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Rev. Saúde Pública vol.31 número1

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Academic year: 2018

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1 Rev. Saúde Pública, 31 (1): 1-2, 1997

Editorial

Editorial

O jornalismo científico e a clonagem

The scientific journalism and the cloning

nalista científico ele nunca foi. Como homem de letras, carregado de emocionalidade e com um espírito facilmente arrastável pelo fluxo de seus próprios discursos, monstrou-se de-cididamente incapaz de aceitar sua profun-da ignorância nos campos profun-da ciência. Não há dúvida que foi capaz de erguer-se, com aquela teimosia própria do Irlandês, com tor-rentes de talento e uma boa dose de propa-ganda, a culminâncias tais que passou a ser conhecido pelas iniciais de seu nome, G. B. S. Mas quando alguém se iça a tão vertigi-nosas alturas, não como um verdadeiro jor-nalista, mas como alguém que se fazia ler pela sua celebridade, se não possui vastas e sólidas reservas de discrição, tende a resva-lar no intrometimento. E foi exatamente essa preciosa qualidade frenadora que faltou a G. B. S. quando se intrometeu pelo campo da ciência, onde seus magníficos tropeços dei-xaram a descoberto sua enorme ignorância. Passou-se o tempo, mas ainda hoje proli-feram exemplos com idênticas característi-cas, mas obviamente, menor celebridade, exemplos esses que acabam nos deixando um doloroso desconforto, pelo desencanto de suas opiniões.

Vem isto a propósito do que se tem lido e ouvido a respeito do processo de clonagem, cujas origens já datam de acerca de 40 anos. Foi no ano de 1960 que começaram sendo feitas descobertas fundamentais que faziam já antever todo um novo mundo, de que tan-to se fala e escreve nos nossos dias.

George Bernard Shaw, por alguns anos, dedicou-se ao jornalismo, como critíco de arte, literatura, música e, curiosamente, tam-bém no campo da ciência. Como crítico cien-tífico aproveitou, logo, para lançar seu farpão sarcástico sobre o que ele chamou de insig-nificância científico-filosófica da teoria da Seleção Natural.

Shaw lança às faces serenas dos cientis-tas a acusação de que, ao final das concientis-tas, o que eles conseguem, como escravos do la-boratório, é esconder, de todos e até de si próprios, os seus insucessos. Curiosamente, seu longo e sarcástico arrazoado resultava da convicção de que ele próprio era, tam-bém, homem da ciência, pois perante a Ci-ência, com letra maiúscula, dizia ele, todos são iguais pelo pouco saber, oceânica igno-rância e hipóteses efêmeras.

A qualidade da obra literária de Shaw e seu estilo emocional e cortante acabaram transformando-se em armas de fácil manejo para propor ou impor, à aceitação do públi-co, algumas de suas extravagantes idéias so-bre o que é a ciência. Não lhe faltou também audácia para proclamar que os poetas e ar-tistas marcham sempre na vanguarda dos homens de laboratório e, quando esses últi-mos se salientam, são realmente verdadei-ros artistas da ciência...

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jor-Não estamos nem perto do que alguém possa suspeitar de nosso antagonismo fren-te ao noticiário falado e escrito, em geral. Não, de modo algum, quando se diz “de um modo geral”. Mas, “de modo específico”, como é o presente caso, há que ter enorme cuidado, amparado em conhecimentos fun-damentais, não técnicos, mas dos princípios básicos em que se apóia a técnica da clo-nagem. Considerando as implicações de bioética subjacentes e emergentes dessa téc-nica, é necessário que a comunidade de ci-dadãos tenha uma opinião válida a respeito e receba portanto informações necessárias, mas corretas. Tais informações não devem carrear quaisquer tipos de regras de condu-ta, mas, antes, devem expor os dados bioló-gicos, explicar a natureza das questões éti-cas envolvidas e analisar as diversas solu-ções possíveis. Colocar, permanentemente, o cidadão a par do quanto o progresso cien-tífico vai pondo à sua disposição é obrigató-rio, não desprezando uma informação para-lela a respeito da qual ele deve pensar cons-tantemente: uma coisa é ciência que produz idéias, outra, bem diferente, é tecnologia que produz resultados.

Uma coisa foram os progressos científi-cos sobre a energia nuclear, outra coisa foi a bomba atômica: os cientistas não têm qual-quer responsabilidade na sua produção e no

seu uso. Uma coisa são os progressos feitos pela ciência no vasto campo da genética molecular, com vistas a diminuir a freqüên-cia de genes prejudifreqüên-ciais capazes de condi-cionar a manifestação de doenças de fundo genético, outra coisa, bem diferente, é a clo-nagem de seres humanos, com vistas ao apri-moramento eugênico de raças. E disto já te-mos dolorosas lembranças, quando se pensa no trágico e imoral uso da eugenia. Quem vai fazer a escolha da raça que deverá ser mais forte, mais inteligente, mais fraca, me-nos inteligente? Quem vai fazer a escolha de quem vai ser clonado para tal e tal tipo de função dentro da sociedade? Estamos fazen-do meras considerações fantasiosas! Em ju-nho do passado ano, na cidade de Strasburgo, a UNESCO fez realizar uma convenção para regulamentar a técnica de clonagem de di-versas espécies, vegetais e animais, incluin-do o homem. Com esse último estará defini-tivamente proibido qualquer tipo de clona-gem. Voltando ao processo informativo escrito ou falado, lamentavelmente, nada se disse ou escreveu sobre a reunião da UNESCO, como sobre os esforços que a comunidade de cientistas, juristas e cidadãos, nos Comitês de Bioética, estão fazendo para que as recentes tecnologias de genética molecular venham a ser usadas para o bem e não para o mal.

José Alberto Neves Candeias

Editor Associado

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