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A responsabilidade civil do agente público por danos causados ao contribuinte MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

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Academic year: 2018

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Eduardo Salam acha

A responsabilidade civil do agent e público por danos causados

ao cont ribuint e

MESTRADO EM DI REI TO TRI BUTÁRI O

(2)

Eduardo Salam acha

A responsabilidade civil do agent e público por danos causados

ao cont ribuint e

MESTRADO EM DI REI TO TRI BUTÁRI O

Dissertação apresentada à Banca Exam inadora da Pont ifícia Universidade Católica de São Paulo, com o exigência parcial para obt enção do t ít ulo de Mest re em Direit o Tribut ário, sob a orient ação do Prof. Dr. Paulo de Barros Carvalho.

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Dados internacionais de catalogação na publicação Bibliotecária responsável: Isamara Rabello.

Salamacha, Eduardo

A responsabilidade civil do agente público por danos causados ao contribuinte / Eduardo Salamacha. - São Paulo, 2014.

117f.; 30 cm.

Orientador: Paulo de Barros Carvalho.

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Bibliografia: f. 117.

1. Contribuinte (Direito tributário) – Brasil. 2. Brasil -

Servidores públicos – Disciplina. I. Carvalho, Paulo de Barros. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. III. Título.

(4)

Banca Examinadora

____________________________

____________________________

(5)

Agradeço, primeiramente e acima de tudo à Deus, por toda a força concedida para realizar os estudos do Mestrado e este trabalho de dissertação, e, em segundo lugar, à minha família – José Eli, Consuelo, Roberto e Shogun – pelo apoio financeiro, moral e pelo companheirismo ao longo dos quase três anos de estudos no Mestrado.

Agradeço também à todos os professores da PUC-SP, em especial ao Professor Paulo de Barros Carvalho, que me orientou ao longo de todo este trabalho, dando-me a convicção e certeza de que estava seguindo o caminho certo.

Agradeço também aos professores Tácio Lacerda Gama e Fabiana Del Padre Tomé, que também me auxiliaram a lapidar o trabalho na banca de qualificação.

(6)

SALAMACHA, Eduardo. A responsabilidade civil do agente público por danos causados ao contribuinte. 2014. 114 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo, 2014.

O presente trabalho tem como objetivo buscar fundamentos jurídicos para sustentar-se a possibilidade de responsabilização civil direta do agente público por danos causados ao contribuinte. Primeiramente, são estabelecidas as premissas constitucionais (noção de sistema e princípios constitucionais relacionados ao tema) e infraconstitucionais (origem, conceito de responsabilidade civil e suas espécies, aprofundando-se em determinados pontos essenciais ao entendimento do tema). Após isso, são explicadas as questões específicas da responsabilidade civil da administração pública e alguns casos práticos que tangem o objeto deste trabalho (já que as decisões sobre o tema em si são extremamente escassas na jurisprudência pátria), comentando-se com base principalmente nas premissas constitucionais propostas, para, ao final, concluir-se pela possibilidade de aplicação das normas gerais de responsabilidade civil ao agente público pelos danos que ele causar ao contribuinte, com base nos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais apresentados ao longo do trabalho.

(7)

SALAMACHA, Eduardo. The civil responsibility of the public servant for damages caused to the taxpayer. 2014. 114 f. Dissertation (Master in Law) Pontifícia Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo, 2014.

The present work’s objective is to find legal basis to sustain the possibility of civil responsibilization of the public servant for damages caused to the taxpayer. First, we establish some constitutional (notion of system and constitutional principles related to the subject of this paper) and infraconstitutional premises (origin, definition of civil responsibility and its species, studying deeply some essential points necessary to understand properly the subject of this work). After this, we explain specific matters of the civil responsibility of the public administration and some cases that are very close to the subject of this work (considering that judicial decisions in this area are extremely scarce in Brazilian jurisprudence), commenting them based mainly in the constitutional premises proposed, so that, in the end, we conclude that it is possible to apply the general civil responsibility rules to any public servants that cause damage to the taxpayers, based on the constitutional and legal principles and norms presented throughout this work.

(8)

INTRODUÇÃO ... 11

2 SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO ... 13

2.1 CONCEITO DE SISTEMA E CONCEPÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO COMO SISTEMA ... 13

3 PREMISSAS CONSTITUCIONAIS PARA O CORRETO

ENTENDIMENTO DO TEMA ... 16

3.1 OS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ... 16

3.2 O CONCEITO DE PRINCÍPIO ... 18

3.3 O PRINCÍPIO REPUBLICANO ... 20

3.4 O PRINCÍPIO DA MORALIDADE ... 22

3.5 O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ... 23

3.6 O PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO ... 24

3.7 O § 6° DO ARTIGO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL ... 26

4 A RESPONSABILIDADE CIVIL ... 28

4.1 ORIGEM DO VOCÁBULO RESPONSABILIDADE E BREVE

HISTÓRICO SOBRE O TEMA ... 28

4.2 RESPONSABILIDADE JURÍDICA E RESPONSABILIDADE MORAL ..

... 30

4.3 OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE ... 31

4.4 DEVER JURÍDICO SUCESSIVO E ORIGINÁRIO ... 31

4.5 AS VÁRIAS “CLASSIFICAÇÕES” OU “ESPÉCIES” DE

RESPONSABILIDADE ... 32

4.5.1 Responsabilidade civil X responsabilidade penal ... 32

(9)

5 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA –

ESTUDO APROFUNDADO DE SEUS PRESSUPOSTOS (OU

ELEMENTOS) ... 38

5.1 A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA ... 38

5.1.1 Considerações preliminares ... 38

5.1.2 A conduta culposa ... 39

5.1.2.1 A conduta – gênero – e suas espécies – ação ou omissão ... 39

5.1.2.2 A imputabilidade ... 40

5.1.2.3 A culpa lato sensu, dolo, culpa, culpa strictu sensu, e suas modalidades ... 42

5.1.2.4 As espécies de culpa ... 45

5.1.3 O Nexo Causal ... 49

5.1.3.1 Conceito ... 49

5.1.3.2 Teoria da Equivalência dos Antecedentes ou das Condições ... 50

5.1.3.3 Teoria da Causalidade Adequada ... 51

5.1.3.4 Teoria da Causalidade Direta e Imediata (ou dos Danos Diretos e Imediatos) .... ... 52

5.1.3.5 Concorrência de responsabilidades (ou concorrência de causas) ... 53

5.1.3.6 Concausas ... 53

5.1.3.7 Exclusão do Nexo Causal – fato exclusivo da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior ... 54

5.1.4 O dano ... 56

5.1.4.1 Dano patrimonial ... 57

5.1.4.2 Dano moral ... 59

5.2 A RESPONSABILIDADE OBJETIVA ... 64

5.2.1 Breve histórico do surgimento, teorias sobre o risco e atual panorama no direito positivo vigente no Brasil. ... 64

5.2.2 As cláusulas gerais de responsabilidade civil ... 66

5.2.2.1 O abuso do direito como ato ilícito ... 67

5.2.2.2 Responsabilidade pelo desempenho de atividade de risco ... 69

(10)

... 75

6.1 AS VÁRIAS TEORIAS QUE FUNDAMENTAM A

RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O § 6°

DO ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ... 75

6.2 O AGENTE PÚBLICO - CONCEITO E SUAS ESPÉCIES ... 79

7 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO AGENTE PÚBLICO POR

DANOS CAUSADOS AO CONTRIBUINTE ... 82

7.1 FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO AGENTE PÚBLICO ... 82

7.1.1 Fundamentos constitucionais da responsabilidade civil do agente público . ... 82

7.2 FUNDAMENTOS INFRACONSTITUCIONAIS DA

RESPONSABILIDADE CIVIL DO AGENTE PÚBLICO – DISPOSIÇÕES

DO CÓDIGO CIVIL – POSSIBILIDADES DE RESPONSABILIZAÇÃO

CIVIL OBJETIVA E/OU SUBJETIVA – IRRELEVÂNCIA PRÁTICA ... 87

7.2.1 Vantagens da responsabilização civil do agente público... 90

7.2.2 Insuficiência da responsabilidade do ente público ... 90

7.2.3 O efeito preventivo ... 90

7.2.4 O efeito na harmonia entre os poderes ... 91

7.2.5 O efeito moralizador ... 92

7.3 SUPOSTAS DESVANTAGENS – QUESTÃO DE REFERENCIAL –

DESVANTAGEM SOMENTE PARA O AGENTE PÚBLICO X

VANTAGEM PARA TODA A SOCIEDADE ... 93

7.4 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA E COMENTÁRIOS SOBRE

CASOS CONCRETOS ... 94

7.4.1 Apreensão de ônibus por agente público - dano moral caracterizado ... 95

(11)

7.4.4 Inclusão indevida da parte em polo passivo de Execução Fiscal, quebra de sigilo bancário e inclusão em cadastros de restrição de crédito – dano moral ... 100 7.4.5 Crime de Excesso de Exação – dano moral e material ... 101

7.5

ANÁLISE DA QUANTIFICAÇÃO DO DANO ESPECIFICAMENTE EM

MATÉRIA TRIBUTÁRIA ... 105

7.5.1 Delimitação do que se enquadra como “Auto de Infração absurdo”, “erro crasso”, “erro grosseiro do agente fiscal”, etc. – requisitos para incidência da norma de responsabilidade civil ... 105 7.5.2. Delimitação dos critérios jurídicos para quantificação do dano em matéria tributária ... 106

7.6 A NECESSIDADE DE PROVOCAÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA

MUDANÇA DA CULTURA DE ARBITRARIEDADE EM NOSSO PAÍS ...

... 110

CONCLUSÃO ... 111

(12)

INTRODUÇÃO

A ideia sobre o tema desta dissertação surgiu durante alguns estudos no exercício da advocacia, e principalmente na leitura de um artigo do professor Hugo de Brito Machado chamado “A responsabilidade pessoal do agente público por danos causados ao contribuinte” 1, tratando justamente (como o próprio título destaca) da responsabilização de agentes públicos pelos danos causados aos contribuintes. Como já diz o velho adágio, “a parte mais sensível no corpo do homem é o bolso”, e nada melhor do que uma punição financeira aos agentes públicos para começarmos a corrigir a mentalidade de 3° mundo que prevalece em praticamente todas as repartições públicas em nosso país.

Diante disso, o objetivo da dissertação é encontrar fundamentos jurídicos na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional que demonstrem de forma cabal que há de fato base legal para a responsabilização dos agentes públicos que causarem danos aos contribuintes.

Os objetivos específicos da pesquisa são: estudar o texto da Constituição Federal e a legislação infraconstitucional, para fundamentar juridicamente a possibilidade de responsabilizar-se o agente público pelos danos causados aos contribuintes, para que se comece a modificar a mentalidade medieval e arbitrária da grande maioria dos agentes públicos – sobretudo os servidores públicos – de nosso país, que defendem somente os interesses fazendários – e não o interesse público primário (esse raciocínio será aprofundado oportunamente).

Justifica-se, pois, o presente trabalho, já que visa solucionar, por meio de argumentação jurídica abalizada, a situação de injustiça vivenciada há anos pelos contribuintes que, além de pagar seus tributos ao Estado, acabam muitas vezes gastando fortunas com advogados tributaristas no contencioso (tanto administrativo como judicial) para combater as arbitrariedades do Fisco, em todas as esferas.

A Metodologia utilizada para levantamento das informações foi a mesma utilizada para basicamente qualquer produção científico-jurídica: estudo da legislação pátria sobre o tema, estudo da doutrina pátria e da jurisprudência, bem

1 Disponível em:<<

(13)

como estudos da legislação de doutrina de outros países, utilizando-se o Direito Comparado como base para formulação dos raciocínios jurídicos da dissertação.

Importante ressaltar que este tema não é discutido com muita profundidade na doutrina. Todos os livros e manuais que tratam dessa matéria (que envolve vários “ramos” do Direito em seu estudo) apenas abordam rapidamente sobre a possibilidade de o cidadão/contribuinte responsabilizar objetivamente o Estado e a possibilidade de ação regressiva deste contra o agente público causador do dano, nos casos de comprovação de dolo ou culpa (em sentido estrito). Não se aprofunda muito sobre os princípios constitucionais que envolvem a questão nem tampouco sobre as consequências da possibilidade de responsabilização direta do agente público, bem como não se atenta para o fato de que todo agente público, antes de ser agente público, em um Estado Republicano, é um cidadão comum, sem poderes absolutos ou privilégios como nos Estados Absolutistas. Esses e outros pontos que tangem a questão serão abordados neste trabalho.

(14)

2 O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

2.1 CONCEITO DE SISTEMA E CONCEPÇÃO DO ORDENAMENTO

JURÍDICO COMO SISTEMA

Para compreensão do raciocínio que se pretende traçar no presente trabalho, a noção do conceito de sistema é essencial.

Geraldo Ataliba2 já mencionava sobre a importância de tal noção há mais de 40 anos: “O estudo de qualquer realidade – seja natural, seja cultural – quer em nível científico, quer didático, será mais proveitoso e seguro, se o agente é capaz de perceber e definir o sistema formado pelo objeto e aquele maior, no qual este se insere”.

Tal autor propõe de modo bem objetivo a definição de sistema, e, posteriormente, define sistema normativo. Seguem abaixo transcritas as elucidativas conclusões feitas pelo autor ao final do 1° capítulo de sua já citada obra:

1 – Sistema é o conjunto unitário e ordenado de elementos, em função de princípios coerentes e harmônicos.

2 – Sistema normativo é o conjunto unitário e ordenado de normas, em função de uns tantos princípios fundamentais, reciprocamente harmônicos, coordenados em torno de um fundamento comum.

3 – Os sistemas não são formados pela soma de seus elementos, mas pela conjugação harmônica deles. Os sistemas normativos são formados pela composição hierarquizada e sistemática das normas que o compõem.3

Tais noções são plenamente aplicáveis ao esclarecimento do objeto do nosso estudo, sobretudo a noção de que os sistemas não são formados pela

soma de seus elementos, mas pela conjugação harmônica deles. Esta é, portanto,

uma das premissas usadas como base para a delimitação do objeto a ser estudado. Assim, o que se está propondo é, por meio da noção de sistema, realizar-se uma série de cortes epistemológicos para delimitação do tema a ser estudado, sempre se levando em conta que os sistemas normativos podem ser divididos em outros subsistemas. Tais subsistemas compõem o sistema “global” não pela sua soma, mas sim pela conjugação recíproca e harmônica dos seus elementos, como já dizia Geraldo Ataliba.

2 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais,1966. p. 4.

(15)

As lições de Geraldo Ataliba, ainda que antigas, permanecem muito atuais, sendo inclusive citadas pelos grandes nomes do Direito Tributário em nosso país, tal como o ilustre Paulo de Barros Carvalho, que expõe tal legado nas seguintes palavras:

Dentre os muitos legados que a obra fecunda de Geraldo Ataliba nos deixou, está a necessidade premente de partirmos do Texto Constitucional para podermos compreender as devidas proporções do sistema tributário brasileiro. Sem uma tomada de posição consciente à respeito das diretrizes sobranceiras estabelecidas pela Lei Suprema, fica difícil, para não dizer impossível, isolarmos a planta básica dos tributos, percebendo as peculiaridades de um subdomínio normativo cuja complexidade vem crescendo numa velocidade espantosa. 4

Como o tema a ser estudado é a responsabilidade civil do agente público pelos danos causados ao contribuinte, será necessário estudar não só o subsistema tributário (do qual necessariamente temos que partir da Constituição Federal), mas também algumas normas e institutos jurídicos do subsistema cível e do subsistema administrativo (usa-se aqui o termo “subsistemas” por serem divisões do sistema jurídico “global”).

Oportuna aqui a ressalva de José Eduardo Soares de Melo:

O estudo e a compreensão do Direito Tributário não podem ser realizados de forma unilateral e isolada das inúmeras regras integrantes de demais segmentos jurídicos, uma vez que as normas tributárias incidem e recaem sobre uma infinidade de preceitos e institutos do universo jurídico, de natureza civil, comercial, trabalhista, previdenciária, etc. (...) , em consequência do que se pode claramente conceber que o estudo do Direito Tributário obriga, necessariamente, ao conhecimento das demais regras do ordenamento jurídico.5

É justamente por essa interdependência entre as normas do direito positivo (que apenas didaticamente é dividido em vários ramos), que Paulo de Barros Carvalho pondera a questão nos seguintes termos:

Com efeito, a ordenação jurídica é uma e indecomponível. Seus elementos – as unidades normativas – se acham irremediavelmente entrelaçados pelos vínculos de hierarquia e pelas relações de coordenação, de tal modo que tentar conhecer regras jurídicas isoladas, como se prescindissem da totalidade do conjunto, seria ignorá-lo, enquanto sistema de proposições prescritivas. Uma coisa é certa: qualquer definição que se pretende há de

4 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 4.ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 215

(16)

respeitar o princípio da unidade sistemática e, sobretudo, partir dele, isto é, dar como pressuposto que um número imenso de preceitos jurídicos, dos mais variados níveis e dos múltiplos setores, se aglutinam para formar essa mancha normativa cuja demarcação rigorosa e definitiva é algo impossível.6

Por estas razões que se pode afirmar com clareza que a autonomia dos ramos do Direito somente existe para fins didáticos, posto que todas as normas e princípios do ordenamento jurídico encontram-se inevitavelmente interligadas.

Por esse motivo, será preciso estudar alguns institutos e conceitos específicos de Direito Civil e Administrativo – bem como vários princípios e conceitos de Direito Constitucional – para que se possa estudar a responsabilidade do agente público por danos causados ao contribuinte.

Assim, em um primeiro corte, visualiza-se a Constituição Federal como um todo (sistema normativo constitucional); num segundo corte, o conjunto de normas constitucionais direta ou indiretamente relacionadas com a responsabilidade civil dos agentes públicos (sistema constitucional tributário composto das normas que se referem direta ou indiretamente à responsabilidade civil dos agentes públicos) – é este conjunto o objeto principal de nosso estudo. Os nomes dados aos sistemas são apenas para elucidar que há vários subsistemas dentro de cada sistema, podendo o jurista fatiar a realidade a ser estudada – desde que de forma lógica e coerente – como quiser. Vale frisar que neste último sistema – objeto deste estudo – estão presentes elementos do Direito Tributário, do Direito Civil, Administrativo, e Constitucional, de modo interligado.

“Fatiando-se” o todo, delimita-se o objeto do trabalho.

Assim, feita esta abordagem inicial, resta delimitado o objeto de estudo do presente trabalho: inicialmente, estudar-se-ão algumas premissas constitucionais essenciais para o correto entendimento do tema. Em seguida, será estudada a responsabilidade civil de modo genérico, traçando-se um panorama geral de tal tema em nosso ordenamento jurídico; logo após, abordar-se-á, com base nas premissas e conceitos inicialmente estudados, a questão da responsabilidade do agente público genericamente, com foco especial para os danos causados ao contribuinte.

Prossigamos, pois, ao desenvolvimento do tema em si.

(17)

3 PREMISSAS CONSTITUCIONAIS PARA O CORRETO

ENTENDIMENTO DO TEMA

3.1 OS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Dispõe o artigo 3° da Constituição Federal:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Conforme se depreende da exegese do dispositivo acima transcrito, observa-se que o Constituinte Originário elegeu quatro objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Nos cursos de Direito Constitucional em geral, os autores passam muito rapidamente por estes incisos, e nas demais áreas do Direito raramente são mencionados.

A desatenção a estes objetivos (que são verdadeiros princípios constitucionais) é bastante preocupante, pois estes dispositivos servem como base para formulação de raciocínios para contestar-se inúmeros atos normativos ilícitos, que ferem o objetivo de toda a ordem constitucional estabelecida.

Devem, a nosso ver, ser interpretados como “sobreprincípios”, para utilizar o termo de Paulo de Barros Carvalho7 ao se referir aos princípios constitucionais que entende serem os mais relevantes (segurança jurídica, certeza do direito, igualdade, liberdade e justiça).

Segue abaixo a análise individualizada de cada um destes quatro objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

(18)

Para que se possa construir uma sociedade livre, justa e solidária, as leis devem ser justas, e devem, acima de tudo, favorecer a livre iniciativa e o empreendedorismo (são os empreendedores que criam empregos e pagam tributos, gerando riqueza para o país).

Sob o prisma da responsabilidade dos servidores públicos, por exemplo, um direito positivo (incluam-se aí não só a legislação, mas também todas as decisões proferidas tanto no âmbito administrativo como no judicial) que isente de responsabilidade os agentes públicos que cometem atos danosos ao patrimônio dos particulares, como lavraturas de Autos de Infração indevidas, ou exigências burocráticas não previstas em lei, afrontaria a construção de uma sociedade justa.

II – garantir o desenvolvimento nacional;

O desenvolvimento de uma nação somente ocorre quando o Poder Público cria condições favoráveis para que os empreendedores ajam dentro de seu país. Não há outro meio de prosperar no mundo globalizado. Sem empresas pagando tributos não há sequer como continuar com programas “geradores de renda” (na realidade, mantenedores de mendigos que se tornam eternos pedintes) para famílias pobres, como divulgam alguns políticos (Família”, “Bolsa-Escola”, etc.).

É dever do Estado (em sentido amplo) criar leis – e aplicá-las – de modo a conceder aos empreendedores um clima de tranquilidade e sossego, bem como conferir aos agentes públicos a responsabilidade devida em suas ações. Em especial, no tocante à seara tributária, é obrigação e dever dos Auditores Fiscais ter a certeza de uma dívida antes de lavrar um auto de infração, sob pena de responderem pessoalmente pelos ônus financeiros gerados às empresas (honorários de advogados tributaristas e peritos contadores) para derrubar as autuações indevidas.

(19)

em lei, pela lentidão nos serviços prestados, e pela falta de eficiência em sua função, teríamos com toda a certeza um país muito melhor.

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Para que a pobreza e a marginalização sejam erradicadas, bem como as desigualdades sociais e regionais se reduzam, é preciso fomentar o desenvolvimento econômico por meio das mesmas medidas anteriormente citadas, incentivando o empreendedorismo. A responsabilização do agente público por danos causados aos contribuintes sem dúvida nenhuma diminuiria sensivelmente a quebra de empresas por conta de autuações fiscais indevidas, e os auditores fiscais teriam muito mais cuidado e zelo no momento de lavarem autos de infração.

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O bem de todos passa, necessariamente, pelos mesmos direitos e garantias anteriormente citados, e principalmente por direitos iguais para todos os

cidadãos – independente de ser ou não agente público.

Não há qualquer sentido em responsabilizar-se apenas o Estado pelos danos causados aos cidadãos/contribuintes, posto que em última instância, quem estará suportando o dano será toda a população, pelo erro de uma pessoa individualizada. Se determinado indivíduo aceitou os bônus de ser agente público, que aceite então também os ônus.

Como estes objetivos servem como norte para as ações dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), deve-se sempre tê-los em mente no momento de interpretarem-se as normas jurídicas infraconstitucionais e também as próprias normas constitucionais.

3.2 O CONCEITO DE PRINCÍPIO

(20)

alguns princípios constitucionais que são essenciais para a análise da questão proposta neste trabalho.

Importante a ressalva de Paulo de Barros Carvalho, que pondera que

Em direito, utiliza-se o termo “princípio” para denotar as regras de que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma.8

Essas várias acepções do vocábulo “princípio” acabam tornando muitas vezes um pouco confusa a palavra.

Os mais diversos autores buscam conceituar este instituto jurídico. Roque Antonio Carrazza define princípio fazendo relação com o conceito de sistema:

Princípio é o começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é, ainda, a pedra angular de qualquer

sistema.9.

Já para Regina Helena Costa,

Princípios jurídicos são normas de maior hierarquia, autênticas sobrenormas que orientam a interpretação e a aplicação das demais, sinalizando seu alcance e sentido. Efetivamente, os princípios constituem normas a cuja plasticidade devem amoldar-se toda a interpretação e aplicação efetuadas no campo do Direito. 10

Assim, – ensina José Artur Lima Gonçalves, citando Celso Antônio Bandeira de Mello – que

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu

8 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 4.ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 265.

9 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso deDireito Tributário. 28.ed. revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n° 68/2011. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 45.

(21)

arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustém e alui-se toda a estrutura nelas esforçada11 (grifos nossos).

Essa força normativa superior dos princípios, muitas vezes ignorada por nossos doutrinadores, é essencial para que se mantenha a coerência lógica de qualquer sistema jurídico, e não pode, portanto, ser desprezada, sob pena de subversão de todo o ordenamento.

Tal noção é plenamente aplicável a todos os ramos do Direito, e, com especial importância na área tributária, onde os princípios têm a função de frear o poder de tributar do Estado.

Assim, a análise dos princípios constitucionais abaixo realizada será essencial para a correta compreensão do tema desta dissertação, posto que serão estes princípios que nortearão a possibilidade de responsabilização dos agentes públicos pelos danos causados aos contribuintes..

3.3 O PRINCÍPIO REPUBLICANO

O princípio republicano encontra fundamento no artigo 1° da Constituição Federal, bem como em seu próprio preâmbulo e é a base de todo o ordenamento jurídico brasileiro, juntamente com o princípio federativo (eis o nome República Federativa do Brasil). Geraldo Ataliba12 já ressaltava tal questão: “No Brasil os princípios mais importantes são os da federação e da república. Por isso, exercem função capitular da mais transcendental importância, determinando inclusive como se deve interpretar os demais, cuja exegese e aplicação jamais poderão ensejar menoscabo ou detrimento para a força, eficácia e extensão dos primeiros.”

O princípio republicano traduz-se em vários postulados. O primeiro é a ideia da separação e independência entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, contrapondo-se, por isso aos regimes absolutistas, onde tais poderes concentram-se na mão de um só indivíduo – o rei (ou monarca).

11 GONÇALVES, José Artur Lima Gonçalves. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais, São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 46.

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É justamente por isso que tal princípio determina a tripartição dos poderes, de modo que um poder limite o outro. Assim, quem faz as leis (Legislativo) não as aplica, e quem as aplica (Executivo) não as faz; ainda, em caso de dúvida sobre a sua aplicação, um terceiro poder – o Judiciário – determinará qual a correta interpretação da lei.

Sobre a separação dos poderes, Paulo de Barros Carvalho explica que:

O conceito da separação dos poderes designa princípio de organização política que, mediante a repartição de competências jurídicas, estrutura órgãos com funções específicas. No ordenamento brasileiro, o assunto encontra-se disciplinado expressamente, no artigo 2° da Constituição da República, nos termos do qual “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. 13

Além da separação dos poderes, outra questão essencial que decorre do princípio republicano é a responsabilidade que o exercente de determinada função pública possui perante os cidadãos.

As ponderações de Ataliba esclarecem a questão:

Regime republicano é regime de responsabilidade. Os agentes públicos respondem pelos seus atos. Todos são, assim, responsáveis. (...) João Barabalho, de seu lado, já asseverava “É da essência do regime republicano que quem quer que exerça uma parcela do poder público tenha a responsabilidade desse exercício; ninguém desempenha funções políticas por direito próprio; nele, não pode haver invioláveis e irresponsáveis, entre os que exercitam poderes delegados pela soberania nacional”. (...)

A responsabilidade é a contrapartida dos poderes em que, em reazão da representação da soberania popular, são investidos os mandatários. É lógico corolário da situação de administradores, lato sensu, ou seja,

gestores de coisa alheia. Dalmo Dallari assevera: “Todos os que agirem, em qualquer área ou nível, como integrantes de algum órgão público ou exercendo uma função pública devem ser juridicamente responsáveis por seus atos e omissões.”.14

Nos dias de hoje, contudo, não temos, na prática, uma verdadeira República em nosso país, mas sim um Estado quase que Absolutista, pois se considerarmos os poderes do Presidente da República de legislar por meio de MP (Medida Provisória), bem como seu poder de escolher os membros do STF, o domínio dos votos da massa de pobres e miseráveis por meio de programas como o

13 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 4.ed., São Paulo: Noeses, 2011. p. 293.

(23)

“Bolsa-Família” e o “Fome Zero”, falta apenas destruir-se a limitação da reeleição por apenas uma vez para o cargo de Presidente da República, para, a meu ver, vivermos numa verdadeira Monarquia.

É absolutamente necessário, portanto, que se possa responsabilizar os agentes públicos pelos atos danosos que estes pratiquem em relação aos cidadãos/contribuintes, para que se comece a corrigir a situação atualmente existente em nosso país, de reiteradas e cotidianas violações ao princípio republicano.

3.4 O PRINCÍPIO DA MORALIDADE (MORALIDADE ADMINISTRATIVA - LEALDADE E BOA-FÉ - RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO AGENTE PÚBLICO QUE AGIR COM DESLEALDADE OU MÁ-FÉ)

O princípio da moralidade administrativa está previsto expressamente no artigo 37, caput, da Constituição Federal, e é explanado de forma

brilhante por Celso Antônio Bandeira de Mello. O excerto abaixo transcrito é um pouco longo, mas merece transcrição por sua clareza cristalina:

De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação,

porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do

artigo 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente

encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Perez em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.

Márcio Cammarosano, em monografia de indiscutível valor, sustenta que o princípio da moralidade não é uma remissão à moral comum, mas está reportado aos valores morais albergados nas normas jurídicas. Quanto a nós, também entendendo que não é qualquer ofensa à moral social que se considerará idônea para dizer-se ofensiva ao princípio jurídico da moralidade administrativa, entendemos que este será havido como transgredido quando houver violação a uma norma de moral social que traga consigo menosprezo a um bem juridicamente valorado. Significa, portanto, um reforço ao princípio da legalidade, dando-lhe um âmbito mais compreensivo do que normalmente teria. 15.

(24)

Observa-se, portanto, que a moralidade está intimamente ligada aos princípios da boa-fé e lealdade da administração pública, servindo como reforço, de certo modo, ao princípio da legalidade, e dando-lhe uma interpretação mais ampla.

Assim, nos casos em que houver lavratura de autos de infração com manifesta má-fé e sem fundamento – fato corriqueiro em cidades do interior, onde a fiscalização tributária é usada como retaliação aos inimigos políticos que fiscalizam as ações e licitações do Poder Público Municipal – ofende-se o princípio da moralidade administrativa, sendo necessária a responsabilização pessoal do agente público para que se resolvam estas espécies de problema, já que somente a responsabilização do Município não corrige o problema, acabando por ocorrer novamente inúmeras e inúmeras vezes o mesmo tipo de situação.

3.5 O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

O princípio da eficiência é algo, com pouca ou nenhuma efetividade, sobretudo em razão da estabilidade de boa parte dos agentes públicos assegurada por lei.

Todo empreendedor sabe que, para que se tenha efetivamente um sistema eficiente de prestação de serviços (e é isso que é a máquina estatal, seja ela considerada no âmbito municipal, estadual ou federal), uma das questões essenciais é a possibilidade de irem sendo cortados os piores funcionários, bem como estabelecidas remunerações variáveis, de modo a conceder-se bônus somente em caso de cumprimento de metas.

Infelizmente o modo como as leis administrativas foram concebidas em nosso país, a máquina estatal acabou ficando “engessada”, sendo a eficiência mero discurso.

(25)

3.6 O PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO

Paulo de Barros Carvalho explana que o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é uma

Diretriz implícita, mas de forte e profundo poder de penetração em todas as regras de direito público, exalta a superioridade dos interesses coletivos sobre os do indivíduo, como instrumento valioso e para coordenar as atividades sociais, num ambiente de ordem e respeito ao de todos os súditos. É um dos postulados essenciais para a compreensão do regime jurídico-administrativo e está presente em capítulos importantíssimos do Direito Tributário.16

Na realidade, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é um dos princípios mais utilizados para fundamentação de decisões judiciais que flagrantemente afrontam os direitos do contribuinte, devido à sua incorreta interpretação. Essa prática é ainda mais forte nas decisões (sejam administrativas ou judiciais) que envolvam simultaneamente agentes públicos e a relação jurídico-tributária, de modo a fazer prevalecer o interesse fazendário sobre o interesse público em si.

De qualquer modo, para que se compreenda corretamente este princípio, é preciso entender o que é exatamente o dito interesse público.

Valemo-nos aqui da preciosa lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por José Artur Lima Gonçalves, que também tece alguns comentários igualmente brilhantes, para explanar a questão, relacionando o interesse público e o interesse fazendário em seu raciocínio:

Perante o texto constitucional, o interesse fazendário é subordinado e inferior ao interesse público.

Doutrinariamente, esse necessário discernimento foi feito por Celso Antônio Bandeira de Mello, que propôs distinção entre interesse público primário e secundário: “Interesse público ou primário é o pertinente à sociedade como um todo e só ele pode ser validamente objetivo, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que afina tão só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada, e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarnar-se pelo simples fato de ser pessoa”. (...) “Para exemplificar o importante discrímen entre um e outro, comparem-se as seguintes hipóteses. Se o Estado causar danos a terceiros

(26)

e indenizá-los das lesões infligidas estará revelando-se obsequioso ao interesse público, pois é isto o que determina o art. 37, § 6° da Constituição. Se tentar evadir-se a este dever de indenizar (mesmo consciente de haver produzido os danos) estará contrariando o interesse público, no afã de buscar um interesse secundário, concernente apenas ao aparelho estatal: interesse de subtrair-se a despesas (conquanto devidas) para permanecer mais ‘rico’, menos onerado patrimonialmente, lançando, dessarte, sobre ombros alheios os ônus que o Direito pretende sejam suportados por todos. Tal conduta não é de interesse público, pois interesses secundários só podem ser satisfeitos quando coincidirem com interesses primários.17

A responsabilização dos agentes públicos por danos causados aos contribuintes é nitidamente um interesse primário, posto que é do interesse de todo cidadão que qualquer pessoa, seja ou não agente público, repare os danos que causar a outrem, para que se resguardem os direitos fundamentais de todo indivíduo; logo, justamente por ser um interesse público primário, deverá prevalecer sempre sobre o interesse público secundário do Estado em isentar de responsabilidades seus agentes públicos, para que possa arrecadar mais e mais, ainda que restem desrespeitados os diretos fundamentais dos cidadãos/contribuintes, como nos casos das cobranças de tributos baseadas em Autos de Infração flagrantemente nulos.

Enquanto interesse público primário, a responsabilização dos agentes públicos que causarem danos aos cidadãos/contribuintes deve prevalecer também sobre o interesse privado que cada um dos agentes fiscais tem em permanecer exercendo sua função com total isenção de responsabilidade (posto que, na prática, o Estado – que conforme veremos na sequência, é quem à princípio poderia cobrar dos agentes por meio de ação regressiva – raramente cobra o ressarcimento por conta de sua responsabilidade objetiva).

Portanto, fica claro que responsabilização do agente público por danos causados ao contribuinte vai ao encontro do interesse público primário, devendo este prevalecer sobre interesses secundários (como é o interesse fazendário), e também sobre o interesse privado do agente fiscal de ver-se isentado de responsabilidade por seus erros.

(27)

3.7 O § 6° DO ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL

Os princípios anteriormente comentados apenas norteiam a questão (alguns com maior intensidade, outros com menor, é verdade); contudo há na Constituição Federal dispositivo específico tratando da questão da responsabilidade civil do Estado, e também da responsabilidade do próprio agente público. Trata-se do § 6° do artigo 37 da Carta Magna, abaixo transcrito:

Art. 37 (...)

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Por meio da análise do dispositivo acima transcrito, em conjunto com os demais princípios constitucionais, depreende-se que há sim possibilidade de responsabilização civil dos agentes públicos que causarem danos a terceiros (cidadãos/contribuintes).

Isso não é novidade, e Geraldo Ataliba já sustentava tal posicionamento:

O dever de indenizar em ação regressiva por dano causado por ato ilícito aplica-se aos agentes executivos, inclusive presidente e ministros, nos casos de culpa ou dolo (art. 37, § 6°). Nada há que os faça, como monarcas do absolutismo, civilmente irresponsáveis.18.

Roque Antonio Carrazza, por sua vez aprofundou um pouco mais o raciocínio, mas mantendo a mesma linha de pensamento norteada pelo princípio republicano:

Os chefes do Executivo respondem, também civilmente, pelos danos que, no exercício de suas funções públicas, causarem a terceiros.

Em outras palavras, podem ser chamados, perante os Tribunais, a indenizar as pessoas a quem acarretaram prejuízos, por dolo ou culpa (cf. art. 37, § 6°, da Constituição Federal).

(...)

Ressaltamos que a parte final do parágrafo em foco prevê a responsabilização do próprio servidor que, por dolo ou culpa, causou danos a terceiro. (...) Aqui chegados, é o caso de indagarmos: o terceiro lesado pode acionar diretamente o funcionário causador do dano, abrindo mão de responsabilizar o Estado? Pode, se preferir, acionar a ambos? Pensamos que sim.

(28)

Outorga-se aí, ao particular lesado, um direito contra o Estado, o que evidentemente não significa que, por tal razão, se lhe esteja retirando o de acionar o funcionário. A atribuição de um benefício jurídico não significa subtração de outro direito, salvo quando com ele incompatível. Por isso, “a vítima pode propor ação contra o Estado, contra o funcionário, a sua escolha, ou contra ambos, solidariamente, sendo certo que se agir contra o funcionário deverá provar culpa ou dolo, para que prospere a demanda” (Osvaldo Aranha Bandeira de Mello, Direito Administrativo Brasileiro, vol. II, Rio de Janeiro, Forense, 1974, pp.

481-482).19.

Por meio da análise do trecho acima transcrito, fica claro que a responsabilidade do Estado será sempre objetiva (independe de culpa), sendo a do funcionário, à princípio, subjetiva (depende da existência de dolo/culpa).

Tais conceitos merecem um estudo aprofundado, para que se compreenda exatamente o que é a responsabilidade civil enquanto instituto jurídico e também da responsabilidade civil especificamente em relação ao Estado, para que posteriormente, aí sim, se possa aprofundar o raciocínio em torno da responsabilização civil do agente público por danos causados ao contribuinte. Por ora, apenas deve-se ter em mente a existência de previsão constitucional da possibilidade de responsabilização do agente público pelos danos causados ao contribuinte.

Passemos, pois, à análise da responsabilidade civil de modo aprofundado.

(29)

4 RESPONSABILIDADE CIVIL – NOÇÕES GERAIS

4.1 ORIGEM DO VOCÁBULO

RESPONSABILIDADE

E

BREVE HISTÓRICO

SOBRE O TEMA

Os vários cursos de Direito Civil tratam do tema responsabilidade sempre fazendo o devido alerta inicial para as várias acepções do vocábulo responsabilidade.

Carlos Roberto Gonçalves, por exemplo, explica que

A palavra responsabilidade tem sua origem na raiz latina spondeo, pela qual

se vinculava o devedor, solenemente, nos contratos verbais do direito romano. Dentre as várias acepções existentes, algumas fundadas na doutrina do livre-arbítrio, outras em motivações psicológicas, destaca-se a noção de responsabilidade como aspecto da realidade social.

Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como ato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil20.

Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho,

A palavra ‘responsabilidade’ tem sua origem no verbo respondere,

significando a obrigação que alguém tem de assumir com as consequências jurídicas de sua atividade, contendo, ainda, a raiz latina de spondeo,

fórmula através da qual se vinculava, no Direito Romano, o devedor nos contratos verbais.21

Assim, pode-se dizer que responsabilidade é um termo que

expressa a ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano.

O conceito de responsabilidade, tal como o Direito, é mutável, e foi evoluindo ao longo do tempo.

Nos primórdios das civilizações, a responsabilização das pessoas que causavam danos aos outros era realizada por meio de verdadeiras vinganças

20 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.1. v. 4.

(30)

coletivas, onde a maioria dos indivíduos de determinado grupo simplesmente puniam da forma que entendiam adequada quem infringia as regras do grupo.

Posteriormente, observou-se a fase da vingança privada, prevalecendo a famosa Lei de Talião, sintetizada na célebre frase “olho por olho, dente por dente”.

Após a estruturação das sociedades e da presença de uma autoridade pública (inicialmente nas antigas “Cidades-Estado” gregas), as vinganças privadas foram sendo abrandadas, passando-se a realizar-se a composição dos conflitos por meio de prestações em dinheiro. O intuito era efetivamente reparar o dano, ao invés de causar o duplo dano, com a retaliação da vítima contra o ofensor.

Essa reparação do dano foi cristalizada com a Lex Aquilia de damno,

que determinava que o patrimônio do indivíduo causador do dano suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da coisa. Surgia aí um rudimento da noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de modo que o agente se não seria responsabilizado nos casos em que não restasse caracterizada a culpa em sua conduta.

Assim, passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente, sendo, pois, a Lex Aquilia de damno, a lei responsável por estabelecer as bases da

responsabilidade civil extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo, com base no valor do dano causado.

Com a gradual evolução das civilizações (e também do próprio Direito), paulatinamente o Estado passou a intervir nos conflitos privados cada vez mais, fixando o valor dos prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, e renunciar à vingança. Essa composição permaneceu no direito romano com o caráter misto – de (1) pena privada e também de (2) reparação – pois não existia uma distinção nítida entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal.

(31)

4.2 RESPONSABILIDADE JURÍDICA E RESPONSABILIDADE MORAL

Importante ressaltar também que a responsabilidade tratada neste trabalho, todavia, é a responsabilidade sob o prisma jurídico, que não se confunde com a responsabilidade moral, pois nesta, não há qualquer tipo de possibilidade de imposição de sanção legal em caso de descumprimento de determinada obrigação moral (Ex: dívida de jogo); já, naquela (responsabilidade jurídica), há, em caso de descumprimento da obrigação – jurídica – a possibilidade da vítima acionar o Poder Judiciário para que ocorra a reparação do dano (seja ela na esfera cível, penal ou administrativa).

No caso da responsabilidade moral, haverá no máximo uma sanção “social” em relação à pessoa (Ex: um pai gritar de forma deselegante com seu filho num jantar de um clube social, por uma conduta inadequada do filho à mesa), onde as demais pessoas demonstrarão descontentamento, gerando a perda de prestígio de tal pessoa perante aquele grupo em que convive, mas além disso, nada ocorrerá.

O ilustre Rui Stoco, citando Aguiar Dias, explica a questão da seguinte forma:

Para Aguiar Dias “a responsabilidade pode resultar da violação, a um tempo, das normas, tanto morais, como jurídicas, isto é, o fato em que se concretiza a infração participa de caráter múltiplo, podendo ser, por exemplo, proibido pela lei moral, religiosa, de costumes ou pelo direito. Isto põe de manifesto que não há reparação estanque entre as duas disciplinas. Seria infundado sustentar uma teoria do direito estranha à moral. Entretanto, é evidente que o domínio da moral é muito mais amplo que o do direito, a este escapando muitos problemas subordinados àquele, porque a finalidade da regra jurídica se esgota com manter a paz social, e esta só é atingida quando a violação se traduz em prejuízo.”22

A responsabilidade jurídica, por si só, já demanda inúmeras subdivisões e classificações, tratadas na sequência deste trabalho.

(32)

4.3 OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE

Como é cediço, é costumeiro que os diversos doutrinadores civilistas em nosso país dediquem em seus cursos um volume específico somente sobre responsabilidade civil.

Um dos conceitos tradicionalmente apresentados é a diferença entre obrigação e responsabilidade.

O conceito civil de obrigação ajuda a explicar o que é a responsabilidade civil: esta é simplesmente uma consequência do não cumprimento daquela (obrigação).

Carlos Roberto Gonçalves expõe a questão de modo bastante didático:

Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação. Corresponde a uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório (extingue-se pelo cumprimento), cujo objeto consiste numa prestação economicamente aferível.

A obrigação nasce de diversas fontes e deve ser cumprida livre e espontaneamente. Quando tal não ocorre e sobrevém o inadimplemento, surge a responsabilidade. Não se confundem, pois obrigação e responsabilidade. Esta só surge se o devedor não cumpre

espontaneamente a primeira. A responsabilidade é, pois, a consequência jurídica patrimonial do descumprimento da relação obrigacional. 23.

Assim, fica claro que a responsabilidade somente existirá nos casos em que alguma obrigação não tenha sido cumprida. Tendo sido cumprida a obrigação, não há que se falar em responsabilização, já que esta tem como pressuposto o descumprimento daquela.

4.4 DEVER JURÍDICO SUCESSIVO E ORIGINÁRIO

A explicação sobre dever jurídico sucessivo e dever jurídico originário é outra explicação tradicional nos manuais, que objetiva o instituto da responsabilidade civil. Trata-se de conceber a obrigação como um dever jurídico originário, que, caso não seja cumprido, acarretará uma consequência jurídica, denominada de dever jurídico sucessivo, ou simplesmente responsabilidade civil.

(33)

Explicações de conceitos relacionados entre si é, de fato, um dos modos de esclarecer determinados institutos jurídicos.

4.5 AS VÁRIAS “CLASSIFICAÇÕES” OU “ESPÉCIES” DE

RESPONSABILIDADE

A doutrina divide o instituto jurídico da responsabilidade em várias “classificações” ou “espécies” (de acordo com a denominação que cada autor dá a estas divisões). Sérgio Cavalieri Filho ressalta que

Se, como atrás ficou dito, a responsabilidade tem por elemento nuclear uma conduta voluntária violadora de um dever jurídico, torna-se, então, possível dividi-la em diferente espécies, dependendo de onde provém esse dever e qual o elemento subjetivo dessa conduta.24

Estas divisões não são tão somente didáticas, mas possuem profundos efeitos pragmáticos, conforme se verá abaixo.

4.5.1 Responsabilidade civil x responsabilidade penal

Não há propriamente uma diferença substancial entre o ilícito civil e o ilícito penal. Conforme ressalta Cavalieri Filho

No caso do ilícito penal, o agente infringe uma norma penal, de Direito Público; do Direito Civil, a norma violada é de Direito Privado.

A separação entre uma e outra ilicitude atende apenas a critérios de conveniência ou de oportunidade, afeiçoados à medida do interesse da sociedade e do Estado, variável no tempo e no espaço.25.

Na realidade, essa distinção hoje existente entre ilícito penal e civil, ainda que apenas por critérios de conveniência ou oportunidade, que variam de acordo com o interesse da sociedade e do Estado, nem sempre ocorreu, pois entre os romanos não existia qualquer distinção entre as duas responsabilidades, começando a surgir de modo bastante sutil e leve após o advento da Lex Aquilla,

sendo a diferenciação nítida criada somente muitos séculos depois (não há

24 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 13.

(34)

propriamente um marco histórico, um divisor de águas nítido da ocorrência dessa diferenciação).

Nos dias de hoje, a diferença entre a responsabilidade penal e civil consiste basicamente nos seguintes pontos, conforme exposto por Gagliano e Pamplona Filho:

Na responsabilidade civil, o agente que cometeu o ilícito tem a obrigação de reparar o dano patrimonial ou moral causado, buscando restaurar o status quo ante, obrigação esta que, se não for mais possível, é convertida no

pagamento de uma indenização (na possibilidade de avaliação pecuniária do dano) ou de uma compensação (na hipótese de não se poder estimar patrimonialmente este dano), enquanto, pela responsabilidade penal ou criminal, deve o agente sofrer a aplicação de uma cominação legal, que pode ser privativa de liberdade (ex: prisão), restritiva de direitos (ex: perda da carta de habilitação de motorista) ou mesmo pecuniária (ex: multa).26

Há ainda a possibilidade de responsabilização administrativa (funcional), que será comentada oportunamente, em um dos capítulos subsequentes, que diz respeito tão somente à perda do cargo que o agente público ocupa devido à pratica de algum ato ilícito.

Importante ressaltar que um só ato ilícito pode ter repercussão nas várias esferas (cível, penal e administrativa), de acordo com o enquadramento da conduta nas normas específicas de cada um destes ramos do direito positivo, acionando, consequentemente, diversas normas de responsabilização simultaneamente.

4.5.2 Responsabilidade contratual x responsabilidade extracontratual

Outra tradicional e relevante divisão doutrinária é a distinção da responsabilidade entre contratual e extracontratual (ou aquiliana). A primeira, como o próprio nome dá a entender, decorre de contrato firmado entre as partes; já a segunda decorre de expressa disposição legal em tal sentido.

De forma bastante didática, Cavalieri Filho explica a questão nos seguintes termos:

(35)

Quem infringe dever jurídico lato sensu, já vimos, de que resulte dano a

outrem fica obrigado a indenizar. Esse dever, passível de violação, pode ter como fonte uma relação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de contrato, ou, por outro lado, pode ter por causa geradora uma obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou pela própria lei.

É com base nessa dicotomia que a doutrina divide a responsabilidade civil em contratual e extracontratual, isto é, de acordo com a qualidade da violação. Se preexiste vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é consequência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo; se esse dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou absoluto.27

Essa divisão da responsabilidade civil segue a doutrina dualista ou clássica, como ocorre na maioria dos países. Esta teoria é bastante criticada pelos adeptos da teoria unitária ou monista, que entendem não importar a forma como se apresentam os aspectos jurídicos da responsabilidade jurídica em si, já que os efeitos são uniformes.

Gagliano e Pamplona Filho entendem serem três as diferenças entre as duas formas de responsabilização: “três elementos diferenciadores podem ser destacados, a saber, a necessária preexistência de uma relação jurídica entre

lesionado e lesionante; o ônus da prova quanto à culpa; e a diferença quanto à capacidade.”28.

De fato, no caso da reponsabilidade contratual, há a necessidade da preexistência de um contrato entre as partes para que se possa falar neste tipo de responsabilidade; já a responsabilidade extracontratual ou aquiliana independe da realização de um contrato, bastando que ocorra um dano a alguma pessoa, violando-se o preceito geral de Direito de não causar dano a outrem, sob pena de ser obrigado a repará-lo.

No tocante ao ônus da prova, ensina Carlos Roberto Gonçalves que: Se a responsabilidade é contratual, o credor só está obrigado a demonstrar que a prestação foi descumprida. O devedor só não será condenado a reparar o dano se provar a ocorrência de alguma das excludentes admitidas na lei: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Incumbe-lhe, pois, o ônus probandi.

No entanto, se a responsabilidade for extracontratual, a do art. 186 (um atropelamento, por exemplo), o autor da ação é que fica com o ônus de provar que o fato se deu por culpa do agente (motorista). A vítima tem

27 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 15.

(36)

maiores probabilidades de obter a condenação do agente ao pagamento da indenização quando a sua responsabilidade deriva do descumprimento do contrato, ou seja, quando a responsabilidade é contratual, porque não precisa provar a culpa. Basta provar que o contrato não foi cumprido e, em consequência, houve o dano.29 (grifos nossos).

A terceira diferenciação seria em relação à capacidade do agente. Nestes casos a diferença será quando houver menor envolvido. Nestas situações (com menor envolvido), na responsabilidade contratual, o contrato somente será válido se o menor for devidamente assistido ou representado por seu representante legal. A única exceção à regra é no caso de menor que já tenha 16 anos ou mais, e tenha maliciosamente se declarado maior (artigo 180 do Código Civil); no caso da responsabilidade extracontratual, mesmo menores podem ser responsabilizados pelos danos que causarem.

Pode-se dizer, portanto, que a capacidade jurídica é bem mais restrita na responsabilidade contratual do que na extracontratual, já que esta pode decorrer de atos praticados por menores e incapazes, ao contrário da contratual.

Essas seriam, em síntese, as diferenças entre a responsabilidade contratual e a extracontratual.

4.5.3. Responsabilidade subjetiva x responsabilidade objetiva

Outra distinção essencial e amplamente ressaltada nos manuais de Direito Civil e também na própria jurisprudência pátria é a diferença entre responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva.

Inicialmente pode-se dizer que a principal diferença entre estas duas espécies é que na objetiva a responsabilidade independe de culpa, e na subjetiva existe a necessidade de existência da culpa (seja ela a culpa em sentido estrito ou o dolo).

Antes de aprofundar-se o estudo nestas duas espécies, importante esquematizar o que foi estudado até este momento no tocante à responsabilidade civil, para que se defina corretamente o foco dos estudos. Foi adotada a esquematização de Sergio Cavalieri Filho, abaixo exposta:

(37)

Responsabilidade  Civil 

I ‐ Extracontratual

1) Subjetiva  (CC, arts. 927 e 

186

Culpa provada 

Culpa presumida 

2) Objetiva 

abuso do direito (art. 927 c/c art.  187) 

atividade de risco ‐ fato do serviço  (art. 927, § único) 

fato do produto (art. 931)  fato de outrem (932 e 933)  fato da coisa (art. 936‐938) 

do Estado e dos prestadores de  serviços públicos (Constituição 

Federal, art. 37, § 6°) 

nas relações de consumo (CDC, arts.  12 e 14) 

II ‐ Contratual (CC, arts. 389 e 475)  com obrigação de resultado  com obrigação de meio 

O foco principal deste estudo são os itens destacados com grifos e negrito. Como se observa, não será abordado o tema da responsabilidade civil contratual, por não interessar para fins de determinação da possibilidade de responsabilização do agente público por danos causados ao contribuinte.

Importante ressalvar que há autores que abordam o tema responsabilidade civil em torno de uma “teoria geral da responsabilidade civil”, tal como Maria Helena Diniz30, explicando primeiramente a responsabilidade civil subjetiva (como regra geral) e posteriormente a responsabilidade civil objetiva, como a exceção à regra, sendo aplicada somente nos casos especificamente previstos em lei. Nos últimos tempos, os casos de reponsabilidade objetiva foram substancialmente ampliados, devido às modernidades tecnológicas que criaram novas necessidades de regulamentação, e, sobretudo, com o advento do Código de Defesa do Consumidor (sendo hoje, por sinal, mais presente a própria responsabilidade objetiva do que a subjetiva no dia-a-dia dos operadores do Direito).

Optamos por adotar a forma de abordagem de Sergio Cavalieri Filho, acima exposta. Assim, serão expostos os elementos gerais da

(38)
(39)

5 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA – ESTUDO

APROFUNDADO DE SEUS PRESSUPOSTOS (OU ELEMENTOS)

5.1 A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

5.1.1 Considerações preliminares

Antes de iniciar-se a explanação, importante estabelecer apenas mais algumas premissas e ressalvas, além das já estabelecidas nos tópicos anteriores:

1) os autores, ao explicarem este tema em seus cursos e manuais de Direito Civil, acabam por comentar inúmeros casos específicos e peculiaridades dos vários elementos que compõe a responsabilidade subjetiva. Aqui a questão não será abordada desta forma, para que não se fuja da linha mestra deste estudo.

2) Sempre que se falar em responsabilidade subjetiva (ou objetiva), que fique claro, conforme esquematizado anteriormente, que se está falando da responsabilidade extracontratual (a contratual não interessa ao objeto de estudo deste trabalho).

3) Dependendo de cada autor, a culpa é estudada em separado da conduta, enquanto elementos componentes da responsabilidade subjetiva. Optou-se por estudá-la enquanto parte da conduta.

(40)

5.1.2 A conduta culposa

5.1.2.1 A conduta – gênero – e suas espécies – ação ou omissão

Conforme exposto acima, estudar-se-á a culpa em conjunto com a conduta, por entendermos que aquela só tem alguma relevância jurídica quando vinculada a esta.

Fala-se em conduta como gênero das espécies ação e omissão. É comum ler-se o termo “ação” sendo usado como gênero, ficando como espécies ação em sentido estrito e omissão; contudo, para evitar-se confusões, melhor que se evite tal uso.

Ação, para Maria Helena Diniz, “vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.”31

Observa-se que no conceito desta autora, “ação” corresponde a “conduta”, de acordo com o que expomos acima.

Sérgio Cavalieri Filho, que é um dos autores que sustenta a nomenclatura ora adotada, explica a questão da seguinte forma:

Consiste, pois, a ação em um movimento corpóreo comissivo, um comportamento positivo, como a destruição de uma coisa alheia, a morte ou lesão corporal causada em alguém, e assim por diante. Já, a omissão, forma menos comum de comportamento, caracteriza-se pela inatividade,

abstenção de alguma conduta devida. Vieira dizia, com absoluta propriedade, que omissão é aquilo que se faz não fazendo.32.

Rui Stoco ressalta que

A lesão a bem jurídico cuja existência se verificará no plano normativo da culpa, está condicionada à existência, no plano naturalístico da conduta, de uma ação ou omissão que constitui a base do resultado lesivo.33

31 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil, 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 40. v. 7.

32 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 24.

(41)

Assim, como regra geral, só responde por determinada situação quem lhe deu causa. Contudo, em alguns casos, a lei determina que exista a responsabilidade por fato de terceiro, como nos casos do artigo 932 do CC, abaixo transcrito:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Essas situações tratam de casos específicos em que existe um dever de cuidado, vigilância ou guarda desses terceiros em relação ao agente causador do dano. Como bem observa Cavalieri Filho, “em última instância, estas pessoas não respondem por fato de outrem, mas pelo fato da própria omissão” 34.

5.1.2.2 A imputabilidade

A responsabilidade subjetiva tem como um de seus pressupostos ou elementos constitutivos a culpa. Ocorre que, para que se determine a questão da existência de culpa ou não, é preciso verificar se o agente tinha condições de entender o que estava fazendo, outras palavras, se o agente era imputável.

Carlos Roberto Gonçalves ressalta que

Pressupõe o art. 186 do Código Civil o elemento imputabilidade, ou seja, a existência, no agente, da livre-determinação de vontade. Para que alguém pratique um ato ilícito e seja obrigado a reparar o dano causado, é necessário que tenha capacidade de discernimento. Em outras palavras, aquele que não pode querer e entender não incorre em culpa e, ipso facto,

não pratica ato ilícito. 35

34 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 25.

Referências

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