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Predicações com verbos funcionais: operanda auxiliares de causativização e/ou verbalização

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MARCIA DOS SANTOS MACHADO VIEIRA

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, marcia@letras.ufrj.br

Predicações com verbos funcionais: operanda auxiliares de causativização e/ou verbalização

1. Introdução

Na língua portuguesa, certos verbos podem exercer, além do papel de verbo predicador (Vpredicador) – elemento lexical de natureza verbal que especifica, na predicação (sintagma oracional), uma organização sintática e semântica de argumentos e designa propriedades ou relações entre as entidades envolvidas –, as funções de marcador causativo1 (OPcausativo) e/ou verbo-suporte2 (Vsuporte). Podem ter comportamento (léxico-)gramatical de auxiliar ou semi-auxiliar na formação de predicados derivados complexos. É o caso, por exemplo, de fazer (cf. MACHADO VIEIRA, 2001), verbo funcional enfocado neste artigo.

Objetiva-se tratar, aqui, de predicações com fazer em que este partilha propriedades tanto de OPcausativo quanto de Vsuporte. Para descrever esse comportamento intercategorial, faz-se necessário caracterizar, primeiramente, predicações em que fazer tem papel de Vpredicador, OPcausativo ou Vsuporte.

As predicações – cláusulas constituídas por predicado3 de natureza verbal, nominal ou adjetival e termo(s) (que se refere(m) a entidade(s)) – aqui consideradas foram coletadas em textos jornalísticos brasileiros e portugueses produzidos durante o século XX e em entrevistas que integram o arquivo sonoro dos Projetos NURC-RJ (Norma Urbana Culta do Rio de Janeiro), APERJ (Atlas Etnolingüístico do Estado do Rio de Janeiro) e CRPC-Lisboa (Corpus de Referência do Português Contemporâneo) e analisadas segundo a conjugação de orientações teórico-metodológicas de HEINE et alii (1991), quanto ao enfoque de gramaticalização, de TAYLOR (1995), no que tange ao conceito de categorização, e da Teoria da Gramática Funcional de DIK (1997).

Com esse aporte teórico-metodológico, objetiva-se descrever e interpretar o processo mediante o qual fazer desenvolve comportamento mais ou menos gramaticalizado, focalizando-se seu continuum de “auxiliarização”: de Vpredicador a operandum/operador4 de causatividade e/ou verbalização.

2. Alguns pressupostos teórico-metodológicos fundamentais da perspectiva funcionalista adotada Os diversos tipos de construção com fazer decorrem de diferentes nuanças de sentido e necessidades sócio-comunicativas. Alguns deles têm comportamento sintático-semântico regular, resultando, portanto, da aplicação de determinadas regras, dos componentes da Gramática Funcional (DIK, 1997), de formação e/ou expressão de predicados derivados complexos, produtivas no Português. As regras que permitem a ampliação do acervo de predicados básicos (armazenados no léxico) apresentam a seguinte configuração geral:

{ Operandum auxiliar ou Operador [operandum primário/não-auxiliar] }Predicado Derivado Complexo5

Podem, por exemplo, produzir mudanças no estatuto categorial da “estrutura utilizada como forma input para expansão lexical”, incorporar argumentos e/ou modificar as funções semânticas das posições de argumento. Postula-se, com base em HEINE et alii (1991), que formas lingüísticas podem submeter-se a um processo gradual e contínuo de transferência de categoria lexical a categoria gramatical. Assim, acredita-se que o conteúdo/uso (semi-)gramatical de fazer convive com o conteúdo/uso não-gramatical (básico) pelo qual fazer atua como Vpredicador (predicado verbal pleno ou não) e do qual se desenvolveu como verbo funcional. O maior ou menor grau de gramaticalização pode ser explicado por alterações de parâmetros da construção básica que resultam em comportamento mais ou menos semelhante ao da categoria de verbo auxiliar ou semi-auxiliar. A categorização funcional de fazer que se propõe pauta-se na concepção de que os membros de uma categoria apresentam diferentes graus de saliência (uns são exemplares da configuração prototípica; outros, periféricos) e se agrupam segundo similaridades parciais e limites imprecisos. A depender do contexto morfossintático e semântico, determinados empregos de fazer podem oscilar entre uma e outra categoria (primária ou secundária) e, no âmbito de uma mesma categorização, entre um nível e outro.

3. Análise e interpretação de predicações com fazer: de verbo predicador pleno a verbo funcional Como o estudo do processo de “auxiliarização” ao qual fazer se submete põe em evidência a relação entre seu papel lexical e seu papel (semi-)gramatical, delimita-se, inicialmente, sua configuração básica como Vpredicador

1

Mecanismo de expressão analítica de causalidade (relação entre evento-causador e evento-causado).

2

Em geral, é definido como um subtipo de verbo com valor semântico tênue ou nulo que se alia a um elemento não-verbal, constituindo com este uma unidade semântico-sintática (exs.: fazer negócio/negociar e fazer menção/mencionar).

3 Elemento com função de expressar propriedade ou relação entre entidades-participantes. 4

Operandum e Operador são termos da Teoria da Gramática Funcional de DIK (1997): o primeiro corresponde a um item da língua fonologicamente especificado, que pode ser primário (pertencer ao léxico) ou auxiliar (localizar-se no eixo léxico-gramática e indicar uma informação léxico-gramatical, conforme certos “verbos (semi-)auxiliares”) e sobre o qual pode atuar uma regra de expressão; o segundo, a uma distinção gramaticalmente expressa na língua (marca de caso, gênero ou número; modalidade, voz ou aspecto verbal, por exemplo). Operador consiste num elemento morfossintático (afixo, partícula gramatical, verbo auxiliar, entre outros) que influencia a forma de um constituinte da cláusula, como, por exemplo, num elemento auxiliar que opera sobre outro (forma input), formando com este uma unidade compósita, e que é responsável por uma distinção gramatical específica.

5

A atuação de um ou mais operadores ou operanda auxiliares sobre uma forma input (ou operandum primário/não-auxiliar) gera uma determinada forma como output (predicado derivado complexo).

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e, em seguida, trata-se da configuração de certas construções com fazer (semi-)gramaticalizado mais ou menos ligadas à básica. Nesse segundo momento da descrição, enfocam-se, então, predicações que codificam, em algum grau, causalidade e em que fazer tem (a) comportamento prototípico de operandum/operador causativo ou de verbo-suporte ou (b) comportamento que relaciona estas categorias.

Na qualidade de Vpredicador pleno, fazer exige dois argumentos, que se manifestam como Sujeito e Objeto, e integra uma predicação que expressa ação e causalidade, pois pressupõe uma entidade controladora que pode determinar se um dado estado de coisas ocorrerá ou não e uma entidade controlada que muda de estado/condição ou passa a existir sob a ação daquela. Assim sendo, o evento expresso por fazer fundamenta-se em dois subeventos (processo e estado), conforme fundamenta-se obfundamenta-serva no quadro 1:

Construção Básica: AÇÃO/CAUSALIDADE

AÇÃO DEARGUMENTO1 ⇒ CRIAÇÃO DEARGUMENTO2 ( A PARTIR DA MUDANÇA DE ARG-Default)

Atividade ( Processo de Mudança ) Estado final (Arg1): Agente = Força = Causa

SN sujeito

Restrição de seleção: ser animado (entidade controladora e responsável, ou entendida como tal)

⇒ (Arg2): Meta = Efeito/Resultado (constituído a partir da

transformação de Arg-Default, “matéria-prima”)

SN complemento

Restrição de seleção: ser inanimado (entidade controlada) Quadro 1: O evento ativo/causativo com o Vpredicador pleno fazer (cujo significado é "dar existência/forma a") pressupõe 2 subeventos (processo e estado) e 2 argumentos nucleares e expressa um estado de coisas [+ controlado] e [+ dinâmico]. A ação do agente e a alteração da meta constituem um único evento, que se baseia nas seguintes propriedades: intencionalidade (o agente objetiva alguma mudança no estado da meta), responsabilidade (o agente é o responsável pela mudança, a fonte de energia da ação), controle (o agente controla a ação), contato direto e físico do agente com a meta (o agente toca, com seu corpo ou com algum instrumento, a meta ou a matéria-prima com que a construirá (o ArgDefault)), manipulação do estado físico ou da condição da meta (alteração física

efetiva). Embora a construção com Vpredicador pleno fazer já contenha a noção de “causalidade”, a ênfase semântica recai sobre o valor ativo do evento, sobre a ação exercida pelo argumento sujeito.

Ex.1 "(...) quando os homens contratados para cortar as árvores vão para as florestas com suas famílias. Aqui [eles] fazem suas casas provisórias com troncos de árvores (...)" (Jornal do Brasil, 04/07/1920, “A crise do papel”)6 Eles causam a existência/forma de suas casas provisórias.

(1) Eles atuam sobre troncos de árvores.

(2) Eles convertem troncos de árvores em suas casas provisórias. Logo, suas casas provisórias passam a existir.

Como marcador causativo, fazer codifica, em maior ou menor grau de auxiliarização (a depender do tipo de construção de que participe), “causalidade/causação”, ou seja, relação entre uma causa e um efeito. Uma forma de explicitar essa relação é a estrutura analítica que, basicamente, pode apresentar duas configurações.

(1a) Fazer + predicado verbal no subjuntivo (antecedido de “com que” ou apenas “que”) ou no infinitivo

Ex.2 “Existe uma aparente falta de rigor nos cursos de jornalismo que faz com que o aluno deixe de ser devidamente orientado e formado.” (Jornal do Brasil, 22/03/2000, “Cursos deficientes”)

Ex.3 “Não me dirijo, claro, aos que do teatro vivem – e a todo momento o corrompem: quer como autores, quer como empresários, quer como pseudo-críticos. Esses, de muito bom grado me fariam engolir estas simples palavras.” (Jornal de Notícias, 15/01/1945, “Teatro português”)

Nos exemplos 2 e 3, o complemento é uma predicação (um outro estado de coisas resultante da ação do argumento sujeito) que se pode manifestar, sintaticamente, por meio de Vpredicador pleno nas formas finita ou não-finita. Existem, portanto, duas fontes de energia (primária e secundária) que geram dois processos e entre as quais há interação direta, dois sujeitos: um Causador (agente) e outro Causado (sujeito da predicação sobre a qual fazer opera; participante ativo e diretamente afetado; ponto final da energia despendida pelo sujeito causador), que pode ou não estar expresso. O objeto é, então, apresentado como dinâmico, e não como estático conforme ocorre na construção básica. Assim, uma entidade animada (agente, ex. 3, ou autor) ou inanimada (força, ex. 2) é conceptualizada como responsável por um evento, por fazer com que um sujeito secundário, o Causado, passe a realizar determinado evento ou se submeta a um estado de coisas. Concebe-se, nessa construção, que o processo expresso no infinitivo ou no subjuntivo não teria tido lugar sem a ação, de natureza “factiva” ou até “coercitiva”, de um sujeito externo ao processo. A causação pode ser (a) intencional/agentiva, quando o sujeito (agente) intencionalmente causa um efeito (cf. ex. 3) ou (b) acidental, quando o sujeito (autor/responsável ou força) causa sem intenção um efeito (cf. ex. 2).

Fazer, nesse tipo de estrutura, revela-se ainda fracamente descategorizado: oscila, no ex. 2, entre a categoria de operandum primário/não-auxiliar (Vpredicador não-pleno) e a de operandum auxiliar causativo; ou atua mais como esta, no ex. 3. Aproxima-se da primeira categoria pelo fato de reter características de Vpredicador, como por exemplo a de ser o principal responsável pela atribuição de papel temático ao(s) seu(s) argumento(s) e a de – diferentemente das estruturas com Vauxiliar, em que auxiliar e auxiliado apresentam identidade de sujeito – implicar dois sujeitos distintos (Causador e Causado). Insere-se na segunda pelos seguintes motivos: codifica uma significação específica (a “causativização” do (sub)evento-efeito) com base numa estruturação

6

As informações relativas à fonte do exemplo apresentam-se na seguinte ordem: (a) no caso de texto jornalístico, título do periódico, data e título do editorial ou artigo de opinião; (b) no caso de entrevista, arquivo sonoro e número do inquérito.

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relativamente regular; governa uma predicação, impondo-lhe a condição de “complemento da oração matriz”; e pode implicar um participante sujeito Causador inanimado sem qualquer controle sobre a ação.

O vínculo entre fazer e a estrutura completiva pode, entretanto, alcançar o grau de integração que se percebe em predicados complexos do tipo fazer saber (por “anunciar”, “comunicar”), fazer morrer (por “matar”) ou fazer cair (“derrubar”), à semelhança do que se observa nos exemplos a seguir:

Ex.4 “(...) a ‘sala dos Cavaleiros’ com a sumptuosa baixela de mesa disposta aburguesadamente num grande aparador, com lampadas electricas intercaladas a fazerem realçar as peças de prata...” (Diário de Notícias, 11/03/1910, “Cousas & Lousas – Rico paiz...”) [fazer realçar ≅ realçar]

Ex.5 “Os técnico-administrativos fizeram ver aos presentes que os procuradores simplesmente ‘opinam’ pela suspensão em seu parecer; eles não ‘determinam’, como Vilhena grafou em seu comunicado à comunidade.” (Jornal da ADUFRJ, 13/08/2001, “Consumi confirma 26,05% dos funcionários”) [fazer ver ≅ mostrar] A não-flexão do verbo no infinitivo consoante as marcas de número e pessoa do sujeito causado bem como a posição e a estruturação do argumento (x1) projetado pelo verbo no infinitivo – (i) após o predicado verbal

complexo, nos exs. 4 e 5, e (ii) com a aparência de complemento direto, no ex. 4, ou complemento indireto preposicionado, no ex. 5 – são dois fatores que favorecem a interpretação de que há perda de autonomia da estrutura subordinada e, portanto, um vínculo sintático e semântico entre fazer e o predicado verbal no infinitivo que implica comportamento compatível com o de “perífrase verbal” (fazer + verbo no infinitivo não-flexionado). Ressalte-se que a opção pelos Vpredicadores “realçar” ou “mostrar” nos exemplos 4 e 5 ensejaria uma leitura de “evento ativo” em relação ao argumento sujeito, e não apenas de “evento causativo”. Com a opção pela estrutura perifrástica para a expressão da causatividade, o evento-resultado tem certa descontinuidade espaço-temporal em relação à causa, ao evento-causa: o agente/causa só indiretamente, por meio de um sujeito Causado, entra em contato com o participante afetado (“os [indivíduos] presentes” e “as peças de prata”).

Tais construções ilustram casos de predicados causativos derivados expressos analiticamente, que decorrem da aplicação de regras de formação e expressão de predicado causativo complexo, como estas:

Regra de formação de predicado causativo derivado: Input: predicado verbal (x1)... (xn) [n ≥ 0]

{ Causativização [predicado verbal] }Predicado Verbal Complexo → Significado: (x0) causa que (x1) predicado verbal ... (xn)

Regra de expressão analítica de predicado causativo derivado:

{ OP de causatividade factiva/coercitiva7 [predicado verbal] }Predicado Verbal Complexo

Output: { FAZER [predicado verbal] }Predicado Verbal (x0)Causador (x1)Causado ... (xn) [n ≥ 0]

“Os técnico-administrativos fizeram ver aos presentes que os procuradores simplesmente ‘opinam’ (...)” (ex. 5) Input: VER (x1: os presentes) (x2: que os procuradores simplesmente ‘opinam’)

{OP de causatividade factiva [VER]}Predicado Verbal Complexo

Output: {FAZER [VER]}Predicado Verbal Complexo (x0: os técnico-administrativos)Causador (x1: os presentes)Causado

(x2: [que os procuradores simplesmente ‘opinam’])

Com essas regras, há a manutenção da natureza verbal no predicado resultante e a expansão da estrutura predicativa input em um argumento: o argumento que representa a entidade Causadora (x0). À função semântica

do argumento-sujeito (x1) da predicação primária se atribui a função de sujeito Causado. O predicado derivado é

constituído de um OP de causatividade. Este pode ser expresso, na língua portuguesa, por “verbo semi-auxiliar ou auxiliar causativo” (OPcausativo), conforme exemplos anteriormente citados, e, ainda, por outros recursos lingüísticos8 em que a causatividade é sintética e morfologicamente expressa.

Fazer revela-se, então, um elemento do sistema que propicia, no predicado derivado, a marcação semântico-sintática de causatividade do predicado input (operandum não-auxiliar): uma força/fonte externa de algum modo determina que o estado de coisas expresso na predicação input ocorra. Dois elementos contribuem para que se postule que fazer alcança o estatuto de elemento gramatical(izado), oscilando entre operandum (cf. exs. 2 e 3) ou operador causativo (cf. exs. 4 e 5), quais sejam: (i) a natureza não-restrita do seu sujeito e do predicado verbal sobre o qual opera; e (ii) a produtividade com que o falante recorre a esse expediente lingüístico para exprimir a causativização de um operandum (predicado verbal) e, assim, marcar o valor de causalidade deste. (2a) Fazer + elemento adjetival ou nominal

Ex.6 “(...) Os deuses que fazem os homens fanáticos nunca foram crianças, (...)” (Jornal de Notícias, 09/01/1955, “Meditação sobre os ‘autos pastoris’ portugueses”)

Ex.7 “Portugal, a quem a religião fez grande, feliz e imortal nas crônicas de própria humanidade.” (Jornal do Brasil, 20/03/1935, “Sectarismo improdutivo”)

7

Na estrutura causativa, fazer pode imprimir valor de: (a) “causação coercitiva” (significar “obrigar um efeito”; “fazer com que, em geral fisicamente, o paciente dessa coerção passe a um estado ou faça algo contrário à sua tendência intrínseca”); e (b) “causação factiva” da mudança (significar “provocar, acarretar, produzir um efeito”).

8

Um desses recursos, não desenvolvidos neste trabalho, é o afixo causativo em exemplos como: liqüidificar (“tornar/fazer ficar líquido”), solidificar (“fazer ficar sólido”).

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Ex.8 “Perguntado um ichtyologo sobre se as armações faziam mal aos pescadores, aquelle respondeu: “As valencianas não lhes fazem mal nenhum, somente os obrigam a ir pescar mais longe.” (Jornal de Notícias, 29/04/1903, “Águas cançadas”)

Ex.9 “(...) não é com esta solução colocando tijolinhos vermelhos fracos que se vai fazer uma reforma no Rio de Janeiro... ” (NURC, inq. AC018-H3)

Em exemplos desse tipo, fazer é muitas vezes tratado como um Vpredicador não-pleno em que sobressai significado ligado ao domínio semântico da causalidade (tornar, sentido focalizado em 6 e 7; acarretar ou produzir, em 8 e 9), ou seja, apenas como uma extensão de sentido do domínio-fonte de ação/causalidade (cf. quadro 1). Não obstante, defende-se aqui que fazer é, em tais exemplos, uma extensão sintático-semântica do predicado verbal primário (operandum não-auxiliar) a qual tem comportamento (semi-)auxiliar coincidente em maior ou menor grau, por um lado, com o de OPcausativo e, por outro, com o de Vsuporte.

Pode-se interpretar fazer como um OPcausativo caso se pressuponha uma pequena oração, ou “cláusula mínima”, na qual o verbo está elíptico (em geral, verbo-cópula e/ou Vsuporte: “ser”, “ficar”, “tornar-se”, “ter”, “haver”), pois é semanticamente absorvido por fazer: (6) “fazem os homens ficarem/serem/tornarem-se fanáticos”; (7) “a quem a religião fez ficar/ser grande, feliz e imortal”; (8) “faziam os pescadores terem mal/faziam haver mal aos pescadores”; (9)“fazer haver uma reforma no Rio de Janeiro”.

Nos exemplos 6 e 7, fazer, com valor semelhante ao de “tornar”, atua sobre um predicado adjetival que tem função atributiva/modificadora e predicante, projetanto um argumento (x1)∅ (com papel semântico ∅,

característico de predicados que exprimem atributo/situação), entidade primariamente envolvida num estado. Esse tipo de construção causativa explicita sintaticamente o subevento processo de mudança: conceptualiza o ingresso de uma entidade animada ou inanimada em um novo estado. Essa transição tanto pode ser acarretada por uma entidade animada quanto por uma entidade inanimada. A predicação é equiparável a uma “cláusula completa” (com verbo no infinitivo ou subjuntivo), em que (x1)∅ concorda com o elemento adjetival. Esses fatores

concorrem para que fazer seja correlacionado ao estatuto de OPcausativo.

O argumento (x1)∅ manifesta-se à semelhança de sujeito (antes do elemento predicante), no ex. 6, e de complemento (introduzido por preposição), no ex. 7, numa construção em que o verbo “ser/ficar” seja explicitado. Enquanto aquela estruturação aproxima fazer da categoria de OPcausativo, esta o relaciona à de Vsuporte. Nos exs. 8 e 9, fazer, com valor semelhante ao de “causar, acarretar”, opera sobre um pseudo-termo (elemento nominal que não projeta estrutura argumental e que perde, parcial ou totalmente, seu caráter referencial) no primeiro caso e, no segundo, sobre um predicado nominal, que já conta no léxico com uma estrutura argumental relacionando dois participantes. Por conta disso, relacionam-se ainda mais fortemente à categoria de Vsuporte. Diferentemente da estrutura dos exemplos 6 e 7, a estrutura “fazer + elemento nominal (+ complemento)” focaliza não o ingresso do objeto num novo estado, mas a maior proximidade entre o causador (única fonte de energia) e o resultado da mudança. O sujeito é apresentado como participante direto no processo verbal: não é apenas a causa, mas o executor ativo do processo ou da atividade. Representa, sob a estrutura de “cláusula mínima” ou, mais precisamente, sob a forma de uma expressão verbal complexa9, a causa e o efeito num só evento10. Sob a segunda forma de representação, fazer, nos exemplos 6, 7, 8 e 9, é categorizado como operandum/operador de verbalização de elemento nominal/adjetival, com valor causativo, que acarreta a formação de predicado complexo (verbo-nominal/adjetival) resultante de uma regra de formação e expressão lingüística específica, sintetizada abaixo:

Regra de formação de predicado verbo-nominal/adjetival derivado:

Input: predicado nominal (x1)... (xn) [n ≥ 0] (exs. 9 e 10: “(uma) reforma em (x2)” ; “(a) sugestão de (x2) a (x3)”)

predicado adjetival (x1)∅ (ex. 7: “(x1) grande/feliz/imortal”)

pseudo-termo (ex. 11: “(a) barba”)

{ Verbalização [predicadonominal/adjetival ou pseudo-termo] }Predicado Verbal Complexo

Regra de expressão de predicado verbo-nominal/adjetival derivado por meio de Vsuporte: { Vsuporte [predicado nominal/adjetival ou pseudo-termo] }Predicado Verbal Complexo

Output: { FAZER [predicado nominal/adjetival ou pseudo-termo] }Predicado Verbal (x1) ... (xn) [n ≥ 0] Ex.10 “Aconselha-se, pois, o articulista a fazer a sugestão da alteração toponímica à respectiva Comissão da

Câmara Municipal de Oeiras” (Diário de Notícias, 22/01/1975, “Os nomes das ruas de Lisboa”)

Ex.11 “(...) tem um tipo de profissional que é o que faz a barba das pessoas, dos homens (...)” (NURC, inq. 023) Para atribuir função predicante a um elemento não-verbal input (predicado nominal/adjetival ou pseudo-termo), o falante conta com uma regra de formação que pode ser expressa, na língua portuguesa, mediante Vsuporte (operandum auxiliar/(quase) operador). Um elemento que atua como um Vsuporte default de que o falante lança mão, com freqüência, para a verbalização de nomes (de natureza substantiva ou adjetiva) é fazer11. Sua produtividade na língua e a natureza quase irrestrita do sujeito do predicado verbo-nominal/adjetival derivado e do elemento não-verbal sobre o qual opera contribuem para sua interpretação no âmbito da gramática.

9

O predicado verbo-nominal/adjetival existente em cada um dos exemplos (de 6 a 11) pode ser até substituído por uma forma verbal simples cognata ou não: fanatizar; engrandecer, alegrar ou felicitar; imortalizar; prejudicar; reformar; sugerir; barbear.

10

Logo, designa o controle exercido pelo sujeito principal sobre todo o evento, e não sobre uma segunda fonte de energia.

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Na qualidade de verbo-suporte, fazer nem sempre implica valor causativo, como evidenciam os exemplos 10 e 11. É bastante freqüente que mantenha o valor factivo existente na estrutura com Vpredicador pleno, apesar de apresentar-se dessemantizado (em maior ou menor grau, a depender do contexto lingüístico). Não se anula semanticamente, já que, na lexia verbo-nominal, contribui, em geral, com valor referente ao domínio da atividade (ação/processo) e sua permuta por outro Vsuporte pode acarretar mudança de sentido12.

A depender das propriedades do elemento não-verbal passível de incorporação, há maior ou menor integração deste àquele, conforme atestam os sete graus detectados por MACHADO VIEIRA (2001) num continuum de categorização do processo de incorporação semântico-sintática de nome (substantivo ou adjetivo) ao Vsuporte fazer. Destacam-se aqui três parâmetros que contribuem para o maior grau de integração entre fazer e elemento adjetival/nominal. O primeiro deles é o caráter menos identificável e específico/individualizado do referente desse elemento. Uma evidência disso é o fato de haver restrições quanto à estrutura morfossintática do sintagma com que fazer se combina no âmbito do sintagma verbal: o elemento que se incorpora a esse verbo é, prototipicamente, não-flexionado, não-determinado e não-modificado, haja vista o fato de que, quanto mais referencial, menor sua contribuição para a composição do predicado derivado. O segundo é a função classificatória do elemento adjetival/nominal, em relação a fazer, de indicar um subtipo, particular, do evento geral expresso por tal item verbal. O terceiro é o fato de partilhar com o elemento ao qual se associa a função de atribuir papel temático ao(s) argumento(s).

Fazer, nas construções 6 a 11, tem comportamento léxico-gramatical: por um lado contribui em algum grau para a formação semântica do predicado complexo, apesar de o elemento nominal/adjetival ser o principal responsável pelas propriedades semânticas dessa unidade compósita; por outro lado, codifica as categorias gramaticais de verbo (tempo, modo, aspecto) da unidade que compõe e, assim, dá suporte gramatical ao elemento ao qual se alia. Gramaticaliza-se principalmente na construção em que é seguido de elemento nominal/adjetival não-flexionado e sem determinante ou modificador, pois tem comportamento de auxiliar, funcionando como Vsuporte (com ou sem valor causativo) e constituindo com ele um predicado complexo que tem sentido mais específico (“engrandecer/alegrar/imortalizar” e “prejudicar”, cf. exs. 7 e 8). Os exemplos 9 e 10, ainda que constituídos de elementos nominais com artigo, revelam alto grau de integração com fazer, visto que os nomes incorporados já têm função e estrutura predicante no léxico. Além disso, o exemplo 9 conta com artigo indefinido que favorece uma leitura genérica do elemento incorporado. Já o artigo definido sinalizará interpretação genérica ou específica/individualizada, a depender do contexto semântico-pragmático. Nos exemplos 10 e 11, há um certo grau de referencialidade/definitude que os diferencia do ex. 9, mas, ainda assim, o foco discursivo incide sobre a atividade de “sugerir” ou “barbear” expressa pelo predicado complexo. O enunciado 11 evidencia uma ocorrência de fazer que oscila entre as categorias de Vpredicador e Vsuporte sem valor causativo.

A opção por cada um dos tipos de construção causativa reflete uma maneira particular de estruturar a relação causa-efeito. Na estrutura causativa formada sintaticamente por uma predicação, o processo causador e o processo causado são construídos e interpretados como um único evento ao passo que, na estrutura formada por duas predicações, a “cena” é construída e interpretada como representação de dois eventos.

4. Considerações finais

Da categoria-fonte de fazer (Vpredicador pleno) decorrem duas categorias semi-gramaticais, que, em certas predicações, se interligam e até se sobrepõem: (a) marcador causativo (de operandum a operador causativo), quando fazer tem como complemento uma predicação ou um constituinte com função predicativa que possa ser concebido como uma cláusula “mínima”, e (b) verbo-suporte (de operandum a operador de verbalização, com ou sem valor causativo), quando forma com um elemento nominal ou adjetival um predicado complexo. O falante conta com esses mecanismos que a gramática do Português, na sua maleabilidade, lhe oferece. Com base neles, pode, por exemplo, formar construções alternativas às já existentes, renovar o acervo lexical, recuperar, para novas funções, formas lingüísticas cujas funções primárias não são tipicamente essas e, por conseguinte, obter efeitos discursivos particulares. Com a adjunção de forma (quase) auxiliar, do tipo OPcausativo ou Vsuporte com valor causativo, a outro(s) elemento(s) – verbais ou não-verbais – na construção da cláusula, o falante veicula uma função gramatical particular: causativização e/ou verbalização desses elementos.

5. Referências Bibliográficas

DIK, Simon C. (1997) Theory of Functional Grammar. (ed. por Kees Hengeveld). 2 v. Berlin: Mounton de Gruyter. HEINE, Bernd et alii (1991) Grammaticalization: a conceptual framework. Chicago: University of Chicago Press. MACHADO VIEIRA, Marcia dos S. (2001) Sintaxe e semântica de predicações com verbo fazer. Rio de Janeiro:

UFRJ, Faculdade de Letras. 362 fl. mimeo. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa.

TAYLOR, John R. (1995) Linguistic categorization: prototypes in linguistic theory. 2. ed. Oxford: Calderon Press.

12 “Fazer consultas” é diferente, por exemplo, de “dar consultas”, como se vê em: “[passamos] à constante verificação do

mérito acadêmico, processo que, ademais, se completa com o envio dos pareceres sobre os cursos ao Conselho Nacional de Educação, para análise e deliberação, podendo as instituições manifestar-se em todo o processo, fazendo consultas e corrigindo distorções ou deficiências.” (Jornal do Brasil, 22/03/2002, “Supervisão e controle”). Este exemplo é interessante porque revela efeitos discursivos decorrentes da regra de verbalização: (i) a redução de valência (destransitivização), que torna o enunciado genérico e (ii) a atribuição ao predicado input de valor reiterativo do evento por meio da pluralização do nome.

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