SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES
CAPÍTULO I:
EXÓRDIO [introdução do sermão; dá a conhecer a matéria que vai ser tratada]
CONCEITO PREDICÁVEL [frase bíblica a partir da qual se desenvolve o raciocínio]: “Vós sois o sal da Terra”
► O sal evita a corrupção, mas a terra está corrompida
► Ou o sal não salga → pregadores
não pregam a verdadeira doutrina
dizem uma coisa e fazem outra
pregam-se a si mesmos e não a Cristo
► Ou a terra não se deixa salgar → ouvintes
não querem receber a verdadeira doutrina
imitam o que os pregadores fazem e não o que eles dizem
servem os seus apetites e não os de Cristo.
Possíveis soluções:
► ao sal → resposta de Cristo: lança-lo fora como inútil, pisado por todos
► à terra → resposta de St. António: mudar de púlpito e de auditório
CAPÍTULO II: Louvores aos peixes - no geral
Qualidades (genéricas) dos peixes: Defeitos dos homens:
► ouvem e não falam
► primazia da criação (primeiros seres que Deus criou)
► espécie em maior número
► devotos e obedientes
► independentes: não se deixam domesticar / manipular / influenciar
► não devotos / desobedientes / corruptos
► exploradores / manipuladores / corruptores (passam a corrupção aos outros → ex. domesticar os animais = tirar-lhes a liberdade)
CAPÍTULO III: Louvores aos peixes - em particular
O pregador enumera os peixes que serão elogiados e as razões que levam a esses elogios. Cada peixe representa, alegoricamente, virtudes humanas.
Termina com um elogio a todos os peixes que alimentam os pobres (as sardinhas) → devido a esta boa ação, o pregador deseja que se reproduzam em abundância:
«Crescei, peixes, crescei e multiplicai, e Deus vos confirme a sua bênção.»
Peixe de Tobias: Rémora:
► cura a cegueira (física)
[Com a sua doutrina, St. António também tentava curar a cegueira (espiritual e moral) = abrir os olhos aos ouvintes para o bem e o mal]
► expulsa os demónios
[Ao pregar, St. António também tenta afastar as pessoas do mal (da corrupção)]
nota: o Padre António Vieira também queria curar a cegueira dos moradores de Maranhão
► pequena fisicamente, mas grande em força / poder / persistência
[Com a sua palavra, St. António salva os homens dos pecados e guia-os no bom caminho]
alegoria da força de vontade que deve ser a orientação (“leme”) das ações humanas
representa os que se guiam pela racionalidade e são imunes à «fúria das paixões»
nota: as “naus” representam os vícios humanos (vingança, cobiça,…) que arrastam o homem
“Oh se houvera uma rémora na terra, que tivesse tanta força como a do mar, que menos perigos haveria na vida, e que menos naufrágios no mundo!”
“a virtude da rémora, a qual, pegada ao leme da nau, é freio da nau e leme do leme”
Torpedo: Quatro-olhos:
► poder persuasivo
contagia o ser humano com a sua virtude (a energia para lutar contra a atracão pelo mal)
crítica aos pregadores que não atendiam à qualidade das suas mensagens (prejudicando os fiéis que “pescam” os seus discursos) → Isto não acontecia com os sermões de Santo António visto que os seus ouvintes “tremiam” de tanta emoção
► vê para cima e para baixo: capacidade de distinguir entre o bem (céu) e o mal (inferno)
[Os ouvintes devem afastar os olhos da vaidade terrena, olhando para o céu, sem esquecer a existência do inferno]
“tanto pescar e tão pouco tremer” = os homens não se arrependem dos pecados
“tremendo, confessaram seus furtos; (…) todos enfim mudaram de vida e de ofício e se emendaram”
"se tenho fé e uso da razão, só devo olhar diretamente para cima, e só diretamente para baixo: para cima, considerando que há Céu, e para baixo, lembrando-me que há Inferno"
CAPÍTULO IV: Repreensões aos peixes – no geral
O pregador tem como objetivo fazê-los pensar/refletir sobre as suas ações (ainda que não corrijam o seu comportamento)Repreensões:
≠ St. António que abandonou a vaidade e pretensão e “com aquele pano” (hábito)
“pescou ele muitos” (salvou da perdição)
► comem-se uns aos outros
► os maiores comem os mais pequenos
os homens poderosos aproveitam-se dos mais frágeis (exploração) → a terra parece um «açougue» / matadouro
contudo, mesmo dentro da mesma classe social, os homens também se comem uns aos outros:
cobiçam os bens uns dos outros → interesseiros / gananciosos
dão a vida por insignificâncias («um retalho de pano») → ignorantes / cegos
nota: os peixes comem-se uns aos outros por razões de sobrevivência, já os humanos fazem-no por dinheiro
CAPÍTULO V: Repreensões aos peixes – em particular
Os peixes criticados são alegorias dos piores vícios humanos (há uma gradação nesta enumeração porque o polvo será o mais criticado)
Roncador: Pegador:
► alegoria dos homens arrogantes, presunçosos e vaidosos que:
prometem e não cumprem
se vangloriam sem ter capacidade de agir
ex.: Caifás, Pilatos e Golias
► alegoria do oportunismo e do parasitismo
vícios da alta nobreza e classe política, gostam de receber favores e da adulação daqueles que deles dependem
os mais fracos vivem às custas do mais forte, morrendo com ele
► estes peixes nadam presos a um «tubarão», membro mais importante na escala social que eles vão explorando como podem
quando este morre/ é pescado, “morrem” todos os que viviam em volta dele
≠ St. António que nunca se vangloriou e muitos converteu ≠ St. António que “se fez menor para se pegar mais a Deus” e tornou-se imortal
Voador: Polvo:
► alegoria dos sempre insatisfeitos com a vida, pois não se contentando em nadar no mar, querem voar como os pássaros
► esta ambição desmedida faz com que sofram o dobro dos perigos, acabando por morrer
ex.: Simão mago
► alegoria da hipocrisia, fingimento, falsidade e traição
crítica aos que se fazem passar por bons, mas são os primeiros a trair e enganar
aparentam ser aquilo que não são:
aparência de santo / ar inofensivo → mas na essência é traiçoeiro/maldoso/hipócrita
ex.: como ele, também os monges imorais e interesseiros enganam os fiéis, passando por homens piedosos, utilizam a palavra de Deus para conseguirem os seus verdadeiros interesses.
ex.: Judas
nota: contra o polvo ergueram-se 2 santos: S. Basílio e St Ambrósio
«Peixes, contente-se cada um com o seu elemento.
(…) À vista deste exemplo, peixes, tomai todos na memória esta sentença: quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem.»
A aparência enganadora do polvo (que se disfarça para enganar os inocentes) é descrita através de anáforas, frases paralelísticas e comparações:
«com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão.»
Vieira contrasta a “sujidade” moral do polvo com a transparência do mar (onde habita):
«que excesso tão afrontoso e tão indigno de um elemento tão puro, tão claro e tão cristalino como o da água, espelho natural não só da terra, senão do mesmo céu!»
Não só no mar, onde vivem os peixes acusados, mas também a terra está infestada de traidores.
Contudo, há habitantes da terra que se destacam pela pureza de coração e amor à verdade (como St António).
O capítulo termina com uma censura àqueles que roubam os bens dos náufragos que dão à costa: «Para os homens não há mais miserável morte, que morrer com o alheio atravessado na garganta.»
CAPÍTULO VI:
PERORAÇÃO [conclusão do sermão] → utilização de um desfecho forte para impressionar o auditório, levando-o a refletir e pôr em prática os ensinamentos do pregador
► retoma dos argumentos utilizados
► alega que nunca vão chegar ao sacrifício final/julgamento:
peixes → chegam mortos ao altar (sentido literal)
homens → “mortos” por pecados (sentido figurado)
► pretende-se persuadir os homens a mudar os seus comportamentos para que não cheguem perante Deus com a “alma morta”
► o orador tem inveja dos peixes (pq não atinge o fim para que Deus o criou e ofende-o com palavras/pensamentos/vontade/memória) → prefere a
irracionalidade/inconsciência/instinto dos peixes à racionalidade/consciência/livre arbítrio/vontade do homem
► gradações → que intensificam o sentido
► repetições:
“mas” realça o paralelismo/contraste entre o orador e os peixes
“louvai a Deus” acentua a finalidade do Sermão
► Quiasmo: sugere a transposição dos peixes para os homens → já que os peixes não são capazes de nenhuma dessas virtudes, sejam-no os homens
Intenção persuasiva: a partir dos exemplos dos peixes, pretende-se persuadir os homens a mudar as suas atitudes (seguindo as virtudes dos peixes louvados e das ações de St. António e abandonando os defeitos reconhecidos aos peixes repreendidos).
Crítica social e alegoria: a sátira é conseguida através da caricatura dos vícios humanos representados figurativamente pelos peixes: roncador, pegador, voador e polvo.
Linguagem: a força da palavra é o meio usado para persuadir o auditório:
de forma simples, clara e precisa
uso de recursos expressivos apelativos (oposições, semelhanças e repetições)
discurso rítmico, dinâmico e interativo (perguntas, frases curtas)
apela à emoção e à reflexão