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Um olhar sobre o luxo : representações, significados e práticas entre um grupo de jovens moradores da Rocinha

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Academic year: 2023

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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING

DANIELA JACQUES

Um olhar sobre o luxo: representações, significados e práticas entre um grupo de jovens moradores da Rocinha.

RIO DE JANEIRO 2018

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DANIELA JACQUES

Um olhar sobre o luxo: representações, significados e práticas entre um grupo de jovens moradores da Rocinha.

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para a obtenção do título de Mestre em Gestão da Economia Criativa [Linha de pesquisa:

Gestão Estratégia de Setores Criativos] pela Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM

Orientadora: Silvia Borges Corrêa

RIO DE JANEIRO 2018

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Jacques, Daniela

Um olhar sobre o luxo : representações, significados e práticas entre um grupo de jovens moradores da Rocinha / Daniela Jacques. - Rio de Janeiro, 2018.

145 f. : il., color.

Dissertação (mestrado) – Escola Superior de Propaganda e Marketing, Mestrado Profissional em Gestão da Economia Criativa, Rio de Janeiro, 2018.

Orientador: Silvia Borges Corrêa

1. Luxo. 2. Consumo. 3. Etnografia. 4. Rocinha. 5. Juventude. I.

Corrêa, Silvia Borges. II. Escola Superior de Propaganda e Marketing.

III. Título.

Ficha catalográfica elaborada pelo autor por meio do Sistema de Geração Automático da Biblioteca ESPM

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Dedico este trabalho a minha filha, Sofia.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Silvia Borges Corrêa, que acreditou e incentivou cada decisão dentro desta pesquisa me dando liberdade como pesquisadora e, por isso, tornou-a mais completa, não só o conteúdo apresentado, mas o próprio percurso de todo o mestrado. Além disso, me ensinou a importância do respeito à informação, que muitas vezes vem de contextos adversos e não planejados no próprio projeto.

À Rocinha, à Rede Coletiva da Rocinha e a todos os seus moradores que me receberam e acreditaram na pesquisa, fazendo possível a minha entrada em campo.

À Maria Beatriz Gomes e à Magda Gomes pela generosidade de se disporem a contar as suas histórias pessoais, me inspirando nesta pesquisa.

Aos meus informantes que participaram e contribuíram me contando um pouco sobre as suas próprias histórias, o que me trouxe um novo universo.

A todos os professores da ESPM que ampliaram o meu repertório no aprendizado de diferentes disciplinas e também trouxeram novos desafios, principalmente na escrita de resenhas e artigos. E também ao Laboratório Economia Criativa, Desenvolvimento e Território, me possibilitando a troca de informações com todos os participantes.

Aos membros da banca, Cecília Mattoso e João Luiz de Figueiredo, pelos relevantes comentários, observações e questionamentos, feitos no momento da qualificação, que contribuíram para um conteúdo de mais qualidade.

À minha família, mas especialmente aos meus pais. À minha mãe, Vera, o agradecimento pelo exemplo de força, principalmente nos momentos adversos. Ao meu pai, pela educação direcionada na importância da independência emocional e financeira.

Agradeço especialmente ao Márcio, que compartilhou a sua vida comigo durante muitos anos e me deu o que tenho de mais precioso, a minha filha, pois, durante todo o mestrado, me apoiou para que pudesse me empenhar nos estudos.

À minha filha, que desde sempre me inspira a ser uma pessoa melhor, mais consciente e participativa na sociedade.

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RESUMO

A pesquisa intitulada “Um olhar sobre o luxo: representações, significados e práticas entre um grupo de jovens moradores da Rocinha” analisa as principais representações do luxo entre um grupo de jovens moradores da Rocinha, uma favela na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Esta pesquisa propõe uma investigação baseada em uma leitura fundamentada na perspectiva antropológica que compreende o luxo e o seu consumo como algo ativo, frequente e pertencente ao cotidiano. Assim, o luxo é interpretado dentro de uma visão que contempla aspectos simbólicos e práticos e desempenha um papel estruturador de valores: constrói identidades, regula relações sociais e define mapas culturais. A pesquisa teve como metodologia a etnografia, com a realização de observação participante e de entrevistas em profundidade, além da netnografia, com análises sobre as postagens dos jovens pesquisados nas principais redes sociais: Instagram e Facebook. Compreender como são construídas as práticas, os significados e as representações do luxo no âmbito do consumo entre um grupo de jovens moradores da Rocinha constitui-se como o objetivo geral desta pesquisa. Para além das representações, dos significados e das práticas relacionados ao luxo dos jovens pesquisados, os resultados revelam ainda a especificidade de ser morador (a) de favela, pois independente do que produzam, criem e consumam, ainda se sentem vistos pela sociedade de forma estigmatizada e veem na educação e no conhecimento o caminho para que se possa romper com o estigma de morador de favela.

Palavras-chave: luxo; consumo; etnografia; Rocinha; juventude

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ABSTRACT

The research “A look at luxury: representations, significances and practices among a group of young people living in Rocinha” analyzes the main representations of luxury among a youth group living in Rocinha, a slum in the city of Rio de Janeiro. The research proposes an investigation based on an anthropological approach that understands luxury and its consumption as something active, usual and part of daily life. Luxury is interpreted from a perspective that contemplates symbolic and practical aspects, in which it fulfils a role of creating structured values: it builds identities, regulates social relations and defines cultural maps. Ethnography was the methodology that guided the research, with the use of observant participation and in- depth interviewing; netnography was also used, with the analysis of postings by the researched youths on the main social media: Instagram and Facebook. The overall objective of this research is to understand how practices, significances and representations of luxury are constructed in the realm of consumption among a group of young residents in Rocinha. In addition to representations, significances and practices of the researched youths related to luxury, the outcomes reveal the specificity of being a slum dweller, because regardless of their production, creation and consumption, they still feel themselves seen by society in a stigmatized way and they see in education and knowledge the path to remove the stigma of being a slum dweller.

Keywords: luxury; consumption; ethnography; Rocinha; youth

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Rocinha no início do século XX 17

Figura 2 - Vendedor de cafezinho 18

Figura 3 - Via Ápia - principal via comercial da Rocinha 21 Figura 4 - Referência nordestina na Rocinha: Domingo de Feira, Largo do

Boiadeiro

23

Figura 5 - O trânsito nas proximidades da Rocinha 24

Figura 6 - A falta de urbanização dificulta a coleta diária de lixo 25

Figura 7 - Problemas na Rocinha 25

Figura 8 - Camelôs na entrada da Rocinha 26

Figura 9 - Detalhes de lojas tradicionais da Rocinha 27

Figura 10 - Loja Ale Bernardes 28

Figura 11 - Lojas de marcas consagradas 29

Figura 12 - Lojas vintage 30

Figura 13 - Sabor da Roça 31

Figura 14 - Bistrô na favela, uma das referências em gastronomia na Rocinha 32

Figura 15 - Logomarca da Rede Coletiva da Rocinha 34

Figura 16 - Ponto de encontro para a subida de Van 66

Figura 17 - Tráfego desordenado na Rocinha 80

Figura 18 - Duas lojas com padrões de identidade visual e arquitetura completamente distintos

81

Figura 19 – Fachadas sem uma identidade visual 81

Figura 20 - Fachadas são usadas para anúncios e outdoors 81

Figura 21: Fachada da Biblioteca Parque 83

Figura 22 - Imagens em diferentes locais na Rocinha 97

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Figura 23 - Família, a base de tudo 121

Figura 24 - Chá de bebê 121

Figura 25 - Amigos e família: gratidão eterna 122

Figura 26 - Escola de Música: a arte e os amigos 122

Figura 27 - Com as amigas em Botafogo 122

Figura 28 - Postagens sobre preferências no entretenimento 123 Figura 29 - Postagens fazem referência aos entretenimentos preferidos 124

Figura 30 - Restaurante japonês 125

Figura 31 - As trilhas e as paisagens 125

Figura 32 - Prospectos de fotógrafos alemães 126

Figura 33 - A felicidade de quem esperou e juntou anos por um show 126

Figura 34 - Feriado em Búzios 127

Figura 35 - Ingressos para o teatro 127

Figura 36 - Praia de São Conrado 128

Figura 37 - Os livros como companheiros 128

Figura 38 - Praia do Vidigal 129

Figura 39 - Meninos indicam mural sobre educação 130

Figura 40 - A vida de um universitário 130

Figura 41 - Esporte e Participação Cidadã 130

Figura 42 - A greve na UERJ 131

Figura 43 – Manifestação contra o racismo 132

Figura 44 - Contestação Política e manifestação contra o racismo 132

Figura 45: Conflito na Rocinha 134

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LISTA DE SIGLAS AMAAB Associação de Moradores da Rocinha

CECIERJ Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro

CEDERJ Centro de Educação à Distância do Estado do Rio de Janeiro CEFET Centro Federal de Educação Tecnológica

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBMEC Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais IDH Índice de Desenvolvimento Humano IPP Instituto Pereira Passos

MPB Música Popular Brasileira

ONG Organização Não Governamental

PAC Programa de Aceleração e Crescimento PUC Pontifícia Universidade Católica

SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFF Universidade Federal Fluminense UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

(11)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1 A ROCINHA 16

1.1 A ALMA DE CIDADE PEQUENA, POIS É A QUE VEM DA ROÇA

16

1.2 TRAÇANDO UM PERFIL SOCIOECONÔMICO 18

1.3 A ROCINHA E SEUS ESPAÇOS DE CONSUMO 22

1.4 A ROCINHA E SUAS MANIFESTAÇÕES

CULTURAIS

32

Capítulo 2 REFERENCIAL TEÓRICO 36

2.1 O LUXO E O CONSUMO DO LUXO 36

2.2 A SOCIEDADE PÓS-MODERNA E HIPERMODERNA

E O LUXO EMOCIONAL

39

2.3 CONSUMO DE LUXO NO BRASIL 45

2.4 CONSUMO: REFLEXÕES E IDEIAS CENTRAIS 48

2.5 CONSUMO NAS CLASSES POPULARES 53

2.6 JUVENTUDES E CULTURAS JUVENIS 57

Capítulo 3 METODOLOGIA DA PESQUISA 64

Capítulo 4 ANÁLISES 72

4.1 REFLEXOS DA “HOSPITALIDADE” NO CONSUMO 72 4.2 COMÉRCIO E SERVIÇOS NO CONTEXTO DA

ROCINHA

77 4.3 SOBRE OS JOVENS E O PERFIL DOS JOVENS QUE

PARTICIPARAM DESTA PESQUISA

84 4.3.1 Os jovens têm uma identidade negativa porque

moram na rocinha e o estigma do morador de favela

89

4.3.2 Os jovens têm nas novas amizades um capital social

92

4.4 SOBRE O LUXO, AS PRINCIPAIS

REPRESENTACOES E SIGNIFICADOS

96 4.4.1 O luxo é a administração do dinheiro 99

4.4.2 O luxo na juventude 102

4.4.3 O luxo que não é luxo 105

(12)

4.4.4 O luxo é estudar e trabalhar 109 4.4.5 O luxo (luxar) é a experiência sensorial 112

4.4.6 O luxo é o tempo 115

4.4.7 O luxo é a tecnologia 117

4.4.8 O luxo no futuro: igualdade social ou vai continuar como é hoje?

118 4.5 AS REDES SOCIAIS: FACEBOOK E INSTAGRAM

ENTRE OS JOVENS MORADORES DA ROCINHA

119

Capítulo 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 135

REFERÊNCIAS 140

APÊNDICE A 143

(13)

12

INTRODUÇÃO

A pesquisa intitulada Um olhar sobre o luxo: representações, significados e práticas entre um grupo de jovens moradores da Rocinha compreendeu e analisou as principais representações do luxo entre um grupo de jovens moradores da Rocinha, uma favela na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Esta pesquisa propõe uma investigação baseada em uma leitura fundamentada na perspectiva antropológica que compreende o luxo e o seu consumo como algo ativo, frequente e pertencente ao cotidiano. Assim, o luxo é interpretado dentro de uma visão que contempla aspectos simbólicos e práticos e desempenha um papel estruturador de valores: constrói identidades, regula relações sociais e define mapas culturais. Nesse sentido, a compreensão do consumo como valor cultural será guia para o entendimento do consumo e do luxo no cotidiano da Rocinha. “O que foi o luxo para você hoje?”. Esta pergunta, feita no contexto do trabalho de campo desta pesquisa, foi o fio condutor na compreensão das principais práticas, dos significados e das representações do luxo pelos jovens moradores da Rocinha.

Uma das principais motivações para investigar um grupo específico de jovens foi a identificação, logo no início do trabalho de campo feito pela pesquisadora, de jovens que se destacavam por suas inserções sociais que transcendiam o espaço da Rocinha e pelo valor atribuído por eles à educação e ao trabalho. Tal fato torna esses jovens interessantes para uma pesquisa que pretende olhar os significados do consumo e do luxo de um grupo de jovens, porque seus valores não se restringem àqueles que estão enraizados na cultura da Rocinha. Esses jovens transitam em diferentes lugares, incorporando novas referências de consumo, bem como expandem seus contatos de relacionamentos pessoais e profissionais, os quais são estabelecidos geralmente nas relações acadêmicas e de trabalho. Dessa forma, ao circularem em contextos de diferentes classes sociais, faixas etárias etc., potencialmente ampliam suas visões de mundo. Não obstante a essas particularidades desses jovens, é importante ressaltar que a Rocinha tem um ethos que se aproxima, sob certos aspectos, de uma pequena cidade. Rocinha significa aquela que veio da roça e, nesse contexto, valoriza-se a hospitalidade1 que é exercida

1 A ideia de hospitalidade será apresentada em detalhes no capítulo 4 desta dissertação.

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13

por seus moradores diariamente; moradores que se conhecem e que se ajudam mutuamente. No entanto, por vezes, rejeitam o que vem de fora, ou o que não é familiar. Este grupo de jovens, de alguma forma, contraria este aspecto da hospitalidade presente na Rocinha, porque traz novos valores que podem ser traduzidos em novos padrões de consumo.

Um ponto que se destaca na Rocinha são os diferentes espaços de consumo que surgiram nos últimos anos, oferecendo novos produtos e serviços. Compreender novos comportamentos de consumo que despontam, com um olhar específico sobre o consumo do luxo, quase sempre associado às classes mais altas, poderá trazer uma nova perspectiva de consumo de jovens até então pouco (re)conhecidos pela sociedade.

Se no âmbito do consumo a Rocinha revela-se como um local de diversidade de espaços, bens e serviços, do ponto de vista da convivência, é preciso considerar que se trata de uma favela que tem sérios problemas pertinentes a esse tipo de local.

Ali, observam-se vários desafios sociais, econômicos e urbanísticos que, de um lado, podem ser vistos como barreiras ao desenvolvimento local, mas, de outro, podem ser vistos como oportunidade de transformação a partir da perspectiva da criatividade. A economia criativa entende que qualquer cidade pode ser criativa, pois pode ser vista como solução ao invés de problema, enfatizando o potencial de transformação possível da cidade. A cidade poderá se tornar criativa quando o sonho é uma aspiração coletiva. Quanto maior for o desafio, mais criativa a cidade poderá se tornar (LERNER, 2005). Para Florida (2011), são considerados verdadeiros os lugares com histórias que proporcionem experiências autênticas e originais. Assim, a Rocinha foi pesquisada levando-se em consideração os sérios problemas pertinentes a uma favela; no entanto, os sonhos e as aspirações de seus moradores também foram ouvidos, pois se reconhece que ali existem pessoas criativas e talentosas em uma convivência que mistura os diferentes (homens e mulheres, jovens e idosos, trabalhadores e desempregados, nativos e estrangeiros) e que traz um potencial de transformação. Outro ponto importante na economia criativa é a valorização da identidade como estratégia. A junção de cultura e identidade possibilita a “percepção de si mesmo e do outro” (REIS, 2007, p.15). Esse olhar sobre a Rocinha foi importante para esta pesquisa que teve como metodologia a etnografia, com a realização de

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14

observação participante e de entrevistas em profundidade, além da netnografia, com análises sobre as postagens dos jovens pesquisados nas principais redes sociais:

Instagram e Facebook.

O objetivo geral desta pesquisa é compreender como são construídas as práticas, os significados e as representações do luxo no âmbito do consumo entre um grupo de jovens moradores da Rocinha. Os objetivos específicos são: entender como as representações sobre o luxo manifestam-se entre esses jovens da Rocinha, compreender quais são os principais significados atribuídos ao luxo e ao consumo dos jovens moradores da Rocinha, analisar as principais práticas do consumo ‒ especificamente no que se refere ao luxo ‒ entre um grupo de dez jovens da favela

e identificar os principais espaços físicos e virtuais através dos quais eles expressam sua visão sobre o luxo e o consumo.

Esta dissertação está estruturada em cinco capítulos. O capítulo 1 apresenta a Rocinha e suas principais características socioeconômicas e culturais. Os dados e as informações apresentados nesse capítulo são tanto dados secundários, levantados em instituições como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Datafavela, Instituto Pereira Passos (IPP), entre outras, como informação coletadas diretamente no campo, via observação e interação com informantes locais. Nesse capítulo, a Rocinha foi analisada como um espaço vivo de informações que reflete diretamente na vida de seus moradores. O capítulo 2 apresenta o referencial teórico que reúne conceitos, ideias, teorias e reflexões dos autores que nortearão as análises do material empírico. O referencial teórico está estruturado pelos seguintes temas: o luxo e o consumo do luxo; a sociedade pós-moderna e hipermoderna e o luxo emocional; o consumo de luxo no Brasil; reflexões e ideias centrais sobre o consumo; o consumo nas classes populares; juventudes e culturas juvenis. O capítulo 3 refere-se à metodologia da pesquisa etnográfica, a qual contempla observação participante, entrevistas em profundidade e netnográfica, em que os conteúdos das redes sociais Facebook e Instagram, referentes aos dez jovens moradores da Rocinha, são analisadas. No capítulo 4, são apresentadas as análises do conjunto do material empírico que revelam os significados do luxo e das práticas de consumo entre os jovens moradores da Rocinha, incluindo o perfil do grupo de jovens que participou da pesquisa. Nas considerações finais, são apresentadas algumas reflexões

(16)

15

complementares sobre a especificidade de ser morador (a) de uma favela, pois independente do que produzam, criem e consumam, ainda se sentem vistos pela sociedade de forma estigmatizada e veem na educação e no conhecimento o caminho para que se possa romper com o estigma de morador de favela. Por fim, no Apêndice A, encontra-se o roteiro utilizado na condução das entrevistas.

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1 A ROCINHA

1.1 A ALMA DE CIDADE PEQUENA, POIS É A QUE VEM DA ROÇA

A comunidade da Rocinha teve sua origem na divisão em chácaras da antiga Fazenda Quebra-Cangalha, produtora de café na década de 1930. Adquiridas por comerciantes e moradores, os produtos eram vendidos na feira da Praça Santos Dumont, na Gávea, que abastecia a zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Quando os moradores perguntavam sobre a origem dos produtos, os vendedores informavam que provinham de uma "rocinha", daí a origem do nome da favela. Na década de 1940, acelerou-se o processo de ocupação por pessoas que acreditavam serem aquelas terras públicas e, em 1950, houve um aumento de migração de nordestinos para o Rio de Janeiro, direcionando-se, em parte, para a Rocinha. Nas décadas de 1960 e de 1970, registrou-se um novo surto de expansão, devido aos projetos de abertura dos túneis Rebouças e Dois Irmãos, que contribuíram para uma maior oferta de empregos na região2.

A Rocinha é popularmente conhecida como uma das maiores favelas do Brasil e, apesar deste crescimento dentro de um período histórico, percebem-se ali valores que estão enraizados na sua origem, no significado do seu próprio nome ‒ plantação e vendas de hortaliças ‒, o que reflete a identidade de uma cidade pequena, ou uma região que remete à cidade do interior (Figura 1).

2 ROCINHA.ORG. Disponível em: <http://www.rocinha.org/>. Acesso em: 20 maio 2017.

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Figura 1 - Rocinha no início do século XX

Fonte: Google

https://www.google.com.br/search?biw=1364&bih=702&tbm=isch&sa=1&ei=q4tTWpG3BMf_wQTrm7n QCA&q=+Rocinha+1940&oq=+Rocinha+1940&gs_l=psy-

ab.3...32168.32168.0.33077.1.1.0.0.0.0.0.0..0.0....0...1c.1.64.psy- ab..1.0.0....0.AshZy5Gj9lk#imgrc=R8urPsmUtxSTdM Acesso em: 18 ago. 2017

Encontram-se vendedores de doces nos carrinhos de mão, o cafezinho vendido nas esquinas (Figura 2), os vizinhos que se conhecem e se ajudam, a confiança do comerciante ao permitir o ''comprar fiado’’. Ali também está presente o acolhimento que um morador tem ao receber o amigo de outro morador ‒ sempre bem-vindo, desde que tenha uma relação com algum morador e/ou com a comunidade. A Rocinha, como outros lugares, tem uma identidade própria e os relacionamentos têm uma significativa importância. Funcionam como laços de proteção entre os próprios moradores, que se ajudam diariamente em suas rotinas, tal qual uma cidade pequena em que as pessoas se conhecem e, de alguma forma, estabelecem vínculos entre si. Na contramão, o que vem de fora, aquele que não mora ou aquilo que não é familiar podem causar estranhamento e desconfiança. É necessária a aprovação e indicação do morador, para o não morador/o convidado/o outro ser aceito.

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Figura 2 - Vendedor de cafezinho

Fonte: Imagem registrada pela autora

1.2 TRAÇANDO UM PERFIL SOCIOECONÔMICO

Desde 2010, a Rocinha, segundo a Secretaria do Estado do Rio de Janeiro, é considerada uma favela-bairro3. De acordo com o IBGE (2010b), é composta por 25 sub-bairros, que foram nomeados em consonância com a forma pela qual seus moradores chamavam o local, bem como suas próprias características. Como exemplo, o Beco do Rato, que recebeu este nome pela quantidade de ratos no local, ou o sub-bairro Faz Depressa, que traduz o caráter da construção informal e ilegal que foi erguida e ocupada antes da chegada da fiscalização. Com essa prática, há, na Rocinha, um grande número de proprietários de imóveis, sendo as obras de construção de residências um dos maiores movimentadores da economia local, segundo a associação de moradores.

Na Rocinha, residem oficialmente, aproximadamente, 70 mil habitantes (IBGE, 2010b), mas este número é questionado pela Associação dos Moradores da Rocinha, cujos cálculos somam cerca de 200 mil habitantes. Ainda assim, este dado diverge do número calculado por empresas que prestam serviço na favela, como é o caso da Light, empresa distribuidora de energia elétrica, que afirma constar cerca de

3 O Programa Favela-Bairro, da Prefeitura do Rio de Janeiro, integra a favela à cidade. O Programa implanta infraestrutura urbana, serviços, equipamentos públicos e políticas sociais nas comunidades beneficiadas. Atualmente, o Programa é denominado como Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

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150 mil moradores. Assim, conclui-se que, para além do número registrado e divulgado pelo órgão oficial que realiza o censo demográfico no país, existem outros números com os quais diferentes órgãos e instituições trabalham, o que, por vezes, dificulta a inspeção dos serviços prestados por empresas no setor público e privado.

Segundo o IBGE (2010b), a maioria dos moradores da Rocinha são homens e considerou-se um total de 97,3 mulheres para cada 100 homens. Grande parte da população ‒ 61% ‒ tem casa própria já quitada e não precisa pagar aluguel. Entre a população residente, 81,9% trabalha no próprio município e cerca da metade desse grupo trabalha com carteira assinada. A economia da Rocinha é, predominantemente, informal; é uma favela jovem e apresenta a menor escolaridade de todas as 34 regiões administrativas da cidade (NERI, 2008).

Segundo portal da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, existe uma divisão econômica, categorizada em três grupos, conforme a renda: (a) o grupo de alta renda ou de empreendedores (em torno de cinco salários mínimos), (b) o grupo de renda média (em torno de três salários mínimos) e (c) grupo dos mais pobres, com renda baixa (até dois salários mínimos). A renda média da população economicamente ativa na Rocinha é de R$455,18 e a renda familiar mensal é de R$ 1.348,02 (IBGE, 2010a).

E a escolaridade dos chefes de família é considerada baixa: 56% tem nível fundamental incompleto. Vale ressaltar que o valor do rendimento nominal médio mensal familiar do município ‒ isto é, de domicílios particulares permanentes na área urbana ‒ é R$ 1.784, 44 (NERI, 2008).

Segundo o último censo do IBGE (2010a), o índice de desenvolvimento humano (IDH) da Rocinha foi de 0,732, representando o 120º colocado entre 126 regiões analisadas na cidade do Rio de Janeiro.

Apesar do baixo IDH, e indo na contramão deste cenário, dentro da Rocinha, há todo tipo de comércio, desde restaurantes, escolas, lojas, clínicas e colégios.

Funciona como uma cidade que fornece todos os recursos para os seus próprios moradores em uma cultura do fazer por conta própria (MEIRELLES; ATHAYDE, 2014). Na Rocinha, estão alguns dos melhores laboratórios do país em termos de prática empreendedora, tal como a Kelly Empreendedores da Rocinha (SEBRAE), a Rede Coletiva da Rocinha e o Centro Cultural Garagem das Letras. Segundo pesquisa realizada pela Geofusion, o poder de consumo também é alto. A Rocinha

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tem potencial de consumo maior do que 90% das cidades brasileiras e o poder de compra anual chega a R$ 923 milhões, valor maior que Mangaratiba, Búzios e São João da Barra (O GLOBO, 2016).

De acordo com o censo empresarial do Rio de Janeiro de 2010 (IBGE, 2010b) a Rocinha contava com, aproximadamente, 6.000 empreendimentos, a maior parte deles atuando na informalidade. Segundo a Associação Comercial da Rocinha, a favela abriga cerca de 2.500 estabelecimentos comerciais registrados, totalizando em torno de 8.500 estabelecimentos. É possível encontrar na Rocinha uma abrangente diversidade de tipos de comércio, principalmente lojas de venda a varejo, bares, academias de ginástica, restaurantes, papelarias, entre outros. Em sua maioria, esse comércio é formado por micro e pequenas empresas. A existência desse comércio atende, em grande parte, o consumo diário dos moradores e a maioria de seus funcionários são moradores da comunidade. Pensando na dimensão econômica que se tem na comunidade, grandes empresas foram instaladas, principalmente na Via Ápia (ver Figura 3), que, segundo a informante M4, é a região de maior instalação dos comércios e maior centro de consumo da Rocinha. Podem-se encontrar empresas consolidadas como, por exemplo, a rede de fast food Bob’s, a empresa de formação profissional Microlins, a rede de Drogarias Pacheco, uma agência dos Correios e a TV ROC, que viabiliza o sinal de tevê por assinatura para a comunidade. Foram encontradas três agências bancárias, sendo duas estatais (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) e uma privada (Bradesco).

4A fim de preservar o anonimato dos informantes e entrevistados desta pesquisa, estes serão identificados no texto apenas por suas iniciais.

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Figura 3 - Via Ápia - principal via comercial da Rocinha

Fonte: Imagem registrada pela autora

A respeito dos temas renda e educação, o IPP realizou, em 2016, uma pesquisa com 1.500 jovens, entre 14 e 24 anos. Dentro dos diversos dados analisados, concluiu-se que 1.110 dos 1.500 não eram economicamente ativos e a sua fonte de renda provinha de um responsável. Dentre esses jovens, 473 eram economicamente ativos, 329 trabalhavam e 144 estavam em busca de um emprego.

A Rocinha possui cinco escolas públicas, mas essas não atendem o grande número de crianças e jovens da comunidade que, muitas vezes, se matriculam em escolas de bairros adjacentes. Destes 1.500 jovens pesquisados, 210 estavam matriculados em escola/faculdade e, dentre estes, apenas 53 frequentam escola/faculdade privada e 148 frequentam escola/faculdade pública. Entretanto, nove não frequentam nenhuma rede de ensino e 442 gostariam, mas não estavam matriculados (IPP, 2016).

Na referida pesquisa, notavam-se poucos jovens graduandos e/ou graduados, pois apenas sete dos 1.500 jovens tinham ensino superior completo e 74 possuíam ensino superior incompleto. As dificuldades e o pouco incentivo ao estudo também foram questionamentos feitos aos jovens. Cerca de 105 jovens queriam parar no ensino médio e 176 não queriam mais estudar. Suas justificativas foram as seguintes:

19 cuidavam da família, 19 não teriam dinheiro para custear os estudos, 65 teriam dificuldades de aprendizagem e 55 estariam satisfeitos com o nível de escolaridade. Vale ressaltar que, no Complexo Esportivo da Rocinha, existe a

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Fundação Centro de Ciências e Educação Superior à Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecear) / Consórcio do Centro de Educação à Distância do Estado do Rio de Janeiro (Ceder), que oferece cursos universitários gratuitos, à distância, em todo o Estado do Rio de Janeiro (CEDERJ). São oferecidos cursos para Licenciatura em Pedagogia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Tecnologia em Sistemas da Computação na Universidade Federal Fluminense (UFF), Administração na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Tecnologia em Gestão de Turismo no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET). Esta é uma grande oportunidade para a população dessas localidades buscar uma nova perspectiva de vida. Além do vestibular, a Fundação Cecear oferece o curso do pré-vestibular social, para quem não pode pagar um curso preparatório; no entanto, há pouca adesão da comunidade e a maioria dos alunos que ali estudam não moram na Rocinha.

1.3 A ROCINHA E SEUS ESPAÇOS DE CONSUMO

A Via Ápia é considerada pela Associação de Moradores (AMABB) como o centro comercial da Rocinha. Nesta localidade, há uma relevante concentração de comércio, prédios, lojas, bares, casas, academia, restaurantes, e pontos de van, de táxi e de mototáxi, o que promove, também, um grande fluxo de pessoas, conexões e relações entre elas, dentro dos próprios espaços de consumo e a cidade.

Primeiramente, ao se chegar na Rocinha, percebe-se que é um lugar singular por ter uma cultura local própria; é uma cidade viva e dinâmica que traz consigo valores e uma voz própria calcada principalmente em duas culturas: a carioca e a nordestina.

Os nordestinos emigraram na década de 1940, trazendo a sua cultura para dentro da Rocinha. A feira no Largo do Boiadeiro, que ocorre aos domingos, carrega a forte característica nordestina, como, por exemplo, o colorido e a música (Figura 4). A gastronomia e o interior de alguns comércios com decoração nordestina são traços desses imigrantes.

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Figura 4 - Referência nordestina na Rocinha: Domingo de Feira, Largo do Boiadeiro

Fonte: Imagem registrada pela autora

Para quem vem de fora e não mora dentro da favela, o primeiro sentimento pelo lugar pode ser caótico, anárquico, desorganizado. O que respalda esta impressão são as pessoas que se esbarram nas ruas, e que, geralmente, se conhecem, um ir e vir constante de motos e pessoas caminhando todos lado a lado sem uma sinalização no tráfego e um comércio completamente diversificado. Além disso, a favela tem inúmeras vozes, o que faz da Rocinha um lugar barulhento. São as vozes das pessoas que estão na rua, o som das motos, os carros de som e da rádio da comunidade, o chamado da pamonha e o som dos vendedores ambulantes. Todas essas vozes são faladas em alto tom, ao mesmo tempo, sem intervalos.

Fiquei quinze minutos por analisar os sons e pessoas. Pude identificar sons extremamente altos, contrastando com a rádio comunitária espalhada por toda comunidade, que estava, no entanto, transmitindo uma missa, enquanto o carro de som, parado em frente ao restaurante Trapiá, localizado na Via Ápia, cantava Wesley Safadão e um indivíduo com um chapéu nordestino com uma aparência de 50 anos estava com uma caixa móvel de som, fazendo propaganda eleitoral com um microfone parado na entrada da Via Ápia (M., moradora, informante, 23 anos).

Outro ponto que chama a atenção é a mobilidade na Rocinha. Bem na entrada da comunidade, há uma grande quantidade de táxis, que são usados, predominantemente, pelos moradores dos prédios em São Conrado próximos à Rocinha e também por alguns moradores da favela. No entanto, dentro da Rocinha, os transportes mais usados são as mototáxis, as vans e os ônibus.

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As ruas têm um fluxo intenso devido ao trânsito e à combinação de muitos carros estacionados nas laterais, com comércio informal e pedestres. Ainda há o problema da falta de sinalização e os pedestres arriscam-se em meio aos transportes.

A quantidade de mototáxis causa uma grande confusão no trânsito, além de um barulho intenso (Figura 5).

Figura 5 - O trânsito nas proximidades da Rocinha

Fonte: Foto retirada da página do Facebook, Morro da Rocinha

No entanto, a mototáxi é o único meio de transporte que dá acesso às partes mais altas e estreitas da Rocinha, de onde a vista é espetacular, o que inclui o mar de São Conrado, a Floresta da Tijuca, a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Cristo Redentor e os prédios de alto luxo em São Conrado. As casas e os prédios dentro da Rocinha, em sua maioria, são formados por construções muito simples, aparentando uma pobreza que não necessariamente se confirma no seu interior.

Em um primeiro momento, o que evidencia ser a Rocinha uma favela são as ruas laterais, paralelas à Via Ápia, chamadas de vielas ou, popularmente, becos.

Algumas ruas são estreitas e escuras, que lembram um labirinto, sem luz, sem sinalização e sem saneamento básico. Outra questão é a dimensão dos “gatos”, ou seja, instalações clandestinas de energia elétrica que sobrecarregam os postes de luz. Especialmente no verão, o excessivo número de ares-condicionados e os emaranhados dificultam a distribuição de energia necessária, segundo a distribuidora de energia elétrica, a Light. Outro ponto a ser destacado é o lixo produzido pelos moradores da Rocinha e retirado, diariamente, pela Comlurb, o qual pode chegar a oito toneladas por dia, sem contabilizar os locais dos quais é impossível o acesso.

Vale ressaltar que o problema com o lixo espalhado por toda a comunidade se agrava em dias chuvosos, pois há locais de difícil acesso por conta da falta de urbanização, o que dificulta a coleta diária. Como consequência dessa falta de coleta diária, o lixo

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é espalhado por todos os cantos, causando entupimento dos bueiros e dos becos (Figura 6).

Figura 6 - A falta de urbanização dificulta a coleta diária de lixo

Foto registrada pela informante principal

Vale ressaltar que ainda são muitos os problemas dentro da Rocinha, tais como crianças sem estudar, saúde pública, ambiente de violência devido ao tráfico de drogas. Este, de alguma forma, impõe regras de conduta entre os moradores (Figura 7).

Figura 7 - Problemas na Rocinha

Fonte: Imagens registradas pela autora

No que tange ao comércio na Rocinha, sua principal característica é a sua diversidade e amplitude. Assim, estes espaços de consumo oferecem um leque em variedades de produtos e serviços. A partir do trabalho de campo, foram identificadas sete categorias diferentes de espaços de consumo que se assemelham em arquitetura, produtos, serviços e atendimento. A categorização foi realizada da seguinte forma: camelôs; lojas tradicionais; lojas contemporâneas; lojas de marcas consagradas; lojas vintage; lojas de bem-estar e saúde; e conveniências.

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a) Camelôs

Alguns camelôs trabalham dispersos pela favela, localizados, principalmente, nas ruas que atendem a um grande fluxo de pessoas, como a Via Ápia e o Largo dos Boiadeiros, e na entrada da Rocinha, nos trechos de conexão entre a Rocinha e São Conrado. Os camelôs vendem todos os tipos de produtos como tênis Nike, relógios, brincos, controles remotos, meias, espelhos, edredons, açaí, entre outros. No final do dia, próximo à entrada da Via Ápia, alguns camelôs vendem iogurte, pão integral e outros derivados de leite em um isopor coberto de gelo (Figura 8).

Minha filha, quem não gosta de Danone na geladeira? Aqui é Danone do bom e barato. (Camelô)

Figura 8 - Camelôs na entrada da Rocinha

Fonte: Imagem registrada pela autora

b) Lojas tradicionais

Os proprietários destas lojas são os próprios moradores da Rocinha e, na maioria das vezes, nordestinos. A arquitetura destas lojas, juntamente com a disposição, a organização de produtos e a vitrine tornam este tipo de comércio similar ao de uma cidade pequena. Não há uma preocupação com a aparência e a estética da loja, com a organização dos produtos e muito menos com a vitrine. Independente do segmento em que atuem, é vendida uma diversidade de produtos, como, por

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exemplo, o sexy shop, que vende brinquedos eróticos, lingeries, óleos e também bolsas com estilo clássico-formal e maquiagem. Outras lojas vendem ração para cachorro, panelas, roupas, baldes e material de limpeza. Algumas lojas sequer têm a preocupação de divulgar seus nomes e suas marcas na fachada. No interior dessas lojas, as roupas são organizadas de uma forma que mais parecem um estoque com uma grande quantidade de roupas, expostas e empilhadas, o que obriga o cliente a procurar o que deseja, incluindo o tamanho. De uma forma geral, as roupas vendidas são predominantemente coloridas, estampadas, justas e com detalhes, como, por exemplo, a calça jeans com brilho nas laterais dos bolsos e os sapatos com detalhes de laço e combinação de cores vivas que contrastam entre si. Em duas lojas, os manequins estavam expostos virados ao contrário, de costas para o cliente da calçada e de frente para o cliente que está na loja. Estes manequins usam roupas justas que valorizam o bumbum. Na loja de lingerie, o manequim é vestido com calcinha fio- dental, apesar de a loja comercializar todos os tipos, formatos e variações de lingeries (Figura 9).

Figura 9 - Detalhes de lojas tradicionais da Rocinha

Fonte: Imagens registradas pela autora

c) Lojas contemporâneas

Nos últimos anos, novas lojas no segmento gastronômico e de moda têm sido inauguradas dentro da Rocinha. Estas lojas têm em comum um design moderno, coerência da marca com os produtos vendidos e um serviço que vai além da venda do produto. Como exemplo, há a loja Gangaia, que, além de vender lingeries, oferece café e possui serviço exclusivo para clientes prime. Para tornar-se um cliente prime,

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basta que faça compras mensais em um determinado valor por um período de meses e, assim, são oferecidos descontos nos produtos. Outro exemplo é o estúdio de beleza Nude, que se considera inovador por ser o primeiro a lançar um serviço de design e conforto aos clientes. O espaço possui dois andares, dos quais o primeiro é para vendas de produtos de maquiagem, tais como as marcas Zanphy (produto mais barato) e Mary Kay (um dos mais caros). O segundo andar foi transformado em um estúdio em que as pessoas contam com o serviço de maquiagem. Outra loja neste mesmo padrão é a Boutique Ale Bernardes (Figura 10), cujas araras são organizadas por modelos de roupas que se diferem das demais lojas presentes na Rocinha. As roupas não são justas e nem tão coloridas. Além dos serviços de qualidade, oferecem aos clientes um coquetel, o que é considerado um diferencial dentro da Rocinha.

Dentro da loja tem ar condicionado, sofá e campanhas de comunicação e relacionamento com o cliente. No entanto, vale ressaltar que os preços destas lojas são mais caros do que aqueles praticados pelas lojas locais.

Figura 10 - Loja Ale Bernardes

Fonte: Imagem registrada pela autora

d) Lojas de marcas consagradas

São as grandes marcas conhecidas em todo o Brasil e com os produtos e serviços padronizados. Como exemplo, têm-se as lojas Ortobom, Hortifruti, Casa do Biscoito, Havaianas, além de bancos como Bradesco e Banco do Brasil (Figura 11).

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Figura 11 - Lojas de marcas consagradas

Fonte: Imagem registrada pela autora

e) Lojas Vintage

São aquelas que vendem produtos não mais comercializados em grande cadeia, ou em um formato de comercialização diferenciado, normalmente produtos usados, como por exemplo, a loja de CDs, barbearias5 e os brechós de roupas, geladeiras e móveis (Figura 12).

5 Em algumas das barbearias, encontram-se objetos retrô, tais como: cadeira, televisão antiga e discos de vinil. Por isso, as barbearias estão classificadas como lojas vintage e não como lojas de bem-estar e lazer.

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Figura 12 - Lojas vintage

Fonte: Imagem registrada pela autora

f) Lojas de bem-estar e saúde

Nos últimos anos, o segmento voltado ao bem-estar e saúde cresceu em sintonia com a demanda de alguns moradores. São lojas que oferecem serviços direcionados à beleza, ao bem-estar, à saúde e ao lazer. Na Via Ápia há, aproximadamente, oito salões de beleza. Encontram-se, também, quatro grandes academias de ginástica, vários consultórios odontológicos e mais de quatro agências de turismo.

g) Lojas de Conveniência

Dentro da Rocinha existem diversas lojas de conveniência que ficam abertas 24 horas por dia e oferecem serviços delivery, como, por exemplo: tabacarias e depósitos de bebidas e cigarros, lavanderia e farmácias. A Rocinha também tem, aproximadamente, dez pets shops que comercializam produtos e serviços para cães e gatos como, por exemplo, brinquedos, vestuários e produtos para alimentação e higienização dos animais.

h) Lazer e gastronomia

Outros pontos de destaque, presentes na Rocinha, são o lazer e a gastronomia, que fazem parte da rotina dos moradores. O pagode da Vila Verde, local localizado na parte baixa da comunidade, é frequentado por jovens entre 15 e 29 anos.

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O Baile Emoções oferece funk e pagode aos domingos. Ainda há o forró do Barata, na Via Ápia, todas sextas, sábados e domingos, com banda ao vivo. No Largo do Boiadeiro, acontecem os eventos de forró e xaxado. O Restaurante Varandas oferece seresta às terças e quintas-feiras. Outros exemplos são o Bar do Odes Serginho, com um som destinado ao pop music e reggae; o forró do Barata, cuja entrada custa apenas dois reais; o Pagode da Vila Verde, que apresenta todo domingo a Roda de Samba. A casa de espetáculos Emoções comporta 1 mil pessoas e oferece shows mensais de artistas populares e locais. Os principais restaurantes da Rocinha são: o Restaurante Trapiá, Varandas, Amarelinho, Suba, Super Sucos, Pizzaria Rios, Sushi Mar e Sabor da Roça (Figura 13). Estes são os espaços mais populares, que oferecem os maiores serviços culinários locais. O Bar do Eliseu é o mais antigo e é considerado o melhor galeto assado da Rocinha. O Pub Barraco tem o ambiente jovem e descontraído, semelhante ao Pub do Banana Jack localizado em Ipanema. O Pub Barraco oferece aos clientes uma ventilação agradável, um bom som ambiente e um cardápio variado. O Bistrô na Favela (Figura 14), primeiro bistrô italiano localizado na parte mais alta da comunidade, oferece boa refrigeração, possui um som ambiente, tem boa iluminação, uma estrutura interna organizada. A pizza de tomate seco com rúcula não está no cardápio porque não tem aceitação e os sabores preferidos, informações da proprietária do bistrô, são calabresa e moçarela.

Figura 13 - Sabor da Roça

Fonte: Imagem registrada pela autora durante um almoço com a informante principal M. e um dos pesquisados, no restaurante Sabor da Roça.

Figura 14 - Bistrô na favela, uma das referências em gastronomia na Rocinha

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Fonte: Imagem registrada pela autora

Então, eu sou a dona daqui. Quando pensei em abrir um comércio na Rocinha, procurei algo que não tinha e por ser moradora, queria ter um lugar que eu gostasse de ficar limpo e com uma música boa. Somos os primeiros a trazer um bistrô do asfalto para cá. Aqui é sem dúvida o melhor lugar da Rocinha (Proprietária do Bistrô da Favela).

1.4 A ROCINHA E SUAS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS

Na Rocinha, acontecem várias manifestações culturais que mostram a diversidade artística neste local. Em sua grande maioria, são os jovens moradores os que investem e empreendem ‒ muitas vezes com recursos próprios ‒ neste segmento.

A arte é expressa de acordo com os principais interesses dos moradores e, assim, trazem reflexões socioculturais, como, por exemplo, o site Solos Culturais. Na arte, podem ser citados o Teatro Fodidos e Privilegiados, cujos componentes reúnem-se para discutirem o desenvolvimento local, arte e cultura. Existe ainda a Rede Coletiva da Rocinha, que promove, aos sábados, encontros para um grupo que se autorrotula jovem, despojado e alternativo. A Rede Coletiva da Rocinha merece destaque, pois foi o espaço a partir do qual o trabalho de campo desta pesquisa foi estruturado, e aconteceram os primeiros contatos com os jovens que participaram desta pesquisa.

Já o grupo Da Holanda faz rodas de dança relacionadas com a matriz africana e apresentações teatrais, musicais e artísticas. O grupo evangélico da igreja Universal promove encontros na praça da Roupa Suja para discutirem questões religiosas e sociais. Na rua, os espaços públicos também são aproveitados e recriados, oferecendo lazer para os moradores. Como destaque, na Praça do Badalo, há pagode, churrasco e brincadeiras para crianças gratuitamente. Nesta praça, há também um comércio à sua volta, como, por exemplo, o famoso Bar do Passarinho, pizzaria, farmácia, supermercado e padaria. A maioria dos frequentadores são

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homens jovens, que aparentam ter entre 25 e 39 anos e adolescentes entre 13 e 17 anos, em sua maioria, negros. Vale ressaltar que este espaço, a Praça do Badalo, foi construído com o intuito de reduzir o índice de tuberculose ‒ considerado na época muito alto naquela região. Outro ponto importante é a feira no Largo do Boiadeiro, que oferece, pela rádio comunitária e por banda ao vivo, a seresta e o forró, além de barraquinhas com produtos como as hortaliças, as frutas e o peixe assado na hora.

Nesta feira, a maioria dos frequentadores é branca, adulta e aparenta ter entre 30 e 60 anos.

Em 2013, foi fundada a Rede Coletiva da Rocinha6, uma Organização Social que foi inaugurada pelos próprios moradores do local e promove, aos sábados, encontros para um grupo que, se autorrotula jovem, despojado e alternativo. Está situada no segundo andar de uma casa branca, em um espaço bem amplo, composto por uma sala, cozinha e banheiro. Dentro da Rede, há uma sala espaçosa, com muitos objetos reaproveitados, como uma geladeira quebrada, a qual é transformada em uma mesa, ou garrafas-pet que, reorganizadas, viram um banco. As janelas são amplas e há uma grande varanda com uma vista muito bonita para todo o mar de São Conrado e para a própria comunidade, que também é retratada no chão da casa, por meio de quadros pintados em grafite, com paisagens da vista e das moradias, preponderando os tons coloridos e bonitos esteticamente.

A Rede Coletiva da Rocinha tem como principal objetivo produzir projetos culturais em conjunto com seus moradores (Ver a logomarca da Rede na Figura 15).

A Rede Coletiva da Rocinha atribui importância à própria comunidade, aos seus moradores, para que os projetos sejam realizados de acordo com seus próprios recursos e cultura local. Desta forma, a escolha e a realização dos projetos estão diretamente associadas aos valores e à identidade da Rede Coletiva da Rocinha, como também ao envolvimento e à participação dos moradores. A Organização Social em questão é definida dentro do escopo da economia solidária7, o que significa:

empreendedorismo, protagonismo e trabalho.

6 Os participantes da Rede Coletiva usam a palavra “rede” para defini-la. É um grupo que se organizou e se reúne para promover ações sociais na favela.

7 De acordo com o site Fórum da Economia Solidária, a Economia Solidária é baseada na

autogestão, pela cultura e consumo de valorizar os intangíveis como a sustentabilidade e produtos locais. E na política, está integrada com os valores de solidariedade, da democracia, da cooperação, da preservação ambiental e dos direitos humanos.

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Desde o início, os jovens têm mostrado que não têm que sair da comunidade, têm é que mostrar ao mundo a comunidade que está dentro de cada morador (Facebook/Rede Coletiva).

O Projeto “Rede Coletiva da Rocinha” tem em seu objetivo valorizar a produção, consumo e a distribuição de riquezas naturais centradas no interior da comunidade da Rocinha. Valores que se agrega a educação, arte e produção de conteúdo para o audiovisual, dando assim a valorização e reconhecimento dos moradores (Facebook/Rede Coletiva).

Figura 15 - Logomarca da Rede Coletiva da Rocinha

Fonte: Facebook/Rede Coletiva

Ao longo de cinco anos de existência da Rede, foram consolidadas parcerias que trouxeram uma gama de oportunidades para os moradores do local. Parcerias com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e com o Canal Futura potencializaram as produções no segmento audiovisual. Os projetos partem da cultura local e são idealizados em parceria com os moradores da Rocinha e integrantes da Rede. Como exemplo, o documentário "Rocinha Coletiva" e o filme experimental Beco dos Panados, no qual os atores, a produção e a direção eram de integrantes da Rede e de outros moradores da Rocinha. Vale ressaltar que o filme Beco dos Panados, realizado em parceria com a PUC-Rio, ganhou o prêmio de Melhor Filme Experimental, no Cine Favela Clube em 2016.

Os vídeos e as produções de videoclipes, os tesares para shows e festivais, a cobertura de eventos, o programa para TV e internet, a produção de bandas musicais e a produção de roteiros para curtas e longas-metragens são as principais atividades na Rede. Também constam as oficinas de capoeira, dança, gastronomia, arte, cinema, teatro, vídeo e fotografia. No audiovisual e arte, as produções que mais se destacaram foram o videoclipe Os Stars, o filme Arpe, o Selo Musical e o Documentário Rocinha Coletiva. A Rede, que foi fundada por seis jovens moradores da Rocinha ‒ H., S., M., G., A. e C. ‒, atualmente é composta por mais de 60 membros.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

O referencial teórico da pesquisa foi estruturado de modo que as ideias, as teorias e os conceitos fossem acionados para analisar o material empírico da pesquisa. Neste sentido, seis seções foram organizadas e desenvolvidas de acordo com os principais objetivos da pesquisa e do grupo escolhido. A primeira seção ‒ O luxo e o consumo do luxo ‒ contextualiza a história do luxo e dialoga sobre as principais representações do luxo no mundo. A segunda seção ‒ A sociedade pós- moderna e hipermoderna e o luxo emocional ‒ analisa as principais características do luxo emocional próprio de uma sociedade contemporânea. A terceira seção, Consumo de Luxo no Brasil, propõe uma reflexão sobre o consumo do luxo especificamente no Brasil. A quarta seção, Consumo: reflexões e ideias centrais, reflete o consumo em uma abordagem antropológica. Na quinta seção, observa-se o consumo nas classes populares, por se tratar de uma pesquisa com indivíduos que fazem parte dessa classe social. Por fim, a sexta seção, Juventudes e culturas juvenis, traz algumas reflexões sobre os significados de ser jovem e juventude.

2.1 O LUXO E O CONSUMO DO LUXO

O significado da palavra luxo sempre esteve relacionado aos bens caros e supérfluos. No dicionário Michaelis, o luxo é definido como um “Estilo de vida que se caracteriza pelo excesso de ostentação e pelo gasto com bens de consumo caros e supérfluos; fausto; requinte; suntuosidade”. Nos dicionários italianos, as definições são as mesmas: excesso, exibição de riqueza ou superfluidade (CUTOLO;

GIOVANNI, 2014). No entanto, precisa-se considerar que os significados são fruto de como a realidade é interpretada e estão vinculados à realidade econômica, política e cultural de uma sociedade. O luxo representa e registra, de forma especial, o consumo e, mesmo com o tempo, conservou os principais significados e valores quando comparado a outros segmentos do mundo material. O consumo do luxo preservou o

“seu núcleo de significações, sobre as quais constroem outras, porém sem nunca contrariar as principais” (D`ANGELO, 2006, p.137). Os consumidores recebem, além das referências contemporâneas, toda a história do luxo em que o passado tem o

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mesmo valor do presente, pois os significados essenciais são conservados e transmitidos. Assim, o luxo é considerado mais estável e seguro porque tem uma história pregressa; sua essência não é uma criação da modernidade, e sim uma criação humana (D`ANGELO, 2006).

Tungate (2014) afirma que o luxo pode ter vários significados dentro de uma circunstância e de uma época, então o que era considerado luxo pode não ser mais, dependendo do contexto em que esteja inserido. Assim, o consumo do luxo e suas principais representações passaram por algumas mudanças dentro de um período histórico.

Segundo Lipovetsky e Roux (2012), neste entendimento, a partir dos séculos XIV e XV, o consumo do luxo passou por um momento de valor estético ‒ chamado

“o outono da Idade Média” ‒, associado a um período da individualização. Esse consumo estava associado à promoção social dos valores profanos, ao apego aos bens raros, ao estético e ao sentido de apaixonar-se pelas belas coisas. Este momento surge com dois fenômenos: o consumo de antiguidades e de moda, promovendo o culto ao passado e o culto ao novo, respectivamente ‒ lado a lado. Este padrão de consumo perdurou até meados do século XIX, quando o consumo do luxo seguiu um modelo aristocrático e artesanal em que os artesãos não tinham prestígio e o cliente ditava o produto a ser realizado. O valor do trabalho do artesão era reduzido, se comparado ao do material utilizado. O consumo do luxo sustentava-se por criadores independentes e núcleos familiares na combinação: “o cliente é o senhor, o artesão executa na sombra” (LIPOVETSKY; ROUX, 2012, p.51). No entanto, a partir do século XIX, com o início da alta-costura, “o luxo torna-se pela primeira vez uma indústria da criação” (LIPOVETSKY; ROUX, 2012, p.53) e passa a estar associado, diretamente, a um nome do costureiro ou a uma casa comercial. O artesanal e o feito à mão eram valorizados e prevalecia a qualidade mais do que a quantidade. O material utilizado era considerado importante, mas o prestígio da marca e o renome das casas comerciais tinham mais relevância nesta época. Assim, era enaltecida a experiência do costureiro, suas próprias habilidades e o valor do trabalho.

Por outro lado, nesta mesma época, inicia-se, simultaneamente, a produção em série.

“Os modelos podiam ser reproduzidos em algumas centenas ou milhares de exemplares” (LIPOVETSKY; ROUX, 2012, p.53). Como exemplo, em 1930, a Chanel

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fabricava em torno de 28.000 peças por ano e a alta-costura parisiense produzia 90.000 peças em 1953. Estes números ilustram a base do luxo, denominada, pelos autores, como “o primeiro momento moderno do luxo, um compromisso entre artesanato e indústria, arte e série” (LIPOVETSKY; ROUX, 2012, p.54).

No decorrer dos anos, depois de duas décadas, entra-se em uma nova idade do luxo: a lógica industrial de série, caracterizada pelos autores como momento pós- moderno ou hipermoderno, de caráter mundializado e financiável. Nesta lógica, o setor do luxo é representado pelos grandes grupos de negócios, respaldados na mundialização, e pelos criadores considerados soberanos. Valoriza-se o segmento financeiro e econômico, determinando este viés no desenvolvimento de produtos, compra e venda de marcas e ações em bolsa para obtenção de lucro. Para isso, criação e pesquisa de grande rentabilidade tornaram-se imprescindíveis. A lógica industrial de série instala-se no segmento do luxo como estratégia primordial:

perfumes, acessórios, roupas e outros produtos são vendidos sob licença. Os novos investimentos são concentrados nos lançamentos de produtos, publicidade, comunicação, diminuição da duração da vida dos produtos, aumento das ofertas e retorno financeiro a curto prazo ‒ chamada a era do marketing (LIPOVETSKY; ROUX, 2012).

Por outro lado, nesta nova era do luxo, não se considera apenas a oferta.

Outro ponto a ser observado é o da procura, das relações dos indivíduos entre eles, com o consumo e com os bens raros. O autor denomina o início de um novo luxo ou do luxo emocional, enraizado em uma nova cultura contemporânea do luxo.

O luxo emocional é mais uma maneira de ser, uma maneira de viver, porque remete ao prazer, ao requinte, à perfeição, à raridade e à apreciação cara do que não é necessário. O luxo pode ser interpretado como dignidade ou uma forma de realizá- la. Esta construção é estabelecida numa relação do luxo com vitalidade ou prazer dos sentidos, o que define uma emoção como conforto, harmonia ou sensação de vida.

Se antes o luxo estava destinado somente à burguesia, abre-se o luxo para um maior número de pessoas: “Os produtos de luxo desceram progressivamente para a rua”

(LIPOVETSKY; ROUX, 2012, p.19). Assim, são vários luxos para vários públicos. Este movimento contemporâneo valoriza a individualidade e o consumo do luxo como uma afirmação pessoal, promovendo uma imagem: “Hoje o luxo está mais a serviço da

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promoção de uma imagem pessoal e de um gosto do que de uma imagem de classe”

(LIPOVETSKY; ROUX, 2012, p. 64). O luxo emocional é ancorado no pós- modernismo e hipermodernismo em que a individualização, a emocionalização e democratização são os principais valores desta sociedade (LIPOVETSKY; ROUX, 2012).

Outros pensadores também compreendem uma mudança nas principais representações do luxo, de acordo com uma sociedade pós-moderna: Rapaille criou a expressão “luxo autêntico” e diz que é uma abordagem alternativa, uma vez que incentiva o bom gosto e o uso com moderação, podendo ser, também, identidade, singularidade, raridade e estética (RAPAILLE, 2007). O luxo pode ser representado por prestação de serviços e imateriais, tais como o tempo, a atenção, o espaço, o silêncio, o ambiente e a segurança (CUTOLO; GIOVANNI, 2014). Este movimento altera de ostensivo e caro para autêntico. Como exemplo, o luxo pode ser o trabalho feito por um artesão ou produtos mais raros, como um livro de capa dura ou um relógio analógico (TUNGATE, 2014).

2.2 A SOCIEDADE PÓS-MODERNA E HIPERMODERNA E O LUXO EMOCIONAL As novas representações do luxo ou do luxo emocional são pertinentes e fazem parte do contexto de uma sociedade pós-moderna e hipermoderna. Nesta urgência de se viver o presente, tem-se como consequências: o consumo em expansão; a comunicação de massa; o surto da individualização; a consagração do hedonismo; e do psicologismo (LIPOVETSKY; ROUX, 2004). Neste ponto, o luxo como consumo foi ampliado em lojas que se expandiram e se globalizaram, bem como em produtos que foram adaptados em versões mais acessíveis, como, por exemplo, carros, acessórios e perfumes.

As sociedades pós e hipermoderna trazem novos valores, como o luxo emocional e suas respectivas representações. O período pós-moderno indicava o advento de uma temporalidade social inédita, marcada pela primazia do “aqui-agora”

(LIPOVETSKY; ROUX, 2004, p.51). Pela urgência em se viver o tempo presente, a percepção do tempo passa a ser escassa, o que vira um problema.

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Desta forma, surgem novas categorias e a própria individualização do tempo:

tempo livre; horário flexível; tempo do jovem; tempo da terceira idade. Os autores afirmam: “a hipermodernidade multiplicou as temporalidades divergentes”

(LIPOVETSKY; ROUX, 2004, p.58). Há um culto pelo presente do “aqui e agora”. Eis o fenômeno que modificou a sociedade: “é com a revolução do cotidiano, com as profundas convulsões nas aspirações e nos modos de vida estimuladas pelo último meio século, que surge a consagração do presente” (LIPOVETSKY; ROUX, 2004, p.

59). O tempo presente é vivido intensamente e a sensação de se ter tempo livre passa a ser considerada um luxo. Assim sendo, na sociedade pós-moderna, o luxo também é representado pelo tempo, para os que têm tempo, dispõem de tempo e aproveitam o tempo. Surge a valorização de tudo aquilo que é focado no imediato, como a saúde, o corpo e o melhor bem-estar subjetivo. Na prática, fica evidente este percurso quando as vendas dos produtos de tratamento estão em primeiro lugar no segmento de cosméticos, ou a multiplicação de spas de luxo (LIPOVETSKY; ROUX, 2012).

A sociedade hipermoderna evocou a valorização do tempo e a individualização do tempo; no tempo do jovem, o consumo do luxo pode representar a ideia de parecer jovem e realçar a sua beleza na busca pela saúde, pelo experimental (LIPOVETSKY; ROUX, 2012); desta forma, é preciso renovar, constantemente, a vivência do tempo, intensificando o cotidiano através de novidades como se funcionasse para se voltar à juventude, assemelhando-se a uma fênix emocional (LIPOVETSKY; ROUX, 2004). Na hipermodernidade, o consumo do luxo precisa ser bem vivido, ser um presente que aprecia a felicidade privada, enaltecendo o êxtase do presente sempre novo (LIPOVETSKY; ROUX, 2012). Este sentimento de êxtase é encontrado na sociedade hipermoderna, no universo do consumo e da comunicação de massa respaldado pelo mundo de sedução e da moda que promove o novo como organização do presente, nas paixões consumistas, no anseio pelas compras como uma compensação ou maneira de consolar-se. Assim, poupança e sacrifício são minados e pouco valorizados em contraponto a um luxo que enaltece promessas de felicidade, prazer, beleza e bem-estar (LIPOVESTSKY; ROUX, 2004).

Uma sociedade hipermoderna tem como base a cultura hedonista, que estimula a satisfação imediata no tempo presente das necessidades e prazeres, “enaltece o florescimento pessoal, coloca no pedestal o paraíso do bem-estar, o conforto e do

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