A Situação de Emergência e suas Faces: conduzindo a concepção de um Abrigo Temporário
Pedro Labate d’Almeida e Silva
Quando iniciei minha pesquisa sobre o tema situações de emergência, não imaginava o quão amplo seria o significado desta expressão. Para muitos, tais palavras se assemelham muito mais ao significado de catástrofe do que qualquer outra coisa, infelizmente há muito mais por trás do termo do que deixa transparecer. Isto acontece devido à grande ênfase dada à palavra “emergência”, quando, na verdade, mais importância deveria ser dedicada à palavra “situação”.
Um dos casos mais célebres de situações de emergência: a Cidade de Nova Orleans, que foi arrasada por enchentes em 2005.
Disponível em: http://www.swamppolitics.com/news/politics/blog/katrina‐new‐orleans‐flooding3‐2005.jpg
Quando falamos em emergência, imediatamente remetemos à palavra “urgência”, pois ambas são muitas vezes utilizadas em comunhão, porém, por definição, uma pequena janela de tempo é estabelecida quando as duas são unidas. É esta a grande diferença entre uma catástrofe e seus resultados, que na maioria dos casos chegam a durar meses ou até mesmo anos. A situação de emergência é um conjunto de todos os contratempos causados por uma ou mais catástrofes, sejam estas de feitio do homem ou naturais.
Normalmente, quando o tema é discutido por designers ou arquitetos, o tópico que mais frequentemente encontra seu caminho até as bocas é a obvia defasagem habitacional gerada pelo desalojamento de milhares ou até mesmo milhões de pessoas, de acordo com a magnitude do evento em questão. Entretanto, este não é o único problema grave que
compõe o quadro a que nos referimos como “situação de emergência”, a imediata falta de água potável e comida que atinge a todos os moradores de determinada região prejudicada, seguidas pelo rápido declínio a condições precárias de higiene e saneamento, são, na verdade, os primeiros causadores de conflitos nestas áreas. Quando tais comodidades corriqueiras são abruptamente interrompidas não demora para que os envolvidos, já desestabilizados psicologicamente, entrem em desespero, o que acaba sendo tão devastador quanto a catástrofe em si.
Não é incomum nos depararmos com situações extremas, onde uma grande quantidade de pessoas, desesperadas por soluções, começam ondas de saques e vandalismo. Situações de emergência também são compostas por sérias dificuldades de abastecimento, seja de energia, serviços ou insumos. O controle da população, feito pelas polícias e corpos de bombeiros, sofre imediatamente com o reposicionamento destas funções, uma vez que estes são prontamente responsabilizados pelo atendimento às vitimas. Outro problema bastante comum é a falta de acesso às áreas atingidas, que normalmente ficam isoladas, obrigando que todo o envio de suprimentos seja feito com a ajuda de helicópteros, menos eficientes e mais custosos. Estradas podem ficar interditadas por dias ou até semanas, impedindo o devido fornecimento de água, comida, roupas, remédios e outros produtos, normalmente enviados como forma de auxílio por regiões vizinhas.
Como todos os possíveis problemas encontrados por nós no dia a dia, a prevenção é sempre a ferramenta mais adequada para se evitar tais acontecimentos. Porém, não é incomum que tais projetos sejam negligenciados, ignorados ou até mesmo ineficazes, e é nestes casos que o papel das medidas reacionais entra em evidência. É muito importante que toda e qualquer reação à uma catástrofe seja devidamente planejada de antemão, ou provavelmente se mostrará inadequada. Existem inúmeros pontos que merecem atenção instantânea quando uma situação de emergência ocorre. Porém, abrigar as pessoas desalojadas é sempre uma prioridade.
Um abrigo emergencial, nome dado às estruturas de habitação temporária criadas especialmente para situações como a que estamos discutindo, pode parecer uma criação simples, mas deve contemplar desde sua concepção uma determinada gama de conceitos que irão diretamente influenciar seu desempenho, qualidade e real eficácia. Ao projetar ou analisar tais produtos é crucial atentar-se a alguns detalhes, que funcionam como diretrizes para certificar-se de sua concordância no meio em que será inserido.
É essencial que para esta avaliação seja observado o pacote tecnológico utilizado na produção dos abrigos, fator que tem grande importância, pois está diretamente ligado tanto
ao custo e ao tempo gasto na produção quanto à acessibilidade ao produto que será desenvolvido. Estão diretamente envolvidos neste quesito os materiais utilizados na construção e também o maquinário utilizado na fabricação das partes do abrigo. Outro ponto a ser levado em consideração é sua permeabilidade no meio econômico social onde será implantado. É crucial que este parâmetro seja devidamente analisado, pois se deve garantir que o projeto esteja em perfeita sintonia com as condições monetárias dos grupos e órgãos responsáveis pelo financiamento dos esforços para restabelecer a área atingida, bem como com os costumes e normas culturais locais.
Encaixa-se neste âmbito a adequação cultural do projeto em relação à cultura do local onde será estabelecido, principalmente no que se caracteriza por privacidade e convívio em sociedade, fator que é básico para criar o conforto psicológico dos abrigados. O entendimento da relação criada pelo abrigo e as pessoas que neste habitam é chave para entender como funciona a recuperação da dignidade nestes lugares. Para tal, a sensação de segurança e privacidade é essencial.
Uma característica bastante valorizada na grande maioria dos abrigos de emergência é sua complexidade construtiva, que geralmente deve ser muito simples. Tal escolha é sempre o caminho mais seguro para atender ao maior número de pessoas em um tempo mais curto, uma vez que a capacidade de mão de obra nestas situações é sempre reduzida e pouco especializada. Falhar, neste caso, significa lidar com grandes atrasos e possíveis aumentos de custo, tanto na fabricação quanto na implantação do projeto.
Estrada interditada por deslizamento causado por chuvas no interior de Santa Catarina em 2008.
A logística de implementação e transporte de um abrigo é outro fator bastante importante para seu sucesso, uma vez que é o maior responsável pela agilidade e capacidade de atendimento às áreas atingidas. Deve ser levado em consideração durante a concepção de um projeto de habitação temporária não só o grau de dificuldade para o transporte das partes do abrigo, mas também o modo como este será feito. Neste mérito, um dos principais pontos a ser considerado é o volume total das peças do abrigo desmontado, pois será este o principal delimitador dos meios de transportes disponíveis para sua entrega.
Finalmente, todo o abrigo deve ser criado já ponderando a possibilidade de ser utilizado para mais que uma moradia transitória. A permeabilidade do projeto na sociedade, principalmente no dia a dia, será concretizada apenas quando seu uso puder ser considerado corriqueiro. O foco em propostas diversificadas pode justificar um investimento maior neste tipo de infraestrutura que, muitas vezes, deixará de ser meramente temporária para se tornar mais concreta e ser utilizada apenas provisoriamente como abrigo. Tal caminho indica ainda uma maneira de promover o planejamento preventivo para situações de emergência, especialmente em locais onde estas ocorrências acontecem com maior frequência, devido tanto a delicadezas geográficas quanto a conflitos sociais, religiosos ou políticos que costumem levar a conflitos armados.
Abrigo Temporário elaborado pelo autor
Sei que abordar a concepção de um abrigo temporário para situações de emergência levando em consideração todos os aspectos apresentados pode não ser uma tarefa simples.
Porém, acredito que consolidar a criação de uma ideia completa seja a única maneira de garantir sua funcionalidade.
Talvez existam diversas categorias de produtos que não necessitem de tantos critérios durante sua elaboração, mas garanto que estes possam ser aplicados para todas as nossas criações em maior ou menor grau. Quando envolvemos pessoas em nosso trabalho, especialmente as que estão lidando com dificuldades inimagináveis, como ser desalojado de sua própria casa por uma catástrofe inesperada, devemos sempre procurar atingir o máximo de nosso potencial, fornecendo a essas um amparo pouco esperado, porém extremamente essencial e merecido. Talvez seja esta a melhor de todas as ferramentas que podemos utilizar para criar: dedicação sem limites. É nela que encontraremos a imensa satisfação por realizar algo verdadeiramente significativo e de qualidade inquestionável.
Pedro Labate d'Almeida e Silva, graduado em Design com habilitação em Design Industrial pelo Centro
Universitário Senac (2009). Conta com experiência em design mundial, tendo feito cursos na Itália (2008) e Coreia do Sul (2010). Trabalha como Gerente de Projetos e Operações em uma grande empresa logística, desenvolvendo principalmente novos processos com foco em diminuição de custos e otimização de espaço.
