Palavras de agradecimento pela Outorga da Medal of Honour Lithuanian Diplomacy Star SP - 18/ agosto/2021 Celso Lafer

Diplomacy Star”

SP - 18/ agosto/2021

Celso Lafer

Agradeço muito sensibilizado a Medalha de Honra: Estrela da Diplomacia Lituana que o governo da Lituânia me concedeu e que hoje recebo das mãos do Cônsul- Geral, o Sr. Vytautas Umbrasas.

A Medalha vincula-se ao meu alto apreço pela maneira com a qual a Lituânia, cuja independência o Brasil reconheceu em 1991, vem encontrando o seu lugar no mundo, depois do término da guerra fria e da desagregação da antiga União Soviética.

Fiz minha primeira viagem à Lituânia em 2002, como Ministro das Relações

Exteriores, não só para dar sequência à relações bilaterais – um desdobramento do

reconhecimento da sua independência em 1991 pelo Brasil – como também na

condição de estudioso das relações internacionais e Chanceler de um país que na

sua diplomacia sempre teve “interesses gerais” no funcionamento e nas

transformações da ordem mundial.

A Lituânia é um pequeno país báltico que na sua história viveu os problemas e desafios provenientes das suas realidades geográficas. Daí o entrecruzamento dos fluxos de pessoas e das línguas e os impactos da dinâmica de poder das hegemonias no contexto mais amplo da região da Europa na qual está inserida.

A independência deu à Lituânia, à partir da década de 1990, na configuração política que ensejou o termino geopolítico do Leste Europeu, inéditas condições de permissibilidade para atuar com autonomia na condução da sua política interna e externa. Soube exercer, com superioridade, esta autonomia em benefício do país e de sua população ao integrar-se na União Européia, e na OTAN, ao participar da OCDE, e da OMC, ao criar uma democracia parlamentar e implantar um estado de direito e ao proceder uma transição para uma economia de mercado, com lastro na adoção do euro.

Saber definir rumos e ampliar o controle de um país sobre o seu destino é sempre

um grande feito na perspectiva da política comparada e de uma diplomacia de

qualidade inserida num contexto de proximidades desafiantes e num mundo mais

hobbesiano do que kantiano.

Esta é uma das razões do meu alto apreço pela Lituânia contemporânea, que a honraria que hoje recebo generosamente reconhece.

Na minha ida à Lituânia em 2002 havia também um interesse de outra natureza. A minha família – os Klabin-Lafer e suas ramificações - provém da comunidade judaica da Lituânia. Radicou-se no Brasil no final do século XIX, no qual se enraizou e encontrou espaço no correr das gerações para dedicar-se, com presença nacional, à múltiplas atividades. É o que me instigou em 2002 a visitar Zelwa, o

“shetl” originário da família – um local muito distante na memória familiar.

Subjacente também, a apreciação da beleza da cidade de Vilnius estava presente em surdina o imaginário da consciência “litvak” de Vilna, a Jerusalém da Lituânia que foi um notável centro irradiador, destruído pelo Holocausto, das múltiplas dimensões religiosas, sociais e literárias da cultura judaica.

A minha segunda viagem à Lituânia foi em 2019 e vale a pena nesta cerimônia

recordar o seu pano de fundo. A antecessora do Cônsul-Geral Vytautas Umbrasas,

Laura Tupe com suas qualificadas atividades, muito trabalhou para tornar presente a nova Lituânia, não só com a comunidade lituana stricto sensu em São Paulo e no Brasil, que é significativa nas Américas, mas também com os “litvaks” que imigraram para o nosso país. Empenhou-se igualmente para inserir a Lituânia no mapa de São Paulo e do Brasil.

Dos nossos contatos resultaram os dois festivais Labas, realizados na Fundação Casa-Museu Ema Klabin, que tiveram entre suas inúmeras atividades, facetas de resgate da memória de muitos séculos da presença “litvak” no país – um resgate que é uma meritória política pública da Lituânia independente.

Sedis animi est in memoria – a sede da alma reside na memória, como ensina Santo Agostinho e a inclusão oficial da memória dos “litvaks” é a construtiva expressão de um válido pluralismo histórico no trato do percurso de vida da Lituânia.

Foi neste contexto que surgiu a ideia de materializar no Museu Estatal Judaico Gaon

de Vilna, a exposição Um modernista brasileiro em Vilnius: o retorno de Lasar

Segall. Foi a inauguração da exposição que me levou a uma segunda viagem à

Lituânia.

Segall foi um grande artista plástico, nascido em Vilnius onde havia estado pela última vez em 1918. Radicou-se no Brasil, foi um ativo participante do expressionismo alemão e do modernismo brasileiro. Casou-se no Brasil com Jenny Klabin, filha de Mauricio Klabin, o patrono pioneiro da vinda para o Brasil de toda a família. Participar da inauguração da exposição com meus primos, netos de Segall e outros familiares foi uma grande experiência. Representou para nós um regate das origens da família e nos deu a oportunidade de ampliar o conhecimento do que foi a cultura “litvak” e a sua criatividade e irradiação.

Para mim também foi uma oportunidade de retomar contato com as autoridades da Lituânia e renovar meu apreço pela qualidade com a qual o país define a sua presença no mundo.

Uma palavra final. No festival Labas em São Paulo de 2018 conheci e ouvi a conferência de Laimonas Briedis sobre Vilnius, a sua cidade natal.

Subsequentemente li, com admiração o seu livro em inglês sobre a cidade, que

acaba de ser lançado no Brasil, em tradução de Fernando Klabin. O livro de Laimonas é notável na sua capacidade de transmitir a vis atractiva do significado de uma cidade que, com suas dificuldades mas muita criatividade viveu no limiar da Europa. Sua edição brasileira, como aponta Laura Tupe, é um belo epílogo às comemorações do ano de Gaon de Vilna e da história dos judeus da Lituânia que teve início em 2019.

Dela também dá conta a bela moeda de prata de 10 euros cunhada em 2020 pela Lituânia para celebrar os 300 anos de aniversário de nascimento do Gaon de Vilna – figura exponencial e estelar no firmamento da exegese rabínica no mundo judaico.

A moeda me foi gentilmente presenteada pelo Cônsul-Geral, o sr. Vytautas Umbrasas no nosso primeiro encontro em São Paulo. Foi um gesto a indicar os meus elos com a Lituânia.

Para a edição brasileira, e à luz destes elos, elaborei com cuidado e pesquisa um

prefácio intitulado “O próximo e o distante”, que indica o próximo da sensibilidade

de um distante geográfico e histórico.

Esta cerimônia e a honra que me foi concedida, e hoje entregue, torna ainda mais

próximo o meu alto apreço pelas realizações e valores da Lituânia independente.