• Nenhum resultado encontrado

BENEVIDES, Maria Victoria.Violencia e imprensa as machete do medo in Violência, povo e polícia violência urbana no noticiário de imprensa. São Paulo Brasiliense, 1983..pdf

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "BENEVIDES, Maria Victoria.Violencia e imprensa as machete do medo in Violência, povo e polícia violência urbana no noticiário de imprensa. São Paulo Brasiliense, 1983..pdf"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

18 MAHIA VICfORIA BENEVIDES

limites de uma investigação preliminar, contribuir para o conhecimento desta realidade tão cruel quanto "tranqüila-mente" aceita neste sistema que perpetua as desigualdades e valoriza os privilégios. Se este objetivo fizer avançar o debate sobre as causas e soluções, terá valido a pena o contato - mt:smo que simplesmente através da notícia ou da entrevista - com esse mundo bárbaro da tortura, do "Esquadrão da Morte", dos linchamentos ... bem como da corrupção, do arbítrio, da covardia. Insista-se ainda uma vez: a questão da defesa dos Direitos Humanos não é ape-nas de ordem moral. Insere-se, definitivamente, em toda e qualquer proposta de ampliação da cidadania. Insere-se, portanto, na proposta maior da abertura política no país. Da democracia, enfim.

Maria Victoria Benevides Abril 1983

I

L

Violência e imprensa:

as manchetes do medo

',}

"Você vai morrer, você iai morrer ... " "Os homens da chacina. "

"Atentados sexuais viram hábito na rotina dos assal-tos."

"Acompanhe: os assassinos do jovem Satow vão mos-trar como foi o crime. "

"Rio, uma cidade gritando por socorro!"

"São Paulo, capital da violência, vive no medo." •• A mobilização do pânico. "

"Pega, mata, enforca!"

"Para vingar tenente, PMs ameaçam matar inocen-tes. "

As manchetes acima foram retiradas de jornais da "grande imprensa" entre 1979 e 1982: O leitor desavisado, surpreendido em sua cena familiar de classe média, imagi-nará um mal-entendido: estaria, por acaso, lendo os "popu-lares" sensacionalistas, aqueles "que pingam sangue"?

A perplexidade é transitória; transforma-se, em pouco tempo, em sentimentos cada vez menos difusos de insegu-rança e medo. Trata-se da síndrome causada pela divulga-ção maciça, em todos os meios de comunicadivulga-ção, do que se convencionou chamar de "onda da violência". O supostº aumento da criminalidade violenta transformou-se em

pro-(1) Jornal da Tarde (27.11.79 e 20.12.791; Jornal do Brasil (4.11.791; Jornal da Tarde (9.12.801; O Estado de S. Paulo (11.1, 7.4 e 24.5 de 1981 I;

(2)

20 MARIA VICTORIA BENEVIDES

blema nacional e, como tal, tratado em Congressos e

Semi-nários de várias origens, e "reproduzido" na imprensa, sobretudo no período compreendido entre o segundo se-mestre de 1979 e inícios de 1982. (A partir de então predo-minariam debates sobre as reformas partidárias e eleitoral, enfocadas pelo óbvio interesse das eleições previstas para novembro de 1982. No plano institucional predominariam as questões relativas ao alcance e aos limites da abertura, sobretudo em função dos riscos da "desestabilização do regime" com os atentados terroristas no Rio de Janeiro.) A 14 de agosto de 1979 o então ministro da Justiça, Petrônio Portella, assinava uma portaria para a constitui-ção de um grupo de trabalho, composto por juristas e cien-tistas sociais, que deveriam apresentar "um minucioso es-tudo interdisciplinar sobre o crime e a violência no país, acompanhado de sugestões que sirvam de base para as providências executivas do governo nesta matéria". O pri-meiro "considerando" destacava o dever do governo "na salvaguarda e proteção dos cidadãos atingidos pela cres-cente onda de criminalidade e violência que lavra nos cen-tros populosos do país, vitimando pessoas de todas as clas-ses sociais e destruindo patrimônios". Do ponto de vista desta pesquisa, interessa destacar as considerações, feitas no "Relatório dos Juristas", referentes à influência dos meios de comunicação sobre os problemas sócio-criminais: "Esse grande elemento de informaç'ão que é a imprensa honesta, sóbria e dignificante, está sujeito, em alguns casos, a uma orientação errônea que altera e perverte o fato, fazendo flutuar a opinião pública, opinião desprepa-rada culturalmente, para rumos incertos, desconhecidos e até perigosos, na apreciação dos julgamentos penais. A

Justiça Criminal, para ser distribuída, fica, não raro, ao sabor do posicionamento da imprensa, que orienta a opi-nião pública ao sabor de seu desejo, nem sempre coinci-dente com os mais altos propósitos das decisões penais.

Assim como se fala da violência institucionalizada da Po-lícia, seria possível falar-se da violência que os meios de comunicação resolveram institucionalizar. Páginas inteiras falando com linguagem desabrida, adjetivação

escanda-VIOL~NCIA. POVO E POLIcIA 21

losa, das liberdades sexuais, das luxúrias, dos costumes, da libertinagem das criaturas humanas; falando dos crimes de sedução, de estupro, de assalto, de roubo, de seqüestro, de extorsão, como se isto tudo fosse o grande e principal ele-mento de cultura para inteligência do povo brasileiro". O "Relatório dos Cientistas Sociais", por outro lado, afirma que "não há provas concludentes do relacionamento dos meios de comunicação com a criminalidade". 2

Entregues os relatórios, a súbita morte do ministro criou evidentes problemas de administração interna e de política nacional no tocante às prioridades da Pasta da Jus-tiça. O tema da violência e ':tia criminalidade permaneceu

,

envolto em discussões e projetos, e a "onda" atingiu níveis considerados "paroxísticos" pelo novo ministro da Justiça.3 Meses depois de baixada a portaria ministerial, a violência tomou de assalto as páginas mais nobres dos principais jornais do país. Fala-se da escalada da violência e da crimi-nalidade em termos que vão desde "neurose coletiva de insegurança" a "guerrilha urbana", passando por "clima alucinatório" e "barbárie avassaladora". A imprensa tor-nou-se o veículo natural para a divulgação cotidiana de noticiário de violência e de criminalidade, assim como o espaço para a discussão de suas causas e de propostas para seu combate e repressão.

O primeiro dado a ser considerado, portanto, se refere a essa mudança de atitude da imprensa tradicional em relação à violência. Jornais "contidos" - a imprensa "ho- . nesta, sóbria e dignificante" , d~ que fala o "Relatório dos Juristas" - passaram a destacar manchetes em primeira página e a dedicar amplo espaço aos temas da delinqüência violenta. O exemplo do Jornal do Brasil é o mais explícito: , em janeiro de 1981, o jornal passou a publicar uma rubrica especial, intitulada Violência, no alto da folha, com o mesmo destaque das tradicionais rubricas Política e Go-verno, Internacional, Esportes, etc. Além dessa inovação,

(2) Criminalidade e Violência - Relatório dos Grupos de Trabalho '

de Juristas e Cientistas Sociais, Ministério da Justiça, 1980, pp. 92 e 352.

(3)

22 MARIA VICfORIA BENEVIDES

inédita no jornalismo nacional, o JB inaugurou uma seção de primeira página, com a cronologia dos eventos violentos na cidade do Rio de Janeiro ("A Violência de Ontem"). O Estado de S. Paulo, embora de forma mais discreta, passou a reservar maior espaço ao tema, destacando-se edi-toriais sobre as causas da violência e o papel da repressão policial. 4 A Folha de S. Paulo editou cadernos especiais sobre violência, e, além do amplo noticiário, abriu espaço para o tratamento do tema por analistas. O Jomal da Tarde - vespertino da empresa O Estado de S. Paulo - publicou reportagens em série (como "Cuidado São Paulo: registro instantâneo de uma violência interminável", em janeiro de 1980); especializou-se no acompanhamento diário dos "ca-sos especiais" ("Acompanhe: começa a grande caçada ao estuprador", em agosto de 1982) e abriu maior espaço para cartas dos leitores sobre o tema. Revistas semanais dedica-ram capas à violência urbana (Veja chegou a qualificá-la como "guerra civil").

O que explicaria essa mudança de atitude?

É preciso ter claro que essa violência noticiada pela "grande imprensa" com destaque refere-se aos delitos dos já chamados "marginais" - como roubos, assaltos, furtos, "trombadas" - e que passaram a atingir, de forma espe-tacular, os bairros de classe média e da burguesia. O inte-resse em divulgá-la, portanto, contribuiu para reforçar a estigmatização das "classes perigosas" 5 - o pobre será

(4) Uma rápida leitura das edições de domingo do JB e do ESP

exemplificam essa mudança de ênfase. No JB de 18.1.81 encontramos, explicitamente sobre violêl1cia urbana: editorial de meia página; cartum do Ziraldo; artigo de Fernando Pedreira; página inteira com entrevistas de auto-ridades policiais; página inteira com estatísticas de "casos"; duas notas na coluna social de Zózimo; artigo de página inteira no Caderno B, sobre com-pra de armas; crônica do humorista Carlos Eduardo Novaes. No ESP do mesmo domingo encontramos: editorial sobre polícia e escalada da violên-cia; coluna inteira de Carlos Chagas, na seção "Notas e Informações"; duas páginas inteiras de noticiário policial;entrevistas com autoridades policiais; noticiário sobre violência nas páginas dedicadas ao interior do Estado.

(5) Para uma abordagem histórica, ver, de Alberto Pa~sos Guima-rães, As Classes Perigosas, Rio de Janeiro, Graal, 1982. Para um estudo

r . -___ , ... _-=:: ...•.. =:"..:.:-.c-. _ _ .. ·_

VIOLENCIA, POVO E POLIcIA 23

sempre o suspeito, o bandido em potencial, quando não "de nascença" - e para dramatizar o quadro da violência urbana (os grandes crimes contra a economia popular são naturalmente minimizados - não costumam empregar vio-lência física explícita - quer no noticiário, quer nos edi-toriais). A declaração do delegado Edgar Façanha, da Se-cretaria de Segurança do Rio de Janeiro, é insuspeita: "O que ocorreu é que os bandidos que assaltavam na Baixada Fluminense, onde no máximo podiam levar da casa do pobre um aparelho de tevê em preto e branco, passaram a atacar mansões ... De repente a sucessão de assaltos come-çou a tomar conta dos espaços dos jornais. Como mexeu com os ricos, criou-se logo uma crise no apareUio de -segu-iança: ~~. Baixada, quem vai dizer que a casa de um pobre lavrador foi assaltada?" (JT, 13.1.81).

Em outros termos, a socióloga Maria Lúcia de Oliveira aponta uma razão para a "novidade" do fenômeno: "o que há de novo na área urbana do Grande Rio, da Grande São Paulo ou da Grande Belo Horizonte, não é a presença dos 'marginais', a precariedade da vida nas favelas ou o crime não desvendado e não punido. O novo e assustador é o \

avizinhamento, que se faz cada vez mais próximo entre) essas coisas e nós, habitantes das zonas privilegiadas em . que violência, insegurança e medo sempre tiveram muito mais a ver com o que se passava dentro das paredes de cada casa, ou dentro da alma de cada um, do que com o desmo-ronar das frágeis barreiras que nos protegiam contra os ataques das 'classes perigosas' " (JT, 28.12.79).

Uma advertência parece, portanto, razoável: a propa-ganda e o medo teriam crescido muito mais que a própria criminalidade violenta. '[ra t.!l-=-s_~-,-'pQis. ... d€Ln~º~onb.I!lJ!.!L_a_ visibilidade de um fenô~eno com sua existência real. A hipótése ·aoJu·rista-Héii~ Bi~U:doé~·neS-s~ s·entidõ~

-digna

de nota: "Não acho que haja um grande surto de criminali-da de nas cicriminali-dades como Rio e São Paulo. Qqueexiste ..

é

VIlla

P.E~l)_~gaI1(::la intensa do cresçil1}.~nto da cri~inalid~de, com

especifico ver, de Percival de Souza, A Maior Violência do Mundo (Baixada Fluminense do Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, Traço Editora, 1980.

(4)

24 MARIA VICfORIA BENEVIDES

vistasa-se. a1cança.r--'~hl~~---.S-º-mo-ª----Climinuição da idade de Am1?J.ltabilidade criIl!J!l!ll, ~e 1§ ,a.I!~s l'a~!l_16 ou, 14; a imposição de penas mais graves para os delitos contra o patrimônio; a instituição da prisão cautelar, e até mesmo a peQ.a pe morte" (JB, 25.4.80). E o criminalista Tércio Lins e 'Silva confirma: "Os meios de comunicação têm sido responsáveis pela criação de uma ideologia capaz de desen-volver um sentimento que pode ser identificado por uma certa sede de vingança, que pode ser materializada ou ex-pressa através do linchamento em via pública ou aceitação de penas mais elevadas" (JB, 28.12.80).

Por outro lado, a imprensa costuma ser responsabili-zada pelo "descrédito" das instituições policiais, na medida em que veicula notícias sobre a violência e o arbítrio da polícia bem como sobre o envolvimento de policiais em quadrilhas do crime organizado ou nos sinistros "Esqua-drões da Morte". A queixa é antiga, explícita nas entre-vistas de várias autoridades, desde o diretor-geral da Polícia Federal em 1980, coronel Moacir Coelho - que apontava a responsabilidade da imprensa "na divulgação de violências contra presos" (FSP, 6.3.80) - até o recém-nomeado secretário de Segurança de São Paulo, Manoel Pedro Pi-mentel, para quem a imprensa é culpada ao dizer que "a polícia mata e que a ROTA é composta de assassinos"

(FSP, 29.3.83).

O objetivo desta pesquisa não é investigar o papel da imprensa na "dramatização" da violência. 6 Os dados de imprensa são especiaLmente relevantes para uma apreensão dos fatos e, principalmente, da "imagem" da violência que é "passada", seja através das entrevistas das autoridades, seja através dos artigos e reportagens. Uma pesquisa espe-cífica sobre a responsabilidade da imprensa deveria levar em conta outras questões, tais como:

(6) Ver, de João Manuel de Aguiar Barros, liA utilização

político-.'f. ideológica da delinqüência", in Educação e Sociedade, n? 6, São Paulo,

Cortez, junho 1980; de Ramão Gomes Portão, Criminologia da

Comunica-ção, Rio de Janeiro, Traço Editora, 1981; de Ruben George Oliven,

Violên-cia e Cultura no Brasil, Petrópolis, Vozes, 1982. Aguarda-se, sobre o

mesmo tema, o trabalho de Volanda Catão.

I

1

VIOLENCIA. POVO E POLICIA 2S

o aumento do espaço concedido pela imprensa à violência corresponde, e em que medida, ao ef~tivo au-mento do índice de criminalidade na população como um todo?

_ a opinião de cada jornal (editoriais e artigos assi-nados) apresenta um nível de coerência que permita apon-tar uma determinada "linha"?

_ existe relação entre o noticiário e as respostas go-vernamentais de repressão e controle da violência e da criminalidade?

Tais questões extrapol~m, evidentemente, os limites

desta pesquisa. :

--Na primeira fase da pesquisa foi realizado um intenso e cotidiano trabalho de levantamento de dados, classifi-cação e formação de dossiês de imprensa 7 que abrangem,

apenas, modalidades de criminalidade violenta urbana, individual ou coletiva e de violência institucional (a repres-são policial quando extrapola os limites impostos pela lei). São excluídos os chamados crimes passionais ou "patoló-gicos", na medida em que não são considerados, direta-mente, "sociais". São excluídos, igualdireta-mente, dados de vio-lência rural (geralmente associada a conflitos de terra) e de violência política (tanto a de contestação quanto a institu-cional, da repressão política).

A pesquisa tem como objeto próprio de análise dados de e sobre violência urbana noticiados pela imprensa. Isso significa uma reconhecida limitação quanto à apreensão do fenômeno global, pois se é sabido que apenas uma parte reduzida dos casos é registrada pela polícia, menor ainda será a proporção relatada na imprensa. É importante ter igualmente claro que a influência da imagem difundida pelos chamados prestige papers deve ser relativizada, tendo (7) Os dossiês encontram-se à disposição do público no Setor de Documentação do CEDEC.

(5)

26 o "O -::I ai

g

o ai <O .;:: ~ E ai "O &

..

o· " 0 -c:~

::1--

i~

~.!!! =; w ~ I al"'~ « .2. a; t-~_ c: o "'.c ~:;

<o'

c:

j

~ .;:: 04) 1;; E ai "O

e

E

-::I Z

MARIA VICTORIA BENEVIDES

s~ o ai ~ ~

~

~

-1-0> <O N ~ ~

...

o M

- I-Q.. ...,. co 00 M

'"

~

-

-o O> ';:: Q.. «

fZ

M ...,. M M Il) :! N &n ...,. """) ãi "$

m

ª

~ Õ

'"

c: I-

-

-Ct> co

'"

Q.. N U; ~ ~ t:: ~ o o.. ai ex: -.... Q.. :! ~ &n M

'"

fZ

N .!!:! .2

...

o z ~ a> ~ &n ~

-

M fi 00

-

~ ~ o

- I-'" Q.. ...,. M :! ...,. 'i;; ~ .~ .t! Q.. "O N M

-

co w

fZ

-~ N &n f6 a> o

.g

la c. <O o i= "o ... co '" ti '" c o 'õ ai o l8 ai I<V o- <Q) C

e

• 'Bc. ::I E ::I :28. '" o Biil~ õ ai ... ::I C.

'"

> ai O" •• Q) ::I <O Q) Q) ... ~~ ... 0"0 "O~ n ... :.:: "O o o Q) co

'"

'" Q) o Q) '" <O .S: <O co "O 1~ "O til

'g

ãi,g '::I Q) 'õ E ~ «; c-c::: o c. '::I'ü l:l ::I .2! c: .o~o

e

c: .- .- 0 " 0 o ~.~ ~ Q) (5 E .!!! oQ U a.. o c. o ou ~ ~ ::;: ~ &n N co ~

re

§

!

co

-&n N ~

m

f Q) C> ãi

~

.,; co "O .~ ãi c co

'"

co .;:: $ co E

'"

oCO

'"

co c: 8. co 5l E

~

~

'"

e

Q) E '::I c: '" o ~ ::. ~ c,; ~ <ti :S: ~ ~ ::. ~ c,; . o ~,i;

'"

.g iil

ti

~ I.Q o cC: Q) ~~ t!c Il) ~ .g~ ... E <ti ::I

E

Q) 0"0 "')f! _ <O

.

::. ~ o I<V Z

1

VIOLENCIA. povo E POLIcIA 27

em vista seu público leitor, sua vinculação quase que exclu-siva com certas camadas da população.

A Tabela 1 apresenta o número de matérias analisa-das, nos três maiores jornais pesquisados, discriminando-se o tipo de matéria (notícias, editoriais e artigos) e o conteúdo principal. Os dados não abrangem outros periódicOS pes-quisados _ como o Jornal da Tarde, o Jornal da República ou os semanários - porque nestes órgãos a pesquisa não foi sistemática. O Jornal da Tarde destaca-se pelo espaço reser-vado à seção de "Cartas dos Leitores" e pelos artigos de especialistas, como os jornalistas Percival de Souza e Fausto Macedo. O Jornal da República, de curta duração (agosto de 1979 a janeiro de 1980) foi especialmente consultado em virtude de sua proposta de tratar o noticiário policial não apenas como um fait-divers, mas em termos de uma ques-tão mais global, abrangendo os aspectos sociais e culturais de cada fato. 8

Observa-se que das 621 matérias analisadas pouco mais de um terço refere-se a denúncias e/ou queixas sobre a polícia _ quanto a atos de violência e arbítrio, quanto a omissão ou ao despreparo dos policiais. Neste item destaca-se o elevado número de editoriais do Jornal do Brasil (cinco vezes mais do que os outros); cumpre lembrar que o JB, neste período, movia intensa campanha contra a atuação da polícia no Rio de Janeiro, quer do ponto de vista da //violência e do arbítrio, quer do ponto de vista da corrupção e da cumplicidade com o crime organizado e a contraven-ção do "jogo do bicho". Datam deste período alguns casos famosos, que permaneceram várias semanas no noticiário da imprensa: o desenvolvimento do "caso Marli" (a empre-gada doméstica que ousou enfrentar a polícia Militar para identificar os assassinos de seu irmão); o "caso Misaque-Jatobá" (seqüestro e assassinato, por policiais, de pessoas supostamente envolvidas com tráfico de drogas) e o "caso

(8) Uma coleção completa do Jornal da República encontra-se no Setor de Documentação do CEDEC. Neste tema específico destacam-se matérias sobre a pena de morte e sobre linchamentos. Agradeço a espe-cial atenção do jornalista Mino Carta.

(6)

i:

1",

I

~ 1 " 1 1 \'1,

I

"I

I!

li'l 1II1 \i\' lil: ill: 1,1' jil, !!I' i!' 'I' "I :'1 1 :1, ;,i,~ i!

!

28 MARIA VICTORIA BENEVIDES

Rosário", o jovem comerciário que morreu após ser tortu-rado na delegacia apenas porque se recusara a mostrar documentos numa "batida" policial nos ônibus da cidade.9 O "caso Marli", só no Jornal do Brasil, foi tratado, de abril

ajunho de 1980, em S9 notícias e 6 editoriais.

De--agosto -de 1979étagos1o.-de-1-980-foram levantadas, nos três maiores jornais,.diado.s. •. 298 notícias referentes--ã~ 126 casos de violência policial; destes, 22 são denúnciaS-~' . comprovàdas de torturas a presos ou suspeitos e 1S são

nq-tícias de seqüestros seguidos de morte envolvendo direta-mente policiais (não se trata d~_"Esqua<irãü", mas de pol~

ciais identificados).

3:gostode --1980 a julho de 1981

foram levantadas 347 notícias, referentes a 14S casos de yiolência policial; contam-se 16 casos de tortuca compro~~ vada a presos ou suspeitos e 24 casos de proçessüsen-volvendopoliCiaisdenunciados por"'tortuia ou morte de presos.

No item "discussão de questões do Código Penal" destacam-se, pela freqüência com que foram noticiadas, a discussão sobre as modificações a serem introduzidas, tais como a "prisão cautelar" e a "prisão-albergue". H~uve,

com menor freqüência, noticiário sobre a diminuição da idade de responsabilidade penal para 16 anos, bem como sobre a pena de morte.

Este levantamento não inclui, especialmente, dados sobre a atuac;ão violenta da Polícia Militar nas ruas -como a ROTA, em São Paulo - pois tal pesquisa foi e continua sendo feita por Paulo Sérgio Pinheiro, em seus inúmeros trabalhos sobre o tema. Não inclui, igualmente, dados sobre linchamentos, já levantados e publicados pela autora, ou sobre violência policial contra menores. tO

(9) Ver, sobre o caso, o livro de José Barbosa Rosário, Quando B

Polícia Mata, Rio de Janeiro, Ed, Achiamé, 1983,

(10) Ver, de Paulo Sérgio Pinheiro, "Polícia e Crise Política: o Caso das Polícias Militares", e de Maria Victoria Benevides, "Linchamentos: Violência e 'justiça popular' ", ambos in Violência Brasileira, São Paulo, Brasiliense, 1982; de Rosa Fischer Ferreira, Meninos da Rua, Comissão Justiça e Paz/CEDEC, 1980.

VIOLeNCIA. POVO E POLICIA 29

O texto a seguir aborda o debate sobre causas (e solu-ções) da violência e da criminalidade, de acordo com a divulgação pela imprensa. Inclui a posição oficial - quan-do se destacam as declarações quan-do ministro da Justiça e outras autoridades do governo federal - e o chamado dis-curso "alternativo".

.>

"

Referências

Documentos relacionados

TABELA 7 – Produção de massa fresca e seca das plantas de almeirão, cultivadas sob três e quatro linhas por canteiro, em cultivo solteiro e consorciado, na

Taking into account the theoretical framework we have presented as relevant for understanding the organization, expression and social impact of these civic movements, grounded on

Starting out from my reflection on the words cor, preto, negro and branco (colour, black, negro, white), highlighting their basic meanings and some of their

Seja o operador linear tal que. Considere o operador identidade tal que. Pela definição de multiplicação por escalar em transformações lineares,. Pela definição de adição

Enfim, está claro que a discussão entre Ghiselin e De Queiroz diz res- peito ao critério de identidade para táxons. Para Ghiselin, um indivíduo é algo que não apresenta

Os estudos originais encontrados entre janeiro de 2007 e dezembro de 2017 foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: obtenção de valores de

Aos 7, 14 e 21 dias após a emergência (DAE), foi determinado o índice SPAD no folíolo terminal da quarta folha completamente expandida devido ser esta folha recomendada para verificar

Como visto no capítulo III, a opção pelo regime jurídico tributário especial SIMPLES Nacional pode representar uma redução da carga tributária em alguns setores, como o setor