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Livro do Desprezo do Mundo : edição e estudo do cód. ale. 461 da BNL

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César Nardelli CAMBRAIA (São Polo, Brasil)

Livro do Desprezo do Mundo : edição e estudo do cód. ale. 461 da BNL

Em fins da Idade Média, intensifica-se, em Portugal, a realização de traduções de textos religiosos latinos, atingindo seu ápice no século X V com o incentivo dos infantes de Avis (MATTOS e SILVA, 1989 : 33). Dentre as várias traduções que chegaram a t é os dias de hoje por intermédio de manuscritos medievais, consta o Livro de Isaac, também conhecido como Livro do Desprezo do Mundo, de autoria de Isaac de NÍNIVE. O presente trabalho tem como objetivo dar notícia da edição, acompanhada de estudo linguístico, que se está fazendo de um exemplar medieval quatrocentista dessa obra, existente na Biblioteca Nacional de Lisboa, onde possui a cota ALC 461.

1. Isaac de N í n i v e : autor e obra

Poucas foram as informações que chegaram até os dias de hoje sobre a vida de Isaac de NÍNIVE (também conhecido por Isaac S Í R I O ) ; na verdade, resumem-se essencialmente a duas preciosas fontes. A primeira delas consiste em um trecho da obra O Livro da Casti- dade, escrita, no século IX, por um autor da Síria Oriental chamado Ishodenah, obra editada

por CHABOT (1896). Essa Obra compreende curtas h i s t ó r i a s de monges famosos da Igreja

Persa que viveram antes do autor. A segunda fonte, documento preservado por escribas da Síria Ocidental, é de autoria e data desconhecidas e foi editada por R A H M A N I (1904).

Confrontando-se a tradução dessas duas fontes apresentada por M I L L E R (1984 : lxv-lxvi), é possível apurar o que se segue : Isaac nasceu em Bet Qatraie (na região do atual Qatar) e foi ordenado bispo de NÍNIVE no Mosteiro de Bet Abe (no norte do atual Iraque) por JORGE, O Católico. Cinco meses depois, renunciou ao cargo e foi viver como anacoreta na montanha de Matut, na região de Bet Huzaie (no atual Irã). Posteriormente, mudou-se para o Mosteiro de Rabban Shabur (também no atual Irã), onde aprofundou seus conhecimentos das Sagradas Escrituras e escreveu suas obras. Por causa da intensa leitura, acabaria por se tornar cego. Morreu com idade bem avançada e foi enterrado no próprio Mosteiro de Rabban Shabur. Embora não haja segurança sobre datas precisas, B R O C K (1987 : 242) e M I L L E R (1984 : lxviii) assinalam que a ordenação de Isaac teria ocorrido quando da presença de JORGE, O Católico, na região do Qatar, em 676 d.C. M I L L E R (1984 : Ixiii-lxiv), no entanto, vai mais adiante na datação e, com base em dados presentes na obra de Isaac, sugere que seus textos teriam sido elaborados por volta de 688, época em que ele j á estaria com idade avançada.

Também não se tem certeza sobre quantas e quais teriam sido as obras compostas por

Isaac : BROCK (1987 : 243) assinala que uma das fontes acima citada (a segunda) afirma

que teriam sido escritos « cinco volumes », mas M I L L E R (1984 : lxxii-lxxiii) lembra que,

segundo Abdisho de NISIBIS, autor trecentista que compôs um catálogo versificado

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dos autores da Síria Oriental, teriam sido sete volumes. Embora não haja consenso sobre a genuinidade de todas as obras que lhe são atribuídas, considera-se definitivamente genuíno (cf. BROCK, 1987 : 243) o conjunto de textos que estão divididos em duas partes, na primeira das quais se inclui uma seleção de homilias que circularia posteriormente com o nome de Líber de Contemptu Mundi (ou seja, Livro do Desprezo do Mundo).

2. Percurso do Livro de Isaac : do siríaco ao português medieval

Por trás da notável difusão da obra de Isaac de NÍNIVE, há uma grande rede de manuscritos em siríaco, sua língua materna, e de traduções para diversas línguas ao longo dos séculos.

A fim de contextualizar a versão portuguesa nessa rede, apresenta-se a seguir um breve esboço das vias de transmissão e tradução da obra de Isaac. Tal esboço baseia-se fundamentalmente na descrição dessa rede traçada por M I L L E R (1984 : lxxiv-lxxvii).

Isaac de NÍNIVE teria composto suas obras originalmente em siríaco. Entretanto, a grande difusão de sua obra possibilitou que, por volta do século V I I I ou I X , dois monges do mosteiro de Mar Sabbas - Patrikios e Abramios - traduzissem-na para o grego a partir de

manuscritos em siríaco ocidental. Do grego, sua obra teria sido traduzida para várias outras

l í n g u a s nos s é c u l o s seguintes : para o á r a b e (séc. X ) , para o georgiano (séc. X ) , para 0 esla-

vônio (princípios do séc. X I V ) e para o latim (século X V ) . Nos séculos que se seguiram, sua obra continuou a ser traduzida para outras línguas (espanhol, português, italiano, russo, alemão, japonês, inglês, francês, dentre outras), j á não mais apenas a partir do grego, mas também das várias outras línguas para as quais j á havia sido traduzida, dentre elas o latim.

Segundo MlLLER (1984 : lxxvi), a tradução latina, que compreendia uma seleção de 25 homilias, teria sido traduzida para o português por volta do final do século X V .

As versões medievais da obra de Isaac de NÍNIVE que se encontram nas bibliotecas portuguesas indicam, no entanto, que as datas da tradução latina e a da portuguesa propostas por M l L L E R (1984 : lxxiv-lxxvii) devem ser repensadas. No que se refere à versão latina, a existência de uma cópia sua no códice alcobacense 387 da Biblioteca Nacional de Lisboa, datado de 1409, demonstra já se encontrar em Portugal uma tradução latina em princípios do X V . Como essa versão latina deve muito provavelmente ser uma simples cópia e não a primeira versão de uma tradução (do grego, por exemplo), a data da tradução para o latim deve ser recuada para, no mínimo, fins do século X I V . Quanto às versões portuguesas, o códice alcobacense 461 da Biblioteca Nacional de Lisboa parece ser cópia quatrocentista de um manuscrito de fins do X I V ou princípios do X V (como será argumentado mais adiante), o que força também o recuo da data de tradução da obra de Isaac para o português para, no mínimo, fins do X I V ou princípios do X V .

Tem-se atualmente notícia da existência de apenas três versões medievais portuguesas do Livro do Isaac (cf. CEPEDA, 1995 : 134-135), todas elas quatrocentistas :

a) A versão portuguesa da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BN-RJ), presente no

códice de cota 50-2-15, possui como título Livro de Isaac. Segundo descrição apresen-

tada pelo autor da edição diplomática que se fez dela (MENEGAZ, 1994 : 6-7), trata-se

de manuscrito em pergaminho do início do século X V , composto de 114 fólios sem

numeração (contendo apenas a obra em questão), copiado e iluminado por Frei João

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Livro do Desprezo do Mundo

15

d'Anha. A letra do manuscrito foi classificada por PONTES (1978 : 5) como gótica.

Compõe-se essa versão de 48 capítulos.

b) A versão portuguesa da Biblioteca Nacional de Lisboa (BNL), presente nos fólios 14r—lOlr do cód. ale. 461, objeto deste trabalho, será descrita com detalhes na seção que se segue.

c) A versão portuguesa da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora (BPADE) encontra-se nos fólios 13r-20r do códice de cota CXIII/1^10. Trata-se de códice composto de 45 folhas de papel distribuídas em seis cadernos (todos quaternos), com dimensão de 145 x 110 mm, em português do século X V

( M A R T I N S ,

1956 : 201-211).

Essa versão constitui uma coletânea de excertos e não se divide em capítulos.

Além dessas versões em português, há ainda a j á mencionada versão latina, também quatro- centista, da B N L : segundo descrição do Inventário dos Códices Alcobacenses ( A T A Í D E /

M E L O ,

1932 : 364), essa versão possui o título de De Vita Solitária e encontra-se nos fólios

94v-115v do cód. ale. 387, o qual tinha recebido na Livraria de Alcobaça a numeração CCLXI. Trata-se de códice pergamináceo, composto de duas peças, com dimensão de 336 x 230 mm, em letra gótica (miúda na 2

a

peça), datado (2

a

peça) de princípios do século X V (1409) e copiado por Frei Martinho de Alcobaça. Compõe-se de 30 capítulos.

A diferença entre o número de capítulos (30) da versão latina do cód. ale. 387 e o número de capítulos (48) das portuguesas da BN-RJ e da BNL deve-se principalmente 30 fatO de dois Capítulos daquela terem sido divididos em capítulos menores nestas : assim, o capítulo 9 da latina compreende os capítulos 9-10-11 das portuguesas e o capítulo 42 engloba os capítulos 46-47. Além disso, os capítulos 20 e 33 das versões portuguesas não possuem correspondente na latina. A versão portuguesa da BPADE constitui-se fundamen- talmente de 37 pequenos excertos presentes nos capítulos 3, 4, 5, 6, 10, 11, 13, 14, 16, 19, 21, 25, 26, 29, 45 e 46 das outras duas versões portuguesas.

3. Descrição do códice A L C 461

O códice alcobacense 461 da Biblioteca Nacional de Lisboa pertenceu à Livraria manus- crita do Mosteiro cisterciense de Santa Maria de Alcobaça, na qual era identificado pelo número CCLXX. Encontrava-se, até fevereiro dc 1996, no A r q u i v o Nacional da Torre do Tombo, sob a cota Ms. da Livraria n° 771 (ou ANTT 771), de onde foi transferido, na refe- rida data, para a Biblioteca Nacional de Lisboa, onde recebeu sua nova cota : A L C 461.

Compõe-se de 148 fólios, dos quais 58 são de pergaminho e 90 são de papel, possuindo ambos os tipos a dimensão média de 205 x 140 mm. Examinando os quinze cadernos, que possuem uma estrutura relativamente regular, sendo, na sua maioria, quínios, percebe-se a particularidade de estarem geralmente constituídos de fólios de pergaminho na parte mais externa e na mais interna de cada caderno, estando os fólios de papel no seu interior.

A foliação original em algarismos romanos do códice é bastante complexa em função de

uma série de equívocos que parecem ter sido cometidos por seu responsável, que fez com

que diferentes fólios ficassem com o mesmo número, e pelo encadernador, que colocou

o fólio 99 no final do 1 I

o

caderno, e não no seu devido lugar, ou seja, no início. Além dessa

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foliação em romanos, há ainda mais três foliações em algarismos arábicos (duas a tinta e uma a lápis), estando todas as quatro na margem superior à direita do recto dos fólios.

A letra é classificada como cursiva miúda por A N S E L M O (1926 : 78) e S I L V A N E T O (1956 : 65) ; como cursiva por M A R T I N S (1956 : 203) e NASCIMENTO (1993b : 328);

e como gótica por Teresa Maria Duarte FERREIRA (Aquisições (1997 : 8)).

A datação do códice não é unânime entre os estudiosos que se ocuparam dele : AZEVEDO (1913 : 101) situou o códice, tanto pela letra quanto pela ortografia, no século X I V ; NUNES (1916 : 64), com base na linguagem do texto, colocou-o no século X I V ou em princípios do

X V ; A N S E L M O ( 1 9 2 6 : 78), S I L V A N E T O ( 1 9 5 6 : 65), M A R T I N S ( 1 9 5 6 : 203) e NASCIMENTO (1993a: 64) falam em fins do X V ; e C E P E D A (1995 : 134) e FERREIRA

(Aquisições, 1997 : 8) falam apenas em século X V . Há, entretanto, uma razão para se acre- ditar que o códice seja da segunda metade do século X V : o fato de possuir fólios de papel, material que só teria começado a ser usado em Alcobaça a essa altura (cf. SOBRAL, 1993 : 673). A oscilação na datação do códice entre os estudiosos citados remete para a hipótese de esse códice, de provavelmente meados do XV, ser uma cópia de um manuscrito de fins do X I V ou princípios do X V , período em que N U N E S (1913) situou o texto com base na linguagem.

A versão portuguesa do Livro de Isaac encontra-se nos fólios 14r—lOlr desse códice.

Embora na habitual folha de rosto que se acrescentava aos códices alcobacenses no século X V I I I conste como título Livro do Desprezo do Mundo, nas folhas originais do códice (fóls.

10 l r e 160v) aparece sempre Livro de Isaac. Essa versão compõe-se de 48 capítulos, embora faltem o primeiro, o segundo e uma parte do terceiro, pois o códice está mutilado, não possuindo os fólios 1 a 13 (que formariam o primeiro caderno do códice, também um quínio).

ÍS

*<'

4. Edição do Livro de Isaac (cód. ale. 461)

Uma das decisões mais difíceis que cabe àquele que se propõe a editar um texto medieval é a escolha do tipo de edição e, consequentemente, das normas que guiarão o processo de transcrição. Trata-se de uma questão complexa porque cada tipo comporta uma série de variações quanto aos procedimentos realizados em sua execução, o que torna muito mais variados os possíveis tipos de edição, geralmente oscilando sempre entre duas tendências simetricamente opostas : a da conservação e a da modernização do texto. Optou-se aqui por seguir a estratégia de escolha do tipo de edição proposta por Ivo de CASTRO / Maria Ana

RAMOS :

Em que consiste a bondade da opção estratégica [de transcrição] ? Ou : quais as condições para

que o editor escolha correctamente entre conservação e modernização ? A resposta que propomos

introduz um termo novo . só é boa a estratégia que decorre da interpretação correcta do campo

bibliográfico do texto. <...> Campo bibliográfico é a designação que propomos para um conjunto

estruturado de unidades bibliográficas (livros impressos), organizados em torno de determinado

texto : o campo de um texto é o grupo formado pelas edições existentes desse texto. <... > O campo

bibliográfico ideal é aquele em que, de um texto, existem no mercado, ou são facilmente acessí-

veis, exemplares de todos os tipos de edição capazes de satisfazer as necessidades de todos os tipos

de leitor em potencial. (Castro / Ramos, 1986 : 112) (Grifos dos autores)

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Livro do Desprezo do Mundo

1 7

Uma vez que a obra em questão - o Livro de Isaac presente no cód. ale. 4 6 1 - jamais foi editada na íntegra anteriormente (embora pequenos excertos tenham vindo a lume por intermédio de M A R T I N S ( 1 9 5 6 ) ) , muitas são as edições que ainda deverão ser feitas para se construir o campo bibliográfico dessa obra.

Dentre os diversos tipos de edição, optou-se por se começar a construir seu campo bibliográfico com uma edição semidiplomática. Tal escolha deve-se a diversas razões, mas a principal delas é ser esse tipo de edição a que apresenta os critérios de transcrição mais adequados para oferecer aos estudiosos da história do português um corpus inédito para ser analisado (cf. CAMBRAIA, no prelo). Embora não seja possível apresentar aqui uma descri- ção detalhada dos critério utilizados na elaboração da edição semidiplomática, convém salientar que a diretriz principal foi a tentativa de manutenção das características do origi- nal. Assim sendo, mantiveram-se, como no original, o uso das maiúsculas e m i n ú s c u l a s , a pontuação, os diacríticos, a translineação, a separação dos vocábulos ; as abreviaturas, no entanto, foram desenvolvidas, sendo as letras acrescentadas marcadas com itálico.

Embora, neste trabalho, pretenda-se apenas dar notícia da edição semidiplomática que se fez do texto em questão, cumpre assinalar que tal edição faz parte de um projeto maior que inclui também uma edição com normalização ortográfica do mesmo texto, a fim de que o texto seja também acessível a pesquisadores de literatura, historiadores e interessados em geral (Cf. CAMBRAIA, em preparação). Insere-se também nesse projeto a preparação de um estudo exaustivo da linguagem do texto, cujo passo inicial consistiu na p r e p a r a ç ã o de u m glossário exaustivo.

5. Características da linguagem do texto

Na impossibilidade de apresentar aqui uma descrição exaustiva dos fatos da língua presen- tes no códice estudado, optou-se por descrever o comportamento linguístico de alguns dos fatos que são tradicionalmente citados em estudos sobre o período arcaico do português

e que foram utilizados por M A T T O S e SILVA ( 1 9 9 4 ) em sua c a r a c t e r i z a ç ã o do mencionado

período da história da língua portuguesa com base em critérios intralinguísticos. Foram selecionados os seguintes fatos :

a) a crase de hiatos,

b) o -d- intervocálico do morfema de 2

a

pessoa do plural;

c) vogal temática do particípio passado da 2

a

conjugação ; d) valor semântico da locução conjuntiva por en(de).

A análise da representação gráfica dos hiatos compostos de vogais iguais permite constatar o fenómeno da crase - exemplificam este fato os seguintes pares mínimos : <ysaac>

(101r5) x <ysac> (32vl6) ; <meesmo> (26v6) x <mesmo> ( 6 0 a v l ) ; <cobijça> (38rl2)

Os caracteres especiais utilizados na edição semidiplomática foram convertidos para seus

correspondentes em caracteres modernos para evitar conflito na formatação do texto. Itálico

significa desdobramento de abreviatura, diacríticos foram eliminados. Após os dados, vem sua

localização entre parênteses na seguinte ordem : número do fólio, face e linha.

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x <cobiça> (72r24); <voontade> (23vl2) x <uontade> (38vl7). É curioso notar que, dos 21 casos de oscilação registrados em pares mínimos, 13 são de <ee> ~ <e>, 4 de <oo>

~ <o>, 2 de <ii> ~ <i>, 1 de <aa> ~ <a> e nenhum de <uu> ~ <u>. Embora haja todos estes 21 casos, eles constituem estatisticamente uma minoria : o número de palavras presentes no texto em que se constatou a representação da crase de vogais é muito inferior ao de palavras sem a representação da crase ; além disso, em uma mesma palavra, as ocorrências de repre- sentação da crase são sempre em menor número que as ocorrências sem a representação da crase.

A investigação do comportamento da vogal temática dos verbos da 2

a

conjugação no particípio passado revela que as formas com <i> são muito mais frequentes que as com

<u> : há apenas 7 destas. As sete ocorrências com <u> distribuem-se entre cinco verbos {aver, vencer, leer, manteer e teer). Enquanto estes três últimos têm a forma do particípio apenas com <u>, os dois primeiros apresentam também particípio com <i> (forma esta mais frequente) : <auudo> (28rl9) x <auydo> (14v26) ; <ue«çudo> (15r21) x <vencido> (72v5).

Ainda dignos de nota são os dados <ueudos> (14vl0), <veudo> (22r7) e <veudo> (22r22), todos eles formas de particípio do verbo viirlviinr, que também possui o particípio com

<i> : <vijndo>(59rl8).

O exame do morfema de 2

a

pessoa do plural nos verbos presentes no texto permite perceber que o -d- intervocálico, que sofreria síncope na fase final do português arcaico, está sempre presente. Ilustram a ocorrência desse -d- os seguintes dados :

a) presente do indicativo : <morredes> (26vl2) ; b) futuro do presente do indicativo : <acharedes> (27r5) ; c) pretérito imperfeito do indicativo : <deuiades> (30r5);

d) presente do subjuntivo : <gwordedes> (69r3);

e) e imperativo : <chamade> (27r5).

A locução conjuntiva por en(de), formada pela preposição por e pelo anafórico en(de), ocorre 30 vezes no texto (a forma por ende consiste apenas em uma dessas ocorrências).

Em absolutamente todas as ocorrências essa locução ocorre com seu valor etimológico, ou seja, com o valor semântico, denominado por MATTOS e SILVA (1984 : 130), de conclusivo- explicativo.

O exame do que se constatou em relação aos três últimos dos quatro traços analisados acima sugere, quanto à datação da linguagem do texto, que se trata de um estágio anterior a meados do X V (como j á haviam proposto AZEVEDO (1913) e NUNES (1916)), pois, no texto :

a) há ainda a ocorrência, mas j á bem reduzida, de formas de particípio passado com a vogal temática /u/, forma que, segundo M A T T O S e SILVA (1994 : 256), aparece apenas com os verbos creer e teer no Leal Conselheiro (3

a

década do X V ) , mas está ausente na Imita- ção de Cristo (2

a

metade do X V ) ;

b) não há a síncope do -d- do morfema de 2

a

pessoa de plural, fenómeno que, segundo W I L L I A M S (1991 : 176), teria ocorrido entre 1418 e 1434 ;

c) não há ocorrência do por en(de) com valor adversativo, aparecendo apenas como

conclusivo-explicativo, comportamento que M A T T O S e SILVA (1984 : 145) documenta

nos Diálogos de São Gregório (texto anterior às duas últimas décadas do X I V ) , mas não

no Orto do Esposo (situado entre 1380 e 1390), no qual já há o valor adversativo.

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Livro do Desprezo do Mundo 19

Referências bibliográficas

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W I L L I A M S , E . B. (1991

4

): Do latim ao português, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.

Anexos

[ fól. 63r ]

O uerdadeyro mole • deue feer efpelho e exenplo de ben en todolas coufas atodos aquelles que os virem. • auendo erj elle{ ( s ) } muytas uertudes lynpas e claras affy como ofol • en tanto que os enmíjgos dauerdade • ueendo aquello forçadamête 5 atam aconffeffar • que os chriftzios efperanj certa laluaçotn • e affy

como aRefhgeno Recorram, ael de todas partes • e alancta egrem feia alçada e honrrada per el • contra os cg mijgos • Edeue

fenpre feer muyto eiquentado conj defcio e zello de uertudes • fnírtmdol le do dei elo • e nenbrãça mãa do mudo • e el feia lo fecto honrrado por Tua fremofa e deuota oraçotrj • Certa -

mete acwiuerffaçom, e ávida monacal • he glona da igreia de

nolTo fenhor

jheÁl chrifío Coufa neceffana he aomõie • *uer faybos e fremofos geftos de toda porte • e honcftos traíos • e que errj fei«r fectos polTa plazer • e norj feer tachado • de todos

15 aquelles queo virem / Renuciando omudo e todas as coufas dei • menos preçando affua carne • Deue aynda saer grande t alto jeíúu • e grande firmeza e habilidade erj Teu ftado •

e tenperança ern feiu fifos • efpecialmête em tres • íciljceí • falar • ouuyr • e veer • e erjtodollos outros alargamêtos defte mudo • 20 Edeue auer abftinêcia • e breues palauras • e pureza en) Re -

nêbrãça de muytas coufas • e co/idifcrecom • {{c}} aia fimpleza • Eaynda feia certo • que efta vida he breue e vãã • e que he cowtra

aqweila vida que he fpirrfual • « u e r d a d e y r a » e boa • Enotn fe queyra atar coit) nê huãs amygancas « d o m u d o » • neg fie aiuctar fíngularmête com riê

25 huu / e ologar onde morar feia de paz • e de folgança •

Anexo I: Excerto-amosíra da edição semidiplomática do fólio 63r do cód. ALC 461 da

BNL (leitura de César Nardelli Cambraia)

(9)

Livro do Desprezo do Mundo

wwyraS utrwpíT fonprtff/** r t t H Í rtjftr tmà &p>t>ts)

r

fv^wuyro estafo J^Vu» >r,^c& X* un&&

fírt* t^pbyfrf"* * fcf**» <**tómj ^iát^ra. -••

^ivv) fí* ftntf fp/pl ) ^ f C t t * ttofak' &

/4Mexo / / : Fac-símile do fólio 63r do cód. ALC 461 da BNL

(10)

Actes du XXIP Congrès

International de Linguistique et de Philologie Romanes

Bruxelles, 23-29 juillet 1998

Publiés par Annick Englebert, Michel Pierrard, Laurence Rosier et Dan Van Raemdonck

Volume V

(11)

« Les manuscrits ne brúlent pas

Travaux de la section

« Philologie, codicologie, éditions de textes »

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