Um breve relato sobre a biodiversidade presente na
Fazenda Cupido e Refúgio, Linhares - ES
2 A Fazenda Cupido e Refúgio está localizada entre os municípios de Linhares, Sooretama, Vila Valério, e Jaguaré em uma área contígua a Reserva Biológica de Sooretama e a Reserva Natural da Vale do Rio Doce, juntos, esses fragmentos somam mais de 35% das áreas protegidas no Espírito Santo (Anacleto, 1997).
A cobertura vegetal é representada pela Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas, com uma fitofisionomia comumente chamada de floresta de tabuleiro, que se estende desde o Estado do Pernambuco até o Rio de Janeiro, sua área central é imponente, com árvores que superam 30 metros de altura, distribuído do sul da Bahia até o norte do Espírito santo. O termo tabuleiro refere-se à topografia, constituindo uma faixa quase plana com altitudes que variam de 20 a 200 metros acima do nível do mar. É uma formação que ocupa as planícies costeiras, de formação pleistocênica do Grupo Barreiras (IBGE, 2004).
O solo da faixa litorânea é constituído de areias quaternárias de coloração clara (areões da Bahia austral), que suportam a restinga, sendo precedidos na faixa mais próxima do mar pelas baixadas e pelos cordões arenosos quaternários. Caracteriza-se por solos de baixa fertilidade, álicos ou distróficos (IBGE, 2004).
A Floresta Ombrófila Densa cobre cerca de 68% do território do Estado, sob um clima Ombrófilo e dependente de chuva, sem período biologicamente seco durante o ano. As temperaturas médias variam entre 22 e 25ºC.
3 Figura 1: Distribuição original das formações fisionômicas do Estado do Espírito Santo e localização da Fazenda Cupido e Refúgio.
Fonte: IBGE.
Caminhando pelas trilhas próximas à lagoa do Cupido podemos observar espécies de importância ecológica como, por exemplo, o araçá-piranga (Eugenia leitonii D. Legrand.), a grumixama (Eugenia brasiliensis Lam.) e a guabiroba (Campomanesia espiritosantensis Landrum), todas pertencentes a Família Myrtaceae, uma das Famílias mais representativas dos fragmentos estabelecidos na fazenda. Essas espécies possuem frutos que são avidamente procurados pelas aves.
4 fazenda, possui frutos drupóides com uma a três sementes, muito apreciado por cutias (Dasyprocta leporina).
A Família Lauraceae é representada por espécies secundárias ou clímax, que são espécies que se encontram apenas em áreas bem preservadas, como por exemplo a canela-sassafrás (Ocotea odorifera (Vell.) Rohwer). Todas as partes dessa árvore apresentam cheiro característico devido à presença de um óleo essencial conhecido como “safrol”. Além da importância ecológica dessas espécies, há também a importância econômica, pois muitas delas são utilizadas nas indústrias alimentícias e farmacêuticas, entre outras.
A floresta presente na Faz. Cupido e Refúgio apresenta-se com poucas espécies pioneiras em sua composição, principalmente onde o dossel é mais fechado. Espécies como as embaúbas Cecropia pachystachya Trécul., e
Cecropia hololeuca Miq., só podem ser observadas nas bordas das matas ou em clareiras dentro do fragmento.
Dentre as espécies de palmeiras (Família Arecaceae), podemos citar o palmito-amargoso (Polyandrococos caudescens (Mart.) Barb. Rodr.), espécie de suma importância para a fauna local, onde seus frutos são consumidos por várias espécies de animais. Espécies de distribuição mais ampla, mas não menos importante, como por exemplo o jerivá (Syagrus romanzoffiana
(Cham.) Glassman), o palmito-juçara (Euterpe edulis Mart.), a macaúba (Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart.), e o coco (Cocos nucifera L.), também apresentam ocorrência no local e podem ser observados no interior das matas.
Vivemos uma época de grandes transformações nos conceitos e paradigmas, principalmente em relação ao agronegócio, entre conflitos advindos da ocupação do solo e do manejo dos recursos naturais em área de potencial conservacionista. As Unidades de Conservação são uma boa estratégia para a preservação da biodiversidade, sendo adotado pela maioria das nações mundiais como a principal forma de garantir a proteção dos recursos naturais.
A Faz. Cupido e Refúgio apresenta cerca de 62% do seu território com cobertura vegetal nativa, sendo que 10% dessa área foi plantada como forma de subsídio e suporte para a conservação.
mamão-5 papaia (Carica papaya L.), abacaxi (Ananas comosus (L.) Merr.), entre outras espécies frutíferas. Além do convívio mais pacífico entre os animais e as atividades agrícolas, a integração da seringueira com outras espécies frutíferas favorece a atração de aves frugívoras, aumentando assim a dispersão das sementes. Essa contribuição, se comparado à monocultura, é de suma importância para a manutenção do solo pois, além do controle às erosões, a composição dos nutrientes também se mantém equilibrada.
E por falar em aves, quem visita a Faz. Cupido e Refúgio pode facilmente observar o mutum-de-bico-vermelho ou mutum-do-espírito-santo (Crax blumembachii). Essa ave encontra-se na Lista de Animais em extinção (IUCN) na categoria em perigo – EN.
O mutum passa boa parte do tempo forrageando a serapilheira em busca de alimento, tais como sementes e frutos caídos, pequenos animais como insetos, aranhas, centopeias e caracóis. Possui também o hábito de buscar frutos nas árvores e comê-los no chão, fazendo o papel de um grande dispersor de sementes. É uma espécie endêmica da Mata Atlântica, habita florestas preservadas de áreas quentes e úmidas, e sua distribuição restrita do sul da Bahia ao norte do Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
Foto 1: Mutum-de-bico-vermelho (fêmea) (Crax blumenbachii).
Foto 2: Mutum-de-bico-vermelho (macho) (Crax blumenbachii).
Em poucos minutos caminhando por uma trilha com cobertura vegetal em estágio avançado de regeneração, com árvores emergentes, apresentando mais de 30 metros de altura, observamos o benedito-de-testa-amarela (Melanerpes flavifrons).
6 estende-se da Bahia e Minas Gerais até o Rio Grande do Sul, sudoeste do Mato Grosso e Goiás.
Foto 3: Benedito-de-testa-amarela (Melanerpes flavifrons) em busca de alimento no tronco.
Seguindo a trilha próximo à lagoa, uma espécie de tucano deu o ar das graças, o araçari-de-bico-branco (Pteroglossus aracari), facilmente identificável pela faixa branca na maxila, contrastando com o negro da mandíbula, além de uma faixa vermelha na região, que o diferencia de outras espécies do seu grupo.
7 Foto 4: Araçari-de-bico-branco (Pteroglossus aracari) em uma copa emergente.
Outra espécie de ave que também pode ser avistado rapidamente na Faz. Cupido e Refúgio é o surucuá-grande-de-barriga-amarela ou capitão-do-mato (Trogon viridis), apresentam os olhos escuros de coloração marrom com um anel claro periocular de coloração azulada. Apresentam tons de azul escuro que contrastam com o ventre amarelo.
Sua dieta é basicamente frutos e insetos, que são capturados diretos das árvores tanto no interior das florestas altas como nas bordas ou capoeiras. A espécie pode ser encontrada tanto na Amazônia como na Mata Atlântica, do Pernambuco até Santa Catarina.
8 Registramos também a choca-de-sooretama (Thamnophilus ambiguus), uma espécie exclusiva da Mata Atlântica que ocorre do sul de Sergipe até o Rio de janeiro, leste de Minas Gerais e no vale do rio Doce. Habita as bordas de formações primárias e secundárias nas florestas de tabuleiro e clareiras no interior das matas.
Foto 6: Choca-de-sooretama (Thamnophilus ambiguus) registrado na Faz. Cupido e Refúgio. Foto: Samuel Betkowski.
Moradores locais relatam a presença de jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris) na lagoa do Cupido, porém a visualização dar-se-á somente no período noturno, sendo possível a observação através do reflexo dos olhos, quando encontrados, utilizando-se de lanternas.
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Registro Fotográfico
Foto 1: Entrada da Fazendo Cupido e Refúgio. Foto 2: Placa informativa da Fazenda Cupido e Refúgio.
Foto 3: Placa informativa da Fazenda Cupido e Refúgio – cultivo de cacau.
10 Foto 5: Vista geral do sistema agroflorestal
composto por indivíduos de Theobroma cacao e Hevea brasiliensis.
Foto 6: Vista geral do sistema agroflorestal composto por indivíduos de Theobroma cacao e Hevea brasiliensis.
Foto 7: Vista geral da lagoa do Cupido e, ao fundo, fragmento de mata de tabuleiro em estágio avançado de regeneração.
Foto 8: Vista geral da lagoa do Cupido e, ao fundo, fragmento de mata de tabuleiro em estágio avançado de regeneração.
Foto 9: Vista geral da lagoa do Cupido e, ao fundo, fragmento de mata de tabuleiro em estágio avançado de regeneração.
11 Foto 11: Vista geral da lagoa do Cupido e, ao
fundo, fragmento de mata de tabuleiro em estágio avançado de regeneração.
Foto 12: Vista geral da lagoa do Cupido e, ao fundo, fragmento de mata de tabuleiro em estágio avançado de regeneração.
Foto 13: Vista geral da lagoa do Cupido. Foto 14: Vista geral da lagoa do Cupido.
Foto 15: Vista da margem da lagoa – o solo favorece o registro de pegadas de capivaras, tatu-galinha e tatu-canastra, entre outros.
Foto 16: Vista da margem da lagoa – o solo favorece o registro de pegadas de capivaras, tatu-galinha e tatu-canastra, entre outros.
Foto 17: Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas (tabuleiro), em estágio avançado de regeneração.
12 São Paulo, 11 de maio de 2016
Pedro Ventura Zacarias Biólogo – Vegetação CRBio: 97.524/01-D
Fone: (011) 94254-2486 / 98616-9223
Email: pedro@ambiens.com.br / pvzacarias@gmail.com
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