Biblioteconomia e história:
uma abordagem dialética
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CDU 02.930.1
CDU 020.72
Solange Puntel Mostafa*INTRODUÇÃO
TSRQPONMLKJIHGFEDCBA
E s c l a r e c e s o b r e o c o n c e i t o d e h i s t o -r i c i d a d e n a p e s q u i s a s o c i a l e p r i n c i p a l m e n -1 ( ' n a b i b l i o t e c o n o m i a , d a n d o ê n fa s e p a r a .lois t i p o s d e h i s t ó r i a : h i s t ó r i a - e s t a n q u e e
h i s t ó r i a - p r o c e s s o . A p o n t a os e r r o s m e t o -d o l ó g i c o s v e r i fi c a d o s n o s e s t u d o s h i s t ó r i -c o s d a s b i b l i o t e c a s e / o u b i b l i o t e c o n o m i a v i s l u m b r a n d o m a n e i r a s / l o v a s d e c a p t a r u e s s ê n c i a d e p r á t i c a s b i h l i o t e c o n ô m i c a s , e n q u a n t o t r a b a l h o s o c i a l m e n t e d e t e r m i -n a d o .
1-..,.u rc,oras. DIOllULt::\,...vu. l.IUl.:. 1'1'\.1/""): ,).)-'to,jan./Jun. l~~i R. bras. Bibl io tcco n. Doe. 14(1/2): 47-51,jan,/jun. 1981
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As idéias apresentadas nesse artigo,
visam a uma complementação de algumas
colocações trazidas ao 1Q congresso
latino-americano em Salvador, aonde
propuse-mos um outro modelo de se pesquisar em
biblioteconomia, em contraposição às
cor-rentes positivistas inspiradas no modelo
com teano. Aquelas primeiras colocações
davam maior ênfase nos possíveis tipos de
problemas a serem pesquisados, o que foi
apresentado por algumas hipóteses
levan-tadas e menor ênfase sobre o método
pri-vilegiado para pensar aqueles problemas,
uma vez que já se tinha discorrido
super-ficialmente sobre as várias correntes
exis-ten tes (9). /
Como não são poucos os problemas
e contradições passíveis de análise na
Bi-blioteconomia, e enumerá-I os é sempre
tarefa parcial, impõe-se uma maior
com-preensão de ordem metodológica, base
para a tarefa científica, sobre os
fenô-menos, fatos, serviços, ocorrências, e
me-canismos da biblioteconomia.
Antes de mais nada deve-se repetir
e é necessário fazê-Io enfaticamente, que
de história esclarece: " ... revoluciona o
conceito de história porque não pensa
a história como uma sucessão contínua
de fatos no tempo, pois o tempo não é
uma sucessão de instantes (antes; agora,
depois'; passado, presente, futuro), nem é
um recipiente vazio onde se alojariam os
acontecimentos, mas é um movimento
do-tado de força interna, criador dos
aconte-cimentos. Os acontecimentos não estão
no tempo, mas são o tempo".
A maioria dos trabalhos históricos
em biblioteconomia estão enfocados
nes-sa concepção morna da história, onde o
historiador não faz a história mas a
descre-ve e bem poucos acreditam numa
coloca-ção mais ampla, a exemplo de Colson:
"history, as the study of the profession's
record, may assist in the development of
the necessary understanding, but on1y in
the mind of librarians who are free from
the past" e ainda Reichmann citando
V1eeschauwer: "library history is not
merely the study of the dead pasto It cons-titutes the actual Iíbrary",
Os estudos da biblioteca histórica,
quer refiram-se à história-estanque, quer
refiram-se à história-processo, cometem
equívocos metodológicos que precisam
agora ser explicitados:
TSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a e s s ê n c i a s u p r a h i s -t ó r i c a d a b i b l i o t e c o n o m i a ou a d e t e r m i n a-ç ã o i m p e r i o s a d a s c o n d i ç õ e s s o c i a i s q u e o p e r a m s o b r e a m e s m a . Enquanto que no
primeiro caso, não há história da
bibliote-conomia só sendo possível captar
concep-ções de mundo particulares de cada
socie-dade e em cada época, e a história da
bi-blioteconomia passa a ser a história
daque-las cosmovisões, no segundo caso, já
exis-te a ligação biblioteca e sociedade,
po-rém ela existe ainda de forma mecânica: a
estrutura age como 'uma camisa-de-força
e a biblioteca acaba sendo apenas um
re-flexo da sociedade (ou do modo de produ-ção) onde está inserida.
Em ambas as situações perde-se de
vis-ta o aspecto dialético da prática
bibliote-conômica que certamente possui uma
di-50
nâmica própria, que embora
subordina-da às condições gerais em que opera,
pos-sui um ritmo próprio, uma
especificida-de especificida-de especificida-desenvolvimento, através de
ruptu-ras e reorganizações que não se explicam
inteiramente por aquela subordinação.
Es-se aspecto dialético da prática é que
ne-cessita ser captado: na medida em que ela
ajuda a estruturar a sociedade ela é
sujei-to, mas a estrutura volta a agir sobre ela,
agora objeto, que reorganizando-se e
estru-turando-se novamente infra e
supra-estrutu-ralmente não se esgota como objeto
des-sa determinação estrutural
A abordagem dialética dá
possibili-dade para a compreensão desses
proces-sos; a dificuldade de se trabalhar com ela
advém do fato da quase inexistência de
bi-bliotecários interessados, pois toda a
com-petência bibliotecária profere um
discur-so batizado por Shauí de "discurso
compe-tente".
"A ciência da competência
tornou-se bem-vinda, pois o saber é perigoso
ape-nas quando é instituinte, negador e
histó-rico. O conhecimento, isto é, a
competên-cia instituída e institucional não é um
ris-co, pois é arma para um fantástico projeto
de dominação e de intimidação social e
po-lítica".
Os bibliotecários proferem assim um
discurso ideológico, preocupados que
es-tão com as técnicas de Survey e outras
cor-relações. Esse discurso é dito aparente e
abstrato não por ser falso (todas as
corre-lações que se estabelecem sobre os
fenôme-nos diários da biblioteca são verdadeiros)
mas porque não se os remete para a
totali-dade concreta da qual fazem parte. Ora, o
papel da ideologia é justamente este:
uni-versalizar o particular, dando-lhe a
aparên-cia de concreto, através de uma lógica que
Shauí chama de "lógica da lacuna, lógica
do branco." "O discurso ideológico é um
discurso feito de espaços em branco,
co-mo uma frase na qual houvesse lacunas ...
O discurso ideológico se sustenta,
justa-mente, porque não pode dizer até o fim
aquilo que pretende dizer. Se o disser, se
R. bras. Bibliotecon. Doe. 14(1/2): 47-51,jan'/jun. 1981
preencher todas as lacunas, ele se
autodes-trói como ideologia."(1 )
Está plenamente justificada agora a
cientificidade da biblioteconomia: ao ser
colocada como ciência, ela é retirada da
sua condição de trabalho socialmente
de-terminado para se situar numa terra de
nin-guém de paisagem quase divina: a ciência
da biblioteconomia ou da informação!
Quer como arte, quer como ciência, a
bi-blioteconomia se reveste de neutralidade
e tem assim todas as condições de se
apre-sentar como objeto de estudo autônomo,
positivo, fixo e passível de manipulação,
isto é, um objeto morto porque sem
mo-vimento e sem história, como convém
à
"ciência da competência."
FEDCBA
REFERÊNCIAS
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