trabalho alienado; só podem funcionar como tais instrumentos

se renunciam à liberdade do sujeito-objeto libidinal que o organismo humano

propriamente é e deseja” (p.59). A constituição da libido é levada a cabo segundo a

lógica do trabalho alienado, “(...) seu desempenho erótico é posto em alinhamento com o

seu desempenho social” (idem). Para o autor, “a própria organização da sexualidade

reflete as características básicas do princípio de desempenho e sua organização social

(idem, p.60). É no seio familiar, primeiramente, que a organização da sexualidade

infantil é constituída. Segundo Marcuse, tal organização acaba por refletir as

características básicas do princípio de desempenho que utiliza a libido para promoção

e perpetuação de seus valores. Dentre outros elementos, Marcuse destaca um

aspecto peculiar dessa organização sexual mediada pelo ordenamento social

repressor: a centralização. Segundo este autor, a organização da sexualidade é

especialmente eficaz na “unificação” dos vários objetos dos instintos parciais num único objeto libidinal do sexo oposto e no estabelecimento da supremacia genital. Em ambos os casos, o processo unificador é repressivo – quer dizer, os instintos parciais não evoluem livremente para um estágio “superior” de gratificação que preserve seus objetivos, mas são isolados e reduzidos a funções subalternas. Esse processo realiza a dessexualização socialmente necessária do corpo: a libido passa a concentrar-se numa parte do corpo, deixando o resto livre para ser usado como instrumento de trabalho. (idem, p.61)

A repressão das manifestações sexuais pré-genitais22 é determinante na

edificação da primazia genital. A dessexualização, acarretada pela repressão das

21 Segundo Marcuse (1999): “o princípio de desempenho, que é o de uma sociedade aquisitiva e antagônica

(32)

manifestações sexuais, que não tem como finalidade a reprodução, se faz

necessária para que o corpo possa ser mobilizado como instrumento de trabalho23.

O indivíduo não sente prazer com o corpo, a não ser aquele oriundo do primado

genital. O corpo é reduzido a mero arcabouço, corpo morto, facilmente mobilizado

para as finalidades impostas pelo princípio de rendimento. A estrutura familiar

monogâmica acaba por solidificar as bases de uma educação sexual que prepara os

indivíduos para as expectativas sociais, calcadas sob a repressão sexual. O poder

paternal transmite, para a geração futura, as premissas para a adaptação ao mundo

do trabalho, operando a repressão sexual. Segundo Marcuse (1999),

(...) o pai como pater-familias, ainda desempenha a arregimentação básica dos

instintos que prepara o filho para a mais-repressão por parte da sociedade, durante a sua vida adulta. (...) Historicamente, a redução de Eros à sexualidade procriativa monogâmica (que completa a sujeição do princípio do prazer ao princípio de realidade) só é consumada quando o indivíduo se converteu num sujeito-objeto de trabalho no mecanismo da sociedade; ao passo que, ontogeneticamente, a supressão primária da sexualidade infantil continua sendo uma precondição para essa consumação. (p.91-92)

A repressão sexual, na primeira infância, é fundamental para que na vida

adulta o indivíduo possa suportar a repressão econômico-social e aceitar

passivamente a mobilização da libido, a fim de poder desempenhar

satisfatoriamente suas funções, na organização do mundo do trabalho. Para

Marcuse (1999), “de acordo com o princípio de desempenho, o desvio de libido para

atividades culturais úteis ocorre depois do período da infância” (p.181). A preparação

para o mundo do trabalho, as ações que visam utilizar, posteriormente, depois do

período da infância, a libido, têm, entre outros elementos, na repressão dos

prazeres, oriundos das zonas erógenas pré-genitais, uma de suas bases.

22 Freud (1981a) analisa duas organizações sexuais pré-genitais presentes no desenvolvimento infantil: a oral,

ou canibal e a sádico-anal ( Cf. Freud,1981a p. 1210-1211).

23 Segundo Marcuse (1999): “O seu desenvolvimento irreprimido erotizaria o organismo em tal medida que

(33)

Na organização da sexualidade que Freud (1981a) considerou como

normal, a fase do auto-erotismo compreende aquela em que os indivíduos

encontram “su objeto en el próprio corpo” (p.1209). As zonas pré-genitais, nessa fase,

não são subordinadas ao primado da genitalidade, sendo, cada uma delas,

independente da outra; tendiendo independientemente cada uno hacia la obtención de

placer” (idem). A sujeição da sexualidade ao primado genital, à repressão das

manifestações sexuais pré-genitais, à racionalização da organização sexual, à

proibição do prazer, já na primeira infância, acabam por corroborar a formação das

condições necessárias para a perpetuação do ordenamento social existente. Além

de preparar o indivíduo, desde cedo, a aceitar uma espécie de destino imutável, a

primazia da genitalidade24, a proibição do prazer, oriundo das experiências

sexuais, tidas como perversões, durante a primeira infância, operam a emergência

de um corpo que não conhece o prazer, mas a interdição dele. Para Crochík (2000):

A subordinação dos impulsos pré-genitais reduz a possibilidade do prazer se manifestar através de múltiplas formas; essa restrição limita o próprio prazer genital. (p.32)

As primeiras experiências com o prazer oriundo da estimulação das zonas

pré-genitais, durante a infância, são determinantes na organização da sexualidade,

durante o período da puberdade e na vida adulta25. Segundo Freud (1981a), na

puberdade opera outra forma de organização da sexualidade:

La fórmula para la nueva función de las zonas erógenas sería la seguiente: son utilizadas para hacer posible la aparición de mayor placer de satisfacción por médio del placer preliminar que producen y que se iguala al que producían en la vida infantil. (p.1218)

24 Segundo Freud (1981a): “(...) la sínteses de los instintos parciales y su subordinación a la primacía de los

genitales no se verifica en la niñez, o sólo se verifica muy imperfectamente. La formación de esta primacia en aras de reprodución, es, por tanto, la última fase de la organización sexual”. (p.1210)

25 “Las manifestaciones infantiles de la sexualidad no determinan tan solo las desviaciones, sino también la

(34)

Para Freud (1981a), se a repressão sexual na infância afeta a vida sexual

adulta e constitui o fator preponderante na formação de sintomas,26 próprios da

histeria, o excesso de excitação das zonas pré-genitais também acarretaria

problemas na vida sexual ulterior. Não se trata, portanto, de advogar a excitação

sexual na infância (cf. Freud, 1981a, p.1218), mas conferir especial atenção para que

a curiosidade da criança com o corpo próprio, bem como com o corpo do outro,

não seja reprimida. A necessidade de superação da moralidade, subjacente às

práticas educacionais tradicionais, sugere a liberação da libido corporal e, sem

pretender subjugá-la aos interesses do capital, a razão não deve infligir interditos

que oprimam e aprisionam a sexualidade. A ressexualizaçã coorporal, a ênfase na

experiência coletiva, a reconfiguração dos papéis tradicionais das autoridades

familiares, implicam o exercício da razão reinvestida de sensibilidade que, em

última análise, deve se voltar para a felicidade humana. É importante assinalar,

porém, que, para Marcuse,(1999, p.60) nas sociedades repressivas “a organização

da sexualidade reflete as características básicas do princípio de desempenho”.

Portanto, as condições objetivas subjacentes às suas expressões irracionais devem

ser alteradas para que possa se dar a ressexualização corporal, sendo, a libido,

reinvestida de sensibilidade e capacidade de expressar a liberdade. Desta maneira,

a eliminação do trabalho alienado é fundamental para a emergência de uma

civilização não repressiva. Segundo Marcuse (1999):

Como a duração do dia de trabalho é, por si mesma, um dos principais fatores repressivos impostos ao princípio de prazer pelo princípio de realidade, a redução do dia de trabalho a um ponto em que a mera porção de tempo de trabalho já não paralise o desenvolvimento humano é o primeiro pré-requisito da liberdade. (p.141)

26 Sobre os sintomas histéricos, Freud (1981a) afirma: “(...) son la sustitución o transcripción de una serie de

(35)

Não bastaria, portanto, investir em propostas educacionais, quer sejam na

família ou nas instituições educativas27, que promulgassem práticas não

repressivas como se estas, por si só, fossem suficientes para alterar a organização

social vigente28. A transformação social considerar a liberdade só seria possível por

meio da extinção da dominação e do trabalho alienado. Ainda que Marcuse (1999)

enfatize o potencial da consciência crítica e da ação política, como fundamentais

para a transformação social, a plena vigência de outra cultura, na qual a

sexualidade seja transformada em Eros, somente se daria numa organização social

em que a carência fosse extinta e os indivíduos pudessem viver de acordo com a

satisfação de suas necessidades29. Quanto aos limites das propostas educacionais,

sob os imperativos vigentes da organização social repressiva, Pagni (2003) analisa

que para Marcuse:

Toda a tentativa de superar tal situação, por intermédio de uma outra concepção de cultura ou de educação, dentro da lógica da ordem social existente, (...) resultou na reiteração desses mesmos princípios e ignorou as possibilidades de realização da felicidade objetiva. Para ele, essas tentativas esbarraram, de um lado, no clichê da realização do paraíso terreno, pela valorização da felicidade subjetiva e da fruição do sentimento do prazer, ignorando que a sua possível efetivação estaria vinculada à transformação radical da sociedade. (p.94)

Marcuse, mesmo atento aos limites impostos pela organização repressora e

ante à possibilidade do desenvolvimento da consciência crítica dos indivíduos,

para alterá-la, não nutriu ilusões acerca das possibilidades das reformas

educacionais poderem instaurar a cultura que poderia libertar os indivíduos

daquilo que os oprimem. Segundo Pagni (2003), Marcuse tinha claro que a

27 Com relação às propostas de educaconais que se preocuparam com a sexualidade infantil, cf. a proposta

educacional desenvolvida no Jardim de Infância Experimental idealizado por Vera Schimidt e W. Reich. (Schmidt & Reich, 1975).

28 Segundo Pagni (2003): “(...) na concepção de Marcuse (...), a liberação dos instintos sediados no corpo e o

sentimento de prazer experimentado pelo sujeito só seriam elementos a serem considerados, nesse projeto filosófico e político, se fossem submetidos à crítica radical da configuração que assumiram na sociedade burguesa e particularmente, na sociedade industrial”. (p.85)

29 Segundo Adorno e al. (1965,p.31) Existem diferentes necessidades: “las emocionales primitivas, la

(36)

atividade consciente e criativa do sujeito poderia começar a ser desenvolvida, ainda que de

modo limitado, na organização social e diante da opressão existente (...)” (p.99).

É por meio da reflexão sobre a repressão dos instintos e os destinos da

sensibilidade, sob o jugo da racionalidade desenvolvida na organização repressiva,

que Marcuse descortina possibilidades de ação política, tendo em vista a alteração

da ordem vigente. Retomando Schiller, Marcuse valoriza a dimensão estética como a

possibilidade de reconciliar a sensibilidade e a razão como forma de alterar os

desígnios que pairam sobre os indivíduos, submetidos aos imperativos definidos

pelo princípio de desempenho e pela mais-repressão. Segundo Marcuse (1999, p.161): “o

esforço filosófico de mediação, na dimensão estética, entre sensualidade e razão

manifesta-se, pois, como uma tentativa para reconciliar as duas esferas da

existência humana que foram separadas à força e despedaçadas por um princípio

de realidade repressivo”. A dimensão estética, operando por meio do impulso lúdico

aboliria a compulsão e colocaria o homem, moral e fisicamente, em liberdade” (idem,

p.163). Por meio dele: “a sensibilidade poder-se-ia tornar racional e a racionalidade

sensível, assim como as faculdades superiores da alma passariam a considerar as suas

faculdades inferiores e o corpo como elementos constitutivos do pensamento e da ação

(Pagni, 2003, p.100). O impulso lúdico fundaria a possibilidade de reinvestir o corpo

das finalidades negadas pelo princípio do rendimento e pela mais-repressão. Tal

operação poderia refletir numa outra ordem social que primaria pela valorização

da vida, pelo reinvestimento da potencialidade liberadora de Eros. A

ressexualização do corpo, como analisado anteriormente, por si só não resultaria

em transformações sociais efetivas, ao contrário, sob a égide do princípio de

desempenho e da mais-repressão, recairiam como ações que corroborariam a

manutenção da organização repressiva, pois, para Marcuse (1999):

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Tabela 1 – Participações dos alunos nas aulas dos diferentes professores  Prof. 1  Prop*  Prof
Tabela 2 –  Participações dos alunos nas aulas de Geografia e Matemática     Geo  Prop* Mat Prop* total Prop*
Tabela 3 – Participações dos alunos nas aulas de Ciências e Língua Portuguesa     Cien  Prop* Port Prop* total Prop*
Tabela 4 – Participações dos alunos nas aulas de história e Artes     Hist  Prop*  Art Prop* total Prop*
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Referências

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