• Nenhum resultado encontrado

HISTÓRIA E ENSINO DE ARTE NO BRASIL

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "HISTÓRIA E ENSINO DE ARTE NO BRASIL"

Copied!
136
0
0

Texto

(1)

DE ARTE NO BRASIL

Autoria: Brigitte Grossmann Cairus

Indaial - 2021 UNIASSELVI-PÓS

2ª Edição

(2)

Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:

Carlos Fabiano Fistarol

Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Cristiane Lisandra Danna Norberto Siegel

Camila Roczanski Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Bárbara Pricila Franz Marcelo Bucci

Revisão de Conteúdo: Bárbara Pricila Franz Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2021

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial.

C136h

Cairus, Brigitte Grossmann

História e ensino de arte no Brasil. / Brigitte Grossmann Cairus;

Elisiane Souza Saiber Lopes. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

136 p.; il.

ISBN 978-65-5646-439-8 ISBN Digital 978-65-5646-434-3

1. Estudo e ensino da arte. - Brasil. I. Lopes, Elisiane Souza Saiber.

(3)

APRESENTAÇÃO ...5

CAPÍTULO 1

A História do Ensino da Arte no Brasil ... 7

CAPÍTULO 2

Concepções Formativas do Ensino de Arte ... 51

CAPÍTULO 3

O Ensino de Arte na Contemporaneidade Brasileira ... 95

(4)
(5)

Prezado acadêmico, bem-vindo à disciplina de História e Ensino de Arte no Brasil! Ao longo desta disciplina, compreenderemos a dinâmica da história da arte e as principais tendências teórico-metodológicas do ensino da arte no Brasil dos séculos XX e XXI.

No primeiro capítulo desta disciplina, você analisará, sob os pontos de vista filosófico-estético e histórico, a natureza da arte e as possíveis definições e os conceitos dela. Desse modo, você poderá estabelecer relações entre o contexto sócio-histórico brasileiro e o ensino da arte no país, e obter um olhar crítico acerca da dinâmica conceitual sobre a arte nos diferentes momentos históricos dela.

No segundo capítulo, você compreenderá as concepções pedagógicas formativas do ensino de arte na modernidade, como a Escola Nova e o movimento

“Escolinhas de Arte no Brasil”. Conhecerá, mais a fundo, o legado teórico de John Dewey, forte inspirador da Escola Nova no Brasil. Ainda, entenderá a dinâmica do tecnicismo, instalada após a ditadura militar, e conhecerá o movimento Arte- Educação.

Por fim, no terceiro capítulo, você estabelecerá relações entre os contextos multicultural, social e global e o desenvolvimento das concepções pedagógicas formativas do ensino de arte na contemporaneidade brasileira, através do conhecimento da Abordagem Triangular, de Ana Mae Barbosa, e da estrutura organizacional dos PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais, e da BNCC – Base Nacional Comum Curricular, voltados para o ensino da arte na educação infantil, no ensino fundamental e no médio.

Bons estudos e ótimas descobertas!

Professora Brigitte Grossmann Cairus e Professora Elisiane Souza Saiber Lopes

(6)
(7)

C APÍTULO 1

A HISTÓRIA DO ENSINO DA ARTE NO BRASIL

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

 Compreender a dinâmica do conceito de arte.

 Conhecer a trajetória histórica do ensino da arte no Brasil e a importância da modernidade na quebra de paradigmas classicistas da arte.

 Estabelecer relações entre o contexto sócio-histórico brasileiro e o ensino da arte no país, e obter um olhar crítico acerca da dinâmica conceitual da arte nos diferentes momentos históricos.

(8)
(9)

1 CONTEXTUALIZAÇÃO

No primeiro capítulo desta disciplina, primeiramente, analisaremos a natureza da arte, as possíveis defi nições e conceitos sob os pontos de vista fi losófi co- estético e histórico. Também, compreenderemos como a história do ensino da arte, no Brasil, está marcada pela dependência cultural europeia, e como foi infl uenciada pelas culturas indígenas e africanas.

Um dos primeiros produtos culturais brasileiros de origem erudita foi o Barroco. De origem portuguesa, recebeu, através da criatividade popular, características nacionais. Os artistas e artesãos brasileiros criaram, assim, um Barroco distinto, formalmente, do Barroco europeu. A arte barroca era, na época, ensinada em ofi cinas, através das orientações do mestre. Eram, portanto, o único local formal onde o ensino da arte ocorria.

A institucionalização do ensino da arte ocorreu, no Brasil, apenas em 1816, através do ensino elitista do modelo neoclássico, dado pela Missão Francesa. Por outro lado, no fi nal do século XX, os liberais introduziram, no contexto republicano, o ensino do desenho, na educação artística, de modo antielitista, ou seja, como preparação de mão-de-obra para o trabalho nas indústrias, a partir do modelo norte-americano. Esse modelo foi usado, de modo intenso, até meados do século XX.

Por outro lado, o Modernismo trouxe, para o campo educacional, desde o início do século XX, a noção de arte como expressão, e não mais como mimese ou semelhança. A principal contribuição no campo da arte foi a quebra do paradigma classicista, além da possibilidade da formação de uma arte genuinamente brasileira.

2 O QUE É ARTE?

Não existe uma defi nição única e universal para a arte, embora haja um consenso geral de que a arte é a criação consciente de algo bonito ou signifi cativo, usando habilidade e imaginação. A defi nição e o valor percebidos das obras de arte mudaram ao longo da história e em diferentes culturas. O termo “arte” está relacionado com a palavra latina “ars”, que signifi ca arte, habilidade ou habilidade.

Temos o costume de usar a palavra arte para a ideia de saber fazer algo bem feito, por exemplo, a arte da guerra, a arte da política, a arte de cozinhar etc.

(10)

O primeiro uso conhecido da palavra veio de manuscritos do século XIII. No entanto, a palavra arte e as muitas variantes (artem, eart etc.), provavelmente, existiram desde a fundação de Roma. Assim, a arte, quando empregada no domínio das artes visuais, do teatro, da dança e da música, na sua defi nição primeira, incorpora o domínio técnico e a habilidade de fazer a obra que precisa ser admirada, seja ela uma canção, uma escultura, uma poesia, uma coreografi a ou uma pintura. Entretanto, a defi nição é apenas a “ponta do iceberg”, pois o termo engloba vários conceitos e interpretações diferentes.

Historicamente, de início, a arte teve uma função ritual, mágico-religiosa, que foi sofrendo alterações com o passar do tempo. Na civilização ocidental, por exemplo, cumpriu uma função religiosa até o período da Idade Média. Com o Renascimento italiano, nos fi nais do século XV, começou a haver a distinção entre a razão e a fé, e a arte começou a ter uma função mais estética do que religiosa. No período, o artesanato, também, passou a ser distinto das belas artes.

O artesão é aquele que se dedica à produção de obras múltiplas, ao passo que o artista cria obras únicas (CAIRUS, 2018).

A defi nição de arte tem sido debatida durante séculos entre os fi lósofos. ”O que é arte?” é a questão mais básica da fi losofi a da estética, o que, realmente, signifi ca "Como determinamos o que é defi nido como arte?". Isso produz dois conceitos: a natureza essencial da arte e a importância social. Uma defi nição mais simples, geralmente, cai em três categorias: representação, expressão e forma.

• Arte como representação ou mimese. Platão desenvolveu, pela primeira vez, a ideia de arte como “mimese”, que, em grego, signifi ca cópia ou imitação. Por esse motivo, o signifi cado primário da arte foi, durante séculos, defi nido como a representação ou a replicação de algo que é belo, ou signifi cativo. Até, aproximadamente, o fi nal do século XVIII, uma obra de arte era valorizada com base na fi delidade com a qual reproduzia o tema, ou seja, no estilo classicista. Antes do Modernismo, o grande público dava valor a retratos muito realistas, como aos dos grandes mestres Michelangelo, Rubens, Velásquez, e assim por diante.

Com a arte moderna, houve uma quebra de paradigma da mimesis (ou imitação) como valor essencial da arte, e, assim, começamos a ver obras mais geométricas e abstratas, como as distorções cubistas de Picasso, as fi guras surrealistas de Jan Miró, os resumos de Kandinsky ou as pinturas de “ação”, de Jackson Pollock. Embora a arte representacional ou realista ainda exista hoje, não é mais a única medida de valor.

(11)

FONTE: <https://conhecimentocientifi co.r7.com/michelangelo-quem-foi/>; <https://

masp.org.br/acervo/obra/busto-de-homem-o-atleta>. Acesso em: 24 abr. 2020.

FIGURA 1 – DAVID, DE MICHELANGELO (1504), E ATLETA, DE PICASSO (1909)

Arte como expressão de conteúdo emocional. A expressão se tornou importante durante o movimento romântico, com a arte expressando um sentimento defi nido, como nos valores estéticos do sublime ou do dramático. A resposta do público foi importante, pois a obra de arte pretendia evocar uma resposta emocional. Essa defi nição é, ainda, verdadeira hoje, pois os artistas procuram se conectar e evocar respostas dos espectadores.

Arte como forma. Immanuel Kant (1724-1804) foi um dos mais infl uentes fi lósofos da estética do fi nal do século XVIII. Ele acreditava que a arte não deveria ter um conceito, mas ser julgada, apenas, pelas qualidades formais, pois o conteúdo de uma obra de arte não é de interesse estético.

As qualidades formais se tornaram, particularmente, importantes quando a arte se mostrou mais abstrata no século XX, e os princípios da arte e do design (equilíbrio, ritmo, harmonia, unidade) foram usados para defi nir e para avaliar. Hoje, todos os três modos de defi nição entram em jogo para determinar o que é arte e o valor dela, dependendo da obra que está sendo avaliada.

De acordo com Janson (1974), autor do livro clássico A História da Arte, não podemos deixar de ver as obras de arte no contexto do tempo e das circunstâncias, sejam passadas ou presentes. Como poderia ser de outra forma, enquanto a arte ainda está sendo criada ao nosso redor, abrindo nossos olhos quase que, diariamente, para novas experiências, e, assim, forçando-nos a ajustar a nossa visão?

(12)

Ao longo dos séculos, na cultura ocidental do século XI em diante, até o fi nal do século XVII, a defi nição de arte era qualquer coisa feita com habilidade, como resultado do conhecimento e da prática. Isso signifi cou que os artistas aperfeiçoaram o ofício, aprendendo a replicar os temas com habilidade. O epítome disso ocorreu durante a Idade de Ouro Holandesa, quando os artistas eram livres para pintar em todos os tipos de gêneros diferentes e ganhavam a vida com a arte nos favoráveis climas econômico e cultural da Holanda do século XVII.

Durante o período romântico do século XVIII, como uma reação ao Iluminismo, à ênfase na ciência, à evidência empírica e ao pensamento racional, a arte começou a ser descrita não apenas como algo feito com habilidade, mas algo que, também, foi criado na busca da beleza e para expressar as emoções do artista. A natureza foi glorifi cada, e a espiritualidade e a liberdade de expressão foram celebradas. Os próprios artistas alcançaram um nível de notoriedade, e, frequentemente, eram protegidos e fi nanciados pela aristocracia.

O movimento artístico de vanguarda começou na década de 1850, com o Realismo de Gustave Courbet. Foi seguido por outros movimentos de arte moderna, como Cubismo, Futurismo e Surrealismo, nos quais o artista ultrapassou os limites das ideias e da criatividade. Representaram abordagens inovadoras para a produção de arte e a defi nição do que é arte, expandida para incluir a ideia da originalidade da visão. A ideia de originalidade persiste, levando a, cada vez mais, gêneros e manifestações de arte, como arte digital, arte performática, arte conceitual, arte ambiental, arte eletrônica etc.

2.1 ALGUMAS DEFINIÇÕES DE ARTE

Para tentarmos abarcar um pouco da complexidade do universo conceitual, vejamos, agora, algumas defi nições de artistas a respeito da arte. Segundo Marder (2020), cada defi nição é infl uenciada pela perspectiva única dessa pessoa, pela própria personalidade e caráter. Por exemplo:

Rene Magritte

A arte evoca o mistério sem o qual o mundo não existiria.

Frank Lloyd Wright

A arte é uma descoberta e desenvolvimento de princípios elementares da natureza em belas formas adequadas para uso humano.

(13)

Pablo Picasso

O propósito da arte é tirar a poeira da vida diária de nossas almas.

Lucius Annaeus Seneca

Toda arte é apenas uma imitação da natureza.

Edgar Degas

Arte não é o que você vê, mas o que você faz os outros verem.

Jean Sibelius

A arte é a assinatura das civilizações.

Leo Tolstoy

A arte é uma atividade humana que consiste em que um homem, conscientemente, por meio de certos signos externos, transmita, a outros, sentimentos que viveu, e que outros sejam contagiados por esses sentimentos e, também, vivenciem.

Como podemos observar, a arte é um tema complexo, que necessita ser adensado em teorias, defi nições e concepções históricas.

A partir de agora, exploraremos como o ensino da arte sofreu transformações nas concepções formativas através do tempo.

2.2 DEFINIÇÕES DE ARTE SEGUNDO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA

As defi nições clássicas, pelo menos, como são retratadas nas discussões contemporâneas a respeito da defi nição da arte, consideram as obras de arte caracterizadas por um único tipo de característica. De acordo com Adajian (2018), as defi nições-padrão são pautadas em características representacionais, expressivas e formais, como lemos. Portanto, existem defi nições representacionais ou miméticas, expressivas e formalistas, as quais sustentam que as obras de arte são tidas por possuírem, respectivamente, propriedades representacionais, expressivas e formais. Não é difícil encontrar falhas nessas defi nições simples.

Por exemplo, possuir propriedades representacionais, expressivas e formais não pode ser uma condição sufi ciente, uma vez que, obviamente, os manuais de instrução, por exemplo, são representações, mas não, tipicamente, obras de arte.

Rostos humanos e gestos têm propriedades expressivas sem ser obras de arte.

Objetos naturais e artefatos produzidos apenas para fi ns utilitários caseiros têm

(14)

propriedades formais, mas não são obras de arte. A facilidade dessas rejeições, entretanto, serve como um lembrete do fato de que as defi nições clássicas de arte são, signifi cativamente, menos autocontidas ou independentes do ponto de vista fi losófi co do que a maioria das defi nições contemporâneas de arte. Cada defi nição clássica mantém relações estreitas e complicadas com as outras partes, complexamente, entrelaçadas do sistema – epistemologia, ontologia, teoria dos valores, fi losofi a da mente etc. Da mesma forma, grandes fi lósofos, caracteristicamente, analisam os principais componentes teóricos das defi nições de arte de maneiras distintas e sutis. Por essas razões, é difícil compreender as defi nições, isoladamente, dos sistemas estéticos dos quais fazem parte, e resumos breves são, invariavelmente, enganosos. No entanto, alguns exemplos representativos de defi nições, historicamente, infl uentes de arte, oferecidas por fi guras importantes da história da fi losofi a, devem ser mencionados.

Platão sustenta, na República, e em outros lugares, que as artes são representacionais ou miméticas (às vezes, traduzidas como “imitativas”). As obras de arte são, ontologicamente, dependentes, e, portanto, inferiores a objetos físicos comuns. Os objetos físicos, por sua vez, são, ontologicamente, dependentes, assim, inferiores ao que é mais real, às formas metafísicas e imutáveis. Então, as obras de arte apresentam apenas uma aparência das formas ”reais”, apreendidas apenas pela razão. Consequentemente, a experiência artística não pode produzir conhecimento. Como as obras de arte envolvem uma parte instável e inferior da alma, a arte deve ser subserviente às realidades morais, as quais, com a verdade, são mais, metafi sicamente, fundamentais, e devidamente compreendidas, mais, humanamente, importantes do que a beleza. As artes não são, para Platão, a esfera primária na qual opera a beleza. A concepção platônica de beleza é extremamente ampla e metafísica: existe uma forma da beleza, que só pode ser conhecida não de forma perceptual, mas está, mais intimamente, relacionada ao sensorial do que às artes.

Kant tem uma defi nição de arte e de belas-artes. A última, a qual Kant chama de arte do gênio, é um tipo de representação que é intencional em si mesma, e, embora sem um objetivo defi nido, faz o cultivo dos poderes mentais para a comunicação sociável (KANT, 2000). Quando totalmente descompactada, a defi nição tem elementos representacionais, formalistas e expressivos, e se concentra na atividade criativa do gênio artístico (a qual, segundo Kant, possui uma aptidão mental inata através da qual a natureza dá a regra à arte) e nas obras produzidas por aquela atividade. A teoria estética de Kant não é, por razões arquitetônicas, focada na arte. Para Kant, a arte se enquadra no tópico mais amplo do julgamento estético, o que abrange os julgamentos do belo, os julgamentos

(15)

uma estrutura teórica extremamente ambiciosa, a qual, notoriamente, tem, como objetivos, explicar e trabalhar as interconexões entre o conhecimento científi co, a moralidade e a fé religiosa.

O relato da arte de Hegel incorpora a visão da beleza. Ele defi ne beleza como a aparência ou expressão sensorial/perceptiva da verdade absoluta. As melhores obras de arte transmitem, por meios sensoriais/perceptivos, a verdade metafísica mais profunda. Essa verdade, segundo Hegel, é que o universo é a realização concreta do que é conceitual ou racional, ou seja, o que é conceitual ou racional é real, é a força iminente que anima e impulsiona o universo em desenvolvimento autoconsciente. O universo é a realização concreta do que é conceitual ou racional, e o racional ou conceitual é superior ao sensorial.

Assim, como apenas a mente e os produtos são capazes de verdade, a beleza artística é, metafi sicamente, superior à beleza natural. Uma característica central e defi nidora das belas obras de arte é que, por meio da sensação, cada uma apresenta os valores mais fundamentais da civilização. A arte, portanto, como expressão cultural, opera na mesma esfera da religião e da fi losofi a, e expressa o mesmo conteúdo, mas revela, à consciência, os interesses mais profundos da humanidade, de uma maneira diferente da religião e da fi losofi a, porque a arte, sozinha, das três, funciona por meios sensíveis. Assim, dada a superioridade do conceitual sobre o não conceitual, e o fato de que o meio da arte, para expressar/apresentar os valores mais profundos da cultura, é o sensual, ou perceptivo, esse meio é limitado e inferior em comparação ao meio que a religião usa para expressar o mesmo conteúdo, através de imagens mentais. A arte e a religião, por sua vez, são, nesse aspecto, para Hegel, inferiores à fi losofi a, a qual emprega um meio conceitual para apresentar o conteúdo. A arte predomina, inicialmente, em cada civilização, como o modo supremo de expressão cultural, seguida, sucessivamente, pela religião e pela fi losofi a. Da mesma forma, porque as relações amplamente "lógicas", entre arte, religião e fi losofi a, determinam a estrutura real, e porque as ideias culturais do que é, intrinsecamente, valioso, desenvolvem-se de concepções sensuais para não sensuais. Assim, a história é dividida em períodos que refl etem o desenvolvimento teleológico do sensual ao conceitual. A arte, em geral, também, desenvolve-se de acordo com o crescimento histórico de concepções não sensoriais ou conceituais, a partir de concepções sensoriais, e cada forma individual progride, historicamente, da mesma maneira.

(16)

2.3 DEFINIÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE ARTE

As defi nições de arte tentam dar sentido a dois tipos diferentes de fatos: a arte tem importantes características culturais, historicamente, contingentes, e trans- históricas e panculturais, as quais apontam para a direção de um núcleo estético, relativamente, estável. Os teóricos, ou seja, historiadores, fi lósofos e críticos da arte, os quais a consideram uma invenção da Europa do século XVIII, é claro, consideram essa forma, de colocar o assunto, tendenciosa, sob o fundamento de que entidades produzidas fora dessa instituição, culturalmente, distinta, não caem sob a extensão da "arte", portanto, são irrelevantes para o projeto de defi nição de arte (SHINER, 2001). Não está claro se o conceito é preciso o sufi ciente para justifi car tanta confi ança acerca do que se enquadra na reivindicação de extensão.

As defi nições convencionais consideram as características culturais contingentes da arte como fundamentais, e visam capturar os fenômenos – arte moderna revolucionária, tradicional conexão estreita da arte com a estética, possibilidade de tradições artísticas autônomas etc. – em termos sociais e históricos. As defi nições clássicas ou tradicionais revertem essa ordem explicativa. Essas defi nições de sabor clássico tomam conceitos tradicionais, como o estético (ou conceitos aliados, como o formal ou o expressivo), como básicos, e objetivam explicar os fenômenos, tornando esses conceitos mais difíceis, por exemplo, endossando um conceito de riqueza estética o sufi ciente para incluir propriedades não perceptuais ou tentando uma integração desses conceitos.

2.3.1 Defi nições institucionais e históricas

As defi nições convencionalistas negam que a arte tenha uma conexão essencial com propriedades estéticas, formais ou expressivas, ou com qualquer tipo de propriedade, tida, pelas defi nições tradicionais, como essencial à arte.

Foram, fortemente, infl uenciadas pelo surgimento, no século XX, de obras de arte, as quais pareciam diferir, radicalmente, de todas as anteriores. Trabalhos de vanguarda, como os “ready-mades”, de Marcel Duchamp, objetos comuns inalterados, como pás de neve e porta-garrafas, e trabalhos conceituais, como os de Robert Barry. Também, tiveram infl uência do trabalho de uma série de fi lósofos de mentalidade histórica, os quais documentaram a ascensão e o

(17)

As defi nições convencionalistas vêm em duas variedades, institucionais e históricas. O convencionalismo institucionalista, uma visão sincrônica, tipicamente, sustenta que ser uma obra de arte é ser um artefato de um tipo criado por um artista para ser apresentado a um público do mundo da arte (DICKIE, 1984). O convencionalismo histórico, uma visão diacrônica, mantêm que as obras de arte, necessariamente, estão em uma relação histórico-artística com algum conjunto anterior.

DEFINIÇÕES INSTITUCIONAIS

A base para as defi nições institucionais foi lançada por Arthur Danto, mais conhecido, pelos não fi lósofos, como o crítico de arte infl uente de longa data da nação. Danto cunhou o termo “mundo da arte”, sendo que quis dizer “uma atmosfera de teoria da arte”. A defi nição de Danto foi glosada da seguinte forma:

algo é uma obra de arte se, e somente se, (i) tem um assunto (ii) sobre o qual projeta alguma atitude ou ponto de vista (ou estilo), (iii) por meio da retórica, há metafóricas, cuja elipse envolve a participação do público no preenchimento do que está faltando, e (iv) onde a obra, em questão, e as interpretações dela requerem um contexto histórico da arte. A cláusula (iv) é o que torna a defi nição institucionalista. A visão foi criticada por ditar que a crítica de arte escrita, em um estilo altamente retórico, é arte, faltando, mas exigindo uma descrição independente do que torna um contexto arte histórica, e por não se aplicar à música. O institucionalismo mais proeminente e infl uente é o de George Dickie. O institucionalismo de Dickie evoluiu ao longo do tempo. De acordo com uma versão anterior, uma obra de arte é um artefato ao qual alguma pessoa, agindo em nome do mundo da arte, conferiu o status de obra passível de apreciação (DICKIE, 1974). A versão mais recente de Dickie consiste em um conjunto entrelaçado de cinco defi nições:

• Um artista é uma pessoa que participa, com compreensão, na realização de uma obra de arte.

• Uma obra de arte é um artefato, de um tipo criado, para ser apresentado a um público do mundo da arte.

• Um público é um conjunto de pessoas, cujos membros estão preparados para compreender um objeto que lhes é apresentado.

• O mundo da arte é a totalidade de todos os sistemas do mundo da arte.

• Um sistema do mundo da arte é uma estrutura para a apresentação de uma obra de arte, por um artista, para um público do mundo da arte (DICKIE, 1984).

Ambas as versões foram, amplamente, criticadas. Filósofos objetaram que a arte criada fora de qualquer instituição parece possível, embora a defi nição a exclua, e que o mundo da arte, como qualquer instituição, pode apresentar

(18)

equívocos de interpretação. Também, foi afi rmado que a circularidade óbvia da defi nição é viciosa, e que, dada a interdefi nição dos conceitos-chave (arte, sistema do mundo da arte, artista, público da arte), carece de qualquer forma informativa de distinguir os sistemas de instituições de arte de outras instituições sociais semelhantes, como as comerciais, por exemplo.

No início, Dickie afi rmou que qualquer um que se veja como um membro do mundo da arte realmente é: se isso for verdade, então, a menos que existam restrições a respeito dos tipos de coisas que o mundo da arte pode propor como obras de arte, qualquer coisa pode ser uma obra (embora nem todas sejam), o que parece, excessivamente, expansivo. Finalmente, Matravers fez uma distinção proveitosa entre os institucionalismos forte e fraco. O forte institucionalismo sustenta que há alguma razão, a qual é, sempre, a razão que a instituição de arte tem para dizer que algo é uma obra de arte. O fraco institucionalismo sustenta que, para cada obra de arte, existe uma razão, ou outra, a qual a instituição tem para dizer que é uma obra de arte (MATRAVERS, 2000). O fraco institucionalismo, em particular, levanta questões da unidade da arte: se, absolutamente, nada unifi ca as razões que o mundo da arte dá para conferir o capuz artístico às coisas, então, a unidade da classe de obras de arte é, infi nitamente, pequena.

As visões convencionalistas, com ênfase na heterogeneidade da arte, engolem essa implicação. Do ponto de vista das defi nições tradicionais, o fazer subestima a unidade substancial, embora incompleta, da arte, deixando um quebra-cabeça de por que vale a pena dar atenção à arte.

Algumas versões recentes de institucionalismo se afastam de Dickie, ao aceitar o fardo, o qual Dickie rejeitou, de fornecer uma descrição substantiva e não circular do que é ser uma instituição ou mundo da arte. Um, devido a David Davies, faz isso construindo a descrição de Nelson Goodman, das funções simbólicas estéticas. Outro, devido a Abell, combina o relato de Searle, das instituições sociais, com a caracterização de Gaut, das propriedades de fazer arte, e constrói um relato do valor artístico sobre esse acoplamento. O neoinstitucionalismo de Davies afi rma que fazer uma obra de arte requer a articulação de uma declaração artística, o que necessita da especifi cação de propriedades artísticas, o que, por sua vez, busca a manipulação de um veículo artístico. Os "sintomas da estética", de Goodman, são utilizados para esclarecer as condições sob as quais uma prática de fazer é uma prática de fazer artístico: na visão de Goodman, um símbolo funciona, esteticamente, quando é, sintaticamente, denso, semanticamente, denso, relativamente, repleto, e caracteriza referências múltiplas complexas (GOODMAN, 1968).

(19)

institucional em sentido amplo, ou, talvez melhor, sociocultural. A título de crítica, o neoinstitucionalismo de Davies pode ser questionado com base no fato de que, uma vez que todos os símbolos pictóricos são, sintática e semanticamente densos, relativamente, repletos, e, muitas vezes, exemplifi cam as propriedades que representam, parece dizer que cada imagem colorida, incluindo aquelas em qualquer catálogo de produtos industriais, é uma obra de arte (ABELL, 2012).

A defi nição institucional de Abell (2012) adapta a visão de Searle dos tipos sociais: o que é, para alguns, um tipo social, F, ser F é ser, coletivamente, considerado F. Do ponto de vista de Abell, mais especifi camente, o tipo de uma instituição é determinado pela (s) função (ões) valorizada (s), a partir da (s) qual (is) ela foi, coletivamente, considerada, no início, para promover. As funções valorizadas pela crença coletiva são aquelas enunciadas por Gaut, no relato coletivo dele, ou seja, algo é uma instituição de arte se, e somente se, for uma instituição, cuja existência se deve ao fato de ser percebido para desempenhar certas funções, funções essas que formam um subconjunto signifi cativo do seguinte: promover qualidades estéticas positivas, com a expressão da emoção e a facilitação da apresentação de desafi os intelectuais. Conectar a lista de Gaut produz a defi nição fi nal: algo é uma obra de arte se, e somente se, for o produto de uma instituição de arte e afetar, diretamente, a efi cácia com a qual essa instituição desempenha as funções percebidas, às quais a existência é devida.

DEFINIÇÕES HISTÓRICAS

As defi nições históricas sustentam que o que caracteriza as obras de arte está especifi cado em alguma relação histórica da arte com algumas obras de arte anteriores, as quais negam qualquer compromisso com um conceito trans- histórico de arte, como o "artesanato". As defi nições históricas vêm em várias variedades. Todas elas são, ou se assemelham, a defi nições indutivas: afi rmam que certas entidades pertencem, incondicionalmente, à classe das obras de arte, enquanto outras o fazem porque estão nas relações apropriadas com elas.

De acordo com a versão mais conhecida, a defi nição intencional-histórica de Levinson, uma obra de arte é algo que foi, seriamente, considerado, segundo parâmetros de obras de arte preexistentes (LEVINSON, 1990). Uma segunda versão, chamada de narrativismo histórico, surge com várias variedades. Por um lado, uma condição sufi ciente, mas não necessária para a identifi cação de uma obra de arte, é a construção de uma verdadeira narrativa histórica, segundo a qual a obra foi criada por um artista em um contexto artístico, com uma motivação artística reconhecida e viva, e, como resultado de ter sido criada, assemelha-se a, pelo menos, uma obra de arte reconhecida. Em outra versão mais ambiciosa e abertamente nominalista do narrativismo histórico, algo é uma obra de arte se, e somente se, (1) existem relações históricas internas entre ele e as obras de arte já estabelecidas; (2) essas relações são, corretamente, identifi cadas em uma

(20)

narrativa; e (3) essa narrativa é aceita pelos especialistas ou críticos reconhecidos.

Os especialistas não detectam que certas entidades são obras de arte, em vez disso, o fato de os especialistas afi rmarem que certas propriedades são signifi cativas em casos particulares é constitutivo da arte (STOCK; THOMSON- JONES, 2008).

A semelhança dessas visões, com o institucionalismo, é óbvia, e as críticas oferecidas são paralelas àquelas feitas contra ele. Em primeiro lugar, as defi nições históricas parecem exigir, mas carecem de qualquer caracterização informativa das tradições artísticas (funções artísticas, contextos artísticos etc.), portanto, qualquer forma de distingui-las, informativamente (da mesma forma, funções artísticas, ou predecessores artísticos), das tradições não artísticas (funções não artísticas, antecessores não artísticos). Correlativamente, a arte não ocidental parece representar um problema para as visões históricas, uma vez que são, geralmente, isoladas da nossa tradição artística, fi cam excluídas ou incluídas, admitindo, assim, a existência de um conceito supra-histórico de arte. Da mesma forma, podem existir entidades que, por motivos acidentais, não sejam, corretamente, identifi cadas nas narrativas históricas, embora, na verdade, estejam em relações com obras de arte estabelecidas que as tornam, corretamente, descritíveis em narrativas apropriadas. As defi nições históricas demonstram que tais entidades não são obras de arte, mas parece, pelo menos, tão plausível dizer que são obras de arte que não são identifi cadas como tais. Em segundo lugar, as defi nições históricas, também, requerem, mas não fornecem um relato satisfatório e informativo do caso básico: as primeiras obras de arte, no caso das defi nições históricas intencionais, ou as primeiras formas de arte centrais, no caso do funcionalismo histórico. Terceiro, as defi nições históricas nominalistas parecem enfrentar uma versão do dilema de Eutífron, pois qualquer uma dessas defi nições inclui caracterizações substantivas do que é ser um especialista ou não. Se, por um lado, elas não incluem nenhuma caracterização do que é ser um especialista e, portanto, nenhuma explicação de por que a lista de especialistas contém as pessoas que contém, então, o que torna as coisas obras de arte é inexplicável. Por outro lado, suponha que tais defi nições forneçam uma explicação substantiva do que é ser um especialista, de modo que é possuir alguma habilidade que falta aos não especialistas (gosto estético, digamos) em virtude da posse da qual é possível discernir conexões históricas entre obras de arte estabelecidas e obras de arte de vanguarda. Então, a afi rmação de a defi nição da arte ser histórica é questionável, uma vez que o status da arte depende do discernimento relativo dos especialistas na categorização das propriedades que legitimam o fazer artístico.

(21)

O dilema de Eutífron é encontrado no diálogo Eutífron, de Platão, no qual Sócrates pergunta a Eutífron: “O piedoso é amado pelos deuses porque é piedoso ou é piedoso porque é amado pelos deuses?” Embora tenha sido, originalmente, aplicado ao panteão grego antigo, o dilema tem implicações para as religiões monoteístas modernas. Gottfried Leibniz perguntou se o bom e o justo “é bom e justo porque Deus o quer ou se Deus o quer porque é bom e justo”.

Desde a discussão original de Platão, essa questão tem apresentado um problema para alguns teístas, embora outros tenham pensado que é um falso dilema, e que continua a ser um objeto das discussões teológica e fi losófi ca hoje.

Os defensores das defi nições históricas possuem argumentos. O primeiro seria, no que diz respeito às tradições artísticas autônomas, a afi rmação de que qualquer coisa que reconhecêssemos como uma tradição, ou prática artística, apresentaria preocupações estéticas, porque as essas preocupações têm sido centrais desde o início, e persistiram, centralmente, por milhares de anos, na tradição da arte ocidental. Portanto, é uma verdade histórica, não conceitual, que qualquer coisa que reconheçamos como uma prática artística envolve, centralmente, a estética; são, apenas, essas preocupações estéticas que sempre dominaram a nossa tradição artística (LEVINSON, 2002). Esse princípio faz, implausivelmente, todo conceito ser, puramente, histórico.

Em segundo lugar, quanto às primeiras obras de arte, alguns teóricos sustentam que uma categorização delas só pode assumir a forma de uma enumeração.

Stecker adota essa abordagem: ele diz que o relato do que torna algo uma forma de arte central, em um determinado momento, é, no seu núcleo, institucional, e que as formas de arte centrais só podem ser listadas (STECKER, 1997).

Terceiro, quanto ao dilema do estilo Eutífron, pode-se afi rmar que a distinção categorial entre obras de arte e “meras coisas reais” (DANTO, 1981) explica a diferença entre especialistas e não especialistas. Os especialistas são capazes de criar novas categorias de arte. Quando criadas, novas categorias trazem consigo novos universos de discurso. Novos universos de discurso, por sua vez, tornam disponíveis razões, as quais, de outra forma, não estariam disponíveis. Portanto, nessa visão, há o caso de que apenas a palavra dos especialistas é sufi ciente para transformar objetos reais em obras de arte, e é verdade que as atribuições de status de arte dos especialistas têm razões de ser (MCFEE, 2011).

(22)

1- Leia o artigo de Noéli Ramme, intitulado de A Teoria Institucional e a Defesa da Arte (RAMME 2011), disponível em http://www.poiesis.uff.br/PDF/poiesis17/Poiesis_17_ART_

Teoriainstitucional.pdf. Após, faça um resumo do artigo, descrevendo as vantagens e as desvantagens dos principais argumentos que Noéli Ramme apresenta a respeito das ideias de George Dickie, ao conferir que a arte é um artefato ao qual uma ou várias pessoas, agindo em nome de uma certa instituição social (o mundo da arte), atribuem o estatuto de candidato à apreciação”. Depois, feita a leitura do texto de Noéli Ramme, fi nalize os apontamentos com uma refl exão pessoal do que a arte signifi ca para você, em contrapartida às ideias de Dickie.

3 HISTORICIDADE E CONCEPÇÕES FORMATIVAS DO ENSINO DE ARTE NO BRASIL

Agora que já nos deparamos com as complexidades conceituais fi losófi ca, institucional e histórica da arte, em geral, vamos nos concentrar nas veredas em que o ensino se deu em terras brasileiras. Aqui, com certeza, teremos que nos basear em subsídios históricos, ou seja, precisamos compreender a própria história do ensino de arte no país, a transformação desde a época colonial até os dias de hoje. Essas transformações fazem parte dos processos social, cultural e político, e foram tomando corpo através do tempo. Segundo Ferraz e Fusari (2009, p. 27),

“[...] assim como outras áreas do conhecimento, as práticas educativas surgem de mobilizações políticas, sociais, pedagógicas, fi losófi cas, e, no caso da arte, também, de teorias e proposições artísticas e estéticas. Quando caracterizadas nos diferentes momentos históricos, ajudam a compreender melhor a questão do processo educacional e a relação dele com a própria vida”.

Ao longo desta disciplina, estudaremos as principais fases do ensino de arte no Brasil, mas, para melhor compreendermos, de início, a relação entre o

(23)

Linha do tempo do ensino de arte no Brasil:

• 1816: Durante o governo de dom João VI, chega, ao Rio de Janeiro, a Missão Artística Francesa, e é criada a Academia Imperial de Belas Artes. Seguindo modelos europeus, é instalado, ofi cialmente, o ensino de arte nas escolas.

• 1900: Até o início do século XX, o ensino do desenho é visto como uma preparação para o trabalho em fábricas e para serviços artesanais. São valorizados o traço, a repetição de modelos e o desenho geométrico.

• 1922: Apesar da efervescência das manifestações da Semana de Arte Moderna, o ensino segue as tendências da escola tradicional, que defende a necessidade de copiar modelos para treinar habilidades manuais.

• 1930: O compositor Heitor Villa-Lobos, no governo de Getúlio Vargas, institui o projeto de canto orfeônico nas escolas. São formados corais, que se desenvolvem pela memorização de letras de músicas de caráteres folclórico e cívico.

• 1935: O escritor Mario de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura do município de São Paulo, promove um concurso de desenho para crianças com tema livre. O ganhador recebe uma quantia em dinheiro.

• 1948: É criada, no Rio de Janeiro, a primeira "Escolinha de Arte", com a intenção de propor atividades para o aluno desenvolver a autoexpressão e a prática. Em 1971, chega a 32 o número de instituições particulares desse tipo no país.

• 1960: As experimentações que marcam a sociedade, como o movimento da bossa nova, infl uenciam o ensino de arte nas escolas de todo o país.

É a época de a tendência da livre expressão se expandir pelas redes de ensino.

• 1971: Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Educação Artística (que inclui artes plásticas, educação musical e artes cênicas) passa a fazer parte do currículo escolar dos Ensinos Fundamental e Médio.

• 1973: Criação dos primeiros cursos de licenciatura em Arte, com dois anos de duração, e voltados à formação de professores capazes de lecionar música, teatro, artes visuais, desenho, dança e desenho geométrico.

• 1989: Desde 1982, desenvolvendo pesquisas acerca das três ideias (fazer, ler imagens e estudar a história da arte), Ana Mae Barbosa cria a proposta triangular, que inova, ao colocar obras, como referência, para os alunos.

(24)

• 1996: A LDB passa a considerar a Arte como disciplina obrigatória da Educação Básica. Os Parâmetros Curriculares Nacionais defi nem que ela é composta de quatro linguagens: artes visuais, dança, música e teatro.

3.1 BREVE INTRODUÇÃO ÀS CONCEPÇÕES FORMATIVAS

Ao mesmo tempo em que observamos, acerca da historicidade, que as tendências sociais, culturais e políticas exerceram uma infl uência no ensino das artes, é importante, também, salientar que houve uma forte marcação estético- psicológica-pedagógica europeia, além da norte-americana, no ensino das artes no Brasil. Nesse sentido, gostaríamos de compartilhar, com vocês, as tabelas comparativas oferecidas pelo professor americano Arthur Efl ang (1974), o qual, já na década de 1970, havia identifi cado as principais concepções formativas de ensino das artes que ocorreram nos EUA até aquele momento. Segundo Efl ang, houve um casamento entre as orientações estéticas e psicológicas da pedagogia através da história do ensino das artes. Como veremos a seguir, a tendência mimética, ou de imitação, ocorreu com a tendência psicológica comportamental, a tendência pragmática com a cognitiva, e assim por diante. Ao longo desta disciplina, perceberemos que essas mesmas concepções formativas ocorreram, também, no Brasil, mesmo que em períodos históricos levemente diferentes.

MIMETICA: Premissa principal: A arte é uma imitação da natureza. As obras de

arte seriam compreendidas quando os objetos e os eventos representados fos- sem compreendidos pelo espectador.

A qualidade do trabalho é avaliada pela fi delidade ao modelo. A teoria mimética não sofreu nenhum desenvolvimento nos últimos dois séculos; ainda assim,

os critérios miméticos são, frequente-

COMPORTAMENTAL: Premissa prin- cipal: Aprender é por imitação do com-

portamento de outros, por exemplo, as crianças aprendem a falar a língua

dos pais. Quando o modelo é imitado retamente e reforçado, o aprendizado é garantido. As crianças aprendem copiando os desenhos, o som e os movimentos feitos por outras pessoas.

Motivação para aprendizagem propor- QUADRO 1 – ALINHAMENTOS ENTRE AS TEORIAS ESTÉTICA E PSICOLÓGICA ORIENTAÇÕES DA TEORIA ESTÉTICA ORIENTAÇÕES DA TEORIA PSICOLÓGICA

(25)

PRAGMÁTICA: Premissa principal: As obras de arte podem ser conhecidas pelos efeitos que causam no público. A experiência de um espectador é deter-

minada pela transação entre o objeto de percepção e a disposição do espec- tador. Embora os artistas possam criar obras a partir da imaginação, certas suposições da natureza do público po- dem desempenhar um papel na criação

e na apresentação da obra.

COGNITIVA: Premissa principal: O comportamento é mediado pela expe- riência anterior do indivíduo. Essas ex- periências afetam as maneiras como os novos eventos são percebidos e compreendidos, e esses entendimen-

tos permitem, ao indivíduo, adaptar o comportamento ao ambiente. As crianças representam o que sabem na

expressão artística. Como eles optam por fazer essas representações é afetado pelo conhecimento do público-

-alvo, ou seja, o que agrada ou evoca uma resposta.

EXPRESSIVA: Premissa principal: A arte é a expressão das emoções do artista. A arte não é um objeto legislado

por regras, mas um produto que surge como resultado do insight do artista.

A obra de arte, também, é vista como uma revelação da personalidade do artista. Embora o gênio artístico tenha começado a ser celebrado como herói cultural no Renascimento, foi, no início da era romântica do século XIX que essa visão do artista adquiriu o status

de um culto.

PSICANALÍTICA: Premissa principal:

Todo comportamento é, em parte, expressivo, e, frequentemente, moti-

vado por motivações inconscientes, como desejos reprimidos. Estes são canalizados por meio do processo de

sublimação em formas de expressão socialmente aceitas. A arte infantil é regida não pelo que elas copiam, mas

pelo que sentem. A distorção não é um erro, mas é essencial para a auto-

expressão.

OBJETIVISTA: Premissa principal: A obra de arte é uma entidade indepen- dente, e pode falar por si mesma. Não é preciso saber as intenções do artista, ou, mesmo, muito do contexto histórico, a partir do qual ele se desenvolveu, para compreender a obra em questão.

A obra deve ser um todo orgânico, au- toexistente e autossufi ciente em toda a

complexidade e a unidade.

GESTALT: Premissa principal: O signifi cado das formas é acessível, diretamente, na percepção. As formas

de arte são bons gestos que expres- sam a natureza inerente da maneira

mais clara e pelos meios mais eco- nômicos. A percepção é um processo legal regido por formas específi cas de

organização, como fechamento, sim- plicidade, semelhança, fi gura-fundo etc. A arte infantil se desenvolve de acordo com certas leis inatas que vão do simples ao complexo, através d um

processo de diferenciação.

FONTE: Efl ang (1974, p. 23)

(26)

Dos casamentos dessas tendências estéticas e psicológicas, podemos, segundo Arthur Efl ang (1979), observar as seguintes tendências no ensino das artes:

MIMÉTICA X COMPORTAMENTAL:

A ARTE é uma imitação da natureza. APRENDER é uma mudança de comportamento. O COMPORTAMENTO é adquirido e modifi cado por imitação. O ENSINO fornece, aos alunos, modelos para imitarem.

PRAGMÁTICA X COGNITIVA:

A ARTE é um instrumento que produz efeitos sobre o público. APRENDER é um instrumento que permite, ao indivíduo, adaptar-se ao meio. O COMPORTAMENTO é mediado pelo aprendizado prévio. O ENSINO proporciona, aos alunos, problemas para darem estrutura à experiência.

EXPRESSIVA X PSICANALÍTICA:

A ARTE é a expressão das emoções do artista. APRENDIZAGEM é uma adaptação ou sublimação social; a descoberta de canais aceitáveis para necessidades e impulsos. O COMPORTAMENTO é motivado por necessidades e desejos, muitas vezes, ocultos ou reprimidos, e todo comportamento observado é um refl exo disso. O ENSINO proporciona um ambiente terapêutico que nutre e abriga o aluno.

OBJETIVISTA X GESTALT:

A ARTE é autônoma e autossufi ciente. APRENDER é a descoberta da estrutura, da diferenciação e da integração. O COMPORTAMENTO é holístico, no qual as partes encontram o signifi cado no todo. ENSINAR proporciona um treinamento perceptivo, apontando o que há para ser descoberto.

De modo geral, observa-se que, no Brasil, a tendência mimética e comportamental, conhecida, por nós, como pedagogia tradicional, foi introduzida no ensino de arte com a Academia de Belas Artes, no século XIX, e foi, sobretudo, infl uente até 1920, apesar de, ainda, estar ativa nos tempos de hoje. Com o advento da Escola Nova, houve a tendência pragmática e cognitiva, de 1920 a 1960, famosa como pedagogia renovada. A tendência expressiva e psicanalítica, a tida pedagogia formalista, ou tecnicista, foi infl uente, no Brasil, de 1950 a 1990,

(27)

Essas considerações não são totalmente fi xas no tempo e no espaço, uma vez que o Brasil possui uma diversidade social que varia de estado para estado, cidade para cidade, e que pode infl uenciar a dinâmica pedagógica nas escolas.

Ao mesmo tempo, é importante frisar que essas tendências não atuam no ensino de artes de modo exclusivo, ou seja, dependendo dos objetivos propostos, um professor de Artes pode empregar, ao mesmo tempo, concepções formativas distintas. Retornaremos ao estudo mais detalhado das concepções formativas do ensino de artes nos Capítulos 2 e 3 deste livro.

4 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Analisaremos, com mais detalhes, os antecedentes históricos do ensino de arte em Terra Brasilis. No livro Arte-Educação no Brasil, Ana Mae Barbosa (2012) pontua que as primeiras instituições de ensino superior, criadas no Brasil, no século XIX, foram as escolas militares, os cursos médicos e a Academia Imperial de Belas-Artes, criada por D. João VI, através do Decreto-Lei do Reinado, em 1816, e que começou a funcionar, efetivamente, em 1826.

FONTE: <http://multidisci.blogspot.com/2014/03/projeto-pascoa- na-escola-1.html>. Acesso em: 24 abr. 2020.

FIGURA 2 – ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS-ARTES, 1826

Essas instituições foram criadas devido à necessidade de formação de uma elite que defendesse a colônia dos invasores e que movimentasse, culturalmente, a Corte, e, durante a República, que educasse a elite para governar o país.

Os responsáveis pela criação da Academia de Belas-Artes eram franceses e bonapartistas, e grande parte dos artistas franceses foi convidada a lecionar na Escola Nacional de Belas Artes (nome que a Academia recebeu após a

(28)

Proclamação da República). Dentre os artistas da Missão Francesa que chegaram no Rio de Janeiro, em março de 1816, podemos citar Jean-Baptiste Debret (1768- 1848), Nicolas Antoine Taunay (1755-1830), Auguste Marie Taunay (1768-1824) e Grandjean de Montigny (1776-1850).

FONTE: <https://www.pinterest.pt/pin/521854675550175124/>. Acesso em: 24 abr. 2020.

FIGURA 3 – ESTUDO PARA DESEMBARQUE DE LEOPOLDINA DE HABSBURGO–LORENA, DE DEBRET, 1837

Após a queda de Napoleão, em 1813, os bonapartistas perderam prestígio político, o que causou uma oposição política que acabou gerando um preconceito contra o ensino da arte no Brasil.

Outro preconceito enfrentado pela Escola Nacional de Belas Artes foi de ordem estética, uma vez que a tradição artística brasileira, na época, era, marcadamente, a do barroco-rococó, enquanto os membros da Missão Francesa tinham uma proposta, claramente, neoclássica. A substituição do calor do emocionalismo barroco pela frieza do intelectualismo neoclássico, considerado, na época, um estilo moderno, provocou uma “suspeição e o arredamento popular em relação à arte no Brasil” (BARBOSA, 2012, p. 19). Desse modo, as expressões artísticas neoclássicas foram aceitas mais pela burguesia do que pela classe popular, afi liada ao barroco brasileiro, e representada por exímios artistas populares, mestiços, em sua maioria. Ao mesmo tempo, o artista da época não gozava da mesma reputação social atribuída ao escritor e ao poeta. Isso seu deu,

(29)

algum, comparar-se a eles. O segundo motivo estava relacionado ao período colonial anterior à Missão Francesa, ou seja, do século XVI ao XVIII, quando os jesuítas foram os principais responsáveis pela rede escolar no Brasil. A ênfase de ensino, dentro de uma visão escolástica, estava, sobretudo, voltada ao estudo da literatura. As atividades manuais não eram bem-vindas nas escolas dos homens livres, mas aceitas nas missões indígenas e no treinamento dos escravos.

Mesmo após a expulsão, em 1759, a infl uência da educação jesuítica permaneceu forte, e somente começou a modifi car com o ensino do desenho a partir do início do século XIX, inicialmente, introduzido no currículo do Padre João Ribeiro Pessoa de Melo, no Seminário Episcopal de Olinda, e, depois, por Manoel Dias de Oliveira, que introduziu o modelo vivo no ensino de desenho no Brasil, prática, também, posteriormente, muito explorada pela Missão Francesa, aos moldes classicistas de Albrecht Dürer e de Leonardo da Vinci (BARBOSA, 2012).

O processo de respeitabilidade do trabalho manual se iniciou somente após a abolição da escravatura, em 1888, momento que coincidiu com a primeira etapa tardia da revolução industrial brasileira, quando as artes aplicadas à indústria, e vinculadas à técnica, começaram a ser valorizadas como meio de desenvolvimento econômico do país e da classe dos obreiros. O desenho passou a ser uma linguagem da técnica e da ciência no Brasil, sobretudo, a partir do início do século XX.

4.1 O ENSINO DE ARTE NO INÍCIO DO SÉCULO XX

No início do século XX, as ideias políticas, fi losófi cas e pedagógicas, que formaram a base do movimento republicano de 1889, ainda estavam presentes, e foram muito infl uentes para os objetivos do ensino da arte nos ensinos primário e secundário, sobretudo, até o período da Primeira Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, já havia uma preparação para as ideias modernistas, que se revelariam, no Brasil, em 1922, durante a Semana de Arte Moderna. Alguns eventos fi zeram parte dessa infl uência do modernismo na nossa cultura, como a chegada do pintor expressionista Lasar Segall, em 1913; a publicação, em 1917, do artigo de Oswald de Andrade, intitulado de Em Prol de uma Arte Nacional; e a exposição, no mesmo ano, da artista expressionista brasileira Anita Malfatti (BARBOSA, 2012). Contudo, esses eventos pré-modernistas não tiveram, de imediato, uma infl uência no ensino da arte na escola primária, secundária ou superior. Este último, por sua vez, mantinha, ainda, como modelo, na Escola Nacional de Belas- Artes, os moldes mais arcaicos do Classicismo. Essa metodologia infl uenciou o

(30)

ensino da arte nos ensinos primário e secundário durante os primeiros vinte e dois anos do século XX, contando com o processo de cientifi zação da arte, derivada do encontro entre a arte e a indústria.

O termo “clássico” entrou em uso, no século XVII, para descrever as artes e a cultura das antigas civilizações da Grécia e de Roma. O seguimento dos princípios dessas civilizações antigas, na arte, na arquitetura e na literatura, é conhecido como Classicismo. É, geralmente, associado à harmonia, à moderação e à obediência a padrões reconhecidos de forma e de habilidade. A partir da Renascença, o Classicismo dominou a arte ocidental, com a mitologia clássica – consistindo em vários mitos e lendas dos antigos deuses e heróis gregos e romanos –, tornando-se uma importante fonte de temas para a pintura ao longo da história.

A principal preocupação, a respeito do ensino da arte nesse período, foi a implantação e a obrigatoriedade dele nas escolas primárias e secundárias. Os argumentos e modelos dessa implantação estavam baseados, principalmente, nas ideias de Rui Barbosa, expressas em 1882 e em 1883, nos projetos de reforma dos ensinos primário e secundário.

Durante o início do século XX, o ensino da arte, na escola, resumia-se ao ensino do desenho. Um dos principais defensores do desenho, naquele período, foi André Rebouças, que já havia submetido o artigo Generalização do Ensino do Desenho em O Novo Mundo, jornal publicado em português, em Nova York, pelo brasileiro José Carlos Rodrigues, que tinha grande repercussão entre os intelectuais brasileiros da época. Nesse texto, André Rebouças defende que

O Ministério da Instrução Pública, da França, tomou, ultimamente, em junho de 1878, uma excelente medida, que muito desejamos que seja imitada no Brasil: tornou obrigatório o ensino do Desenho em todas as classes do Liceu durante os sete anos do tirocínio (grifo original).

Essa disposição se devia aplicar, imediatamente, ao Colégio Pedro II e a todos os estabelecimentos congêneres da capital e das Províncias do Império.

O desenho é um complemento da escrita, da caligrafi a e

(31)

É importante salientar que o desenho já estava incluído na educação aristotélica dos jesuítas, e se tornou mais forte desde o início do século XIX, quando foi eleito como metodologia essencial da pedagogia neoclássica, que valorizava a precisão da linha e do modelado. A metodologia neoclássica, pautada no desenho, refl etia a infl uência dos exercícios de observação da escultura antiga, e fornecia pela razão, pela teoria, pelas convenções da composição para melhor compreender a tradição classicista. No século XX, a força do desenho continuou, e foi incluída nas escolas primária e secundária brasileiras, mais como uma forma escrita tecnicista do que como uma arte plástica. Até mesmo, o modernista Mário de Andrade, embora responsável, como veremos adiante, pelas renovações no ensino da arte, defendeu, na década de 30, o desenho, no artigo Do Desenho:

[...] Sempre é certo que o desenho está, pelo menos, tão ligado, pela fi nalidade, à prosa, e, principalmente, à poesia, como está pelos meios de realização à pintura e à escultura.

[...] Nós temos dados positivos para saber que, de fato, foi, do desenho, que nasceu a escrita dos hieróglifos (ANDRADE, 1965, p. 71-72 apud BARBOSA, 2012, p. 36).

Percebemos, assim, que a identifi cação do desenho com a escrita chegou até o Modernismo, e foi usada como argumento para tentar vencer o preconceito contra a arte e para demonstrar que a capacidade para desenhar era, historicamente, natural aos homens.

Entre 1885 e 1895, ocorreu o primeiro surto industrial brasileiro, que reforçou a ideia da educação para o progresso da nação. Vista não somente como uma técnica, mas como possuindo qualidades estéticas de elevar a alma à beleza, a arte ligada à indústria foi muito defendida como parte dos currículos escolares primário e secundário.

Ao mesmo tempo, em 1876, ocorreu a Exposição Internacional Americana Centennial Exhibition of Philadelfi a, que intensifi cou o interesse do Brasil pela arte industrial, sobretudo, devido à qualidade do desenho de máquinas industriais.

O progresso industrial norte-americano foi atribuído ao estudo do desenho e à boa organização do ensino da arte, aplicada à indústria, o qual foi divulgado no Brasil através de O Novo Mundo, que publicou, em 1878, um número especial da Centennial Exhibition, e que, com frequência, veiculava notícias dot desenvolvimento do desenho industrial nos EUA e na Europa.

O Novo Mundo, também, incentivou o Liceu de Artes e Ofícios de Bethencourt da Silva, única entidade educacional brasileira, na época, que articulava o ensino do desenho com aplicações à arte e à indústria. O aspecto propedêutico do desenho, ou seja, ligado à educação do caráter, da inteligência e da perseverança, através do trabalho, foi um objetivo marcante para os positivistas e para os liberais.

(32)

A reforma do ensino republicano, em 1890, foi caracterizada pela aproximação dos ideais do liberalismo americano e do positivismo francês na política, frutos da abolição da escravidão, de 1888, e da queda da Monarquia, de 1889. Com isso, o ensino do desenho foi incluído no currículo e se tornou obrigatório nos ensinos primário e secundário, não no sentido de uma preocupação com a arte em si, mas com o intuito de preparar o aluno para o trabalho e para o aperfeiçoamento intelectual.

4.2 A INFLUÊNCIA DO LIBERALISMO DE RUI BARBOSA

O liberalismo foi uma doutrina dos pensamentos social, político e econômico que surgiu na Europa, no século XVIII, através das ideias do fi lósofo inglês John Locke (1632-1704), na obra Segundo Tratado do Governo Civil. Nela, Locke negava a origem divina do poder e defendia a ideia de que os cidadãos tinham os direitos naturais de liberdade, de propriedade privada e de resistência contra governos tiranos. Em outras palavras, o liberalismo era contra o mercantilismo e a intervenção do Estado na economia, e não só infl uenciou a política, mas a educação. No Brasil, o maior defensor foi Rui Barbosa. Segundo o fi lósofo,

o ensino do desenho, a popularização e a adaptação aos fi ns da indústria têm sido os principais motores da prosperidade do trabalho em todos os países já iniciados na imensa liça, em que se têm assinalado a Inglaterra, os Estados Unidos, a França, a Alemanha, a Áustria, a Suíça, a Holanda e a Itália (BARBOSA, 2012, p. 43).

A teoria política-liberal, de Rui Barbosa, tinha, como objetivo, a função prática de enriquecer, economicamente, o país, através do desenvolvimento industrial.

A educação técnica do povo, através do desenho, era considerada uma das condições básicas para esse desenvolvimento.

A inserção do desenho, na educação brasileira, segundo moldes americanos, foi, também, infl uenciada pelo teórico Walter Smith (1836-1886), educador de arte britânico e autor de livros de desenho e de educação artística industrial, conhecido como o principal defensor do design industrial nos Estados Unidos, o qual Rui Barbosa tomou, como referência, para produzir o Parecer sobre o Ensino Secundário, em 13 de abril de 1882. Esse parecer foi usado, na escola, até a

(33)

Várias mudanças das ordens social, cultural, econômica e pedagógica ocorrem durante o século XX, e interferiram na educação. Mesmo com o foco do desenho no ensino de arte, novas abordagens começaram a aparecer, construindo uma transformação engendrada pelo modernismo. A Semana de 22 teve grande marco, e renovou não só a cultura artística da época, mas, também, a produção de arte e o ensino dela no pais.

4.3 A INFLUÊNCIA DO POSITIVISMO

O positivismo, fundado pelo francês Auguste Comte (1798-1857), foi um movimento fi losófi co e político que teve uma difusão muito ampla na segunda metade do século XIX.

As afi rmações básicas do positivismo são (1) que todo o conhecimento de questões, de fato, é baseado nos dados “positivos” da experiência, e (2) que, além do reino dos fatos, estão o da lógica pura e o da matemática pura. Essas duas disciplinas já eram reconhecidas pelo empirista e cético escocês, do século XVIII, David Hume, como preocupadas, meramente, com as “relações de ideias”, e, em uma fase posterior do positivismo, foram classifi cadas como ciências puramente formais. Do lado negativo e crítico, os positivistas se tornaram conhecidos pelo repúdio à metafísica, ou seja, à especulação da natureza da realidade, que vai, radicalmente, além de qualquer evidência possível que poderia apoiar ou refutar tais afi rmações de conhecimento "transcendente". A partir da postura ideológica básica, o positivismo é, portanto, mundano, secular, antiteológico e antimetafísico.

A adesão estrita ao testemunho de observação e de experiência é o imperativo muito importante do positivismo. Esse imperativo se refl etiu, também, nas contribuições dos positivistas à ética e à fi losofi a moral, geralmente, utilitaristas, a ponto de algo, como “a maior felicidade para o maior número de pessoas”, ser a máxima ética. É notável, a esse respeito, que Comte foi o fundador de uma religião de curta duração, na qual o objeto de adoração não era a divindade das fés monoteístas, mas a humanidade.

Na segunda metade do século XIX, o positivismo francês atraiu o interesse de muitos intelectuais latino-americanos, os quais identifi caram, na fi losofi a de base científi ca de Auguste Comte (1798-1857), as chaves para a reforma social no continente. O positivismo prometia progresso, disciplina e moralidade com liberdade da alegada tirania da teologia católica, com o domínio do discurso religioso na América Latina.

(34)

Embora o positivismo tenha afetado todos os países latino-americanos no século XIX, a infl uência dele, em nenhum lugar, foi tão profunda ou difundida como no Brasil. Os positivistas ganharam prestígio imediato ao criticar a Igreja Católica Romana, a escravidão e a monarquia, como grandes obstáculos ao progresso nacional. Em 11 de maio de 1881, Miguel Lemos (1854-1917), e o cunhado, Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927), fundaram a Igreja Positivista do Brasil, no Rio de Janeiro. Os Apóstolos da Humanidade – como fi caram conhecidos – tinham estudado com Comte, em Paris, e idealizado o Apostolado Positivista como um esforço evangelizador, em linha com o Positivismo Europeu.

Desde o início, a Igreja Positivista do Brasil pregou a Religião da Humanidade de Comte, cuja missão principal era completar o pacto entre as classes sociais, o qual traria uma humanidade unifi cada, da elite instruída ao proletariado. A sede da igreja construída no Rio de Janeiro, também conhecida como Templo da Humanidade, foi a primeira construção para difundir a religião positivista no mundo.

A Religião da Humanidade reconheceu, como santos, aquelas fi guras históricas que representaram fases-chave na evolução social dos homens, incluindo Moisés, Júlio César, Shakespeare e Dante. As mulheres eram centrais para a doutrina, pois Comte acreditava que elas possuíam certas qualidades inatas, como afeto e bondade, as quais ajudariam a humanidade a alcançar o estágio positivista. As mulheres deveriam ser veneradas como as principais representantes da humanidade, pois eram responsáveis por transmitir as crenças positivistas à família.

A Igreja Positivista tentou controlar o movimento positivista no Brasil, publicando milhares de tratados e de panfl etos de questões sociais de amplo alcance. No entanto, apesar da contribuição inegável, a igreja atraiu apenas um pequeno número de seguidores, e a absorção, na teologia ortodoxa, alienou muitos membros não afi liados, como Benjamin Constant.

O positivismo infl uenciou o pensamento e as ações dos fundadores da república brasileira. Vários militares envolvidos no golpe de Estado, o qual depôs a monarquia e proclamou, o Brasil, uma república, em 1889, eram seguidores do movimento. Sob a infl uência de Miguel Lemos e de Teixeira Mendes, o lema de Comte, “L'amour pour principio et l’ordre pour base; le progress pour but” (Amor como princípio e ordem como base; Progresso como meta), acabou inscrito, na nova bandeira brasileira, como “Ordem e Progresso”.

(35)

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/645985140293228092/>. Acesso em: 24 abr. 2020.

FIGURA 4 – DETALHE DA BANDEIRA NACIONAL POSITIVISTA - ORDEM E PROGRESSO

O amor do positivismo, pela ciência, e o desejo por reformas, também, afetaram o desenvolvimento intelectual de alguns dos maiores escritores do Brasil, incluindo Euclides da Cunha e Lima Barreto. O positivismo começou a se enfraquecer após a virada do século XX. Os fundadores do Apostolado Positivista, no Brasil, tornaram-se, cada vez mais, isolados no fervor espiritual, que não era mais compartilhado por intelectuais, cujos interesses se voltavam mais para o evolucionismo e para a educação darwinistas. No entanto, a ênfase de Comte, em uma base matemática quantitativa para a tomada de decisão, permanece conosco hoje. É a base da noção moderna de positivismo, da análise estatística quantitativa moderna e da tomada de decisões em negócios.

1 - Para compreender mais a respeito da infl uência do positivismo na política e na educação brasileira, leia o artigo Ordem e Progresso: Como as Ideias de um Filósofo Francês do Século 19 Ajudam a Entender a Formação do Brasil, de Vinícius Mendes (2020), no site da BBC: https://

www.bbc.com/portuguese/brasil-53829948. Após realizar os apontamentos principais do artigo, analise, com as suas próprias palavras, o seguinte depoimento de Martiniak, localizado mais ao fi m do artigo, no que tange à infl uência do positivismo para a valorização das ciências naturais em detrimento das humanas: Os ideais positivistas de ordem e progresso estão presentes, hoje, na educação, como um

Referências

Documentos relacionados

O Núcleo de Arte - Campus João Câmara (NUARTE/JC) tem como objetivo central contribuir para a formação artística, cultural e crítica de estudantes que integram a

Não há, pois, como se furtar ao sentido que Rancière entende dar ao termo estética em tempos de desencantamento pós-moderno:” não a teoria da arte em geral ou uma teoria da arte

Recorrendo a Gadamer e aos seus conceitos fundamentais de crítica da consciência estética e de jogo como fio condutor da leitura ontológi- ca da obra de arte, foi

apropriação não se resume apenas a uma posição crítica sobre o produto cultural, mas também a extinção de toda uma tradição de produção artística baseada nos meios que

Segundo a definição de Jane Turner (1960), arte islâmica é: “a arte feita por artistas ou artesãos cuja religião é o islã, para os patronos que viviam em

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO A CRÍTICA DE ARTE E A EXPOSIÇÃO DAS DIFERENÇAS: Os efeitos da crítica jornalística no processo social da legitimação da

Neste sentido, por meio da linguagem artística assemblage 1 os alunos da Escola Estadual Dom Prudêncio situada no município de Posse farão a releitura das obras de arte,

Segundo os PCN’s os objetivos gerais da área de Arte para o ensino fundamental devem pautar-se no desenvolvimento da competência artística e estética do aluno de forma a contribuir