UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Meíjtrado de (.'í./iiiunii;dir'3o Social
DEGIGNAÇXO DOG LIMITCC
O Trabalho do Nome na Constituição d* Obra de Arte Moderna
Orientador:
Prof4. Doutora Maria
Augusta
BaboMaria Teresa Pimentul 1'níLo Cruz
'•p*. >w..y.
1989 •;a ■
V«*V*
ÍNDICE ENQUADRAMENTO
Introdução
. Para-obra . PRIMEIRA PARTECapítulo
I -O Nome e aMargem.
0 nome
próprio
: uma fronteiralinguística
18A
justeza
do nome 24O nome e a representação 28
Nomes
logicamente próprios
? 330 nome e a margem : o
kolophón
49SEGUNDA PARTE
Capítulo
I -O Titulo. Intitular -indexar 54 0 nome do modelo 58O
topos
do título : aenunciação
61A
poética
do título : o enunciado 65Os títulos de
Magritte
68Capítulo
II-A Assinatura.
0 artista e o nome 77
A crítica do
sujeito
80A "morte do autor" e o "travestimento do autor" 82
A modernidade da noção de autor 91
O nome do autor 95
A assinatura e o nome
próprio
98A assinatura e a margem 103
Capítulo
III - AObra. Entre dois nomes . Pe«d,-««d<:-:ui
caso li»te.
Capítulo
I -Arte eLinguagem.
CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA ILUSTRAÇÕES 116 120 Arte, não-arte, anti-arteProducere "Nominalismo
pictural"
124 O abandono do fazer 133 O pacto nominalista 149 Aherança
deDuchamp
154 REENQUADRAMENTO lg6 TERCEIRA PARTE 172 Utpictura
poesis - i fl-^ AIconologia
■LO~l A Semiótica dapintura
1°'Kandinsky
e apicturalidade
192 199 209 213Capítulo
II -Visibilidade eAparência.
O visível A expressão A mancha Ofigurai
218 A linha e a forma 220Aparência
e contorno 226Capítulo
III-A Modernidade e o Nome Arte.
A arte e a metáfora da
superação
248OCO
O
juízo
estético iL-J°280 284
Há mais de um século
atrás,
há mais de 150 anos, umprimeiro
vaticino de morte recaiu sobre a arte e, desde então,a reflexão sobre ela não
pode
mais pensar sem essa sombra,conf
irmando-a,
aceitandoa-a,
ourenegando-a.
Esse vaticínio foio de
Hegel,
nas Aesthetischen Lehren,(redigidas
entre 1815 e1829),
curiosamente,
no momento culminante, epelo
sistema nais acabado do idealismo ocidental. A arte é ditaalgo
depassado
(ein Verganqenes) , o queequivale
antes de mais apostular
asua natureza intrinsecamente histórica. Um século
depois,
outrogrande pensador,
MartinHeidegger,
aceitando ainda reflectirsobre a arte, fá-lo
porém
no ensombramento daspalavras
deHegel.
Pensamento decompromisso,
porque continuam a existir obras de arte, mas quepoderão
não ser mais do que o corpo emdegradação
da arte, uma vez que esta, como sugereHeidegger,
poderá
levar séculos a perecer.Corpo
abandonado por umEspírito,
por umaIdeia,
por uma Verdade, que deixara.T. deirradiar nele uma presença.
Corpo,
sem ser,portanto.
Corpo
deum
ontologia
agora insustentável-a da obra de arte.
Mas, a
declaração
da morte da arte não foi sem dúvida a única que a modernidade fez soar, nem por certo a maisatemorizadora,
até fazer soar,inclusivamente,
apossibilidade
do seu
próprio fim,
enquanto
época.
Tal nãoimpediu
que sedeixasse de pensar
aquilo cujo
fim,precisamente,
se declarava. Bem ao contrário, trouxe à evidência o modo de pensar moderno,como um pensamento historial. A
Estética,
e o vaticínio da morte da arte são talvez, tantoquanto
aprópria
arte,intrinsecamente históricos. 0 mais curioso,
porém,
é o facto dea
suspeita
de uma morte da arte serpraticamente
contemporânea
da
possibilidade
de um discurso autonomizado sobre a arte, istoé, do reconhecimento de uma
praxis
específica
como "arte". O marco correntemente assinalado como o advento da Estética e aem
1750,
da estética deBaumgarten)
, antecede, em pouco mais de50 anos, o vaticínio
hegeliano.
Asuspeita poderá
ser, então, a de que a Estética tragaconsigo,
na suaemergência,
ascondições
de umaafirmação
e de umanegação
da arte; e ainda ascondições
dasublevação
da arte, por elaprópria,
uma vez que,a
partir
do século XX, é a arte quetrabalha,
emalgumas
experiências,
para a suaaparente
destruição.
Será aindatempo
de permanecermos na
averiguação
dodesaparecimento
ou nãodesaparecimento
da arte? Se nãopodemos
ignorar
uma tãogrande
questão,
poderemos
subtrairmo-nos àresponsabilidade
(e talvezao
engodo)
de lheresponder?
Este trabalho escolhe aresponsabilidade
de a tornear, no sentido de a rodear, aenquadrar,
a moldar, tantoquanto
possível,
a umapluralidade
dequestões
menos desmesuradas, com asquais
possa conf rontar-se.Se é verdade que nos é cada vez mais difícil dizer o que é a arte, talvez não nos
seja
hoje
difícildizer,
porém,
onde se encontra. Um
conjunto
de estruturas culturais e económicas faz-nos saber o seulugar,
os seus circuites, defronteiras bem determinadas,
distinguindo,
sem margens parahesitações,
o que é e o que não é arte. A isto chamamos, emgeral,
o seu caráceter institucionalizado, no sentido dealgo
desvirtualizado,
des-sacralizado,
ouparticipante
numa novasacralização,
a da obra como mercadoria cultural, a do valorestético,
como valor de troca e valorsigno.
Este é, dealguma
forma, um modo de dizer a morte da arte,explicando
aomesmo
tempo
aperistência
de obras que, contudo, continuam aser ditas "de arte". Mas, se estas estruturas estão
implicadas,
desde o
início,
no processo deautonomização
da esfera da arte, dizer através delas a morte da arte é negar, em últimainstância,
toda a arte moderna, tudoaquilo
que, apartir
damodernidade,
pudemos
precisamente
começar aapelidar
e definircomo arte. O que está em causa são
pois
aspróprias
condições
de
possibilidade
da arte moderna, como momento decircunscrição
e
definição
da arte, o seuprincípio,
e não apenas o seu fim. AEstética fez
parte
destascondições
depossibilidade,
ao destinar à arte umlugar
próprio,
ao transformá-la emobjecto
de um discurso e de umaexperiência específicos.
E sópode
declarar a sua morte, na medida em que, de certa forma, lhedera
vida,
oumelhor,
fizera dela umadvento,
projectando
neleum modo
específico
de ser e de aparecer de uma verdade. AHistória da Arte, por sua vez, passa
geralmente
em silêncio este carácter intrinsecamente histórico e moderno daprópria
designação
da arte,traçando,
numa continuidade apenasperturbada
pelos
estilos,
uma história que talvez não se procurasserestituir,
não fosse esse acontecimento moderno da arte. A arte modernasurge-lhe
assim,
unicamente,
como a mais recente camadageológica
de umaprática
tãoantiga
quanto opróprio
homem.Não
negando
apossibilidade
de uma tal leitura,talvez
seja
contudoimpossível
compreender
todas asimplicações
da arte moderna, sem a relacionar historicamente com uma certa modernidade da arte,
cuja
dimensão é tantoantropológica
comoepistemlógica
. Essa modernidade da arte, que se realizará naarte moderna como um programa de
auto-averiguação,
consiste naprópria
abertura de umlugar
finalmente autónomo e circunscritoda arte,
jogando-se
este em cadaobra,
quepode
agorapretender
ser "de arte". As várias
definições
que a modernidade nos deu de "arte"permitiram,
mais do que subsumir através delas asobras "de arte",
legitimar
o estabelecimento de um tallugar
e a procura dos seus limites. 0 conceito de arte desenvolve-se na modernidade como um programa deinstitucionalização
de umaesfera,
ecomporta,
nessamedida,
a violênciaprópria
dequalquer
acto fundador. As obras de arte não irradiam assim asua presença
enquanto
obras;rasgam um espaço, e fazem
apelo
a um reconhecimento.É
este o seu modo de ser. A suacondição
de existência é a da suacircunscrição.
A suavisibilidade,
a suaforça
deenunciação
enquanto
obras. Na linha que esta traça àsua volta, por mais fina
que
seja,
jogar-se-ão
sempre osnão possa ser determinada de outro modo. As várias correntes da
arte modernista, e os movimentos de
vanguarda
experimentaram,
cada um a seu modo, a extensão destes limites, ao procurarem
averiguar
o que é a arte ou ao procurarem provocar o seu fim.Cada obra "ensimesmada", ou cada anti-obra, apesar de
problematizarem
umadefinição
de arte, mantiveram visíveis assuas fronteiras;
poderemos
mesmo dizer, que as tornaram mais evidentes do que nunca, ou teríamos deixado por vezes de reconhecer, como arte,aquilo
que encerravam, evidenteenquanto
tal, apenas por essas mesmas fronteiras. Quer isto dizer, que a
arte nos fez finalmente sentir, neste século, a
impossibilidade
de uma
definição
da arte, fazendo embora sistematicamenteapelo
ao seu reconhecimento.
Declarar esta
condição
de existência como o fim daarte
significa
não abdicar de um critério de autenticidade, quesó um conceito de arte ou a
possibilidade
dedeterminação
de uma essencialidade da artepermitiriam,
em última análise,tornar decisivo. Olhá-la como uma sobrevivência, sustentada ou
mesmo determinada por factores estranhos à
própria
arte, por uma indústria e um comércio culturais que a transformam emideologia,
eaceitá-la,
mas ainda declará-la como inautêntica.0 modo
pelo qual
as obras continuam a existirimplica
contudo,inevitavelmente,
oapelo
acategorias
estéticas(que
garantiam
precisamente
a sua autenticidade) , existentes desde a suaautonomização
e desde aemergência
do discurso da Estética. Jánão por certo a de belo, mas ainda a da
originalidade
e dasingularidade
de cada obra(que
a incessante busca moderna donovo
agudizou)
e ainda,inseparável
delas, a de autoria. Amorte ou a inautenticidade da arte declara necessariamente, em
simultâneo,
a morte e a inautenticidade de taiscategorias.
Mas asobras,
antes, comohoje,
parecem continuar a fazerapelo
aelas, no sentido de se circunscreverem como obras. E, cada
legitimação
de uma obra, é ainda alegitimação
de um autor e deum
produto
original,
comporte
ele, ou não, aquestionação
destas mesmasnoções.
Inseparáveis,
apartir
damodernidade,
dadesignação
de cada obra de arte, permanecem aindahoje
na orlada sua
identificação,
apelando
ao reconhecimento da suaautenticidade. Tão indecidíveis
quanto
aprópria
noção
de arte,pois
adesaparecerem
um dia,desaparecerão
com ela;designando-a
e sendodesignadas
por ela, nãopodem
dar-nosconta do ser da
obra,
mas apenas da suacondição
deemergência,
de visibilidade e de
circunscrição,
como umaespécie
de"moldura",
uma linha queproduz
a suadelimitação
e que,enquanto
tal, faz e não fazparte
dela, lhe éprópria
eimprópria,
ao mesmotempo.
Os seus rostos visíveis são es deelementos como o título e a assinatura, nomes
cujo
lugar
privilegiado
éprecisamente
o da margem. E é apartir
destelugar
marginal
que este trabalho seinterrogará
arespeito
dacondição
deexistência,
ou depersistência,
de obras de arte.Procurando, não uma
definição
intrínseca de obra ou de arte,nem uma
explicitação
dos factores exteriores e determinantes dofenómeno artístico (ambos
perscrutações
de umaorigem),
.-as acompreensão
do modo como a arte necessita de traçar, em aornode si mesma, no processo da sua
autonomização,
como no da suadissolução,
as fronteiras que a mantêm, para nós, visívelenquanto arte. Isto é, o modo como faz
apelo
ao nome "arte", transformando assim, em programa, a suaprópria
definição.
0 gérmen desta
interrogação
surgiu,
no curso de Mestrado deComunicação
Social, aolongo
de um seminário deinvestigação
dedicado àsquestões
dosujeito
e do nome.Embrionariamente,
se fossepossível
recuperar o momento er. que noslançamos
numa procura, ainda quase semobjecto,
diria queele
poderia
ser talvez restituído por umapergunta
possivelmente ingénua:
porque nos aparece uma obra de arte"entalada" entre dois nomes, um título e uma assinatura... A
investigação apoiada
arespeito
daquestão
do nome (Parte I)permitiu averiguar
apossibilidade
de um caminho, para acompreensão de tais elementos
marginais
e do seupapel
naconstituição
da obra de arte, como elementos de delimitaçãocaso-limite,
não uma conclusão oucomprovação,
masprecisamente
uma
interrogação
arespeito
dos limites, da efectividade ou nãoefectividade da sua
imposição,
e do modo como avanguarda,
quetrabalhou para a sua
dissolução,
osterá,
eventualmente,rigidificado.
Este percurso, na orla da obra de arte,permitiu
(e
exigiu)
porém,
o reencontro com outros percursos que, aolongo
dos últimos três anos, foramprocurando
abordar aquestão
da obra de arte, o
posicionamento
da Estética na modernidade eo
problema
dojuízo
estético. Deste reencontro resultou a Parte III deste trabalho, dedicada a uma confrontação com doistipos
deabordagem
que, na Teoria da Arte moderna, procuraram dizer aespecificidade
da arte e da obra de arte, isto é, encontrar umadefinição
quepudesse
naturalmente dar conta dos seus limites,dizer-nos onde começa e acaba a arte, dizer-nos o que ela é. A
Semiologia
e aFenomenologia
da arte constituem assim os temasfundamentais dessa última parte. No seu termo,
procurámos
ainda reflectir sobre aprópria
necessidade moderna de realizar umacircunscrição
da arte e de um discurso sobre ela; sobre o modocomo a modernidade abriu
lugar,
não só à esfera da arte, mas aum novo
tipo
dejuízo,
ojuízo
estético, que escapaporém
àscondições
defundamentação
de que opodia
dotar,legando-nos,
talvez por
isso,
um indecidível conceito de arte.Se
pudesse
ser este umlugar
de sinceridade, diriatalvez que este trabalho procurou ser a
averiguação
desdramatizada de umainquietação.
A de sentir, no final doséculo XX, a
herança
de uma arte derevoluções
querepete
incessantemente o seu gesto moderno de fundação. Uma arte que torna assim cada vez mais visível a sua
delimitação
e as suasfronteiras,
mas também,paradoxalmente,
cada vez mais difícil dizer o que definem ou delimitam. Uma arte queresponde
aoapelo
moderno de uma verdade da arte, mas que parece não terrespondido
àsexpectativas
quedepositou
nela aprópria
Estética moderna, conformada, por isso, a assinalar-lhe a morte. Se a arte não fez mais, ao
longo
da modernidade, do que afirmar-se e assegurar-se da suapossibilidade
de existência;se a modernidade requereu essa existência, e esse novo
lugar,
porque razão a
experiência
estética se diluihoje
em inúmeraspráticas
e investimentosquotidianos,
sem que sedissolva,
porsua vez, a noção de obra ou de arte. 0 homem moderno,
poderíamos
dizê-lo,
sentiu-seameaçado
pela
técnica eludibriado
pela
arte. Em ambas a modernidadeprojectou
umautopia,
ultrapassada
pela
verdade das suasrespectivas
realizações
históricas. 0 que morreu, foi talvez autopia
daarte, esse
nâo-lugar
de uma presença irradiante que nãodependeria
ce nenhumacircunscrição.
Se
pudesse
ser este umlugar
de sinceridade,gostaria
ainda de expressar nele a minha
gratidão pela
orientação
eapoio
dados a estainvestigação pela
Profâ. Doutora MariaAugusta;
pelo
diálogo
frutuoso e interessante que meproporcionaram
o Dr. Emídio Rosa de Oliveira e o Dr. FernandoBaptista
Pereira;pelo
oapoio
eencorajamento
semprepresentes
do Dr . José
3ragança
de Miranda; e aindapela
colaboração doDr. José Pádua, que tornou
possível
ailustração
dealguns
aspectos deste trabalho. De um modo
geral,
estainvestigação
é devedora dos semináriosfrequentados
aolongo
do Curso de Mestrado, sobretudo nas áreas de QuestõesAprofundadas
de Semiótica Textual e de QuestõesAprofundadas
de Teoria daComunicação,
no âmbito dasquais
foram realizadosalguns
trabalhos orientados para este fim.
Este,
porém,
é umlugar
necessariamenteambíguo.
Inicia o que não se sabe bem se
já
começou, mas que tem desde agora assinalados um determinadolugar
e um determinadoenquadramento
discursivos.Lugar
que introduz, "vestíbulo" comolhe chamou
já
Borges,
nem dentro nem fora,espécie
de nãolugar,
portanto;
mastambém,
como disse Genette,"lugar
Toda a Filosofia ou Teoria da arte visa
responder,
em últimaanálise,
àquestão
"o que é a arte", parapoder
dar conta,afinal,
da existência de obras de arte, dizer-nos de onde vêm, porque estão aí. Mas, curiosamente, parecem ser essas mesmas obras, ditas de "arte", que têm obstado a quealguma
vezpudéssemos chegar
a entender-nos sobre o quesignifica
estenome, sobre a
possibilidade
de fazermos dele, ou não, um conceito. E este é obviamente um embaraço moderno, umproblema
moderno, distinto do de uma Poética clássica, normativa. Um
problema
que écontemporâneo
dainterrogação
filosófica sobre "o que é o Belo", e de umagradual
questionação prática
dasregras normativas da arte. Como diz
Derrida,
aquestão
"o que éo belo" ou "o que é a arte", "só a filosofia a
pode
colocar eresponder-lr.e"
(DERRIDA,
1978:34).
Na realidade, ela advém deuma
pressuposição
filosófica-a de que há uma verdade da arte
-que a filosofia só
poderá
portanto
dizer,percorrendo
um caminho que se fechará num círculo. Esse círculo, que é o círculo de uma talquestionação,
deverá no finalpermitir
encerrar o nome "arte" no círculo da sua verdade, ou da sua
conceptualidade.
Deverá restituir-nos assim umpleno,
umsentido
originário
e, decorrente dele, uma ordem de exclusões e deinclusões,
umapartilha
entre o que é e o que não é arte. Ora, asdefinições
que a Estética nos foi dando de artedeixaram de
coincidir,
a certo momento, com o círculo que a arte traçava em volta de si mesma, isto é, comaquilo
queidentificamos como arte. Não se reconhecendo nela, a Estética declarou então a sua inautenticidade ou a sua morte.
Seguindo
ainda a leitura de Derrida a este
respeito
(em La Vérité enPeinture)
poder-se-ía
dizer: "o filósofo encerra a arte no seucírculo,
mas deixa tambémprender
o seu discurso sobre a arte num círculo" (DERRIDA, 1978: 27). É no fundo aimpossível
coincidência destascircunscrições
e
aquela
que as obras traçam em torno de si mesmas-que procuraremos
aqui interrogar.
As Aesthetischen Lehren de
Hegel
sãoexemplares
destemodo
pelo qual
ainterrogação
filosófica se acerca daquestão
da arte, ao
postular
o seu necessário carácter "lemático",equivalente
aliás ao dequalquer
outrainterrogação
filosófica:"... toda a ciência
particular,
quando
considerada como ciênciafilosófica,
apresenta
ligações
com uma ciência antecedente.Começa esta
pelo
conceito de umobjecto
determinado, por um conceito filosófico determinado mas que se deve terjá
revelado como necessário. (...) A filosofia só aceita o que possua ocarácter de necessidade, isto
é,
tudo nela deve aparecer com o valor de um resultado" (HEGEL, 1972:18).
0ponto
departida
para a reflexão sobre a arte introduz-nos assim a um círculo, o da dialécticaespeculativa.
A arte, como ciênciaparticular,
segundo
os termos deHegel,
nãopode
escusar-se a este mesmoprocedimento
"lemático". "A arte é uma das formas demanifestação
doespírito"
(HEGEL, 1972: 20) e, por isso, ainterrogação
arespeito
das obra de arteimplica
aintrodução
do
espírito
num dos seuspróprios
produtos
[1] . Ou, como dizHegel,
não há para nenhuma ciência doespírito
um "começoabsoluto". O
ponto
departida
de uma "ciência da arte" é ele mesmo umapressuposição
(Voraussetzunq)-a de que "tal
objecto
existe"-e o seu modo de
interrogação
sópode
ser o de "saberaquilo
que ele é" (HEGEL, 1972: 13). Estainterrogação
terá quese confrontar inevitavelmente com as obras de arte mas, como bem sublinha
Hegel:
"a nós aparece-nos emprimeiro
lugar
a ideia em si e para si, não a ideia derivada, deduzida deobjectos particulares"
(HEGEL, 1972: 27). Paraaveriguar
o quea arte
é,
serápois preciso
fazer aontologia
da obra de arte,e não a
dedução
doparticular
para ogeral.
Quer isto dizer que[I| cf. DiSRíDA, a VèrP.é en Pei-aure,
Paris,
GaPIirara,'FP:'i,
r.as obras de arte, cada obra de arte,
comporta
em si,necessariamente,
a verdade da arte e manifesta-a. Essa verdadeé para
Hegel
a damanifestação
da Ideia, a do aparecer(Erscheinen) do
espírito
como obra de arte. E é isto que faz das obrasalgo
que é nãosimplesmente
uma puraaparência
(Schein) ilusória da
realidade,
tal como nosquis
fazer acreditar, durante séculos, a noção de mimesis . Quando a artedeixa de ser este
"aparecer"
doespírito
deixa,
em verdade, deo ser, ou de
possuir
um ser. Dela fica apenas a sua "matériasensível",
aquela
que, noutrotempo,
eralugar
de uma união como
Espírito
e, porisso,
provocava um"aparecer"
e se dava comoacontecimento. Deshabitada
pela
Ideia, a arte é assim uma meracoisa,
susceptível
ainda de se transformar para nós emobjecto
depensamento,
mas apenas na medida em que "solicita o nossojuízo"
e é submetida a um "exame" , "com o fim de reconhecer olugar
da arte noconjunto
da nossa vida" (HEGEL, 1972: 44)[2]
Fazer da
ontologia
da obra o seu aparecer,implica
que
aquilo
que a obra é se nosimponha
como uma presençainequívoca
eplena,
daqual
nos damos conta,precisamente,
poreste seu carácter absoluto. Uma obra de arte, se c é
verdadeiramente,
dá-se elaprópria
a verenquanto
tal. O seu modo de nos "fazer face" é, como dirá,Heidegger
uma[21 Recorde-se,
peias
pròcriáã palavras
de Heçel o se aã: íaa:.so vaticínio: ":- ,.c-:c5 :; i-aaaaosreferenr.es ao seu sypresio
destine,
a arte é para nos coisa dopassal;.
Coir sé-Y, perne- -..:: :..ar:::sLinha de a.j:eraicaaer.:e vercadeirc e vive, sja necessidade e reallcace de ojtrcra, e cr:c:ar.-.a arraa
reisgada
r.a nossarepresentação.
C zps,ho;'c,
uir;3 oor-j de arte e: nós suscitaé,
a:~- a areei;apraz
imento,
i- aizo serre o sej contejco e sobre os re.ns deexpressão
e ainda s-cre'
::.z de
adequação
oa expressão ac conteúdo" (HEGEL, Pu: 441. C vaticínio ceHegel
é assla, não ;:-:-;= z dofim da arte, nas tambèic,
inevitaveinerte,
c de íiir. daEstética,
sugeri
ndo-se gja.-ao ao :'a..r: : iiven-.o •de usa certa Teoria ca Arte, agyal
;.a rãc tratara cornudo de usiobjecro
anlradc por a*c ..:-: a -.r.a essenciali-iaze. C arga-eri*: racr-a. ià exisréncla oe :oras ds arte nào è assli ss.::'."'■: :-.'-. ae se possapostular
a existência aa Arte. vas e talvez ro:-vo cara .*::•; irte- :regarmos, era. re rz : a t
"imanência"
[3]
; ou, como sugere aindaBenjamin,
obriga-nos,
pela
sua "aura", a erguermos para ela os nossos olhos[4]
. Éesta essencialidade imanente da obra que, como
determinação
do que é a arte, deverápermitir
realizaraquilo
que é o interesse de toda a Filosofia da arte: a de a circunscrever-o que
implica distinquir
edefinir,
como nota Derrida, "o que vementão de um
interior,
como o quepertence
a umexterior,
formá-los, encerrá-los, dar-lhes uma borda" (DERRIDA, 1978: 27) .
Algures,
uma linhaimpõe
portanto umadelimitação.
Aontologia
da obra pressupõe-na, mas nãopode
dar conta delaporque pensa como absoluta a imanência de um interior a que
chama essencialidade; porque esconde, na
impossível
determinação
de umaorigem,
odesejo
real deconceptualizar
esegmentar. 0 que dizemos "arte" e o que identificamos como obra decide-se
porém
nessa linhamarginal.
Nela não sejoga
umaessencialidade,
na medida em que ela estáprecisamente
dentro efora
daquilo
quecircunscreve,
é-lhe estranha eperter.ce-ihe,
ao mesmo
tempo.
Nelajoga-se
umlugar
(esse que fazapelo
ao nosso olhar) , e umadelimitação
(a da arte, essa que aEstética,
no fundo, semprepretendeu
compreender)
. A obracoloca-se e apresenta-se efectivamente como obra, mas não sem a
intervenção
dealgo
que não sabemos dizer se lhe épróprio
ouimpróprio.
"E se fosse umquadro"...
pergunta-se
Derrida(DERIDA,
1978: 27) .Uma tal
intuição
está afinalpresente
naEstética,
desde Kant. E ela só
poderia
surgir
talvez numquadro
deargumentação
transcendental. A Crítica dojuízo
estético é, emPI Cf. HSI9SGG:?., Ma r::n, Cer
[Ir-.-ycy.r.
dr-s Kunsr.wernes, 5-xPlgari,Phl.lpn
Keiajm Jia.,P-M Vc. "l.'0euvrt o"Art <i Pite de se iieprcda;'.ibilité Tc chr:
q-jc-",
'c]yA,
Vol. 2, Fsr.z,Kant, atravessada por uma tensão constante e fundamental: como definir a arte, sabendo que não existe para ela um conceito; como fundamentar a universalidade do que
ajuizámos
como arte, sabendo que nãoexistem,
para tal,categorias
apriori.
Comojustificar
o carácter necessário e universal dapartilha
quefazemos entre o que é e o que não é arte, se não
possuímos
àpartida
para ela uma dimensãoconceptual
compreensiva.
Aconsciência deste embaraço
conceptual
de umadefinição
da arte,e da
paradoxal
factualidade da suacircunscrição
é, em Kant,mais
aguda
do que emqualquer
outro momento da Estética. Eresolve-se, também
aí,
por uma ordem de exclusões: do sentimento de Belo, não fazparte
o sentimento do"agradável",
do prazer estético não faz
parte
um prazer interessado ... e naobra, só é
obra,
aquilo
que se torna então verdadeiramenteobjecto
de um prazer desinteressado,ligado,
não às suascaracterística meramente sensíveis, mas à sua forma (Gestalt) .
Partilha uma vez mais,
portanto,
entre o que é puro ouimpuro,
entre o que é autêntico ou inautêntico. 0 interessante é que, para Kant, talpartilha
sejoga
necessariamente em cada obra, não como uma imanência, maspelo
exercício transcendental dojuízo
estético, quetraçará
nela mesma acircunscrição
daquilo
que é autêntico; isto é, que
apreenderá
a sua forma, sendo estaapreensão
equivalente
àprópria produção lógica
de uma forma ou de um conceito de arte. 0 verdadeirojuízo
estético é umjuízo
formal queproduz,
face a cada obra, e em simultâneo, a evidência da sua forma e a evidência do que é a arte[5]
. Nãosurpreende pois
que, para nosexplicar
a efectividade de umatal
circunscrição,
Kant seveja
obrigado
a fazê-lo através deexemplos.
É
estafunção
que cumpreprecisamente
na "Analíticado Belo" o $ 14, "Esclarecimento através de
exemplos".
"Os
juizos
estéticospodei,
tal cmc osjuízos
teóricosilógicos!,
ser o;v.tacos e- enp raros cpuros. Os
primeiros
sãoaqueles
eueexprime-
o oje ut oraecto ou o seu moco oe represe":ação ç.;s.*z aoacrâdável ou ac
desagradável
; os sea.ao osf-.prlne"
aoa.In qje eie íst. oe oe.';; ag-c.es sjc .. :s assentidos bateríeis}, estes sao os -ricos que (enquanto iorr.a.s), sau autêntica' ;u./.cs ;- :.sto (KANT, 1%4: íi\.
O que Kant procura demonstrar-nos, em
exemplos,
é quecada obra de arte o é
pela
sua forma; e esta parece estar sempreligada,
para Kant, ao traço (Abriss) : nas artesplásticas,
o "desenho", nas artes como a mímica, a dansa ou amúsica
(que
se desenvolvem notempo)
a"composição".
Mas se napintura
(por
exemplo)
nem tudo é traço, talsignifica
que aobra comporta ela
própria
elementosambíguos,
que não sabemos dizer se lhepertencem
verdadeiramente ou não, autenticamenteou não. São eles por
exemplo
as cores que, diz Kant, "iluminamo
traço",
maspertencem
à ordem da"atracção"
sensível, e não formal (KANT, 1984: 67). A mesmarelação
ambígua
se estabelece, por sua vez, entre os sons e acomposição.
E Kant acrescenta aindaalguns
outrosexemplos:
as vestes, emrelação
àestátua,
a colunata emrelação
aotemplo,
a moldura emrelação
àpintura.
Estes elementos, quevulgarmente
designamos
como"ornamentos",
podem
contudo "contribuir" para a beleza;podem
"tornar a forma mais exacta, mais precisa, maiscomlpeta
na suaintuição pois,
animando arepresentação
pela
sua atracção,suscitam e mantêm a atenção dada ao
objecto".
Kant sugere entãopara eles a
designação
de parerga, mantendo contudo uma relaçãoambígua
ànoção
algo
perjorativa
de "ornamento",aquilo
queestá a mais, que é realmente
dispensável
ou mesmoprejudicial.
Um elemento de parergon
pode
"trazerprejuízo
à belezaautêntica",
como porexemplo,
diz Kant, no caso da excessiva moldura dourada em torno de umapintura.
0 parergonpode
portanto
decair em ornamento (Schmuck) , e é nessa alturaestranho e
prejudicial
à obra. 0 "verdadeiro" parergon, noentanto, é
aquele
que mantémprecisamente
com a obra umaambígua
relação depertença.
Aquele
que não lhe é absolutamenteestranho,
porque a suarelação
é umarelação
com a forma e seapresenta,
em certamedida,
com um caráctersupletivo,
contribuindo para a sua visibilidade eapreensão.
As vestes da estátua e a colunata dotemplo
estão nessepreciso
lugar
semespessura do traço que delimita a forma e, por isso, fazem e
não fazem parte dela. Tornam visível e invisível, ao mesmo
tempo,
essa linha; revelam-na como olugar
sem espessura ondese une um interior e um exterior. Estão para o corpo
representado e para o
templo,
como a moldura está para oquadro
e
podem
tornar-se excessivos como ela. Mas são também,quando
se mantêm na sua secundaridade
ambivalente,
indispensáveis
àprópria
obra.Ocupando
esse limite que comunga com aprópria
obra são
inseparáveis
dela,
apesar deaparentemente
destacáveis. Ao tornarem visível a forma, tornam visível a unidade da obra, decidindo então
possivelmente
o seu"aparecer"
.0 tema do pareqon torna assim evidente a necessidade
de
delimitação
de umlugar,
inerente a todos os discursos daEstética,
mas oculta por detrás de umaontologia
da obra, quesupõe
a absoluta imanência da sua presença e da suaorigem.
Derrida comenta-o em La Vérité en Peinture: "Esta procura permanente-distinguir
entre o sentidopróprio
ou acircunstância do
objecto
de que se fala-organiza
todos osdiscursos filosóficos sobre a arte, sobre o sentido da arte e sobre o
sentido,
simplesmente,
de Platão aHegel,
Husserl eHeidegger.
Elapressupõe
um discurso sobre o limite entre odentro e o fora do
objecto
de arte, um discurso sobe oquadro"
(DERRIDA,
1978:53).
Esse discurso estápatente
nc temakantiano do parergon . Aí, ele torna-se evidente como discurso
do
limite,
da margem, mas é também elepróprio relegado
para umlugar marginal
do discurso de Kant. Aaposta
poderá
ser a de otornar, na sua
marginalidade própria,
finalmente central; o decompreender
o que, da arte, se decide na margem;compreender
ainevitabilidade de uma
para-obra,
no modo de ser da obra dearte,
cuja
existência aontologia
da obra sempre pensou como uma passagem absoluta do não-ser ao ser. Nessa medida, a para-obra, naprópria
secundaridade que este"para"
sugere, nãoevidenciaria um
suplemento,
mas sim uma falta. "Sem esta falta, diz Derrida, o ergon não teria necessidade de um parergon . Afalta do ergon é a falta de
parergon"
(DERRIDA, 1978: 69) . Naobra há sempre uma falta, o que
quererá
dizer que a obra não seaparecer e a sua visibilidade não se
produzem
semaquilo
que, comopara-obra,
os suscita. A falta que a obracomporta
e que o seu aparecer suscita é talvez a falta de umlugar,
de umacircunscrição,
que a arte não viuconsignada
até àmodernidade,
e que foi
preciso designar.
É a
partir
desteconjunto
depressuposições
que nospropomos
interrogar
sobre a razão de ser de dois elementosmarginais,
estranhos mas sempre afectos à obra de arteplástica:
o título e a assinatura. A sua sistemática presençajunto
da obraafigura-se
a de uma inevitável pertença; amarginalidade
ou mesmo exterioridade da suainscrição
revela-os,
por sua vez, como estranhos à obra; tão mais estranhosquanto
se trataaqui
de dois elementoslinguísticos,
impropriedade
intolerável em relação a um serplástico
da obra.0 tema da
para-obra
tem sido abordado, no querespeita
à obraliterária,
como forma de tratamento eclassificação
de todo umconjunto
deproduções
verbais quefrequentemente
aacompanham,
sendo difícil dizer se fazem ou não
parte
delaenquanto
obra,se fazem ou não corpo com o seu texto. São eles as
introduções,
os
prefácios,
asdedicatórias,
ostítulos,
asepígrafes
o nomedo autor etc..., a que Genette
propôs
chamar"para-texto"
[6]
.Em Seuils, Genette faz uma quase
inventariação
destasproduções
paratextuais,
acentuando que elas possuem "característicasespaciais,
temporais,
substanciais,pragmáticas
e funcionais"(GENETTE,
1987:10).
Oproblema
em relação aopara-texto
écontudo o de saber até onde
pode
ele ser estendido comocategoria pois,
em última análise, como nota Genette, "todo op
decisivo
poderá
ser o da "característicapragmática
dopara-texto",
a que Genette chama,"pedindo
muito livrementeemprestado
esteadjectivo
aos filósofos dalinguagem,
a forçailocutória da sua mensagem" (GENETTE, 1987: 16) . A
pressuposição
de um carácterperformativo
dopara-texto
ou dapara-obra
não parece ser de modoalgum
abusivo, comohipótese
de
investigação,
na medida em que o parergon estáefectivamente
ligado,
na suamarginalidade,
àconstituição
de uma certa unidade da obra, a da suadelimitação.
É sob esta
hipótese
queinterrogaremos,
na margem daobra
plástica,
os elementos do título e da assinatura. Doisnomes que parecem
permitir
à obra o seu acto deenunciação
enquanto obra,
enquanto
presença que deve sersingularizada
eautentif
içada,
para passar a fronteira que separa a arte da nâo-arte. 0 que se passaquando
se intitula uma obra, equando
se assina uma obra? Estas mesmasperguntas
estãopresentes
no comentário de Derrida ao tema do parergon, e também latentes em outros textos que leremos sob estainterrogação
[7]
. Na margemda obra desenham para ela uma
espécie
de moldura, fazendoparte
daquilo
que Butor chamou o seu "halo verbal" (BUTOR, 1969: 9).Louis
Marin,
que comenta asintuições
eexemplificações
de Butor arespeito
de "Les Mots dans la Peinture",atribui,
àquelas
"palavras"
que parecem ter comofunção
nomear a obraenquanto obra, um
lugar fronteiriço,
coincidente com umaforça
performativa
fundamental-o da linha que limita; a do nome que nomeia: "o limite não
possui
espaço, uma vez que a linha sem espessura, infinitamentereduzida,
onde se encontram um interior e um exterior (...) apenas sepropõe
comodiferença
esó é
pensável pela
contiguidade
de dois elementos: ela é oinfinitesimal do seu
espaçamento,
a metonímia que discretamente fere a sua continuidade. A aventuraexpansiva
desteespaçamento
é o efeito
pelo
qual
oquadro
é nomeado" (MARIN, 1971: 65) ."Nomear o
quadro"
é,
neste sentido, fazerapelo
ao nome "arte",como se, suscitar um
lugar
fosse o mesmo que suscitar umadesignação.
0 efeito de imediaticidade da presença da obradepende
talvez daconjunção
destes dois actos num gesto: o de indicar.Indicar,
diz por sua vezLyotard,
comentando uma passagem daPhaenomenologie
des Geistes, "é um movimento, e este movimentoengendra
oaqui
indicado como seu resultado. Pois nenhumaqui
pode
ser indicado em si mesmo, se não forsituado,
posto
emrelação
com outrosaqui,
incluídosportanto
numa
espécie
de 'discurso' mudo, porgestos
dedia-deíctica,
mostrando [como diz
Hegel]
'uma frente, umarectaguarda,
umsuperior,
uminferior,
uma direita e umaesquerda'".
Uma molduradesenha-se,
umlugar
delimita-se e, por estaespécie
de gestopré-signif
icante,
um Da-sein (o da obra de arte)pode
então fazer o seuaparecimento
eproduzir
o seu efeito de presença, deplenitude
e de sentido. Mas a quem pertence estegesto
deindicar,
de mostrar o que nãopode
mostrar-se a simesmo, mas que deve
poder
serdito,
istoé,
serobjecto
de umdiscurso,
de umaaveriguação
e de umadefinição.
A arte semprecompetiu
mostrar,precisamente
poroposição
àlinguagem,
destinada a dizer. Mas a arte não
pode,
justamente,
mostrar-sea si mesma como arte, nem a
linguagem
dizê-la como umacategoria.
É
à nomeação que cabe talvez mostrá-la,precisamente,
como oengendramento
de um nome.Capítulo
I
a Ysteza de urr, nose
consiste,
er nossaopir.ião
ex fazer ver a natureza da coisa.(...,'•
assi",
é para instruir qjs são feitosO nome
próprio:
fonteiralinguística
Nomear é, para todo o
pensamento
darepresentação,
o acto central einaugural
dalinguagem
e do saber.Aquele
quenos
permitiria
falar das coisas, istoé,
aquele
quetransformaria a
linguagem
precisamente
num saber. Daí qae o nomeseja
para todas asideologias
darepresentação
um temacentral,
tãopresente
na reflexão clássicaquanto
nos estudosdo
positivismo
lógico
do início do nosso século. Mesmoquando
ultrapassada
umaconcepção
dalinguagem
como mera nomenclatura,o acto de nomear mantém para nós um valor fundador e um sabor
de
poder,
herdeiro por certo de uma carga míticaprimordial
aquela
quecosmologicamente
identifica nomear e criar-e com a
qual
opensamento
darepresentação
mantém ainda em comum,pelo
menos, a
exigência
de um encontro entre o ser e alinguagem.
Nomear, neste sentido fundador, é
porém algo
que nosestá vedado, não só porque a
língua,
sabêmo-lo, nos é dada comolei,
mas porque na realidade um tal encontro entre aspalavras
e ascoisas,
ou melhor, apossibilidade
referencial dalíngua
não é o resultado de um mero acto de nomeação. Trata-se sim deuma
possibilidade
garantida
pela distribuição
específica
devalores no interior de uma
língua
epela
fixação
de regras para o uso desses valores.Algo
semelhante a essepoder
mítico danomeação,
porém,
parece permanecer nalíngua
como um resto nãogeneralizável
mas apesar de tudopresente
-é o caso dessas
palavras
quevulgarmente
designamos
por nomespróprios.
Nomes
-próprios
-porque intencionalmente escolhidos para
designarem
algo
emparticular,
inimigos
de toda ageneralização,
capazesde isoladamente e imediatamente
presentif
içaremaquilo
quedesignam.
Nomes debaptismos,
que sãofrequentemente
formas deapropriação
e de afecto,pois
são a posse e apaixão
que, nalíngua,
esboçam
sempre teimosamente odesejo
de nomear.Dispensando
ao que parece umamediação
na suarelação
com oreferente e
erguendo-se
fundamentalmente nos universos dedesejo
dosujeito,
o nomepróprio
constitui assim um casolimite da
língua,
algo
que quase parece cair fora da sua lei.Caso
limite,
o nomepróprio
está contudo rodeado deambiguidade quanto
à suapertença
ou ao seurompimento
com ouniverso do
simbólico,
isto é,quanto
à sua natureza (ou não)de
signo.
For um lado, seseguirmos
a tão citadadefinição
deStuart Mill
[1]
,segundo
aqual
o nomepróprio
é um purodenotatum, somos levados a colocá-lo do lado de fora da
linguagem,
uma vez que lhe falta a instância mediadoraindispensável
ao processo da semiosis. Nos termos de StuartMill, o nome
próprio
nãopode
nunca darlugar
à conotação, istoé, não
significa
nada, na medida em que não nomeia oobjecto
emfunção
dequaisquer
atributos e, como tal, nada nos diz sobreele. Por isso os nomes
próprios
nãofigurariam,
porexemplo,
nosdicionários,
o queé,
para umaconcepção
dalíngua
comonomenclatura,
um modo de marcar a sua exterioridade em relaçãoa esse universo da
língua.
Mas, por outro lado, sabemos que èele, o nome
próprio,
que marca para cadasujeito
oprimeiro
passo no sentido da entrada no simbólico,
plenamente
dominantedepois,
quando
se aceita aceder à casa vazia do "eu" comomodalidade de
enunciação.
Nomepróprio,
comofronteira,
uma vezque,
pela
ausência designificado,
escapa ao traço constitutivoda
significação
(entresignificante
esignificado)
e que, porisso mesmo, funciona ainda como marca última de uma identidade, do uno. Daí a ilusão da
propriedade
com que parecedesignar
oseu
objecto,
aimpressão
depoder,
melhor do quequalquer
outronome, falar ainda o real.
Enquanto
limiar detransição
para o universo do simbólico o nomepróprio
éporém,
igualmente,
oprimeiro
prenúncio
daperda
desse real, aprimeira
tentativajá
de a
ultrapassar,
como no caso dosujeito
que, ao dar-se umnome, inicia o processo da sua identidade cindida, a única que
a
linguagem
lhepermite.
Transversal em relação aos pronomespessoais
que o Eu(única
instância deenunciação,
segundo
Benveniste)
organiza
formalmente à sua volta, o nomepróprio
permanece na
língua
como um elemento que resiste aoim-próprio
dos pronomes.
Quando
usado para fazer referência àprimeira
pessoa, istoé,
ao Eu, o nomepróprio,
contudo, não faz mais doque revelar a sua
impropriedade,
transformando esse nome do "eu" num Ele, de quem se fala. Nada de maisimpróprio pois,
ao que parece, do quedesignar-se
a si mesmopelo
seu nomepróprio,
que é sempre o nome do outro, o dosujeito
doenunciado.
Exterior ou interior à
lógica
do simbólico, tal é aambiguidade
constitutiva do nomepróprio,
fenómeno limiar porexcelência. A
particularidade
do seucomportamento
linguístico,
aliás,
é bem a prova dessa suaambiguidade.
Na realidade, aocorrência enunciativa do nome
próprio
parece nãoimplicar
aactualização
dequaisquer
relações
do sistema dalíngua
a nãoser, talvez, a da
oposição
feminimo / masculino.Espécie
de"grau
zero deactualização"
(AA.W., 1980: 81), o nomepróprio
dispensa,
porexemplo,
quaisquer
relações
sintagmáticas,
podendo
funcionar autonomamente, como se a sua vocaçãofundamental fosse a do mero chamamento.
Heidegger,
aliás, referiu-se a ele como sendoprecisamente
um chamamento (Ruf) e, de facto, éfrequente
que os manuais de retórica aconselhem adisseminação
abundante de nomespróprios
(osdaqueles
para quemse fala) como forma de construir um discurso
apelativo
e assegurar o bom êxito dapersuasão.
Com um funcionamento autónomo em
relação
ao sistemada
língua,
o nomepróprio
parece não obedecer sequer àexigência
mínima daconstituição
dosigno pela
ausência de umplano
designificado.
Espécie
designo
incompleto,
queretiraria a sua vida de um
significante
puro, o nomepróprio
dálugar,
não a um processo designificação,
mas a um processo designificância,
ouseja,
ao reenvio de umsignificante
a outrosignificante.
É
o caso, porexemplo,
do textoanagramático
quese constitui
precisamente,
comfrequência,
no terrenoprivilegiado
do nomepróprio.
Estaproliferação
dosignificante
puro do nome
próprio
distingue-se
contudo do processo dasemiosis, no
qual
cada novosigno
acrescenta sempre um saber emrelação
ao anterior; a série designificantes
que o nomepróprio
pode engendrar
assemelha-se antes, de facto, ao textopoético,
maisempenhado
em minar o nosso saber, ou emreinventá-lo num dizer que não
chega
nunca aexplicitá-lo.
Mas, mesmo que não possuasignificado
e que a sua vocaçãoseja
sobretudo a de fazer
proliferar
osignificante,
o nomepróprio
tem tendência a acolher em si, de um modo
igualmente
privilegiado,
o sentido que se constituiaquém
ou além dasignificação
simbólica,
aquele
que nãopossui significante
nalíngua
e que, por isso mesmo se vemfrequentemente alojar
nosignificante
puro do nomepróprio.
Como diz Kristeva, "osignificante
do nomepróprio
comporta-se
como um número, I, quepermite
aosujeito
representar,
desta vez não comoequivalentes
simbólicos mas como
signos,
todas asexperiências
heteróclitas(perceptivas,
coenestésicas,
fantasmáticas,ideológicas,
etc.)que não
puderam
encontrar até aí umasignificação,
mas quepermanecem
"sentidos',
'inomináveis'aquém
dalinguagem"
(AA.W., 1980:63).
Tal é o caso do funcionamento do nomepróprio,
analisado por Kristeva no discurso do borderline,característico do
psicótico.
"O discurso do borderline manterá sempre este estatuto de cicatriz entre o sentido inominável porum lado e o
significante
vazio por outro. Uma cicatriz queconstitui a
categoria
do nomepróprio
e queatinge
estespacientes
habitantes das fronteiras em todas as outrascategorias
earticulações
do discurso" (AA.W., 1980: 63-64).Nome
próprio portanto
como "cicatriz", como "fronteira" entreo nome e o inominável, entre o sentido e a