• Nenhum resultado encontrado

Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense"

Copied!
25
0
0

Texto

(1)
(2)

Universidade Federal Fluminense

REITOR

Sidney Luiz de Matos Mello VICE-REITOR

Antonio Claudio Lucas da Nóbrega

Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense

CONSELhO EdITORIAL

Aníbal Francisco Alves Bragança (presidente) Antônio Amaral Serra

Carlos Walter Porto-Gonçalves Charles Freitas Pessanha Guilherme Pereira das Neves João Luiz Vieira

Laura Cavalcante Padilha Luiz de Gonzaga Gawryszewski Marlice Nazareth Soares de Azevedo Nanci Gonçalves da Nóbrega Roberto Kant de Lima Túlio Batista Franco

dIRETOR

(3)

Renata Rezende Ribeiro

A morte midiatizada

Como as redes sociais

atualizam a experiência do

(4)

Copyright @ 2014 Renata Rezende Ribeiro

Copyright © 2015 Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense

Nova Biblioteca, 3

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da editora.

direitos desta edição cedidos à

Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense

Rua Miguel de Frias, 9, anexo/sobreloja - Icaraí - Niterói/RJ CEP 24220-008, Brasil

Tel.: +55 21 2629-5287 - Fax.: +55 21 2629-5288 www.editora.uff.br - secretaria@editora.uff.br

Impresso no Brasil, 2015 Foi feito o depósito legal.

(5)

À vida, aos meus pais, aos meus irmãos, ao meu amor e aos meus amigos! Aos mestres, em especial à querida Marialva Barbosa. Aos encontros: de ontem, de hoje e de amanhã.

(6)
(7)

A todos que a morte eu senti Um traço Um corpo O desenho sobre o papel

As letras Meu pensamento Uma fotografia Um fragmento Um gesto Um vestígio Meu pensamento Sombras, sonhos Na luz, na escuridão Um traço Uma alma Eterna saudade!

(8)
(9)

Sumário

Apresentação

Afetações da vida e da morte - Marialva Barbosa |13

Introdução

Os “fragmentos do corpo” |17

Nossa abordagem | 22

A morte, o homem e as engrenagens |27

Um breve percurso | 33 “Admirável mídia nova” | 38 As comunidades virtuais | 41

As comunidades virtuais dos mortos ou “cemitérios digitais” | 45

Espaços da morte: a Idade Média e a “Idade Mídia” |55

O corpo dos espaços | 59

A Divina comédia e o espaço medieval | 63

O Inferno | 65

O Purgatório | 66

O Paraíso | 67

A borda e a fórmula: do espaço pictórico ao espaço físico | 68 O ciberespaço | 74

O espaço sagrado | 78

“O renascimento do Purgatório”: espaço tecnológico da morte contemporânea | 88

Sobre o tempo e a morte |93

O tempo como símbolo da morte | 96

Passado, presente, futuro | 97

A morte como marco temporal | 99

Um breve percurso sobre o tempo | 106 O tempo contemporâneo | 113

Entre o instante e a duração | 117 O tempo nas redes sociais | 120

(10)

Conexões temporais: unindo vivos e mortos | 125 O tempo nos relatos da morte | 129

Memórias e esquecimentos: os encontros com os mortos |133

Espaços de memória e de comemoração | 137 As artes da memória | 140

As tecnologias da comunicação e a produção da memória | 142 A memória na Divina comédia | 144

A memória nas comunidades virtuais de mortos | 151

Lembrar, escrever, copiar e colar: a morte como projeto tecnológico | 155 A presença dos ausentes: os fantasmas | 157

Apagar os mortos: o esquecimento | 167

Em busca do Paraíso: Letes ou Eunoe? | 170

A morte digital: atualizações do fim da vida |175

Um lugar para os mortos ou “em busca do cemitério” | 179 Lugares sagrados e terra dos mortos | 185

O túmulo | 188 A cruz | 194 O retrato | 198 Sensações visuais | 202

Os mortos digitais (ou) a imaterialidade material | 205

Conclusão |211

(11)

Quem ensinasse os homens a morrer os ensinaria a viver.

(12)
(13)

13

Apresentação

Afetações da vida e da morte

N

ão existe vida sem afetos. Ao longo da vida, marcada por encontros singulares e definiti-vos, há a construção de redes de afeto que defi-nem a nossa existência.

Fazer este prefácio, para mim, deixa evidente uma das minhas principais redes de afeto: a que envolve os alunos com quem compartilhei (e continuo compartilhando) quase quaren-ta anos da minha vida.

Conheci vários deles, como a autora desta obra fundamen-tal do campo da comunicação, ainda muito jovens. Quando cur-savam o curso de graduação e por razões que só o improvável explica, mas também as afetações que os encontros proporcio-nam, foram me acompanhando por várias décadas e construin-do também pelos afetos uma trajetória científica e reflexiva. Sem isso certamente os caminhos teriam sido outros, inclusive o da construção de um conhecimento que tem como cerne e marca fundamental o signo da partilha.

Por isso, denominei este prefácio de afetações da vida e da morte. A certeza que mostra a historicidade do ser humano, o fato de que se vive na história. Assim, as perguntas mais funda-mentais da historicidade – o que somos, de onde viemos e o para onde vamos – descortinam uma existência que se distribui entre a vida e a morte. A certeza mais absoluta de todo o ser humano ao encontrar o mundo é que a sua vida caminhará inexoravelmen-te para um fim. Entre o início e o fim, entretanto, há toda uma trajetória marcada por afetações, coisas que nos deixam marcas, algumas das quais permanecem teimando em nossas lembranças. Passagens da vida que vivemos e que revelam afetos e emoções

(14)

14

que vão nos construindo em redes de relação com o outro, que fazem da vida um lugar de afetações. Mas, sobretudo, produzem uma existência mais feliz.

Por isso, a alegria de fazer o prefácio de um livro escrito por alguém por quem nutro profundo carinho e de ver expressa nas páginas que o constituem a densidade intelectual da autora cujo crescimento e maturidade científica acompanhei por mais de uma década.

Assim, não poderia começar de outra forma este prefá-cio, que tem por objetivo apresentar um livro que fala da morte, senão expondo afetações de vida que me ligaram por um carinho infinito a sua autora. E foi também pela construção desse afeto que a orientei na sua tese de doutorado, cuja marca fundamental está inscrita nesta obra.

Mas não só a vida, como também a morte, é marcada por afetações. Lugar que simboliza o fim, no qual a existência se mostra publicamente com a marca do ponto final da trajetória e institui a permissão para o esquecimento. Instaura-se o esqueci-mento necessário, desejado, elo possível para estabelecer definiti-vamente a finitude. Entretanto, no mundo contemporâneo ganha contornos específicos e a morte permanece durando em traços fixados nos vestígios tecnológicos que a eternizam.

Ao construir uma reflexão madura em torno da temática da morte, Renata Rezende mostra que os regimes de historicidade de cada época, concebidos como a maneira como se vive a relação passado, presente e futuro, determinam também como o homem se coloca diante da morte. Nos tempos contemporâneos marcados pela virtualização cotidiana da existência e que produzem alguns sintomas da nossa época, a morte passa a ser produtora de sentidos a partir do mundo virtual. Que paradoxalmente a expõe e faz com que o apagamento de rastros que a constitui no tempo seja gover-nado por outra lógica, construindo corpos virtualizados que con-tinuam existindo mesmo depois que o corpo físico não está mais presente. E é dessa complexa relação entre imanência, permanên-cia, vida e morte que este livro, com densidade, trata.

O alargamento da percepção do tempo que denomina-mos presente, a eclosão de um individualismo exacerbado, a

(15)

15

consciência da ação destruidora humana, a nostalgia do passado e de sua documentação que passam a ser signos de validação do ser no mundo e o término da ideia de futuro como promessa, as marcas do tempo que denominamos contemporâneo, estão todas presentes no livro, mostrando que essas afetações da vida produ-zem o sentido e a maneira de viver a morte.

Se não há mais futuro enquanto promessa, também o es-quecimento ganha nova pele significativa. há um eses-quecimento resignificado, alvo de permissões de lembranças. A partir de bre-chas, como no caso dos corpos cuja morte é encenada na virtuali-dade midiática, são ainda construídas tipologias de esquecimento.

A morte deixa ainda mais evidente o “esquecimento de reserva”* – aquele que coloca marcas duradouras, persistentes e que voltam periodicamente – que de tanto voltar, permanece es-quecido com possibilidade de ser novamente reconhecido. Mas, sobretudo, institui palimpsestos do esquecimento em camadas graduais, em fluxo constante e em atualização permanente numa dimensão transcultural e transnacional. Revelam, enfim, modos de significar e virtualizar o esquecimento na dimensão transna-cional já que estão escritas num espaço governado pela imateria-lidade plausível do mundo.

O esquecimento que se deixa ver no corpo morto repre-sentado e encenado no mundo virtual constrói, por outro lado, o que poderíamos denominar morte limiar: uma morte que não é, mas que poderia ser.

Por fim, mostra também como hoje a morte midiatizada continua sendo um investimento coletivo derivado da esperança na vida. Morrer lentamente, apagar gradualmente, acostumar-se com a significação de um fim que não sabemos de fato o que significa são formas de presumir e de experimentar a morte. A tentativa é fazer durar o que não pode perdurar. Construir, enfim, uma existência virtual para quem foi apartado abruptamente do mundo. diminuir a ausência, a dor, transcender a vida. Sonhos humanos imemoriais que continuam perdurando nos formatos midiáticos contemporâneos.

(16)

16

Permite ainda, como tão bem remarca a autora, experi-mentar impressões sensoriais de uma realidade para a qual não se consegue encontrar explicação. Ao criar locais de permanência com a pretensão da eternidade em dispositivos que, paradoxal-mente, são fluidos, possibilita a construção virtual/real dos nos-sos mortos, dos nosnos-sos fantasmas.

Fantasias alegóricas do desejo humano, a comunicação virtualizada do mundo em que estamos imersos deixa evidente, por outro lado, parâmetros imemoriais do homem. Transcender a morte, encontrar os mortos, tornar a ver aqueles que marcaram definitivamente a nossa existência, são sentidos buscados ao lon-go da história diante da certeza inelutável do fim. Assim, as pos-sibilidades comunicacionais são adensadas por tecnologias que, ao querer comunicar tão intensamente, são capazes de produzir a comunicação transcendental. Transformar corpos digitais, como diz a autora, em carne é o desejo último do ato comunicacional.

Mas é, sobretudo, na esperança histórica de falar com os mortos, na esperança da vida, que se produz cada uma dessas ações. Nesse sentido, o livro, ainda que trate do presente, aquele em que partilhamos modos de vida com outros que presumimos viver a mesma existência, é uma obra não só inscrita na história, como também de história. Afinal, se história é a possibilidade de conversar com os mortos, a autora mostra o sonho duradouro de cada um, seres históricos, que na busca e na esperança produzidas em torno da vida, espera reencontrar e conversar com seus mortos.

Marialva Carlos Barbosa

(17)

17

Introdução

Os “fragmentos do corpo”

N

o decorrer da vida, conhecemos inúmeras pes-soas. Convivemos, falamos e rimos com algu-mas, discutimos e amamos outras. Essas pessoas tornam-se parte de nossa história. Com o passar do tempo, no entanto, em um instante ou em um fluxo mais contínuo, elas não existem mais. O que existe é o silêncio, mas continuamos ouvin-do vozes. O que existe é o vazio, mas continuamos a ver imagens, vestígios que estão por todos os lados: no porta-retratos no quar-to, nas cartas antigas no fundo da gaveta, nas roupas no canto do armário, nas lembranças que encontramos, dia sim, dia não. Mas que não nos deixam esquecer.

Em um dia de um final de janeiro, encontrei alguns desses vestígios, mas de uma forma diferente do que conhecia até então: eram rastros digitais. diante da tela do computador encontrei a morte arrebatadora e, a partir desse momento, passei a encon-trá-la diariamente, em conhecidos e desconhecidos, em persona-gens criados com base na realidade ou na ficção. Assim começa esse livro: a partir do encontro com a morte de um amigo que habitava a mesma rede social da qual fazia parte. Nesse espaço, encontrei fragmentos de um corpo: uma imagem, um texto, um som, que, somados na tela do computador, levaram-me até um passado pouco distante e, vasculhando tais fragmentos, deparei-me com ladeparei-mentos, orações, preces. Assim encontrei os vestígios da morte digital, e, pouco tempo depois, as comunidades virtuais que reúnem perfis de usuários da rede que morreram na “vida real”, mas continuam “circulando” na internet.

Como cada página nessas redes geralmente é individual e só quem tem o login e a senha de acesso é o próprio usuário, quando ele morre no espaço real, seu “corpo digital” continua circulando no ciberespaço. Ou seja, mesmo mortas, essas pessoas

(18)

18

continuam recebendo recados, como se virtualmente pudessem ouvir os apelos publicados.

Visitando essas comunidades com frequência, percebi que estava em um cemitério, um cemitério digital, repleto de despo-jos com inúmeras histórias. Algumas com bastante repercussão, inclusive fora da rede, nos grandes veículos de comunicação do país, e outras quase anônimas, provavelmente desconhecidas, não fosse esse espaço digital. Tais narrativas me surpreendiam na medida em que atravessavam minha busca. A morte é inevitável, mas morrer é estranho. Morre-se conforme os acasos ou é a mor-te que toma a forma do acaso?

A morte é o desconhecido e está escrita na natureza da vida. Mas como e por que as atitudes diante da morte mudam no decorrer do tempo? Precisava compreender o próprio sentido de tempo e de espaço, que figuram na contemporaneidade, da me-mória e do esquecimento, a fim de encontrar pistas para a morte com a qual me deparava: a morte no espaço digital.

É nesse sentido que este livro refere-se à ressignificação da morte nas sociedades ocidentais, a partir da digitalização do “corpo morto”, como manutenção de um laço de interatividade, presença e lembrança de um sujeito ausente. A partir das comu-nidades virtuais de mortos, a intenção é delinear as transforma-ções articuladas pelas tecnologias de comunicação e informação com relação à morte e o morrer na contemporaneidade.

Os novos meios de comunicação estariam criando tempo-ralidades e outras espacialidades como a morte no espaço digital? Ou a morte digital é apenas outra forma de morte comunicacio-nal? Nesse contexto, como a atual sociedade imagética está for-matando a representação da morte contemporânea?

Os homens são os únicos animais que têm consciência de sua própria morte. Segundo Elias (2001, p. 10), “embora compar-tilhem o nascimento, a doença, a juventude, a maturidade, a ve-lhice e a morte com os animais, apenas eles, dentre todos os vivos, sabem que morrerão; apenas eles podem prever seu próprio fim [...]”. Mesmo assim, segundo Freud (1987), ninguém crê em sua própria morte. Para ele, estamos, inconscientemente, convenci-dos de nossa imortalidade.

(19)

19

No Ocidente, cristão e herdeiro do pensamento grego, a morte é como um jogo semântico com o corpo: alma, consciên-cia, espírito, instaurando uma atitude que continua a investir nos-so saber mais espontâneo nos-sobre ela: é precinos-so negá-la. A cultura ocidental não incorpora a morte como parte da vida, mas como castigo ou punição. de maneira geral, o conceito relaciona-se à ruptura, ancorada no modelo de vida que se projeta através da negação da ideia de impermanência. Esse conceito também pode ser visto pela terminologia do termo léxico em que morte signifi-ca o fim da vida; fim; grande pesar.

Mas como falar de impermanência e de finitude quando as novas tecnologias da comunicação, como as comunidades vir-tuais “recortam os corpos mortos”, estabelecendo um novo tipo de formalização da morte social, que implica outra dimensão da realidade? Como falar da morte como ausência do corpo, quando o corpo digital traz à tona sua presença em qualquer lugar, a qual-quer hora, bastando uma conexão via Internet?

A temática é complexa e vasta, até porque o próprio con-ceito que se tem sobre a morte tende a se alterar de acordo com o contexto cultural e histórico. Philippe Ariès, em História da morte

no Ocidente, demonstrou que a atitude do homem diante da morte

mudou ao longo dos séculos. Segundo Ariès (2003), no início da Idade Média, havia uma familiaridade com a morte, que era um acontecimento público. O homem das sociedades tradicionais re-signava-se sem grande dificuldade à ideia de sermos todos mortais. É o que ele denominou morte domada, uma morte domesticada.

Com o passar do tempo, no século XVIII, o homem das so-ciedades ocidentais passou a dar a morte um novo sentido: exal-ta-a, dramatiza-a, deseja-a arrebatadora. Mas, ao mesmo tempo, já se ocupa menos de sua própria morte, e, assim, a morte

român-tica, como classifica Ariès, é, antes de tudo, a morte do outro – o

outro, cuja saudade e lembrança inspiram, por exemplo, a partir do século XIX, o culto dos túmulos e dos cemitérios.

A história também nos mostra que pouco a pouco a Igreja se encarregou dos mortos. Missas e orações estenderam-se por todo o Ocidente. Os cemitérios se tornaram locais de refúgio, de asilo, de reunião, de regozijo, lugares em que se fazia justiça,

(20)

20

onde se concluíam acordos, onde se negociavam mercadorias. A Igreja passa a transmitir a ideia de que é possível, ao menos após a morte, o homem obter o conforto que não conseguiu em vida. desenvolve-se a premissa de continuidade, devendo o homem acreditar que existe algo mais que “um fim em si”.

Entretanto, mais do que a religião, é preciso considerar as características das transformações socioeconômicas ao longo dos séculos, como as taxas de industrialização e de urbanização. Gerard Vincent (1992) considera que o “exame de passagem” se seculariza: uma teleologia substitui uma escatologia. Segundo Vincent, a partir do momento em que a história vivida se tornou cumulativa, em que o homem pode duplicar a acumulação dos bens que possuía, bem como o tempo de seu usufruto graças ao prolongamento de sua vida, a incapacidade de eliminar a morte passou a ser vista como um fracasso de seu conhecimento e po-der: a morte tornou-se uma grande obscenidade.

Philippe Ariès (2003) também ressalta que a medicina mudou a representação social da morte: já não se morre em casa, entre parentes e amigos, mas no hospital, sozinho. Os avanços da ciência, principalmente a partir do século XX, per-mitiram prolongar a vida ou abreviá-la. Pacientes passaram a ser condenados a meses ou anos de vida vegetativa, ligados a tu-bos e aparelhos. A morte natural deu lugar à morte monitorada e às tentativas de reanimação.

A Europa do século XX começa a optar pela cremação como o “meio mais radical de se livrar dos mortos”. Na França, nos anos 1980, fez-se uma espécie de “campanha promocional” em favor da cremação, para resolver o problema dos cemitérios lotados. As vantagens desse procedimento, segundo a “campa-nha”, era um ritual mais barato e mais asseado, ao contrário dos enterros, com seus jazigos insalubres, exumações e reduções do cadáver (Ariès, 2003). No entanto, tal estratégia não funcionou. de maneira geral, o enterro continuou a ser a prática mais cor-rente na França e no restante da Europa.

Gerard Vincent (1992, p. 349) recorre à explicação de Albert Thomas para tentar entender por que os “despojos” são fundamentais: “Nada pior do que um cadáver ausente [...]. O

(21)

21

que é um cadáver? Uma presença que manifesta uma ausência” (Vincent, 1992, p. 349).

A partir dessa perspectiva começa-se a pensar o que fazer para conservar a presença (lembrança) do falecido, “esquecen-do que ele não passa de um esqueleto em vias de mineralização”. Thomas (apud Vincent, 1992), afirma que a fotografia, o filme, a fita gravada e os processos de armazenagem de informação são recursos a que podemos recorrer para “guardar as lembranças do morto”. E vislumbra:

Imaginar uma espécie de mnemoteca dos tempos futuros, como existem bibliotecas, em que as pessoas poderiam consultar à von-tade os traços dos desaparecidos [...] Assim, guardaríamos aquilo sem o que ninguém e nenhum grupo pode viver: uma memória e um passado. (ThOMAS apud VINCENT, 1992, p. 350)

A Internet, hoje, talvez, possa ser essa mnemoteca. Com a “digitalização do corpo”, uma espécie de diálogo entre os grupos em torno do morto pode ser estabelecido de forma mais efetiva e interativa. Isso ocorreria porque, numa realidade marcada pela midiatização das relações socioculturais, a morte não escapa à formatação midiática de sua performance: é necessário eternizar esse corpo, mesmo morto, e ativar relações comunicativas a seu redor a fim de conservar de alguma maneira a presença do fale-cido. haveria, nesse sentido, outra formatação que produz novos sentidos para se pensar a temática, ainda que ancorada em repre-sentações constituídas ao longo dos tempos.

A partir da hibridização dos meios de comunicação (texto, som, imagem), a mídia passa a implicar uma nova qualificação da vida ou, como afirma Muniz Sodré (2002), um bios virtual. Segundo ele, nos ambientes digitais, o usuário pode entrar e mo-ver-se graças à interface gráfica, trocando a representação clássi-ca pela “vivência apresentativa”. É uma forma condicionante de experiência vivida, com características particulares de tempo e de espaço. Além disso, segundo Sodré (2002), a novidade, nesses ambientes, é o fenômeno da estocagem de grandes volumes de dados e a sua rápida transmissão, acelerando a mobilidade ou a

(22)

22

circulação das coisas no mundo, alterando os tradicionais concei-tos de espaço e tempo. desta forma, a representação da morte nas redes sociais desenvolveria novas possibilidades de se viver e de se experimentar o tempo e o espaço.

Uma nova formalização da morte social se constitui, im-plicando outra dimensão da realidade, portanto, novas formas de percebê-la, pensá-la e contabilizá-la – “vivê-la”. O que não signi-fica a extinção das formas tradicionais da cerimônia mortuária e tudo que a cerca, mas a coexistência e mesmo a integração da esfera do atual com a do ciberespaço, onde são proeminentes as tecnologias digitalizadas.

As formas tradicionais de representação do “corpo mor-to” (como a fotografia, o filme, a fita gravada) interagem com as novas (o virtual, o espaço simulativo ou telerreal da hipermídia) expandindo a dimensão tecnocultural, onde se constituem e se movimentam novos sujeitos sociais. Trata-se de uma nova mo-dalidade de representação, que supõe outro espaço-tempo social (imaterialmente ancorado na velocidade do fluxo eletrônico), e, por certo, um novo regime de visibilidade pública. As novas tec-nologias do som e da imagem passam a constituir um novo cam-po do audiovisual, procam-porcionando ao receptor acolher o mundo em seu fluxo, ou seja, mesmo a morte passa a ser reapresentada a partir da simulação de um tempo “vivo” ou “presente”. A au-sência passa a ter outro significado, talvez menos definitivo, com as ferramentas da multimídia. Por esse sentido faz-se necessário entender qual é a significação ou experiência da morte numa so-ciedade mobilizada pela mídia e interconectada pelas tecnologias digitais de comunicação.

Nossa abordagem

Estruturamos este livro em cinco partes. Nossa propos-ta é que a articulação entre os capítulos contemple, ainda que a partir de determinadas marcações, a relação das técnicas e dos meios de comunicação aos principais elementos que atraves-sam o imaginário da morte: o espaço, o tempo, a memória e o

(23)

23

esquecimento que, interligados, dão sentido às narrativas, sejam elas textuais, imagéticas ou multimídias. Mas tal estrutura não é rigida, permitindo o leitor atravessar os capítulos, seguindo o percurso desejado, pois a narrativa que se desenvolve assume a estrutura hipertextual, pelo menos por dois motivos: primeira-mente porque os exemplos das comunidades virtuais de mortos da Internet foram extraídos aleatoriamente, segundo as conexões necessárias para a construção da narrativa. Isso se deve à carac-terística do meio, que é atualizado a todo instante e à própria articulação dos conceitos utilizados, que segue a estrutura das marcas, não necessariamente cronológicas, mas como vestígios do passado que nos ajudam a perceber o presente e, a partir daí, imaginar o futuro. O sentido proposto com tais usos faz parte de um trabalho de tessitura de pontos de referência. Com ela, pro-curamos adentrar um campo de investigação já percorrido por outros, mas pouco explorado ainda do ponto de vista do mundo em que vivemos hoje, a partir da proeminência das chamadas tecnologias imateriais (digitais) de comunicação.

dito isto, o primeiro capítulo se propõe a localização das redes sociais no mundo contemporâneo, bem como as transfor-mações das tecnologias de comunicação e seus usos no cotidiano, a fim de demonstrar como os novos suportes comunicacionais, como as redes e as comunidades virtuais digitais, oferecem for-mas particulares de se pensar e experimentar a morte.

No segundo capítulo, traçamos um diálogo do ciberespaço com a representação espacial proposta por dante Alighieri, na

Divina comédia, demonstrando como a “construção” dos

luga-res dos mortos no Além medieval constituiu parte essencial das crenças religiosas ocidentais, que interferiram diretamente no imaginário da morte e se estenderam no Renascimento, na Idade Clássica e hoje, na contemporaneidade.

Levando em conta que a Comédia se transformou em refe-rência síntese sobre o mundo dos mortos, fazemos uma reflexão sobre a história do espaço, relacionando a construção da espacia-lidade às questões sobre o Além e ao conceito de espaço sagrado, a partir das referências de Margaret Wertheim (2001), Jacques Le Goff (2006) e Mircea Eliade (1992), na tentativa de compreender

(24)

24

a construção do lugar da morte que nos atravessa no presente: a morte digital, representada no ciberespaço.

No terceiro capítulo, demonstramos que os recortes da morte no Ocidente são interpretados à luz das transformações que ocorrem dentro e a partir de um tempo, mas principalmente que o tempo, quer seja como dimensão do espaço, como duração ou como instante, é símbolo da morte. Nesse sentido, a necessi-dade de uma comunicação permanente é própria do homem que deseja não apenas possuir a leveza da imaterialidade, mas o eter-no presente, a infinitude, desejando, assim, viver em um tempo total, um “tempo sonho”, que poderia ser encontrado, em certa medida, nas comunidades virtuais da Internet.

Os arquivos memoráveis, os espaços de comemoração, os lugares de memória seriam formas encontradas pelos sujeitos para prolongar a existência. Assim, no quarto capítulo, continua-mos a utilizar como ponto inflexivo a Comédia de dante, arti-culando as referências (construídas principalmente pela Igreja) que formataram o imaginário sobre a morte medieval a partir dos conceitos de memória e de esquecimento. Mais precisamente porque as atitudes cristãs com relação aos mortos estavam conti-das na noção de “memória dos mortos”.

Por fim, no último capítulo, demonstramos as aproxima-ções e/ou rupturas das representaaproxima-ções da morte da Idade Média e da Idade Mídia, tomando o túmulo, a fotografia do morto e a cruz como elementos-síntese para discutir a morte a partir da simbo-lização, da materialidade e da imaterialidade e das continuidades em relação às outras formas de morrer.

Nossa intenção é mostrar como no novo suporte tecnoló-gico esses objetos-memória são representados e atualizam a ex-periência do fim da vida. Como os atos comunicacionais, mesmo na interface digital, utilizam símbolos permanentes da morte, que tipo de materialidade sobre tais objetos-símbolos é construída no tempo/espaço das tecnologias da comunicação contemporânea e como a Internet está transformando as diferentes maneiras de ler, ouvir, falar, fazer circular e apropriar-se da morte “produzida” pelo meio e no cotidiano das pessoas que fazem parte dessa rede.

(25)

25

Evocamos autores que pertencem a épocas diferentes, por-que, como acreditava Paul Ricoeur (2003, p. 15), pensamos que “este direito é o de qualquer leitor: todos os livros estão simul-taneamente abertos a ele”. Por isso, nos permitimos o direito de usar diferentes autores, segundo as necessidades do argumen-to, de forma a analisar as narrativas da morte, sobretudo, como um locus de práticas discursivas em permanente construção (e reconstrução) no mundo. Permitimos-nos os saltos temporais, principalmente entre a Idade Média e a Idade “Mídia”, buscando entender a lógica, as razões e os sentidos produzidos que engen-dram uma forma (nova ou não) de se relacionar com a morte, uma forma de se relacionar com o fato de que todos nós somos mortais. Pedimos, assim, licença para lembrar nossos mortos.

Referências

Documentos relacionados

Associados os objetos de desejo aos símbolos da morte, a mensagem comunicada pelo artista é a da futilidade de uma existência vã, tão vã quanto um sonho (vide o nome dado

Wittgenstein (2009, §339) afirma que “pensar não é nenhum processo incorpóreo que empresta vida e sentido ao ato de falar” e este fato aponta para os limites da

Caso não seja respeitado, e relatado em súmula, a equipe será punida com perda de 1 (um) mando de jogo. 18 O atendimento médico será de responsabilidade de cada equipe. 19

Consumo de tempo para se criar um ST em que a chaves são as palavras em les_miserables.txt e os valores o número de ocorrências. estrutura

PLANO DE FORMAÇÃO 2015/2016 Posteriormente, com a colaboração dos dirigentes das unidades orgânicas, procedeu-se ao levantamento das situações de décalage entre as

A falta de rotinas e procedimentos arquivísticos é resul- tado da não aplicação das normas prescritas pela legislação arquivística bra- sileira; da inexistência de um órgão

Entre os detalhes a serem observados nesta técnica, a manipulação adequada e correta injeção do material é fundamental para que não haja refluxo na parte superior

O foco nos espaços de transição é o resultado da observação feita in loco que somada à pesquisa teórica averiguou que os mais decorados e maiores elementos da arquitetura