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Neurociência e Saúde Mental

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Academic year: 2022

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QUANDO O AMOR DEVORA

http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/73/artigo244824-1.asp Por Roberta de Medeiros

O amor patológico tem origem na relação da mãe com o filho e em sua disponibilidade para suprir as necessidades emocionais da prole em situações estressantes, principalmente em casos de separação.

Há três anos, a técnica em prótese dentária Kelly, 33 anos, encontrou um namorado de quem tenta se separar. O problema era que o alvo do seu amor a agredia física e verbalmente, além de abusar de drogas e álcool. Sempre que o parceiro se distanciava para tocar em barzinhos sozinho, ela ficava com insônia. Por causa da tensão vivida por um amor conturbado, teve uma perda brusca de peso, ficava constantemente irritada e apresentava tensão muscular. No passado, Kelly conta ter sido controladora e ciumenta com outros homens, um tipo de postura que provoca brigas entre o casal. Sempre que se comporta assim, ela é agredida por seu namorado.

Esse é um caso de amor patológico. A pessoa embarca numa união simbiótica na tentativa de fugir da insuportável sensação de abandono. Ela dirige toda sua atenção à pessoa amada, desdobrando-se em cuidados e gentilezas que nunca cessam porque simplesmente ela não sabe como controlar o impulso de agradar o parceiro. Numa postura obcecada, aquele que vive esse amor não consegue mudar de foco: seu objeto de desejo torna-se prioridade, enquanto os outros interesses ficam em segundo plano.

Esse amor é vivido por pessoas de personalidade vulnerável, marcada pela baixa autoestima e pelos sentimentos de rejeição e raiva. São pessoas que crescem em famílias desajustadas, com pouca atenção e carinho dos pais. Por isso, tentam compensar esses anos de ausência com um amor possessivo. Elas acabam reproduzindo desarranjos do passado, escolhendo parceiros dependentes, e que logo irão se mostrar negligentes, inacessíveis e problemáticos. "A pessoa tem dificuldade de estabelecer limites entre ela e o parceiro, manifestada pela atitude constante de manter o outro sobre controle e uma busca incessante pela fusão com ele. Os critérios diagnósticos para o amor patológico são semelhantes aos da dependência química", diz a psicóloga Eglacy Cristina Sophia, pesquisadora e psicoterapeuta do Pro-AMITI (Ambulatório dos Múltiplos Transtornos do Impulso) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, que traçou o perfil das pessoas que sofrem de amor patológico em sua dissertação de mestrado, defendida em 2008.

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Ansiedade ambivalente

Alguns pesquisadores acreditam que o amor patológico surge conforme o vínculo que a pessoa vivencia com a mãe durante os primeiros anos de vida. Esse tipo de amor ocorreria quando a pessoa experimenta, na infância, uma relação insegura com a mãe, sofrendo a ansiedade de separação - um tipo de vínculo que os especialistas chamam de "ansioso ambivalente". A atenção e proteção da mãe oscila: ela está presente para apoiar a criança em algumas situações, mas em outras não, criando ameaças de abandono usadas por ela como meio de controlar a criança. Na fase adulta, ela agirá como se nunca soubesse se a pessoa amada vai estar presente ou ausente. Ela verá as outras pessoas como mais importantes e sentirá medo da perda, por isso, precisará ser mais vigilante com seus parceiros.

Tudo indica que a disponibilidade emocional da mãe em situações estressantes, principalmente separações, é o meio pelo qual a criança aprende a perceber e a se relacionar com o mundo, além de estar ligada a fatores genéticos dela própria.

"No primeiro ano de vida, a criança desenvolveria uma 'lente' a partir da qual a pessoa vai ver o mundo e a si própria, ou seja, um tipo de vínculo específico e que se transformaria numa maneira de se relacionar na vida adulta", diz Eglacy. Essa teoria foi chamada de teoria do apego.

Tipos de apego

No apego seguro, a mãe é sensível às necessidades da criança e promove confiança de que os pais estarão disponíveis, caso ela se depare com uma situação amedrontadora. A pessoa, então, se sente encorajada a explorar o mundo, estando apta a vivenciar o amor saudável durante a vida adulta.

No apego rejeitador, há constante rejeição por parte da mãe quando a criança procurava obter proteção, gerando falta de confiança de que terá ajuda quando precisar. A pessoa passa a tentar viver sem amor e sem ajuda dos outros, ou seja, tornar- se emocionalmente autossuficiente.

Para a pessoa com apego ansiosoambivalente, os pais estiveram disponíveis em algumas situações e não em outras, levando o bebê a vivências de separação e ameaças de abandono, usadas pelo pai como meio de controle. Isso gera incerteza quanto à disponibilidade dos pais e, consequentemente, à ansiedade de separação no relacionamento adulto.

Homens que amam demais

O empresário S. E., 50 anos, chefe de família, tinha um relacionamento estável com sua mulher, quando embarcou numa acalorada paixão por uma garota de programa de 25 anos. Refém de uma paixão avassaladora, ele achou que poderia resgatá-la da prostituição. Começou a empenhar todos os recursos pessoais para atrair a atenção da amada. Ela recusou todas as investidas. Quanto mais ela o rejeitava, mais ele a desejava. Homem bem-sucedido, ele perdeu tudo: trabalho, casa e família, por causa desse amor mal resolvido - o drama do empresário é um dos casos narrados pela escritora Tatiana Ades, em seu livro Hades - Homens que amam demais, lançado pela Editora Record. O nome do livro é uma referência ao mito de Hades, o sedutor deus grego que detinha todos os encantamentos, até que se apaixonou por uma deusa que não

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o desejava. Ele, então, a sequestrou, provocando um grande caos na Terra, por causa de um amor não correspondido.

"O livro traz narrativas como a de Hades. A partir da mitologia grega, percebemos que desde épocas mais remotas já existiam histórias de homens que amavam demais, apesar de nossa sociedade não reconhecer a fragilidade que existe no universo masculino", explica a autora. "São pessoas que viveram em lares desajustados.

Na maioria dos casos, o homem foi criado por uma mãe muito ausente ou tinha uma relação simbiótica com ela. O sujeito, então, reproduz a relação doentia com a figura materna", analisa.

Controle e dependência

"Nossa experiência clínica tem mostrado que a pessoa com amor patológico presta cuidados ao parceiro, mas com o intuito de obter afeto, sem respeitar as necessidades e interesses do outro, muitas vezes com atitude crítica quando não recebe o esperado, contrariamente ao conceito de cooperativada, que inclui ajuda desinteressada, tolerância e empatia social", diz Eglacy.

O seu estudo mostrou que pessoas que sofrem de amor patológico também têm dificuldade de estipular metas e de se manter focado nelas. "Isso ocorre porque o foco principal de sua vida é manter o parceiro sob controle, porque necessita da sua atenção", diz Eglacy. As principais estratégias utilizadas para controle são ligações telefônicas, seguir o parceiro, interrogar sobre as atividades dele, ser extremamente atencioso para com as necessidades dele e provocar ciúme.

Há quem diga que o medo é a essência desse amor. A pessoa foge da sensação de isolamento tornando-se parte de outra. Alguns estudos mostram que as reações químicas observadas no cérebro daqueles que vivenciam o amor patológico seriam muito parecidas àquelas encontradas em pessoas que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo ou TOC, uma alteração de comportamento que faz com que a pessoa tenha pensamentos persistentes de medo e ansiedade. Para aliviar o mal-estar, ela costuma realizar tarefas ou gestos repetitivos, como se desdobrar em cuidados dirigidos à pessoa amada.

Tudo indica que a disponibilidade emocional da mãe em situações estressantes, principalmente separações, é o meio pelo qual a criança aprende a perceber e a se relacionar com o mundo

A maioria dos pesquisadores, no entanto, defende que o amor patológico se assemelha à dependência por drogas ou álcool. A pessoa experimenta uma sensação de abstinência quando está longe da pessoa amada, gasta muito tempo e energia em cuidados, abandona atividades para cultivar esse amor, sua dedicação exagerada traz problemas para a pessoa que ama e também para a pessoa amada.

"Embora alguns autores comparem os sintomas do amor patológico aos pensamentos repetitivos do TOC, nossos estudos têm demonstrado que as pessoas com amor patológico apresentam critérios semelhantes à dependência, como cuidar do parceiro mais do que gostaria, as tentativas de diminuir esse comportamento são insatisfatórias e sinais e sintomas de abstinência quando há ameaça de abandono", explica Eglacy. Ela lembra que a alta impulsividade encontrada no amor patológico se assemelha aos demais transtornos do impulso, como jogo patológico, por exemplo.

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Descargas biológicas

Segundo Eglacy, o estado de exaltação desse amor provocaria fortes descargas de adrenalina, o que pode explicar o estado de constante euforia. As sensações experimentadas por quem vive esse tipo de amor são semelhantes à provocada por altas doses de anfetamina. Isso acontece porque o amor produz sua própria substância, a feniltilamina. Ela também estaria presente no chocolate, o que explica por que algumas pessoas que vivem uma perda gostam de se empanturrar de chocolate.

Um estudo verificou que, independente da cultura, a reação cerebral dos apaixonados é a mesma: ao ver fotos do ser amado, se "acendem" algumas partes do núcleo caudado do cérebro, estrutura que regula a sensação de recompensa. São zonas ricas em dopamina, neurotransmissor que age no cérebro promovendo sensação de motivação e prazer, e endorfina, que desperta sensação de bem-estar e euforia. "O fenômeno é semelhante ao que ocorre com dependentes químicos e jogadores patológicos diante da droga de escolha, por exemplo", exemplifica a psicóloga.

Mas quem sofra mais de amor patológico? Foram identificadas divergências em várias culturas: na população americana, as mulheres com essas características superaram os homens, e entre os japoneses e russos, as atitudes de amor patológico prevaleceram no sexo masculino.

O problema é que as pessoas que vivem o amor patológico só buscam ajuda profissional quando perdem o parceiro. E quando isso acontece, elas têm em mente mudar algo em seu comportamento para agradar o parceiro na esperança de assim ele voltar. Nesse sentido, os programas de recuperação como DASA (Dependentes de Amor e Sexo Anônimos) e MADA (Mulheres que Amam Demais Anônimas) podem ajudar na superação do problema. Esses grupos de apoio procuram recuperar comportamentos compulsivos e que envolvam a dependência por sexo, relacionamentos românticos, fantasias e anorexia sexual. Os voluntários seguem doze passos, nos mesmos moldes dos Alcoólicos Anônimos, e partem do princípio de que o primeiro passo para a recuperação é reconhecer a origem do seu comportamento desajustado.

Segundo a pesquisa realizada por Eglacy, 22% das pessoas com amor patológico não têm qualquer transtorno psiquiátrico, o que mostra que esse quadro pode surgir isoladamente. Outro achado é o alto risco de suicídio identificado em 28% deles (o que mostra um perfil mais voltado para a auto agressividade do que para a agressão ao sexo oposto). Também houve maior prevalência de depressão e de transtornos ansiosos. Apenas 8% apresentaram TOC. E, ao contrário do que se pensava, não existe uma correlação entre amor patológico e intensidade de amor (amor excessivo), mas sim a persistência num amor que não dá certo e gera sofrimento.

Critérios para diagnóstico de amor patológico

1) SINAIS E SINTOMAS DE ABSTINÊNCIA - Quando o parceiro está distante (física ou emocionalmente) ou perante ameaça de abandono, podem ocorrer: insônia, taquicardia, tensão muscular, alternância de períodos de letargia e intensa atividade.

2) O ATO DE CUIDAR DO PARCEIRO OCORRE EM MAIOR QUANTIDADE DO QUE O INDIVÍDUO GOSTARIA - O indivíduo

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costuma se queixar de manifestar atenção ao parceiro com maior frequência ou período mais longo do que pretendia de início.

3) ATITUDES PARA REDUZIR OU CONTROLAR O

COMPORTAMENTO PATOLÓGICO SÃO MAL SUCEDIDAS - Em geral, já ocorreram tentativas frustradas de diminuir ou interromper a atenção despendida ao companheiro.

4) ) EXCESSIVO DISPÊNDIO DE TEMPO NO CONTROLE DAS ATIVIDADES DO PARCEIRO - A maior parte da energia e do tempo do indivíduo são gastos com atitudes e pensamentos para manter o parceiro sob controle.

5) ABANDONO DE INTERESSES E ATIVIDADES ANTES VALORIZADOS - Como o indivíduo passa a viver em função dos interesses do parceiro, as atividades propiciadoras da realização pessoal e profissional são relegadas, como cuidado com os filhos, atividades do trabalho e convívio com colegas.

6) O AMOR PATOLÓGICO É MANTIDO, APESAR DOS PROBLEMAS PESSOAIS E FAMILIARES - Mesmo consciente dos danos resultantes desse comportamento para sua qualidade de vida, persiste a queixa de não conseguir controlar tal conduta.

Fonte: Amor patológico: um novo transtorno psiquiátrico, de Eglacy Cristina Sophia, Hermano Tavares e Mônica Zilberman.

Referências

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