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Capítulo II – As políticas sociais em Portugal durante a primeira fase da I República (1910-1916) 140

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ÍNDICE

LISTA DE ABREVIATURAS ... 4

Introdução ... 8

Capítulo I – As origens das políticas sociais em Portugal na Monarquia Constitucional (1890-1910)43 1.1. Trabalho e Leis Laborais ... 48

1.2. Previdência Social ... 94

1.3. Beneficência ... 112

1.4. Hospitalização ... 125

Capítulo II – As políticas sociais em Portugal durante a primeira fase da I República (1910-1916) 140 2.1. Governo Provisório (1910-1911) ... 153

2.1.1. Trabalho ...153

2.1.2. Previdência social ...179

2.1.3. Assistência pública ...184

2.1.4. Hospitalização ...195

2.2. A consolidação do regime e a lenta implementação das políticas sociais (1911-1916) ... 198

2.2.1. Regime laboral e horário de trabalho ...198

2.2.2. Seguro social contra acidentes de trabalho e demais previdência social ...237

2.2.3. Assistência pública ...246

2.2.4. Os Hospitais Civis de Lisboa ...258

Capítulo III – A criação, funcionamento e extinção do Ministério do Trabalho e Previdência Social e

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3.1. O Governo de União Sagrada e o III Governo de Afonso Costa (1916-1917) ... 278

3.1.1. As relações laborais sob o novo Ministério ...278

3.1.2. A previdência social no seio da nova orgânica ministerial ...282

3.1.3. A assistência pública no contexto dos efeitos da I Guerra Mundial em Portugal ...287

3.1.4. A hospitalização central em Lisboa ...293

3.2. O Sidonismo (1917-1918): reformas e reconfigurações ... 298

3.2.1. Relações laborais...300

3.2.2. Previdência social ...304

3.2.3. A Assistência pública como espelho da tipologia das políticas sociais ...308

3.2.4. Os Hospitais Civis de Lisboa: consagração da autonomia técnica e administrativa ...315

3.3. A segunda fase da I República: a emergência da intervenção no plano social (1918-1926) .... 320

3.3.1. 1918-1919: horário de trabalho, seguros sociais obrigatórios, assistência pública e beneficência privada, os Hospitais Civis de Lisboa ...324

3.3.1.1. Leis laborais e horário de trabalho: a jornada de trabalho das oito horas diárias ...324

3.3.1.2. A nova previdência social: os seguros sociais obrigatórios ...330

3.3.1.3. A assistência pública ...339

3.3.1.4. Os Hospitais Civis de Lisboa ...343

3.3.2. Os anos posteriores (1919-1926): leis laborais, previdência social, assistência pública (misericórdias e instituições de assistência), os Hospitais Civis de Lisboa ...344

3.3.2.1. Regime laboral: as resistências à aplicação da legislação ...346

3.3.2.2. Previdência social: o falhanço da aplicação dos seguros sociais obrigatórios na doença, invalidez, velhice e sobrevivência e o funcionamento do seguro por acidente de trabalho ...373

3.3.2.3. A reformulação do regime de funcionamento da Assistência Pública: misericórdias e instituições de assistência ...399

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Capítulo IV – Breve exposição. As políticas sociais sob a Ditadura: a estruturação do corporativismo

social sobre o edifício liberal (1926-1933) ... 436

4.1. Relações laborais ... 440

4.2. Previdência social ... 447

4.3. Assistência Pública e beneficência privada ... 455

4.4. Hospitais Civis de Lisboa ... 460

Conclusão ... 462

Fontes e Bibliografia ... 472

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACAP – Associação Central da Agricultura Portuguesa ACL – Associação Comercial de Lisboa

ACLL – Associação Comercial dos Lojistas de Lisboa

AILD – Associação Internacional para a Luta contra o Desemprego AIP – Associação Industrial Portuguesa

AIPLT – Associação Internacional para a Protecção Legal dos Trabalhadores AIPS – Associação Internacional para o Progresso Social

AISS – Associação Internacional para os Seguros Sociais ANC – Assembleia Nacional Constituinte

ANT – Assistência Nacional aos Tuberculosos Art. Cit. – Artigo Citado

BIT – Bureau international du travail C.ª – Companhia

Cf. – Conforme Cit. – Citado

CGA – Caixa Geral de Aposentações CGD – Caixa Geral de Depósitos

CGDIP – Caixa Geral de Depósitos e Instituições de Previdência CGDCP – Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência CGT – Confederação Geral do Trabalho

CIS – Comissão Intersindical

CNP – Caixa Nacional de Previdência

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5 Cx. – Caixa

D. – Data E. – Editor

EIPM – Escritório Internacional Permanente da Mutualidade EIT – Escritório Internacional do Trabalho

EUA – Estados Unidos da América Fl. – Folha

FAO – Federação das Associações Operárias FIM – Federação Internacional da Mutualidade

FNADC – Federação Nacional dos Amigos e Defensores das Crianças FNASM – Federação Nacional das Associações de Socorros Mútuos FNIPI – Federação Nacional das Instituições de Protecção à Infância GNR – Guarda Nacional Republicana

ILO – International Labour Office

ILO – International Labour Organisation INE – Instituto Nacional de Estatística

INSP – Instituto Nacional de Seguros e Previdência INTP – Instituto Nacional do Trabalho e Previdência

ISSOPG – Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral L - Local

L.º – Livro Mc. – Maço N.º – Número

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6 Op. Cit. – Obra Citada

P. – Página Proc. – Processo

PCP – Partido Comunista Português PIB – Produto Interno Bruto

PNRP – Partido Nacional Republicano Presidencialista PRE – Partido Republicano Evolucionista

PRED – Partido Republicano da Esquerda Democrática PRL – Partido Republicano Liberal

PRN – Partido Republicano Nacionalista PRP – Partido Republicano Português

PRP/ PD – Partido Republicano Português/ Partido Democrático PRR – Partido Republicano Radical

PRRN – Partido Republicano de Reconstituição Nacional PRU – Partido Republicano Unionista

PSP – Partido Socialista Português

RACAP – Real Associação Central da Agricultura Portuguesa S. – Sem

SCML – Santa Casa da Misericórdia de Lisboa SDN – Sociedade das Nações

SPIC – Secção Portuguesa da Internacional Comunista ULR – União Liberal Republicana

UON – União Operária Nacional

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8 Introdução

A sociedade e a sua evolução determinam as características fundamentais da situação existente num dado contexto histórico. Neste âmbito, os actores sociais adquirem um carácter próprio que pode ser percepcionado através de diferentes ângulos e perspectivas. A escolha do estudo da intervenção do Estado na sociedade definindo as políticas sociais é o objecto que consideramos mais adequado para a análise que pretendemos desenvolver nas páginas que se seguem. Assim, o Estado moderno, entendido na sua complexificação crescente determinada no período contemporâneo e conduzida pela sua primeira edificação na idade liberal durante o século XIX – limitado à acção de salvaguarda da vida, da segurança e da propriedade – acaba por sofrer diversas alterações que o obrigam a não mais negligenciar a questão social e que não mais deixará de estar sob análise e realce, sobretudo durante todo o primeiro terço do século XX onde os efeitos das diferentes crises económicas e convulsões sociais o modelam e redesenham. No entanto, esta seria uma análise parcelar se não levasse em linha de conta o papel decisivo que a acção das forças sociais produziu nessa evolução, quer relativamente à sua inserção na cadeia produtiva – trabalhadores e patronato –, quer na sua correspondência social – classes, grupos e meios sociais –, quer também relativamente à sua representação política – regime político na versão demoliberal sem direitos políticos, económicos ou sociais universais, promovendo a exclusão da maioria da população da decisão política. O seu contexto histórico abarca um período balizado entre o Portugal finissecular de Oitocentos, submetido aos efeitos de uma grave crise económica e financeira após 1890, quando se identificam as primeiras medidas de intervenção de carácter global e o Portugal de entre as Guerras, quando se encerra a longa experiência demoliberal iniciada com a Revolução liberal de 1820 e se inicia o também extenso período ditatorial e de edificação do fascismo nos planos político, económico e social, após 1926. As diferentes reconfigurações do Estado, tal como a evolução das classes e grupos sociais em presença terão, pois, de estar em permanente análise no sentido de compreender a longa e complexa marcha das políticas sociais promovidas pelo Estado em Portugal durante as cerca de quatro décadas e meia que separam 1890 e 1933.

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Na verdade, têm havido alguns contributos vindos da história como até de outras áreas científicas que abordam áreas tão diversas como o direito do trabalho e a legislação laboral, a previdência social e os esquemas de protecção social em geral, a assistência pública aos indigentes e a repressão policial e penal da mendicidade, a hospitalização e as políticas públicas na área da saúde, a habitação social, popular e operária, entre outras temáticas. No entanto, continua a faltar uma reflexão, que numa perspectiva estrutural, trace de forma integrada e articulada a história das políticas públicas de âmbito social promovidas pelo Estado. Este estudo é também completado pelas suas óbvias e amplas relações com os agentes sociais, tais como: o movimento autónomo dos trabalhadores e a sua intervenção nos planos do sindicalismo, do mutualismo e do cooperativismo, por um lado; o associativismo patronal e o poder económico e financeiro, por outro.

É este o nosso propósito ao desenvolvermos esta linha analítica. Por um lado, delinear a trajectória, os bloqueios e impasses, as rupturas e as continuidades e aquilatar a execução prática dos modelos delineados, tal como as influências externas e as características intrínsecas da evolução da intervenção do Estado no plano social. Por outro lado, definir qual o real objectivo do Estado na sua intervenção legislativa no período, a que se junta ainda a própria periodização e inserção de Portugal no contexto europeu e mundial, a que não é alheia igualmente a feição política e ideológica dos regimes políticos em questão e em que é crucial compreender a sua verdadeira matriz e objectivos no plano social. Por outro lado, o contexto internacional marca indelevelmente a actuação dos agentes sociais nos diferentes contextos nacionais, ajudando a compreender a sua interacção e relação com o próprio Estado.

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população, para além da elevação material do seu nível de vida1. Cremos, que o período em que centramos este nosso estudo se adequa perfeitamente à caracterização da primeira idade das políticas sociais definidas pelos Estados, não nos parecendo minimamente enquadrável no plano de um Estado social. A concepção de Estado social é, segundo a concebemos no caso do nosso País, correspondente ao reconhecimento dos direitos sociais universais que a Constituição da República Portuguesa aprovada a 2 de Abril de 1976 consagra, designadamente nos seus artigos 48.º e 64.º, onde se explicitam os direitos dos cidadãos portugueses à segurança social e à protecção na saúde, para além do reconhecimento dos direitos dos trabalhadores no plano central dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no texto constitucional. Por outro lado, até no plano constitucional, as Constituições de 1911 e 1933, tal como a Carta Constitucional de 1826 e suas revisões pelas Actos Adicionais de 1852, 1885 e 1895-1896 eram apenas textos políticos, não avançando em matéria económica e social no reconhecimento de quaisquer direitos aos súbditos ou cidadãos. Assim, poderemos seguir uma definição de Asa Briggs que adquiriu enorme aceitação e prevalência entre os autores que estudam o Estado social. Nessa explicação um Estado social define-se como um Estado onde o poder organizado é deliberadamente utilizado (através da política e da administração) num esforço de modificar as forças do mercado no sentido de, pelo menos, atingir três realidades: garantir um rendimento mínimo aos indivíduos e às famílias; reduzir o nível de insegurança social; assegurar que todos os cidadãos, independentemente do seu estatuto ou classe social, usufruem dos melhores padrões disponíveis em relação a uma série definida de serviços sociais2. No entender de Rodney Lowe, por exemplo, o Estado social, considerado após 1975 e em contexto britânico, é uma sociedade onde o governo deve assegurar a todos os cidadãos não apenas a segurança social mas também uma série de outros serviços a um padrão bem superior ao limiar mínimo definido. O que requer recursos como a despesa em bens e o emprego de mão-de-obra numa escala com repercussões no funcionamento da economia. Devido a isso, procurando minorar a sua despesa e a possibilidade de agitação social, o Estado social beneficia

1 Cf. Bent Greve, “The Danish Welfare State: The Legislative Framework and Future Prospects”, in The Welfare State:

Past, Present, Future (ed. Henrik Jensen; coord. Anne Catherine Isaacs), Pisa, Edizioni Plus/ Università di Pisa, Clioh`s Workshop II, 2002, pp.41-57; John Rogers, Ibidem, pp.13-26; John Brown, The British Welfare State: a critical history, Oxford, Blackwell, Historical Association Studies, 1995, pp.6-25; 38-54; Keith Laybourn, The evolution of British social policy and the Welfare State: c.1800-1993, Keele, Staffordshire, UK University Press, 1995, pp.183-208; Timothy Beresford Smith, Creating the Welfare State in France 1880-1940, Montréal/ London/ Ithaca, McGuill/ Queen`s University Press, 2003. Vide pp.3-12, 51-90, 91-124 e 193-222; François Ewald, Histoire de L`État Providence : les origines de la solidarité, Paris, B. Grasset, 1996. Vide pp.170-173; 220-221, 230, 242; 255-256; 286-294; Anson Rabinbach, “Social Knowledge, Social Risk, and the Politics of Industrial Accidents in Germany and France”, in States, Social Knowledge and the Origins of Modern Social Policies (edited by Dietrich Rueschemeyer; Theda Skocpol), Princeton – New York/ Chicester; Princeton University Press, 1996, pp.48-89.

2 Cf. Asa Briggs, “The Welfare State in Historical Perspective”, European Journal of Sociology, vol.II, 1961, p.228. Cit.

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sobretudo de períodos de crescimento económico. O Estado tem então de cumprir um papel mais activo na economia do que a mera vigilância ou a auto-regulação do mercado3.

Deste modo, entendemos que devemos apresentar um estudo que equilibre de forma razoável os conteúdos informativos relativamente à temática em causa com a necessária e desejável interpretação e análise dos aspectos, tendências, dinâmicas e resultados da investigação realizada. Este equilíbrio será também enquadrado pelos objectivos e limites com que partimos para a sua elaboração e a que daremos maior desenvolvimento na abordagem ao estado da questão e no Capítulo I desta tese.

Estado da Questão

Como já referimos, continuam a não abundar os estudos que abordam especificamente esta questão relativa à intervenção do Estado nesta matéria que nos propomos estudar durante este período. Na verdade, se verificarmos o leque de estudos acerca do tema que nos propomos estudar, podemos apontar-lhe como características principais o seu carácter diminuto, parcelar e com necessidade de aquisição novos contributos.

Se optarmos por percorrer esses trabalhos por áreas de estudos, verificamos igualmente que no estudo da história contemporânea portuguesa esta questão ainda não mereceu propriamente uma atenção aprofundada e que permitisse obter uma análise global acerca das políticas sociais no período. Apesar disso, devemos referir, como referências historiográficas incontornáveis e correspondendo a um período onde os estudos sobre a sociedade portuguesa iniciavam os primeiros desenvolvimentos, os verbetes que abordam diferentes áreas que estudaremos no nosso trabalho inseridos no Dicionário de História de Portugal. Esta obra, dirigida por Joel Serrão (1919-2008), foi editada entre 1963 e 1968 com sucessivas reedições, apresentando uma organização alfabética que procura abarcar todos os períodos da história de Portugal, incluindo igualmente o período contemporâneo. Desta forma merece referência a entrada “Assistência Pública”, de Maria de Lourdes Akola Meira do Carmo Neto, uma autora que também estudou a questão da demografia urbana em perspectiva histórica4. Dentro do leque de temáticas que pretendemos abordar cabe considerar igualmente o verbete “Associação, Direito de”, incluído no mesmo Dicionário, e da autoria de Fernando Piteira Santos (1918-1992), intelectual e historiador contemporâneo português, que desenvolveu estudos em torno das questões da economia e sociedade no período contemporâneo e sobre o fenómeno do fascismo em Portugal seguindo a metodologia adoptada pela escola historiográfica francesa da revista Annales. Desenvolveu uma

3 Cf. Rodney Lowe, op. cit., p.14.

4Cf. Maria de Lourdes Akola Meira do Carmo Neto, “Assistência Pública”, in Dicionário de História de Portugal (coord.

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actividade de várias décadas de oposição antifascista5. Igualmente na mesma obra, o autor David Ferreira (1897-1989) redigiu o artigo “Inquilinato”, que mais uma vez se cinge ao simples enunciar da legislação aprovada nesta matéria. O autor desenvolveu alguns estudos sobre a I República em que colocou em evidência o seu plano político, tendo-se associando ao grupo Seara Nova e colaborado na revista homónima desde a sua fundação, em 1921, até 19576. O artigo “Mendicidade”, da autoria de Ruy de Abreu Torres não vai além da enunciação da legislação sobre a matéria7. De entre os verbetes do Dicionário de História de Portugal, e tendo em conta o período que nos propomos a estudar e a temática que nos serve de fundo, há que mencionar ainda a abordagem realizada por David Ferreira em “Trabalho, Leis do”8. Qualquer um dos artigos referidos serve apenas de introdução, em grandes

limnhas gerais, à questão que iremos desenvolver, tendo avançado no plano da divulgação alguns aspectos caracterizadores da questão num período em que a própria historiografia portuguesa não se desenvolvera decisivamente no sentido da livre criação e investigação devido ao cerceamento imposto pelo regime vigente no plano académico e científico.

Ainda num campo científico a que poderíamos atribuir um carácter geral, temos de mencionar o volume XI da Nova História de Portugal, coordenada por Joel Serrão e por António Henrique de Oliveira Marques (1933-2007) e intitulado Portugal – Da Monarquia para a República, tendo sido editado em 1991. Na verdade, tratando-se como outros títulos congéneres de uma História de Portugal, este caso assume uma particularidade especial no contexto da análise ao que foi produzido na historiografia nacional sobre as políticas sociais do período em estudo. O volume em causa, balizando a sua análise entre 1900 e 1930, teve como principal autor António Henrique de Oliveira Marques, verificando-se uma base metodológica onde a escola historiográfica francesa da revista Annales está bem presente, uma vez que a abordagem às estruturas económicas e sociais não é subalternizada, ganhando antes um destaque relativamente ao relato factual do período, remetido para um único capítulo do mesmo volume. De acordo com as temáticas que pretendemos investigar, surge-nos desde logo o capítulo da mesma obra relativo à propriedade, redigido por Oliveira Marques e Maria Fernanda Rollo e assim justamente intitulado “A Propriedade”9. Da responsabilidade dos mesmos autores deve

mencionar-se igualmente o pequeno texto sobre os encargos sociais contido no capítulo “O Surto Industrial”10. Segue-se nesta obra, o capítulo que mais interesse desperta tendo em conta os objectos de

5 Cf. Fernando Piteira Santos, “Associação, Direito de”, in op. cit., vol. I, pp.236-238. 6 Cf. David Ferreira, “Inquilinato”, in op. cit., vol. III, pp.327-328.

7Cf. Ruy d`Abreu Torres, “Mendicidade”, in op. cit., vol. IV, pp.254-256. 8 Cf. David Ferreira, “Trabalho, Leis do”, in op. cit., vo. VI, pp.184-188.

9 Cf. António Henrique de Oliveira Marques; Maria Fernanda Rollo, “A Propriedade”, in Nova História de Portugal (dir.

Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques), vol. XI – Portugal – Da Monarquia para a República (coord. de A.H. de Oliveira Marques), Lisboa, Editorial Presença, 1991, pp.61-64.

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estudo do nosso trabalho: intitulado “A Sociedade e as Instituições Sociais” e da autoria de Oliveira Marques e Luís Nuno Rodrigues, este texto subdivide-se ente os grupos e as instituições sociais e no primeiro caso são considerados o mundo rural e o urbano11. Contendo tratamento historiográfico importante para o nosso levantamento do estado da questão relativamente ao tema que nos propomos estudar, outro capítulo do volume XI da Nova História de Portugal merece igualmente referência. Trata-se de um texto intitulado “O Estado e as Leis” da autoria de António Henrique de Oliveira Marques, comportando análise sumária à evolução da administração pública central desde os finais da Monarquia Constitucional até aos primeiros anos da Ditadura Militar, cobrindo assim todas as transformações sofridas durante a vigência da I República (1910-1926)12. O mesmo autor, no capítulo “Aspectos da Vida Quotidiana” da obra que temos abordado, refere ainda como ponto analítico a questão relativa à habitação, mas de forma sumária13. Sobre este volume da Nova História de Portugal, produzido com um cariz enciclopédico, há que mencionar o seu papel essencial na iniciação a qualquer temática que se integre na conjuntura em questão, uma vez que a riqueza dos seus conteúdos possibilita o seu uso em investigações historiográficas como no caso da que pretendemos desenvolver. Trata-se, por isso, de um exemplo incontornável de uma História geral do País com amplos benefícios para o descortinar da iniciação à temática que nos propomos desenvolver. No entanto, não permite exactamente mais do que uma boa síntese a algumas das problemáticas em questão na abordagem às políticas sociais, uma vez que não poderia ser colocada em análise uma abordagem mais profunda exactamente pelo seu carácter global e enciclopédico.

Relativamente aos estudos especificamente dedicados às políticas sociais em Portugal no período de 1910-1926, ou com incidência importante nessa conjuntura, há que mencionar o artigo de Miriam Halpern Pereira, “As origens do Estado-Providência em Portugal: As novas fronteiras entre público e privado”, que equivale à comunicação desta autora apresentada ao Curso de Verão do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e intitulado A Primeira República Portuguesa – entre o Liberalismo e o Autoritarismo. Este curso foi coordenado por Nuno Severiano Teixeira e António Costa Pinto e as suas actas foram publicadas em 2000. A autora Miriam Halpern Pereira (1937-), especialista em história económica e social dos séculos XIX e XX, tem dedicado a sua carreira de investigação historiográfica a questões estruturais do processo de evolução da economia e sociedade portuguesas após o triunfo do liberalismo em 1834, com um profundo cuidado em basear a sua análise em investigações suportadas

11 Cf. António Henrique de Oliveira Marques e Luís Nuno Rodrigues, “A Sociedade e as Instituições Sociais”, in Ibidem,

pp.187-239.

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por elementos documentais que garantam uma base estrutural para as hipóteses a serem lançadas14. Na ausência de muitos estudos que abordem este período que pretendemos estudar e tendo como enfoque esta temática, este texto deve ser mencionado neste contexto, já que representa uma sistematização muito importante para o estudo das políticas sociais em Portugal. Tratou-se, desta maneira, de uma boa abordagem à origem das políticas sociais em Portugal, cruzando-a com o próprio desenvolvimento do movimento mutualista, levantando algumas das características essenciais da progressiva evolução da questão em Portugal e tendo em conta dois dos actores sociais mais importantes no nosso entender para compreender esta evolução: o Estado e o movimento autónomo dos trabalhadores na sua vertente mutualista.

De facto, a ausência de uma grande abundância de estudos sobre as políticas sociais no período, mesmo se considerarmos as diferentes ciências sociais e humanas, não anulam a pertinência e carácter ilustrativo que estudos como o de Maria Alice Marques Almeida comportam. É que tratando a questão do estudo das políticas sociais como um todo no contexto da I República só conhecemos a elaboração da Dissertação de Mestrado em Sistemas Sócio-Organizacionais da Actividade Económica, apresentada ao Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa em 1997 pela autora, e intitulada A Primeira República Portuguesa e o Estado Providência. Este estudo académico procura fazer o levantamento e a análise das principais medidas de política social defendidas e implementadas na I República Portuguesa (1910-1926) e até que ponto essas iniciativas corresponderam ou não a uma evolução tendencial no sentido do estabelecimento dos primórdios de um Estado-Providência em Portugal. Assim, não apresenta uma profunda sustentação analítica a nível do contexto político, institucional e ideológico em questão – cariz e natureza do regime da I República – ou uma fundamentação referencial acerca das especificidades nacionais no contexto da discussão da intervenção estatal no sector social – acerca de um perfil português da intervenção estatal na implementação de políticas sociais –, mas é claramente inovador por colocar a questão dos primórdios da intervenção legislativa do Estado em matéria social15. O estudo de Maria Alice Marques Almeida assume-se inovador, ainda que proveniente da ciência económica, assumindo uma vertente problematizadora ao enquadrar de forma articulada as diferentes áreas de intervenção pública no plano social. Por outro lado, rejeita uma leitura apressada ou simplista acerca destas questões, tentando não ignorar o contexto histórico, ainda que essa seja a vertente menos aprofundada do seu trabalho,

14 Cf. Miriam Halpern Pereira, “As origens do Estado-Providência em Portugal: As novas fronteiras entre público e

privado”, in A Primeira República Portuguesa – entre o Liberalismo e o Autoritarismo (coord. Nuno Severiano Teixeira e António Costa Pinto), Lisboa, Edições Colibri/ Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Colecção Cursos de Verão – IHC/UNL, n.º 3, 2000, pp.47-76.

15 Cf. Maria Alice Marques Almeida, A Primeira República Portuguesa e o Estado Providência, Tese de Mestrado em

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faltando-lhe uma visão de conjunto sob o ponto de vista do objecto histórico para o enquadramento procurado na análise às políticas sociais em questão sob o contexto da I República Portuguesa.

Finalmente refira-se alguns dos não muito abundantes estudos pioneiros a nível sectorial que abordaram componentes importantes das políticas sociais onde o enquadramento político do regime da I República Portuguesa está presente ou mesmo se assume como motivação para balizar esses trabalhos. No campo da assistência e protecção à infância são de destaque obrigatório dois trabalhos académicos: A assistência infantil na transição para o século XX e nos primeiros anos da República, dissertação de Mestrado em História Contemporânea apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1989 por Maria Manuela Lima Santos e Assistência Infantil em Lisboa na 1ª República, obra publicada em 2004 e resultante de uma dissertação de Mestrado em História Contemporânea apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, elaborada por Maria de Fátima Caldeira. As suas abordagens estão ligadas por tratarem exactamente da questão da assistência infantil, já que se no primeiro caso a análise é geral no contexto da transição dos regimes monárquico e republicano, no segundo caso a motivação é apresentar a rede de instituições de beneficência devotadas apenas à protecção à infância durante a I República na cidade de Lisboa16. No nosso entender, o estudo de Maria Manuela Lima Santos reveste-se de importância por tratar especificamente a questão relativa à evolução institucional da protecção à infância no período que também motiva a nossa investigação, componente destacada de qualquer política social digna dessa menção. Trata-se, para o período historiográfico em que foi produzida, de uma abordagem inovadora ao realizar um primeiro levantamento no plano legislativo e das publicações periódicas especializadas no período em causa, sobre a protecção à infância. No entanto, o seu âmbito circunscrito não permitiu avançar de forma mais incisiva para a definição de várias problemáticas em questão, sendo quiçá a mais destacada a questão da encruzilhada entre o vector punitivo e o vector regenerador que a legislação e a evolução institucional sempre foram revelando ao longo daquele contexto. Segue-se a menção ao trabalho de investigação empreendido por Maria de Fátima Caldeira, resultante de uma dissertação de Mestrado apresentada em 1993 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e que foi editada em livro em 2004 com o título de Assistência Infantil em Lisboa na 1ª República. Trata-se de um autêntico guia acerca desta temática no caso da cidade de Lisboa entre 1910 e 192617. No entanto, pouco avança no plano do questionamento das políticas sociais direccionadas à infância no seu plano mais geral, valendo mais como uma abordagem centrada na capital do País e destacando no plano institucional as valências

16 Cf. Maria Manuela Lima Santos, A assistência infantil na transição para o século XX e nos primeiros anos da República,

vol.1, Tese de Mestrado em História Contemporânea apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1989.

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existentes. Passamos em seguida para a obra de António Carlos Duarte-Fonseca, Internamento de menores delinquentes. A Lei portuguesa e os seus modelos: um século de tensão entre protecção e repressão, educação e punição que foi editada em 2005. O seu autor, director-adjunto do Centro de Estudos Judiciários desde 2004 e antigo vice-presidente do Instituto de Reinserção Social do Ministério da Justiça (1997-1999) e director do Instituto Padre António de Oliveira (1979-1992), apresentou este estudo como dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 20 de Outubro de 2004. Trata-se de um olhar exaustivo sobre as políticas promovidas pelo Estado português direccionadas para os menores delinquentes, partindo do conceito de estudo comparado da matriz da legislação nacional do último século e meio e das suas congéneres europeias. O autor baliza precisamente esse questionamento na encruzilhada entre os conceitos de protecção e repressão e de educação e de punição, tendo como pano de fundo o século XX, mas não descurando os antecedentes legislativos na centúria de Oitocentos18. Na verdade, estas são as secções da obra que nos interessam referir neste caso, se bem que o autor revele sobretudo as evoluções dos modelos de internamento penal de jovens nos casos da França e da Bélgica, sistemas que reciprocamente influenciaram e receberam influências das soluções adoptadas pelo Estado português nesta matéria. A obra estende-se até ao final do século XX, incluindo a evolução havida no sistema português depois da revolução de 25 de Abril de 1974 e da construção do regime democrático posterior. Apesar de muito centrado nas questões do foro jurídico e criminal perfeitamente normais numa dissertação apresentada precisamente nessa área, este trabalho revela um conteúdo de aprofundamento importante acerca da evolução estrutural do sistema de internamento de menores delinquentes como resposta do Estado aos fenómenos da delinquência e demais comportamentos desviantes não conformes à ordem instituída nos seus múltiplos contextos históricos e que também enformam a acção dos poderes públicos durante o fim da Monarquia e os anos da I República em Portugal. Apesar disso, a sua origem jurídica transparece uma reduzida relação entre a exaustiva problematização existente e as diferentes conjunturas internas, destacando-se a ausência praticamente completa acerca do papel e do perfil assumido pelo Estado nos diferentes contextos abordados na conjuntura em questão, o que nos parece essencial para melhor compreender o que está em questão.

Há que igualmente citar o estudo realizado por Maria de Fátima Pinto intitulado Os Indigentes. Entre a Assistência e a Repressão: a outra Lisboa no 1.º terço do Século. Foi editado em 1999 e corresponde a uma dissertação de Mestrado em História dos Séculos XIX e XX apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em Julho de 1995. Também esta autora escolhe posicionar-se entre dois conceitos, o da assistência pública e o da

18 Cf. António Carlos Duarte-Fonseca, Internamento de menores delinquentes. A Lei portuguesa e os seus modelos: um

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repressão promovida igualmente pelos poderes públicos. Justamente numa perspectiva de história do quotidiano, Maria de Fátima Pinto propõe-se estudar os indigentes na Lisboa do primeiro terço do século XX, procurando identificá-los e determinar as suas formas de vida19. Entretanto, o trabalho nestas questões abriu espaço para um aprofundamento das abordagens científicas na área20.

Num plano geral de análise, devemos referir ainda a Tese de Mestrado em Gestão apresentada à Universidade da Beira Interior de Maria Otília Mendes Nunes Duarte, O Estado-Providência: contribuição para o estudo e análise do modelo português de 1996. Apesar de propor uma evolução para as funções sociais do Estado da qual discordamos totalmente, uma vez que propugna por uma sistema de mercantilização e misto que desfiguraria por completo o sistema público e universal da segurança social em Portugal, procurou na história da evolução das políticas sociais no País a origem da sua caracterização feita para o período posterior à revolução de 25 de Abril de 1974. Entrando nas diferentes vertentes a analisar e que servem de contexto subjacente ao trabalho que aqui apresentamos, devemos referir a Tese de Mestrado em História Contemporânea apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em 2008 por Joana Dias Pereira com o título

Sindicalismo Revolucionário – A história de uma Idéa, que interpreta a evolução da teoria daquela

corrente sindical e ideológica que predominou no movimento sindical português durante boa parte da sua fase de expansão livre, anterior à sua decapitação forçada posterior a 1933. São também dignos de realce nestas áreas as abordagens às questões do direito do trabalho por Maria Cristina Fernandes Rodrigues com Trabalhar em Portugal (1910-1933): análise da legislação sobre os direitos dos trabalhadores, uma Tese de Mestrado em Sociologia do Trabalho, das Organizações e do Emprego, de 2006 e uma obra central sobre o movimento mutualista em Portugal de Vasco Rosendo O mutualismo em Portugal: dois séculos de história e as suas origens, editada em 1996. No âmbito da previdência social, devemos também referir como importante o artigo de José Luís Cardoso e Maria Manuela Rocha “O seguro social obrigatório em Portugal (1919-1928): acção e limites de um Estado previdente”. Na área da saúde e hospitalização há que referir a obra genérica de Francisco António Gonçalves Ferreira, História da Saúde e dos Serviços de Saúde em Portugal, de 1990. Abordando o papel dos médicos e as questões da medicina legal de Maria Rita Lino Garnel, Vítimas e violências na Lisboa da Primeira República, Coimbra, Tese de Doutoramento em Letras, especialidade de História Contemporânea, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2005 e de Eunice Relvas a

19 Cf. Maria de Fátima Pinto, Os Indigentes. Entre a Assistência e a Repressão: a outra Lisboa no 1.º terço do Século,

Lisboa, Livros Horizonte, Colecção Cidade de Lisboa, n.º 32, 1999.

20 Para mais detalhes acerca da bibliografia produzida sobre as diferentes políticas sociais aqui consideradas, vide David

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questão da Esmola e Degredo: mendigos e vadios em Lisboa (1835-1910) editado em livro em 2002. Podemos caracterizar mais estes exemplos como complementares à produção científica sobre a questão, faltando em todos os exemplos apontados uma verdadeira visão de conjunto, problematizadora e analítica, sobre a questão do estudo das políticas sociais centradas como objecto de estudo histórico. Essa abordagem permitiria, seguramente, garantir a estas abordagens um conhecimento mais consolidado sobre as diferentes questões em análise.

De qualquer forma, não se pretendeu assumir aqui um compromisso exaustivo neste elenco apresentado, nem no plano da descrição dos conteúdos bibliográficos em causa, nem no plano da sua mera enunciação. O nosso objectivo é tão só o de apontar as extremas carências que esta temática apresenta, sobretudo no que à atenção da historiografia nacional diz respeito. Assim, confirmamos o enorme desfasamento que estes estudos encontram na comparação com o estado da questão em outros países e realidades nacionais, o que também acarreta repercussões em possíveis estudos comparativos. Procuraremos então contribuir para uma melhor conhecimento acerca do estudo das políticas sociais e das origens da intervenção do Estado no plano social em Portugal, ajudando a traçar a sua evolução e a problematizar esse quadro no enquadramento mais dilatado do período circunscrito entre 1890 e 1933.

As políticas sociais como objecto de estudo histórico

O propósito com que partimos para a definição deste objecto de estudo iniciou-se com a assumpção da necessidade de conhecer a longa trajectória histórica da intervenção do Estado no plano social no caso português. Os trabalhos realizados têm-nos conduzido a essa necessidade, até por comparação com a historiografia produzida em outros países, onde as grandes sínteses conclusivas foram sucessivamente surgindo suportadas em vários trabalhos centrados nos diferentes mecanismos e políticas de intervenção do Estado nesta área.

Por outro lado, centrando igualmente a sua situação cronológica e estrutural em termos económicos e sociais, cremos ser possível aquilatar até que ponto se diferenciaram os propósitos prévios à realização das políticas, a sua aplicação e a apreciação final acerca do seu sucesso ou malogro. Para o enquadramento necessário a esta temática necessitamos do contexto final da Monarquia Constitucional, assim como será após o golpe de 28 de Maio de 1926 e a rápida construção do Estado fascista que delinearemos as necessárias conclusões para o nosso estudo.

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externas nos hospitais de carácter supra regional e nacional e nos hospitais postos clínicos dispensários – das misericórdias).

Assim, também fomos obrigados a determinar diversos limites à própria dimensão do objecto de estudo das políticas sociais, procurando adequá-lo e centrá-lo ao plano social. Poderia ser atractivo estudar as políticas relativas à habitação social por parte do Estado, mas a abordagem que iremos fazer será circunscrita devido à inoperância na sua concretização do Estado central durante o período, exceptuando alguns casos que apenas confirmam a regra de ausência da construção de habitações económicas sobretudo para as famílias operárias no período. Também elencaremos a evolução da questão do arrendamento e do regime do inquilinato, onde a política do Estado se viu confrontada com amplas reivindicações do movimento sindical organizado. Por outro lado, no período em causa, trata-se mais de um elenco de diversas iniciativas que não tiverem depois concretização prática, mas que trata-se justifica pela insistência cada vez mais frequente dos interlocutores do movimento operário, tal como de diversos estudiosos da questão, alto funcionários públicos e deputados e ministros. Também seria interessante uma eventual incursão na instrução pública, que a ser considerada no seu todo, compreenderia a instrução primária elementar e complementar, a instrução secundária, a instrução superior e a instrução profissional (agrária, industrial e comercial). Assim entendida, cremos que daria lugar a um estudo por si só desta vasta temática e por isso optámos por não a incluir na abordagem aqui realizada. O que também se verifica no caso das questões de política económica em torno do custo da vida, níveis salariais e abastecimentos – bens de primeira necessidade – no período. Foram questões conexas às políticas sociais e a eles nos referiremos várias vezes neste estudo, mas numa perspectiva de enquadramento e contextualização e procurando não entrar num plano de estudo detalhado das políticas económicas subjacentes aos resultados alcançados. No entanto, estarão sempre em equação, uma vez que influenciaram decisivamente a vida dos actores sociais em causa, constando dos cadernos reivindicativos das associações de classe, das suas federações e da própria UON e CGT, por exemplo, mas também das representações patronais da AIP, da ACAP e da ACL. Estaríamos já no estudo da economia política no período, assim como dos mecanismos do Estado para intervir na economia e das matrizes ideológicas que lhes presidiram.

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têm consequência na decisão política, como por exemplo, o ano de 1919 como o primeiro do imediato pós Primeira Guerra Mundial, tal como sendo o primeiro ano após o Governo de Sidónio Pais e da defesa do regime republicano face à tentativa de restauração monárquica, assim como o ano que marca amplas transformações no contexto internacional que não deixaram de influenciar Portugal.

O Estado, o seu papel e o seu perfil

Foi desta forma que procurámos limites abrangentes para o âmbito da nossa tese de doutoramento. Não só pelas razões já aduzidas, mas também porque entendemos que só uma análise estrutural a esta questão pode contribuir para o avanço na sua abordagem, mas também no sentido de alcançar uma visão estrutural sobre as políticas sociais promovidas em Portugal pelo Estado. Desta forma, devemos igualmente apontar as carências e insuficiências que no plano das fontes históricas disponíveis encontramos na realidade actual em Portugal. Assim, temos de apontar a ausência de importantes fundos documentais. Devido a vicissitudes várias que se prendem com a situação dos arquivos históricos dos organismos públicos da administração central em Portugal, não contaremos com documentação para este estudo. Procurámos colmatá-la através de análise indirecta de outra documentação e de diferentes fontes impressas. Parece-nos importante destacar este aspecto por se tratar de acervos correspondentes à documentação produzida pelos serviços dos ministérios que integram, afinal, o agente social responsável pelo objecto de estudo que aqui consideramos: o Estado.

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22 Quadro 1 – Evolução Institucional dos organismos responsáveis pelas políticas sociais em Portugal (1890-1933)

Monarquia Constitucional (1890-1910) Assistência Pública e Hospitalização

Ministério Serviço Responsável Período de vigência

Reino/ Interior Direcção-Geral de Saúde e Beneficência Pública (tutela o Hospital Real de São José e Anexos)

4.12.1899-9.2.1911

Trabalho e Previdência Social Obras

Públicas, Comércio e

Indústria

2.ª Secção da Repartição dos Serviços Técnicos de Minas e da Indústria (tutela do Tribunal de Árbitros Avindores de Lisboa e do trabalho das mulheres e dos menores na indústria)

1.12.1892-28.12.1899

2.ª Secção da Repartição do Ensino e Estatística Industrial da Direcção-Geral do Comércio e Indústria (tutela de assuntos relativos à inspecção, fiscalização, higiene e trabalho das mulheres, dos menores e dos adultos na indústria, desastres no trabalho, seguros contra esses desastres e casos de invalidez do pessoal da indústria; greves, coligações, horas de trabalho, descanso, falta de trabalho industrial, tribunais de árbitros avindores e bolsas de trabalho)

28.12.1899-21.1.1903

Obras Públicas, Comércio e

Indústria/ Fomento

Repartição do Trabalho Industrial da Direcção-Geral do Comércio e Indústria (tutela do trabalho industrial, segurança e salubridade nas fábricas e oficinas, situação dos operários e à sua protecção e serviço de pesos e medidas, recebendo em 25.5.1915 uma secção responsável pela estatística industrial, dos inquéritos industriais, e das exposições e congressos industriais e comerciais)

21.1.1903-16.3.1916

I República (1910-1926) Assistência Pública e Hospitalização

Interior 2.ª Repartição de Assistência Pública da Direcção-Geral de Administração Política e Civil (tutela o Hospital de São José e Anexos)

9.2-25.5.1911

Direcção-Geral de Assistência (tutela o Hospital São José e Anexos/ os Hospitais Civis de Lisboa)

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23 Direcção-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa 9.7.1918-30.9.1918

Trabalho e Previdência Social

Trabalho Direcção-Geral do Trabalho (tutela a Repartição Técnica do Trabalho – inspecção de salubridade, higiene e segurança no trabalho – e a Repartição de Defesa do Trabalho – trabalho das mulheres, dos menores e dos adultos, fiscalização sobre o cumprimento da legislação laboral em vigor, horário, remuneração e contratos de trabalho; acidentes de trabalho, tal como todo o tipo de conflitos entre o capital e o trabalho)

16.3.1916-25.5.1925

Direcção-Geral de Previdência Social (tutela a Repartição das Associações de Classe e Mutualistas – acompanhamento das associações de classe e das federações sindicais, das associações de socorros mútuos e das federações mutualistas, acrescentando-se ainda o trabalho dos tribunais mutualistas em geral, assim como a elaboração de inquéritos relativos à situação do operariado português – e a Repartição de Defesa Económica – habitação operária, cooperativas de consumo, de produção e de crédito, caixas económicas, intervenção social patronal, custo da vida dos trabalhadores, regulação dos preços das subsistências públicas)

16.3.1916-10.5.1919

Inspecção do Trabalho (sete circunscrições territoriais dependentes da Direcção-Geral do Trabalho)

16.3.1916-25.5.1925

Inspecção de Previdência Social (três circunscrições territoriais dependentes da Direcção-Geral de Previdência Social)

16.3.1916-10.5.1919

Inspecção Sanitária do Trabalho (higiene e doenças profissionais, salubridade e segurança no trabalho)

13.4.1918-10-5-1919

Direcção-Geral de Previdência Social (recebe a Repartição das Associações Profissionais e Mutualistas que substitui a Repartição das Associações de Classe e Mutualistas e a nova Repartição de Companhias e Sociedades de Seguros)

13.7.1918-10.5.1919

Direcção-Geral de Assistência 13.7.1918-10.5.1919

Direcção-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa 30.9.1918-25.11.1925 ISSOPG (superintendência de todo o sistema de seguros sociais obrigatórios

nas situações de doença, de desastres de trabalho, de invalidez, de velhice e de sobrevivência e dos seguros industriais exercidos pelas sociedades

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24 anónimas e as sociedades mútuas, das bolsas sociais de trabalho, dos

serviços de mutualidade livre e das associações profissionais e dos serviços de assistência pública e privada)

Ditadura Militar (1926-1933) Assistência Pública e Hospitalização

Interior Direcção-Geral de Assistência 25.5.1925-1.7.1927

Direcção-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa 25.5.1925-1.7.1927 Direcção-Geral de Assistência (Assistência Pública e Hospitais Civis de

Lisboa)

1.7.1927-

Trabalho Comércio e

Comunicações

Direcção-Geral das Indústrias (herdando a tutela referente à antiga Direcção-Geral do Trabalho)

25.5.1925-

Inspecção Técnica das Indústrias (herdando a tutela referente à antiga Inspecção do Trabalho)

25.5.1925-

Interior Instituto Social do Trabalho (tutela da Repartição da Política Social do Trabalho – trabalho das mulheres e menores; horário do trabalho; descanso semanal; salários; salário mínimo; bolsas sociais do trabalho; contratos; conflitos tribunais de árbitros avindores; associações de classe; educação e instrução social dos trabalhadores – e da Repartição de Estatística do Trabalho – estatística social do trabalho: profissões, salários, conflitos, conciliações, julgamentos)

25.5.1925-

Previdência Social

Finanças ISSOPG (superintendência de todo o sistema de seguros sociais obrigatórios nas situações de doença, de desastres de trabalho, de invalidez, de velhice e de sobrevivência e dos seguros industriais exercidos pelas sociedades anónimas e as sociedades mútuas, das bolsas sociais de trabalho, dos serviços de mutualidade livre e das associações profissionais)

25.5.1925-11.4.1928

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Sem termos pretensões a uma excessiva descrição do percurso evolutivo dos serviços públicos centrais que tutelaram as matérias que abordaremos posteriormente, podemos confirmar as características fundamentais desta evolução do papel e dos perfis assumidos pelo Estado durante este período através da análise ao Quadro 1. Verifica-se o avanço motivado pelas necessidades prementes que a conjuntura política, económica e social foi ditando, apesar de um esforço presente na teorização dos organogramas ministeriais que garantissem racionalidade à estruturação interna do Estado. No entanto, a realidade prática desmentiu não raras vezes essa concepção, ou condenou à letra morta a sua edificação teórica.

A evolução dos paradigmas das políticas sociais e o contexto internacional

Como é natural, para um período de mais de quatro décadas, os paradigmas prevalecentes relativos à implementação de políticas sociais também revelam uma evolução. Por outro lado, tendo em conta o contexto europeu e mundial em que Portugal se inseria, também nesse plano a sua concretização pelos diversos governos foi diversa, mas revelou tendências diferentes consoante o período e a sua realidade nacional. Neste caso, balizado entre 1890 e 1933, também aqui verificamos as diferenças verificadas, quer no âmbito da intervenção do Estado, quer no tipo de intervenção promovida. Por outro lado, também é uma realidade insofismável para todo o período que antes da entrada em vigor das medidas em letra de lei, o debate produzido em torno das mesmas foi antecipado por diferentes actores sociais consoante as necessidades ou interesses específicos dos mesmos nas questões. Assim, se as reivindicações salariais e contra o aumento do custo da vida foram uma constante bandeira de luta empunhada pelo movimento operário e sindical ao longo do período, o que se reflectiu muitas vezes no apelo para intervenção no campo social no sentido do combate à especulação dos preços das rendas pagas pelos inquilinos no meio urbano, por exemplo, também é verdade que em outros domínios, como o dos seguros sociais obrigatórios, o alargamento da sua cobertura para além de situações como a dos acidentes de trabalho foi discutida e aprofundada vários anos antes de qualquer aprovação legal. Também no saber académico estas teorias começaram a ganhar protagonismo, assim como o progresso no plano do levantamento estatístico e do registo sistemático das ocorrências, sobretudo no que concerne à teoria do risco profissional que foi conquistando paulatinamente a prevalência das legislações sobre acidentes de trabalho entre os finais do século XIX e o início do século XX.

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de trabalho: em 1892, António Luís Gomes21 já advogava a existência de um seguro social obrigatório na situação de acidente de trabalho, numa obra dedicada às questões da mendicidade, vagabundagem e ociosidade:

“ (…) Uma outra circunstancia, que vamos mencionar, influe largamente no crescimento da ociosidade. Em Portugal, onde desgraçadamente para todos nós se olha para tudo com indifferença criminosa, não existe uma lei contra os riscos do trabalho, succedendo frequentes vezes por incuria e desleixo dos empreiteiros e patrões ficarem numerosas famílias lançadas na viuvez, na orfandade, na miséria e na desgraça. Os desastres repetem-se com uma constância assombrosa, e comtudo os poderes publicos, que só sabem fazer eleições, não teem adoptado nenhumas providencias, tendentes a prevenir os males que resultam d`esta imprevidencia. São palpaveis para toda a gente que quer ver as consequencias que derivam d`esta imperdoavel negligencia.”22

Dedicadas especificamente às questões do trabalho e à sua legislação regulamentadora, foram sendo editadas várias obras que defendiam o compromisso obrigatório do Estado e das entidades patronais para com o seguro nas situações de acidentes de trabalho, uma das áreas mais sensíveis durante os anos anteriores à primeira legislação na matéria em Portugal que datou de 1913. No contexto internacional, crescia cada vez mais o interesse na questão social e operária e vários autores, sobretudo recusando a visão liberal de ausência completa do Estado na regulação do trabalho, mas também procurando rebater as análises dos autores socialistas e sindicalistas, vinham defender a adopção dos princípios do solidarismo, uma síntese das duas correntes que reunia os princípios da conciliação de classes muito influenciados pela doutrina social da Igreja sistematizada na Encíclica de 15 de Maio de 1891, De Rerum Novarum, do Papa Leão XIII23. Nesse texto as questões dos direitos e dos deveres, do capital e do trabalho e acerca das desigualdades e justiça social são abordadas, rejeitando-se a via revolucionária do socialismo, mas igualmente a visão unilateral do capitalismo sem regulação do Estado. Nesta linha de intervenção surge-nos entre os autores portugueses, Rui Enes

21 António Luís Gomes (Gândara, Oliveira de Azeméis, 23.9.1863-Porto, 28.11.1961) notabilizou-se como advogado e

estudou direito na Universidade de Coimbra, onde obteve o bacharelato em 1890 e depois o doutoramento. Foi presidente da Associação Académica de Coimbra enquanto estudante, durante 4 anos. Obteve fortuna no Rio Grande do Sul, Brasil, tendo regressado a Portugal. Filiou-se inicialmente no PRP, integrando o seu Directório (1905-1908) e depois saiu desta formação partidária para o PRL. Foi eleito deputado por Lisboa do PRP em 28 de Agosto de 1910. Foi o ministro do Fomento após a Revolução de 5 de Outubro de 1910 (5.10-22.11.1910) e ministro plenipotenciário no Rio de Janeiro – Brasil (1911-1912). Foi provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto (1912-1921; 1930-1944). Dirigiu o Diário do Norte durante o ano de 1913 e foi deputado no Congresso da República pelo PRL (1921-1922). Foi reitor da Universidade do Porto (1921-1924) e presidente do I Congresso Republicano de Aveiro (Outubro de 1957).

22 Antonio Luiz Gomes, Ociosidade, vagabundagem e mendicidade: estudo social e juridico, Dissertação Inaugural para o

Acto de Conclusões Magnas na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1892, pp.192-193.

23 Papa Leão XIII, Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci (Carpineto Romano, Roma, Império

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Ulrich24 que interpretou à luz desses princípios a legislação operária nacional e que defendia também em 1906, face à ausência da alteração da legislação, a rápida adopção do princípio da teoria do risco profissional e do seguro social obrigatório contra acidentes de trabalho:

“ (…) o Codigo Civil funda na culpa a responsabilidade do patrão pelos accidentes de trabalho e nenhuma das leis posteriores, que citámos, alteraram este principio. Tratam estas sobretudo de impôr nas differentes industrias ao patrão a obrigação de communicar officialmente o accidente, de determinar as auctoridades competentes para inquirirem acerca do sinistro e de fixar o modo por que o devem fazer.

O principio antiquado do Codigo Civil continua pois de pé.

O art. 2398.º, que reproduzimos, não é mais do que a reproducção e a applicação a um caso especial do preceito generico do art. 2361.º: «Todo aquele, que viola ou offende os direitos de outrem, constitue-se na obrigação de indemnizar o lesão, por todos os prejuizos em causa».

Em face da nossa lei, a responsabilidade do patrão para com o operario é portanto a mesma, em que se achar investido para com elle um qualquer terceiro que o haja prejudicado.

Numa palavra, a doutrina que o nosso Codigo sancciona é ainda a pura theoria delictual! (…) O que urge é que a nossa legislação deixe de permanecer estacionaria, num vergonhoso confronto com as legislações de todos os povos civilizados.

Todos nos devemos empenhar para que ella se modifique de harmonia com o modo de sentir e de pensar humanitário e justo, que caracterisa as sociedades modernas, e por que entre nós se estabeleçam a responsabilidade baseada no risco profissional e o seguro obrigatorio.”25

Essas ideias continuaram a fazer escola nos autores portugueses que se dedicavam a estas questões no plano académico, acompanhando a evolução internacional com o atraso verificado na aprovação nesta área de intervenção no campo laboral no caso português. Foram também os casos de

24 Rui Enes Ulrich (Lisboa, 20.4.1883-Lisboa, 20.1.1966) formou-se em direito na Universidade de Coimbra em 1904,

tendo-se doutorado em 1906. Foi logo nomeado lente da mesma Universidade em 1907, tendo pedido exoneração após a implantação da República devido às suas convicções monárquicas. Retornou à universidade em 1936, para reger a cadeira de Economia Política na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sendo seu director entre 1937 e 1950. Ingressou na Junta do Crédito Público em 1911, onde se manteve até 1914, quando foi nomeado director do Banco de Portugal (1914-1927). Devido às convicções monárquicas, apoiou a fundação do Integralismo Lusitano e foi eleito deputado em 1921-1922 por Lisboa. Devido à lei das incompatibilidades, saiu do Banco de Portugal em 1928, mas estabeleceu carreira na administração na presidência da Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses (1922-1933) e da Companhia de Moçambique (1920-1933) e foi presidente da Companhia Nacional de Navegação a partir de 1936. Foi ainda vogal da Junta Nacional da Marinha Mercante (1940), presidente do Centro de Estudos Económicos do INE (desde 1944), administrador das Companhias Reunidas de Gás e Electricidade, administrador da Companhia de Caminho-de-Ferro de Benguela e administrador da Companhia de Seguros Ultramarina. Foi um activo apoiante do golpe de 28 de Maio de 1926 e da edificação do Estado Novo. Em 1929-1930 foi delegado por Portugal à Conferência das Reparações de Haia na Holanda, e foi embaixador em Londres (1933-1935; 1950-1953). Foi procurador à Câmara Corporativa (1936-1942). Publicou obra vasta sobre direito, finanças, administração colonial e história.

25 Ruy Ennes Ulrich, Legislação operaria portugueza (exposição e critica), Coimbra, França Amado Editor, Estudos de

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José Lobo de Ávila Lima26 e de Fernando Emídio da Silva27. No primeiro caso, debruçando-se sobre o sistema de seguros sociais e a sua articulação com as associações de socorros mútuos, o autor defende que as ideias que promovem a intervenção do Estado para além da simples quotização individual dos indivíduos são as que progressivamente se vão impondo nos diversos países: a sua tutela, através de um sistema de seguros sociais obrigatórios que abarcasse os riscos mais recorrentes, como os acidentes no trabalho, nas também situações de doença, velhice ou invalidez28. Alguns anos mais tarde, poucas semanas depois da aprovação da Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913, que instituiu o seguro social obrigatório por desastre de trabalho em Portugal, Fernando Emídio da Silva fundamenta a teoria do risco profissional como especial no contexto de um risco específico só possível de ser verificado no mundo do trabalho, ampliando os riscos inerentes à proximidade dos meios de produção mecanizados por parte dos operários em termos gerais. Por outro lado, o autor entende que ao garantir-se o princípio do risco profissional na lei, torna-se necessário assegurar ao operário o pagamento da indemnização correspondente, contra o risco aleatório da insolvência do patrão. A legitimidade da intervenção do Estado não oferecia dúvida para o autor, porque o Estado devia ter uma função de tutela, de protecção intrínseca derivada da insuficiência proletária, quando abandonada aos seus recursos e energias para afrontar, sob a mera égide da liberdade dos contratos, a omnipotência patronal. O Estado podia ainda optar entre deixar a escolha do meio de pagamento pelo patrão, garantindo o pagamento da indemnização aos operários, ou organizar um sistema de seguro obrigatório. Para Fernando Emídio da Silva parecia claro que nos seguros sociais, pela protecção devida ao operário e pela missão tutelar incumbente ao Estado, se podia estabelecer como regra a tríplice participação nos encargos do seguro do operário, do patrão e do Estado. No entanto, no caso do seguro contra os acidentes de trabalho e pelas circunstâncias especiais oriundas da aplicação do risco profissional, os encargos da operação do seguro deveriam ficar todos a cargo do patrão29.

26 José Caetano Lobo de Ávila da Silva Lima (1885-3.12.1956) professor da Faculdade de Direito da Universidade de

Coimbra, onde se doutorou em 1909. Redigiu vários estudos sobre questões laborais, políticas sociais, administração colonial e política internacional.

27 Fernando Emídio da Silva (Lisboa, 29.1.1886-Lisboa, 4.1.1972) licenciou-se em direito pela Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra (1907) e ali se doutorou também (1911), vindo a ingressar no quadro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em 1913, após prestar provas. Ali chegou a professor catedrático, sendo seu director (1950-1956), dirigindo também a respectiva biblioteca. Especializou-se em finanças públicas. Foi administrador do Banco de Portugal (1919), sendo seu vice-presidente desde 1931. Foi procurador à Câmara Corporativa do Estado Novo por designação do Conselho Corporativo (1935-1972). Ocupou ainda cargos administrativos em empresas: presidente do Conselho de Administração da Sociedade Industrial Farmacêutica; administrador da Companhia de Cabinda; presidente do Conselho Fiscal, Assembleia-Geral e Conselho de Administração da Sociedade dos Tabacos de Portugal; presidente do Conselho de Administração da Empresa Industrial de Tabacos; presidente da Sociedade do Jardim Zoológico de Lisboa.

28 Cf. José Caetano Lobo d`Ávila da Silva Lima, Socorros mutuos e seguros sociais, Coimbra, Imprensa da Universidade,

Dissertação Inaugural para o acto de Conclusões Magnas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1909, pp.317-322.

29 Fernando Emygdio da Silva, Acidentes de Trabalho, Volume I, Lisboa, Imprensa Nacional, Dissertação de concurso ao

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No plano internacional este período entre 1890 e 1933 assistiu a um impulso importante na aplicação de medidas sociais pelos Estados, caminhando do plano da legislação social para políticas que implementaram os primeiros esquemas de previdência social nas eventualidades da vida dos trabalhadores (acidente de trabalho, doença, invalidez, velhice, desemprego) com diferentes conjunturas e contexto para essa implementação. Essa evolução e as propostas assumidas pelos diferentes países não deixaram também de ser acompanhadas em Portugal pelos diferentes actores sociais, mas também pelos estudiosos da questão. No entender de Rui Enes Ulrich, em 1906 as legislações dos países entrados no processo industrial dividiam-se: no grupo francês e belga, em que o regime corporativo fora completamente abolido, se estimulava o associativismo livre dos operários e onde existia já um importante corpo legislativo destinado a proteger o seu trabalho; no grupo anglo-americano, onde os órgãos de inspecção do trabalho estavam cada vez mais fortes e a vigilância da actividade laboral era também cada vez mais intensa no zelo pelo cumprimento da legislação laboral, sendo sobretudo nos EUA que as instituições de arbitragem oficial funcionavam habitualmente para dirimir conflitos entre os patrões e os operários; no grupo germânico abrangendo as legislações da Alemanha, da Áustria e Hungria, da Suécia, Noruega e Dinamarca, onde as legislações operárias estavam já compiladas, notando-se maior favorecimento ao regime corporativo e impondo o seguro obrigatório contra os diferentes riscos a que o operário estava sujeito – a Suíça tinha uma legislação muito próxima destes países, apesar de não ter aprovado o seguro social obrigatório em qualquer dos riscos para o trabalhador e a Holanda estava numa situação híbrida entre esta tipologia e outros modelos menos rígidos em matéria laboral; nos países eslavos mantinha-se o regime corporativo e apenas tinha sido implementada legislação correspondente ao momento do presente do trabalhador, não assumindo esses países quaisquer compromissos ao nível do futuro dos operários; no grupo da Austrália e da Nova Zelândia onde se avançara para campos inovadores como no caso da fixação de um salário mínimo nacional ou regional30.

Relativamente ao perfil assumido pela legislação, já em 1913, Fernando Emídio da Silva alinhava também uma diferenciação segundo as tipologias dos países em matéria de acidentes de trabalho: legislações que estabeleciam o risco profissional e o seguro obrigatório – Alemanha, Áustria, Hungria, Luxemburgo, Noruega, Sérvia, Suíça, Roménia; legislações que só indirectamente estabeleciam o princípio do seguro obrigatório ou o substituíam por um sistema de garantias legais – Bélgica, França, Suécia, Finlândia; legislações que simplesmente admitiam o risco profissional – Inglaterra, Grécia, Rússia, Dinamarca, Espanha, Holanda, Itália; legislações ainda presas à tradição da

Referências

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