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Da MP 759 a Lei /17 - os novos rumos da regularização fundiária no Brasil

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Academic year: 2021

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Da MP 759 a Lei 13.465/17 - os novos rumos da regularização fundiária no Brasil

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Por Tarcyla Fidalgo Ribeiro¹

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Em 22 de dezembro de 2016, foi publicada a Medida Provisória nº 759, que versava sobre a regularização fundiária no Brasil. Ao alterar 19 leis sobre o tema, esta normativa promoveu uma ruptura substancial com o modelo até então aplicável no Brasil, pretendendo cuidar de todas as peculiaridades que a regularização fundiária pode assumir em um país de dimensões continentais e diferenças regionais marcantes como o nosso. Neste sentido, tratou das hipóteses de regularização fundiária urbana de interesse social – Reurb-S e interesse específico – Reurb-E, bem como de regularização fundiária em áreas rurais e na Amazônia legal.

No âmbito específico da regularização fundiária urbana, ao revogar todo o capítulo III da Lei nº 11.977/09, a referida Medida Provisória deixava de abarcar institutos que, até aquele momento, vinham sendo considerados como fundamentais para o sucesso das políticas de regularização, provocando lacunas que pareciam trazer mais prejuízos do que benefícios à prática da regularização no país.

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direcionamento para os casos que se enquadrassem nas hipóteses de aplicação de tal instrumento.

Estas supressões e ausências, que, em um primeiro momento, chamaram a atenção pela brusca ruptura que representavam à continuidade da política de regularização fundiária nacional, foram sendo, em sua maioria, parcialmente mitigadas ao longo do processo legislativo que culminou com a promulgação da Lei nº 13.465, em 12 de julho de 2017.

Se, por um lado, estas mitigações, ainda que parciais, partiram de um esforço de setores militantes envolvidos com o tema, por outro, parecem ter sido adotadas como estratégia para permitir a aprovação de uma pauta altamente perigosa e alinhada a interesses capitalistas, em especial aqueles ligados ao capital financeiro e imobiliário, pauta esta que estava presente no texto original da Medida Provisória e encontrou grande resistência no próprio Poder Legislativo.

Desta pauta, podemos mencionar como principais pontos a autorização para a alienação indiscriminada do patrimônio fundiário público a partir do instrumento da legitimação fundiária, o fim da obrigatoriedade da adoção de medidas de urbanização e acompanhamento social em áreas de baixa renda e a remuneração dos cartórios, mesmo no primeiro registro de áreas de baixa renda, a partir do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social.

A seguir faremos um breve esforço de análise dos principais pontos sobre os quais a Medida Provisória nº 759 era silente, mas que foram retomados na redação final da Lei nº 13.465/17, seu desenvolvimento ao longo do processo legislativo e sua conformação final no novo marco normativo sobre o tema.

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provisória gerava forte insegurança jurídica ao não indicar um rumo exegético para seu intérprete e aplicador.

Para além do déficit técnico que a falta do conceito representava, esta ausência reforçava a ruptura com o regime anterior, também presente em outros pontos da medida provisória, como a mudança de nomenclaturas, de conceitos sobre o território e de princípios norteadores da regularização fundiária.

Entretanto, durante o processo legislativo, em decorrência da articulação entre setores sociais e técnicos ligados à questão fundiária, foi incluído no artigo 9º da Lei nº 13.465/17 um conceito simplificado de regularização fundiária, que, no entanto, não incorporou exatamente as disposições garantistas dos direitos dos moradores presentes na legislação anterior.

Outro silêncio marcante na Medida Provisória se referia ao instrumento da demarcação urbanística, previsto no artigo 47, III, da Lei nº 11.977, de 2009, e considerado um avanço na prática da regularização fundiária pelo país.

A demarcação urbanística é um procedimento administrativo no qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses. A partir destes levantamentos, seria possível a expedição de auto de demarcação urbanística, a ser registrado em cartório, possibilitando a obtenção, pelos moradores, do título de legitimação de posse, que, por sua vez, os permitiria adquirir a propriedade do imóvel após cinco anos.

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A Medida Provisória nº 759, ao suprimir a demarcação urbanística, mantendo, no entanto, a legitimação de posse, permitia uma aplicação pontual e seletiva do instituto, além de deixar sua aplicação ao arbítrio da Administração, com prejuízo importante para seu aspecto garantista. Mais uma vez, graças às lutas e tensionamentos da sociedade civil e instituições que lidam com a questão fundiária, alterações no texto realizadas no curso do processo legislativo evitaram este retrocesso, garantindo a previsão da demarcação urbanística em termos semelhantes àqueles anteriormente previstos pela Lei nº 11.977/09 (artigo 19 e seguintes da Lei 13.465/17).

Além do conceito de regularização e do instrumento da demarcação urbanística, outra ausência importante percebida no texto original da Medida Provisória era a do conceito de urbanização. Aqui, para além da questão técnica da ausência terminológica, nota-se que a regularização fundiária foi completamente dissociada das medidas de urbanização – que sequer foram citadas no texto da Medida Provisória, cuja exigência, presente na Lei nº 11.977, de 2009, mostrava-se indispensável para que a regularização fundiária pudesse atuar como um instrumento de garantia de direitos dos moradores de áreas irregulares, e não apenas como um meio de formalização jurídica e registral dos imóveis.

No curso do processo legislativo, houve a inclusão de tímidas menções à urbanização e implantação de infraestrutura urbana na seção dedicada ao projeto de regularização fundiária (artigo 35 e seguintes). Entretanto, a avaliação quanto à necessidade e adequação de medidas desta natureza é deixada, na nova lei, ao arbítrio da Administração Municipal, sem qualquer balizamento mais específico. Esta conformação tem potencial de se revelar problemática, na medida em que abre margem para a titulação de áreas precárias sem qualquer obrigação de melhoria das condições urbanísticas, que se revelaria o real ganho para os moradores. Mais uma vez, parece se revelar o objetivo precípuo do novo marco normativo: o de garantir uma titulação extensiva, dissociada de medidas que garantam a segurança da posse e a melhoria das condições de vida dos habitantes de áreas irregulares.

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regularização, situação mantida durante todo o trâmite legislativo e no texto final da Lei nº 13.465/17. A constatação não parece estranha se analisarmos o próprio contexto de elaboração da Medida Provisória, que também não contou com a oitiva da sociedade ou de instituições reconhecidas por seus trabalhos com o tema. No entanto, esta ausência não pode deixar de ser destacada, pois vai de encontro ao espírito da própria Constituição Federal de 1988, que, em diversas passagens, deixa claro seu compromisso com a valorização crescente da participação popular na gestão pública, incluindo aí a gestão das cidades.

Por fim, na tentativa de montar um breve quadro analítico das principais ausências da Medida Provisória nº 759 e seus desdobramentos ao longo do processo legislativo até a sanção da Lei nº 13.465/17, destaca-se a ausência, na referida MP, de qualquer disposição sobre as Zonas de Especial Interesse Social – ZEIS, dada a revogação dos dispositivos sobre o tema previstos na Lei nº 11.977, de 2009.

Não se pode perder de vista que as ZEIS, mais do que uma mera formalidade no zoneamento das cidades brasileiras, consistem no principal instrumento de proteção dos imóveis objeto de regularização fundiária de interesse social. Isto porque alguns imóveis regularizados podem estar sujeitos a pressões do mercado imobiliário dada sua localização, de modo que a vedação de qualquer outro uso que não o de habitação de interesse social, promovida pela sua demarcação como ZEIS, consistia na principal barreira a estas investidas.

Essa “barreira” formada pelas ZEIS se mostra como elemento fundamental na defesa da segurança da posse dos moradores contra o fenômeno da remoção promovida pelo mercado, seja devido ao aumento do custo de moradia da região, seja pela falta de informação quanto à valorização dos imóveis, que, por vezes, faz com que os moradores sejam seduzidos por ofertas abaixo do seu real valor de mercado pós-regularização.

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As “ausências” da Medida Provisória e suas parciais mitigações no texto da Lei nº 13.465/17, sancionada ao final do processo legislativo, não podem ser vistas de forma dissociada da promoção de uma nova diretriz no âmbito fundiário, que privilegia a titulação com base na propriedade privada, com objetivo declarado de promoção de uma suposta aceleração econômica que seria consequência da adoção desta diretriz.

Ao lado das ausências parcialmente mitigadas no curso do processo legislativo de conversão que deu origem à Lei nº 13.465/17, foram incluídos novos dispositivos e instrumentos, que vão ao encontro de um modelo de regularização fundiária voltado para a titulação com base na propriedade privada nos termos mais amplos e rápidos possíveis, ainda que se contrapondo a determinações existentes em outras legislações. Dentre eles, os que parecem ter maior impacto são a legitimação fundiária, o direito de laje e a regulamentação de condomínio urbano simples.

Na legitimação fundiária, a nova lei cria uma forma de aquisição originária da propriedade até então inédita no ordenamento jurídico nacional. Com ela, o poder público ganha o poder de conferir a propriedade de área pública ou privada a quem integrar núcleo urbano informal (sejam integrantes de alta ou baixa renda) até 22 de dezembro de 2016.

Dada sua forma e abrangência, parece que a nova lei a erigiu à condição de principal instrumento deste novo modelo de regularização fundiária que se pretende ver implantado. Neste sentido, cabe destaque o fato de que só há a exigência de cumprimento de condições – como a de não ser proprietário de outro imóvel – para os casos de regularização fundiária de interesse social. A adoção de regime mais gravoso para a regularização de interesse social causa estranhamento à primeira vista, mas faz sentido em um contexto de prioridade à titulação inclusive de áreas mais abastadas, nas quais o tipo de condicionante anteriormente apresentado traria entraves significativos.

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“andar” pertenceria a pessoa distinta, não sendo possível o estabelecimento de um condomínio nos seus moldes tradicionais.

Apesar de sua função discursiva, tal instituto já nasce com graves questionamentos sobre sua natureza, em um viés mais técnico, e sobre sua efetividade. Dentre as principais controvérsias estão (i) uma possível interpretação que restringe o número de andares regularizáveis, o que dificultaria sua aplicação nos núcleos urbanos informais mais verticalizados, como as favelas situadas na zona sul do Rio de Janeiro; (ii) dificuldades relacionadas com as obrigações dos moradores em relação às áreas comuns, visto que a lei estabelece um modelo diverso e de gerenciamento mais difícil em relação ao condomínio edilício; (iii) ausência de previsão a respeito da responsabilidade técnica sobre as construções, o que pode levar o ente público a conceder títulos de propriedade a pessoas que estão sob risco de vida em suas habitações.

Por fim, nesta breve análise dos principais dispositivos do novo marco normativo sobre a regularização fundiária no país, Lei nº 13.465/17, não se pode deixar de tratar da mais uma vez inovadora regulamentação do que a lei chamou de “condomínios urbanos simples”, que nada mais são do que o reconhecimento das chamadas “casas de cômodos” ou cortiços.

Sem qualquer dispositivo que submetesse a regularização à alguma medida de aferição da habitabilidade destes locais – ao contrário, dispensando a apresentação de habite-se para as hipóteses de regularização de interesse social – a nova lei permite a titulação individual de cômodos (!!!) sob esta inovadora e perversa forma de condomínio.

Referências

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