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Anais do X Colóquio de História da UNICAP/ 2016 ESCRAVIDÃO, ABOLIÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO ISSN

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Anais do X Colóquio de História da UNICAP/ 2016 ESCRAVIDÃO, ABOLIÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO

ISSN 2176-9060

ILEQUÊS E ENXOVAIS: O CONSUMO CULTURAL DOS AFRO-BRASILEIROS NO MERCADO DE SÃO JOSÉ – RECIFE/PE

Rebeca Afonso Torres Universidade Católica de Pernambuco rebecaafonso02@gmail.com Zuleica Dantas Pereira Campos Universidade Católica de Pernambuco zuleicape@hotmail.com RESUMO

O mercado dos acessórios e enxovais dedicados a utilização dos devotos e em rituais das religiões afro-brasileiras no Mercado de São José, centro do Recife, é bastante consolidado. Bairro de moradia de negros escravos e livres no século XIX, o bairro de São José continua, no século XXI, aglutinando em seus espaços elementos e vivências da cultura e da religião legada dessas populações. Dessa forma, estabelecemos como proposta desse trabalho caracterizar o mercado de acessórios e objetos rituais utilizados pelos filhos de santo das religiões afro-brasileiras consumidos no Mercado de São José e seu entorno. Seu universo é bastante complexo e a produção e consumo desses materiais possuem alto valor simbólico.

PALAVRAS-CHAVE:ESTÉTICA, CULTURA, CANDOMBLÉ,.MERCADO.

Introdução

O universo das religiões afro-brasileiras é bastante complexo.

Enquanto a maioria dos terreiros convive com o sincretismo, outros buscam reforçar a identidade própria, evitando mesmo a utilização de imagens católicas em seus domínios. Essas religiões também estão passando de uma fase de religião étnica para uma religião universal urbana (Prandi, 2004), em que fieis de origem branca de diferentes classes sociais frequentam os terreiros nas grandes cidades.

Também se percebe, pelos resultados do último censo, que seu alcance é modesto em termos de número de fiéis se levarmos em consideração as outras religiões, porém, ainda interpela na nossa identidade nacional como assinala Prandi (2013).

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Com a sua presença no contexto mais amplo da sociedade a partir do século XX, o candomblé ganhou mais visibilidade e começou a conquistar novos adeptos, que não tinham necessariamente relação com etnia, cor, posição social ou grau de escolaridade. “Hoje, aos deuses outrora clânicos (como os orixás) é permitido baixar em negros e brancos, pobres e ricos, homens e mulheres, na metrópole como na aldeia, indistintamente” (Silva, 1995, p. 170).

Em Pernambuco esse processo se fez presente, segundo Campos (2013), a partir do início dos anos de 1990. Uma vez que na década de 1980 o Movimento Negro Unificado começou a buscar nos terreiros suas identidades a partir de uma organização mais ativa do estado e:

Juntamente com esse processo político, as transformações na cultura, economia e sociedade levaram os terreiros de xangôs em Pernambuco a repensarem suas práticas, seus rituais, suas indumentárias, entrando em sintonia com os acontecimentos do mundo afro-religioso brasileiro (CAMPOS, 2013, p. 17).

Dessa forma, também vale mencionar um dos fatores que mais contribuíram para a visibilidade e atração das metrópoles brasileiras pelas religiões de matriz africana: o seu elemento estético nas cerimônias públicas

Algumas alterações e inovações foram realizadas na forma de produção e comercialização dos axós e das insígnias que compõem a moda litúrgica afro-brasileira. Entretanto, existe um determinado limite para a criatividade, visto que fatores como hierarquia e tradição regulam até que ponto se pode ou não inovar.

Este estudo busca, portanto, investigar o mercado de indumentárias litúrgicas das religiões afro-brasileiras do Recife. Pois, seu universo é bastante complexo. Enquanto a maioria dos terreiros convive com o sincretismo, outros buscam reforçar a identidade própria, evitando mesmo a utilização de imagens católicas em seus domínios. O mercado de indumentária possibilitou novas formas de

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relação e de produção de seus bens simbólicos, e vem se consolidando desde o processo de urbanização, no séc. XX, e contribuiu para a manutenção das características destas religiões neste novo contexto.

Para atingir nosso objetivo, primeiramente, foi realizado um estudo bibliográfico para embasamento teórico do tema investigado. Num segundo momento, elaborou-se um levantamento acerca das casas que comercializam os adereços e as roupas litúrgicas afro-brasileiras, no bairro de São José. Lá elaboramos uma entrevista com uma proprietária de um box especializado na venda de produtos, acessórios e indumentárias litúrgicas afro-brasileras. Em seguida, visitamos o Terreiro de Xambá, na festa em homenagem ao orixá Oxum, com o objetivo de observar os comportamentos e acontecimentos dentro desta religião e analisar a estrutura e características das indumentárias que constituem parte de seu regimento interno.

Durante a visita ao Terreiro de Xambá foram aplicados dez questionários fechados com os filhos de santo que frequentam a instituição. Para a fixação e precisão das informações, algumas anotações importantes foram feitas e, além desses outros recursos, a fotografia foi utilizada como ferramenta de registro de detalhes necessários para observação durante a averiguação de informações dentro pesquisa.

O método observacional descritivo também utilizado aqui é, para este objeto de estudo, um dos métodos mais importantes, visto que nas religiões afro-brasileiras a comunicação acontece quase que exclusivamente de maneira gestual e oral. Também foram entrevistados uma costureira e um pai de santo. Nos utilizamos de gravadores como apoio para registro das informações.

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Os elementos estéticos afro-brasileiros resultam do encontro entre os bens simbólicos considerados por esta religião, que tanto podem despertar a representação do religioso, quanto do cultural e artístico, dependendo da percepção de cada pessoa e da relação que esta mantém com a religião. No candomblé, as formas, as cores, os objetos [...] todos estão ligados a um significado e não são escolhidos aleatoriamente, “quase tudo que se vê, e que aos olhos menos atentos pode apresentar tão somente um enfeite tem um significado, ainda que não possa ser imediatamente apreendido” (SOUZA, 2007, p. 17).

A arte religiosa afro-brasileira é eminentemente uma arte conceitual que exprime valores coletivos [...]. Essa arte produz, por meio de um conjunto de objetos modelados, um sistema de ideias, de tal modo que ideias e objetos possam se expressar mutuamente enfatizando a inseparabilidade existente entre eles. A ideia religiosa não se ‘objetiva’ na peça artística, nem esta é uma mera ‘função’ do religioso. São antes linguagens diferentes que expressam planos complementares de significados, ou seja, são fatos sociais estético-religiosos. (SILVA, 2008, p. 99, grifos do autor)

Desses bens simbólicos, um dos mais importantes dentro do candomblé é a sua indumentária litúrgica, ou seja, os axós e ilequês – respectivamente, as roupas e os colares rituais –, visto que, segundo Santos (2005, p. 70), para os adeptos eles “marcam a transição do mundo profano para o mundo sagrado”, pois se constroem a imagem dos orixás e os personificam neste mundo. A roupa, então, a partir do seu significado religioso, exprime a identidade dos orixás e é, a partir dela, que se torna possível a sua visualização frente ao ser humano.

Na composição da indumentária litúrgica do orixá podemos observar duas categorias de objetos artístico-religiosos. A primeira refere-se à vestimenta propriamente dita do orixá que cobre o corpo do iniciado no momento do transe. A segunda engloba as insígnias e adereços que o orixá carrega na cabeça, pescoço, peito, ombros, pulsos, mãos e pernas. Esses objetos revestem-se de uma aura do sagrado que devem,

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inclusive, ser diferenciados daqueles que os adeptos usam no cotidiano. (SILVA, 2008, p. 101)

Com o advento do processo de modernização, algumas alterações e inovações foram realizadas na forma de produção e comercialização dos axós e das insígnias que compõem a moda litúrgica afro-brasileira. Esse fato se confirma, principalmente, após a inserção dessas religiões na metrópole e no mercado.

Desde a institucionalização do candomblé, as roupas rituais vêm sofrendo um crescente processo de estetização. As mudanças ligam-se, entre outros fatores, à inserção da cultura urbana nos terreiros e consequentemente ao consumo dos tecidos industrializados, ditados pela moda. Esse quadro provocou o abandono dos tecidos mais rústicos (algodão cru, chita) e a incorporação progressiva, pelas filhas-de-santo, de tecidos como veludo, a seda, o duchese, o lamê, e o cetim. Esses tipos de tecido brilham e refletem a luz com mais facilidade. Durante as festas públicas eles contribuem para a criação do ambiente espetacular. (SANTOS, 2005, p. 75)

A busca pela beleza está muito presente dentro do candomblé, às vezes até mesmo se abre mão do conforto pela importância de estar odara - termo de origem iorubá em referência ao que é “belo” e “bom”. As pessoas querem se mostrar bonitas para as outras e, principalmente, desejam agradar o seu santo. “Ninguém mede esforços para vestir e paramentar seu orixá. As pessoas gastam muitas vezes o que não têm”. (SOUZA, 2007, p. 90-91)

Entretanto, existe um determinado limite para a criatividade, visto que fatores como hierarquia e tradição seguidas pela instituição, regulam até que ponto se pode ou não inovar:

A moda no candomblé tem um limite bem delimitado, mudanças podem ser introduzidas no que concerne aos detalhes, aos materiais utilizados, mas muito raramente mudanças estruturais. Em se tratando da forma, não se pode inovar tanto. Até mesmo porque essa é uma religião que logrou se reproduzir mantendo-se fiel às suas origens; seus trajes não se modificaram no que diz

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respeito à forma porque isso seria incorrer no risco de descaracterização. (SOUZA, 2007, p. 50)

A hierarquia no candomblé é mais uma integrante da rede de significados da religião. Segundo Santos (2005, p. 74), “é um princípio que norteia o uso de determinadas roupas e acessórios”. Cada posição ou cargo ocupado abaixo dos pais de santo exigem determinadas restrições relacionadas ao vestuário e aos acessórios, entre o que pode ou não ser usado e como. Por exemplo, é a hierarquia quem vai definir o número de voltas dos ilequês que um filho de santo pode usar, o tecido do seu axó, os detalhes, os materiais etc.

O mercado de indumentárias possibilitou, para o candomblé e para a umbanda, novas formas de relação e de produção dos seus componentes de alto valor simbólico, os axós e os ilequês. Essa relação, como já comentado, vem se afirmando desde o processo de urbanização do candomblé e do surgimento da umbanda, no século XX e contribuiu para a legitimação e manutenção das origens destas religiões no novo contexto social:

Grande parte dos objetos presentes nas religiões afro-brasileiras pode ser encontrada atualmente nas lojas e mercados de artigos religiosos. Expostos em vitrines exibem uma grande variedade de estéticas e técnicas de produção e de uso de materiais diversos. Os artesãos e comerciantes tiveram um papel fundamental para o desenvolvimento dos terreiros e a manutenção de uma estética de origem africana em seus desdobramentos como arte religiosa afro-brasileira. (SILVA, 2008, p. 107)

A religião dos afro-descendentes surge no Brasil de um processo sincrético proveniente de um confronto de valores luso e afro-brasileiros e não como uma fusão de elementos diferenciados. É uma criação, uma construção do novo (SIQUEIRA, 2009).

Dessa forma, preferimos trabalhar com o conceito de hibridação de Nestor García Canclini uma vez que envolve um universo cultural mais amplo incluindo o sincretismo, a mestiçagem e outras mesclas

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interculturais. Para o autor, as culturas híbridas constituem a modernidade e lhe dão seu perfil específico. É preciso reunir saberes parciais das disciplinas que se ocupam da cultura para elaborar uma interpretação mais plausível das contradições (CANCLINI, 1998). Para Sergio Ferretti: “Embora não se restrinja ao campo da religião, abrangendo também toda a cultura, tem sido mais debatido no âmbito da religião.” (FERRETTI, 2007, p. 1).

Canclini (1996) admite que o termo hibridação não tem sentido por si só, e sim juntamente com uma constelação de conceitos como modernidade, modernização, modernismo, diferença, desigualdade, heterogeneidade multitemporal, reconversão, entre outros. A hibridação acontece de forma não planejada, ou é o resultado imprevisto de processos migratórios, turísticos e de trocas econômicas ou comunicacionais. Com frequência surge na intenção de reconverter um patrimônio para reintegrá-lo em novas condições de produção e mercado. O termo reconversão (tomado de empréstimo da economia) permite propor uma visão conjunta das estratégias de hibridação das classes cultas e das populares.

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Figura 1 Artigos à venda no box do Mercado. À esquerda Ilequês, a direita um abebê de Oxum, em frente, imagens de santos católicos.

Fonte: arquivo pessoal de Zuleica Dantas Pereira Campos

Em relação, aos principais produtos comercializados, nas lojas e box estão ligadas ao lado amoroso e de dinheiro, ou seja, encontra-se uma maior venda de perfume, pó e produtos atrativos, além disto, as mulheres são as principais consumidoras destes produtos

No que diz respeito aos consumidores do Mercado São José, a maioria são residentes do Recife, da RMR, do interior do estado de Pernambuco e de João Pessoa, alguns deles pertencem ou não a religião, ademais, encontra-se entre os consumidores, algumas pessoas curiosas sobre os produtos do santo. E aos produtores de imagens ou artigos litúrgicos, no Recife praticamente não existe produção, a maioria é importada de Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro.

Durante a visita ao Terreiro de Xambá, pode-se observar a partir das conversas com algumas filhas de santo, que no que concerne às indumentárias, a própria casa já possui um modelo pré-estabelecido em que não se pode mudar muita coisa em relação à forma. A produção

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dos axós – as roupas rituais –, quando não costuradas pelas próprias filhas de santo, geralmente fica por conta das costureiras que frequentam o terreiro ou por outras, fora do círculo religioso. No caso específico desta amostra entrevistada, a maioria delas declarou que as suas roupas eram produzidas pelas costureiras. Um número menor indicou adquirir as roupas “prontas”.

Figura 2 Toque para a Orixá Oxum- Terreiro de Xambá

Fonte: arquivo pessoal de Alfredo Sotero

Figura 3 Toque para a Orixá Oxum- Terreiro de Xambá

Fonte: arquivo pessoal de Alfredo Sotero

Em relação à importância dada ao belo, odara, elas confessaram não se preocupar mais com o belo do que com o conforto e também, como devem seguir as normas apresentadas pelo terreiro, poucas mudanças são efetuadas nas roupas em busca de diferencial. Portanto, apresentar-se belo para os outros não é o objetivo desta nação do Terreiro de Xambá, entretanto, permanece como princípio o agrado aos

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seus orixás. Essas características podem variar de instituição para instituição e é isso que se buscará analisar adiante.

A localização das lojas especializadas em adereços e vestuários litúrgicos (ilequês e axós) no centro do Recife se aglutinam principalmente em torno e dentro do Mercado de São José. Podemos verificar à sua direita, na rua da Praia, duas lojas de artigos afro-religiosos e mais uma grande fileira de box que extravasam o interior do mercado. Estão dispostos em fileiras, 10 box de um lado e 11 de outro. Defronte ao mercado, na rua do Porão, de esquina com a Rua da Praia, se encontra mais uma loja e mais adiante, o observador seguindo para à direita, encontrará, uma outra. No interior do mercado todos os boxes que trabalham com produtos afro-religiosos se localizam nas proximidades da rua da Praia. Dentre essas lojas, no entorno e dentro do Mercado de São José, nenhuma delas expõe à venda roupas de rituais prontas. Estas, como nos foi informado, podem ser encomendadas em algumas dessas lojas ou boxes.

Figura 4 Loja especializada em produtos das religiões afro-brasileiros

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Como podemos verificar a partir das figuras acima, os artigos vendidos nas lojas não vão se diferenciar daqueles oferecidos ao consumidor nos box do interior do Mercado.

A consolidação do mercado de indumentárias litúrgicas afro-brasileiras, os axós, no Recife e em Pernambuco, ainda possui um caráter tímido. A abertura dos terreiros ao consumo massificado, relacionado sobretudo as vestimentas rituais é recente e vem se configurando de forma bastante específica como assinala Campos,

O estabelecimento graduado das religiões afro-brasileiras no contexto urbano, a partir do século XX, permitiu maior visibilidade social a um número cada vez mais crescente de adeptos, que já não possuem correspondências com raça, etnia, grau de instrução ou classe social. (CAMPOS, 2015, p. 222)

Para o povo de santo é importante que os axós possuam axé desde a sua confecção. Dessa forma, apesar de muitos desses boxes oferecerem aos seus clientes a possibilidade de adquirirem a suas vestes rituais, essas só são confeccionadas por encomenda. Além disto, o preconceito existente, principalmente relacionado aos evangélicos, a dificuldade de encontrar costureiras e ateliê na região contribuem para que isto ocorra, deste modo, afirma Campos:

Em toda a Região Metropolitana do Recife, fora da comunidade religiosa, os fiéis têm dificuldade de encontrar costureiras dispostas a confeccionar as vestes litúrgicas. O preconceito ainda está presente, principalmente entre os evangélicos. (CAMPOS, 2015, p. 228)

A hipótese é que isso se verifica porque a maioria das casas de candomblé do Recife define o modelo do axó dos seus adeptos, daí então essas lojas se especializarem apenas na venda de acessórios e mercadorias afins. Campos (2015), assinala que por muito tempo, as vestimentas litúrgicas ficavam sob o controle dos chefes de terreiro e

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que, no Recife e Região Metropolitana ainda se encontram terreiros cujos sacerdotes e sacerdotisas ainda estipulam um modelo a ser seguido pelos seus adeptos.

A comerciante do Box, no Mercado de São José nos relata que em relação a produção e venda dos axós, desde o ano passado, por causa da crise financeira vivenciada no país, a venda de indumentárias e axós está em declínio, além disso, sobre as mudanças na estética dos axós ela afirma, “É, lá onde eu frequento meu pai não gosta e ele diz, se quiser fazer, faça, mas o certo é chita. Porque a chita é as raízes da jurema. Tem que ser a chita.” (LINS, 29/01/2016)

Agora, sobre os acessórios, as paramentas dos orixás e a roupa de índio, segundo nossa informante, o custo médio é de aproximadamente setenta reais (R$ 70,00), para as roupas de índio e trezentos e cinquenta reais (R$ 350,00), as paramentas dos orixás. Ou seja, o abebê, no caso da orixá Oxum, mais braceletes, pentes, adedé e ade de Oxum, constituindo desta maneira, as paramentas e os ilequês (colares), os acessórios mais caros do santo.

CONCLUSÃO

Percebemos que em Recife e Região Metropolitana predominam algumas restrições em relação ao consumo “pronto” das indumentárias litúrgicas pelos adeptos. Essas restrições são definidas pelo regimento interno dos terreiros. No entanto, quanto aos acessórios, existe menos rigidez para aquisição destes no mercado, desde que se seguem os postulados básicos – em especial, de hierarquia – desta religião.

Observamos, também, em primeira análise, que o mercado litúrgico afro-brasileiro nesta região ainda é reduzido e “escondido”. Fora do mercado de São José, poucas lojas encontram-se localizadas nas ruas do centro. Pelo menos, até o momento, apenas quatro lojas foram mapeadas ali e, entre elas, duas se apresentam localizadas em

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ambientes retraídos. Além disso, dessas quatro casas, duas delas não apresentavam nome em sua fachada.

Como afirma Campos,

...existe toda uma rede de relações econômicas formais e informais do Mercado de São José e seu entorno, aos terreiros. Para o acesso às novas configurações no mercado religioso é necessário expandir e enfrentar, de modo competitivo, com as demais religiões. A sofisticação dos acessórios e indumentárias faz parte desse processo. (CAMPOS, 2015, p.235)

A maiorias dos donos de box especializados em produtos afro-religiosos do Mercado de São José ou frequentam, ou são adeptos das religiões afro-brasileiras.

REFERÊNCIAS

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