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Dois Tipos de Políticas Educacionais. A Política das Políticas Públicas 1

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Dois Tipos de Políticas Educacionais. A Política das Políticas Públicas

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No. 36

Juan Carlos Navarro

Agosto de 2006

Este documento foi originalmente publicado como o Capítulo 10 de A Política das Políticas Públicas. Progresso econômico e Social na América Latina (IPES). Informe 2006. Banco Interamericano de Desenvolvimento. O livro pode ser adquirido em: http://shop.iadb.org/iadbookstore. O PREAL agradece a autorização do Banco Interamericano de Desenvolvimento para reproduzir este capítulo na série PREAL Documentos.

As opiniões contidas neste trabalho são da responsabilidade do autor e não compromete o PREAL, nem as instituições que o patrocinam.

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ÍNDICE

A POLÍTICA EDUCACIONAL NÃO É DE UM SÓ TIPO, SENÃO DE DOIS: O DA EXPANSÃO E AUMENTO

DAS TAXAS DE MATRÍCULA, E O QUE PROCURA MELHORAR A QUALIDADE E A EFICIÊNCIA 3

CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA EDUCACIONAL: MODELO GERAL 3 A POLÍTICA EDUCACIONAL E O PROGRESSO DE FORMULAÇÃO DE POLÍTICA (PFP) GERAL: ALGUNS EXEMPLOS 9

México: descentralização 9

México: incentivos e avaliações docentes 10

Argentina: descentralização 12

Argentina: incentivos docentes somente de nome 13

Brasil: estratégia para arrumar a descentralização 15

Chile: Exceção à regra? A criação de incentivos docentes 17

CONCLUSÃO: A DINÂMICA CONJUNTA DOS PROCESSOS DE FORMULAÇÃO DE POLÍTICA (PFP) NAS ESFERAS NACIONAL E EDUCACIONAL 21

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A POLÍTICA EDUCACIONAL NÃO É DE UM SÓ TIPO, SENÃO DE DOIS: O DA EXPANSÃO E AUMENTO DAS TAXAS DE MATRÍCULA, E O QUE PROCURA MELHORAR A QUALIDADE E A EFICIÊNCIA

A educação é um âmbito que tem sido objeto de uma intensa reforma na América Latina nos últimos 15 anos. Todos os países da região têm introduzido mudanças significativas em seus sistemas educacionais. Paradoxalmente, toda esta atividade tem coincidido com uma percepção generalizada de que na prática é muito difícil conseguir uma mudança educacional e, que alguns elementos fundamentais quase não têm mudado. Por que?

De uma análise minuciosa se deduz que estão se aplicando dois tipos de políticas educacionais. A primeira engloba um conjunto de políticas básicas para melhorar a qualidade e a eficiência, que são muito rígidas e resistem a toda mudança fundamental. A segunda abarca um conjunto de políticas periféricas, relacionadas com a expansão e crescimento da matrícula, que são minimamente adaptáveis e até voláteis, e são objeto de modificações regulares, e possivelmente com bastante freqüência.

Para entender por que a mudança é difícil, tem que se entender os atores principais, suas preferências e horizontes temporais, como se alinham seus interesses e, consequentemente, as possibilidades de conflito ou cooperação, assim como os entornos em que se formula a política. É necessário também, entender os distintos elementos do processo de formulação de políticas (PFP) no setor educacional, e como esses PFP setoriais interatuam com o PFP geral nos países. Em seguida são analisados seis exemplos da formulação da política educacional em quatro países: Argentina, Brasil, Chile e México. Uma das políticas examinadas é do tipo básico porquê toca

na mesma essência da economia política da educação: o estabelecimento de incentivos e avaliações docentes. A outra, a descentralização, é também bastante generalizada na região, mas é de caráter mais periférico.

A análise ajuda a explicar por que nem todas as mudanças no âmbito da educação são politicamente factíveis, e, ao mesmo tempo demonstra que há mudanças que valem a pena efetuar. Igualmente como em qualquer outro setor, embora talvez mais, essas modificações devem sustentar-se em um PFP geral que seja sólido.

CARACTERÍSTICAS DISTINTAS DA

FORMULAÇÃO DA POLÍTICA EDUCACIONAL: MODELO GERAL

No nível mundial os provedores do setor educacional (os professores) costumam estar bem organizados e muito interados das decisões de políticas que podem afeta-los. Ao contrário, os beneficiários – os alunos ou, mais precisamente suas famílias – estão muito dispersos, costumam não estar organizados, e recebem muito pouca informação sobre o que acontece nas escolas. Estas assimetrias na organização e a informação são o ponto de partida para a maioria das características distintas da formulação da política educacional. No caso de uma ação estatal, ainda que se trate da dotação orçamentária mais rotineira ou a aplicação de uma norma – muito menos de uma reforma de política –, os grupos de interesse que representam o professorado não enfrentam praticamente nenhuma oposição a seus pontos de vista ou desígnios.

A economia política da educação reúne outras características importantes:

• Não se rege por um princípio organizativo global. A educação carece de uma definição básica que,

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uma vez formulada, confere coerência ao conjunto do sistema. Nisso difere de âmbitos de política como a seguridade social, por exemplo, onde existe o conceito de financiamento mediante um sistema de repartição. As características particulares podem modificar-se parcialmente da provisão de educação sem re-alinhar o conjunto da política educacional. Com freqüência, as mudanças e as reformas de política vão se acumulando em camadas,uma em cima da outra. • Os problemas de contratação são graves e generalizados. A atividade docente é sumamente difícil de observar, inclusive para os docentes de nível superior, os diretores e os supervisores de escolas. O desempenho escolar dificilmente pode ser objeto de um acompanhamento pelas autoridades educacionais ou os pais. Devido à enorme magnitude dos sistemas escolares públicos – que englobam milhares de escolas, cem mil professores e milhões de estudantes – a coordenação é uma tarefa no mínimo árdua. Em conseqüência, a norma é que os incentivos sejam mínimos porque estabelecer uma correspondência entre o esforço das pessoas e sua contribuição ao produto final é quase impossível. Este “produto” do processo educacional tampouco é fácil de quantificar. É somente a médio e longo prazo, à medida que os estudantes começam a ingressar na força de trabalho, que os produtos se tornam verdadeiramente visíveis e quantificáveis2

• A implementação da política educacional é uma tarefa complexa. Geralmente exige que participem numerosos atores – docentes, diretores, estudantes, supervisores, burocracias centrais e sub-nacionais e pais – ou, como mínimo, que não se oponham ativamente. Contar com dados específicos sobre prazos e localidades é muito importante para o funcionamento do sistema. Concretamente, determinar se uma decisão centralizada está sendo levada à prática em uma

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Navarro (2002).

determinada localidade é uma tarefa de grande envergadura.

A combinação destas características distintas tem uma repercussão política importante. Os sistemas educacionais correm constantemente o risco de se tornarem cativos dos provedores no que diz respeito a postos docentes e administrativos, controle de decisões e de processos chaves de organismos internacionais, nomeações, medidas disciplinarias, distribuição de incentivos, capacitação e sistemas de gestão de pessoas. Uma série de forças compensatória permite aos sistemas educacionais evitar ou reduzir esta propensão a ficar cativos. Duas destas forças são chave. A primeira é um estado sólido que conte com uma administração pública eficaz que se rege por mecanismos acertados de prestação de contas. A segunda é uma cultura profissional firmemente arraigada, que comprometa o professorado e outros partícipes importantes com valores de conduta, níveis altos de idoneidade docente e uma orientação ao interesse público. Na América Latina, estas duas forças compensatórias tendem a ser deficientes. Os sindicatos podem ter uma considerável capacidade de resistência, tanto que os governos tendem a caracterizar-se por horizontes temporais muito curtos. Por outro lado, não existe um número importante de associações de funcionários públicos com capacidade para orientar ou manter as políticas a longo prazo. O sindicato dos docentes é com freqüência a entidade trabalhista maior no país, e possui e exerce o direito de greve, o qual pode afetar a estabilidade política da nação. Devido a um histórico de conflitos, os governos têm menor capacidade para comprometer-se a respeitar os acordos intertemporais com os sindicatos; em alguns casos, porque o governo atual não pode atar as mãos dos governos futuros e, em outros,

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porque não se respeitam acordos trabalhistas pré-existentes3.

Esta incapacidade do Estado para celebrar acordos intertemporais tende a redundar em sistemas educacionais que dependem de forma extrema de regras rígidas e definições institucionais intocáveis que não podem ser negociadas, independentemente de que mude por completo o entorno econômico do sistema educacional. Entre estas regras e definições, se destacam as que neste capítulo se denominam políticas básicas de um sistema educacional na América Latina:

• A participação público/privado no mercado. • A educação pública gratuita em todos os níveis. • A absoluta estabilidade no emprego e regras sobre contratação, ascensão e aposentadoria docente que são praticamente impossíveis de se modificar.

• A continuidade do alcance nacional e, por conseqüência, o poder de negociação dos sindicatos docentes.

Na última década e meia não se registraram mudanças substanciais nestas políticas básicas4. Os vai-e-vens da conjuntura econômica tampouco as afeta, como demonstra, por exemplo, a massa salarial do professorado, que permaneceu invariável, e inclusive aumentou, em períodos de ajuste econômico quando o emprego do setor

3

De fato, com freqüência os conflitos generalizados são tanto o resultado do desmesurado poder dos sindicatos como conseqüência direta da falta de pagamento de salários por parte do Estado, e do não cumprimento de obrigações conexas em seu tempo devido. Os sindicatos se declaram em greve e conseguem concessões porquê podem faze-lo. O Estado promete o que não pode cumprir; quando fracassa; desencadeia um novo conflito.

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A exceção que confirma a regra é o Chile, que será analisado mais à frente no capítulo. No marco apresentado, tampouco se supõe que haja mudanças significativas no PFP. Algumas destas políticas básicas se alteram quando se produzem mudanças de regimes radicais ou se dão em circunstâncias minimamente não democráticas.

público estava em retração e os outros salários do setor se reduziam a níveis sem precedentes. Seguindo a análise, os processos de descentralização somente têm afetado o sólido poder de negociação unificado dos sindicatos nacionais por breves períodos.

A diferença desta rigidez das políticas básicas, a posição relativamente débil do Estado – acentuada com mudanças de governos e inclusive de líderes dentro de uma mesma gestão – dá lugar a uma grande volatilidade nas políticas periféricas. Estas políticas abarcam âmbitos como a capacitação dos professores; o desenho, a elaboração e distribuição de livros de texto e material didático; os programas de estudo; a integração de tecnologia na aprendizagem; e toda uma série de inovações educacionais. Aqui se observa a falta de um princípio organizativo porque a um governo novo é relativamente fácil criar programas que estejam longe por completo das diretrizes de política estabelecidas ou, que as modifiquem sem que se produza uma perda de coerência ostensiva ou insustentável.

Assim mesmo, os professores não têm uma cultura profissional firmemente arraigada e amplamente difundida. Alguns têm recebido uma formação deficiente de institutos pedagógicos de qualidade duvidosa e tem ingressado na profissão mediante práticas baseadas em todo o tipo de critérios não profissionais (seja recorrendo a influências políticas ou à corrupção, em que os postos de trabalho são adquiridos de funcionários sindicalizados ou outras autoridades). Por outro lado, a administração dos docentes está sob a responsabilidade de uma burocracia que não tem a formação necessária para administrar o sistema educacional.

Portanto, perante a típica ausência de outros grupos significativos que façam oposição aos sindicatos, estes exercerão um papel dominante na educação na América Latina, a ponto de poder

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afirmar que são o único protagonista no processo de formulação da política educacional da região com um poder de veto inquestionável.

Antes de continuar caberia perguntar se existe margem para algum grau de cooperação. O panorama apresentado até agora pode parecer bastante sombrio. Não obstante, a literatura recente sobre a reforma educacional oferece uma visão mais matizada, alentadora. Ainda que as reformas dos anos noventa tenham principalmente por objetivo melhorar a qualidade e a eficiência, vários estudos assinalam que grande parte do que tem estado acontecendo se encaminhou para incrementar a capacidade, por exemplo, mediante a construção de escolas, a instalação de móveis e equipamentos, a capacitação docente, etc5. Dessa generalização deduz-se que a política educacional não é somente de um tipo, mas sim de dois tipos: a de expansão e aumento das taxas de matrícula, e a que procura melhorar a qualidade e a eficiência.

Quando se trata de incrementar a taxa de matrícula, as partes estão quase sempre de acordo. Os pais e os filhos querem mais educação. Os docentes e os sindicatos vêem no aumento das taxas de matrícula mais possibilidades de emprego, e as autoridades, tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo, tendem a apoiar políticas que lhes permitam entregar aos grupos que representam resultados muito concretos: uma maior escolarização, a construção de novas escolas, etc. Os organismos de crédito internacionais também apóiam as reformas deste tipo porque ampliar a capacidade implica realizar grandes inversões, que resultam em produtos tangíveis e cuja implementação não é complicada. Este tipo de política educacional e de reforma do ensino foi a norma nos anos sessenta, setenta e oitenta na maioria dos países e segue sendo generalizada e significativa em

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Kaufman e Nelson (2004), e Grindle (2004a).

todos os países. A esse respeito, têm suscitado considerável interesse as políticas de expansão baseadas, não na oferta, mas sim na subvenção da demanda no marco de programas de transferências de renda que estão se difundindo com rapidez, como o Programa de Educação, Saúde e Alimentação (Progresa/Oportunidades) no México, e Bolsa Escola, no Brasil, que proporcionam benefícios às famílias com a condição de que os filhos freqüentem a escola. Não obstante, as medidas de expansão são insuficientes quando o objetivo é melhorar a qualidade da educação ou fomentar um uso mais eficiente dos recursos. Nos anos noventa, isso suscitou impaciência nas elites modernizadoras,

preocupadas pelas perspectivas de

desenvolvimento dos países latino-americanos. Ao empreender vastas reformas econômicas e institucionais, muitos governos estimaram que, dadas às pressões competitivas da Ásia originada pela crescente globalização da economia mundial, era necessário atuar decididamente, não somente para ampliar o acesso, senão também para concluir reformas que melhorariam a qualidade do sistema educacional.

A cooperação não se consegue tão facilmente neste tipo de política educacional. Com freqüência exercer influência na qualidade e na eficácia de um sistema de ensino significa iniciar gestões que implicam uma reorganização substancial do trabalho dos docentes, criando incentivos, sistemas de supervisão e melhorando a prestação de contas através da descentralização ou a intensa participação dos pais. Inclusive corrigir as injustiças mediante expansões generalizadas da matrícula, por exemplo, atendendo as necessidades das populações excluídas (de extrema pobreza ou populações indígenas), pode engendrar conflitos quando requer decisões re-distributivas. Acontece o mesmo nas reformas de financiamento que tem por objetivo redistribuir o

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gasto educacional de uma forma mais justa, geralmente reduzindo os recursos de grupos ou jurisdições que gozavam de uma situação privilegiada.

Simplificando um pouco, poderia sustentar-se que na principal cena política da América Latina dos últimos 15 anos dois atores têm intervindo: o sindicato e o Executivo. Os sindicatos exercem uma função dominante, e com freqüência têm se sentido ameaçados pelas reformas que foram a norma neste período. Não somente pelo efeito que eles tem sobre o interesse de seus membros, senão também para sua viabilidade e poder como organismo. Neste estudo se identifica o outro protagonista como o Poder Executivo por uma série de razões. Primeiro, as reformas sempre têm sido gestadas por grupos de tecnocratas interessados na modernização, procedentes de ministérios chave como o Ministério da Educação ou do Planejamento. Com freqüência, estes trabalhos têm sido empreendidos com o respaldo e inclusive com a participação ativa do presidente. Segundo, nenhum outro ramo de governo tem exercido um papel de liderança. O Poder Legislativo tem desempenhado uma função em geral secundária, e o Poder Judiciário tem permanecido quase invisível, em contraste com a destacada função dos tribunais nos Estados Unidos, por exemplo.

O surgimento de Executivos dinâmicos que têm sabido atuar de forma decidida parece indicar que a descrição da formulação da política educacional entre um sindicato forte e um Estado débil possivelmente tenha que se redefinir para levar em conta casos em que as autoridades educacionais declaram que a política educacional é prioritária, por uma série de razões relacionada com o crescimento e a equidade, e atuam muito mais energicamente que o habitual, com o apoio presidencial ou tecnocrático.

Os outros únicos atores de peso que poderiam ter a relevância dos sindicatos e o Executivo são os governos sub-nacionais (veja o quadro 10.1). Estes atores adquiriram considerável influência na medida em que foi se tentando a descentralização educacional. Ainda que sua influência tenha sido extensiva a muitos âmbitos da política educacional - a estrutura do sistema educacional formal, os programas de estudo, e a criação de inovações e reformas específicas da região que mais adiante teria uma difusão nacional – adquiriram poder de veto quando se queria determinar se estavam efetivamente se transpondocertas atribuições de educação aos níveis sub-nacionais. A esse respeito, outros atores – empresas, meios de comunicação e as famílias – tem exercido, no melhor dos casos, somente uma função de respaldo.

QUADRO 10.1 PFP DE EDUCAÇÃO:

ATORES COM PODER DE VETO, PAÍSES SELECIONADOS, ANOS NOVENTA

Países Sindicatos Executivo Sub-nacional Argentina x x x Bolívia x x n.c. Brasil x x x Chile x x n.c. Colombia x x x Equador x x n.c. México x x x Nicarágua x x n.c. Uruguay x x n.c. Venezuela x x x n.c. Não corresponde Fonte: Elaboração própria

Para resumir, a formulação da política educacional na América Latina está desproporcionalmente enviesada quanto às políticas centradas na

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expansão e no acesso, em lugar da qualidade e da eficiência. Este viés significa que, na maioria dos casos, as políticas têm por objetivo fomentar a expansão, o que implica que uma proporção considerável de trabalho de formulação se desenvolve na forma cooperativa já que estão alinhadas as preferências dos atores principais. Esta realidade tende a gerar pressões para que se abordem questões relacionadas com a qualidade e a eficiência, sobretudo à medida que grupos da elite política, econômica e intelectual se dão conta de que uma mera expansão não se traduz em um sistema educacional de qualidade, nem melhora a destinação de recursos, nem beneficia aos que ficam marginalizados depois de uma expansão em grande escala. Em geral, as medidas para melhorar a qualidade e eficiência são preconizadas por um Executivo eleito com um mandato para empreender uma reforma educacional. Os interesses não se alinham neste tipo de reformas (ver o quadro 10.1). Surgem conflitos, principalmente entre o sindicato e o Executivo. Os atores sub-nacionais, da sua parte intervêm em todos os casos em que estejam em jogo assuntos de descentralização. Além do mais: AS PREFERÊNCIAS DOS ATORES PRINCIPAIS

NO PROCESSO DE FORMULAÇÃO DA

POLÍTICA EDUCACIONAL

Os três atores que exercem o poder de veto na formulação da política educacional tem preferências complexas. A seguir apresentam-se estas preferências segundo sua ordem de intensidade aproximada (o que significa, por exemplo, que se um sindicato deve escolher entre mais postos de trabalho e a seguridade do emprego para os docentes já empregados, tende a preferir a segunda opção).

O Executivo: Melhorar a educação como parte de um programa de trabalho mais amplo de modernização e desenvolvimento, manter a estabilidade política global, utilizar a massa

salarial em educação como canal para a influência política, a obtenção de votos e o controle pressuposto. Horizonte a curto prazo. Exercem um papel, as ideologias de modernização e a eficiência.

Sindicatos: Segurança no emprego, criação de postos docentes, controle das nomeações e do funcionamento do sistema educacional, manutenção do poder de negociação em escala nacional, melhores salários. Horizonte a longo prazo. Pode caraterizar-se por ideologias trabalhistas e de esquerda.

Atores Sub-nacionais: Criação e/ou expansão de oportunidades para a influência política, obtenção de votos, evitar mandatos não financiados ou limites sobre o gasto discricionário, melhorias da economia local no contexto de uma competência inter-jurisdicional.

- É muito difícil chegar a acordos intertemporais (devido, principalmente, à falta de capacidade do Executivo para comprometer-se).

- A falta de mecanismos de controle eficazes dificulta o prosseguimento de qualquer acordo (já que outros atores, como os Poderes Judicial e Legislativo e a opinião pública tendem a ter muito pouco poder)

- Os atores principais tendem a diferenciar-se por ideologias radicalmente opostas.

Dada esta dinâmica, as outras principais características da política educacional são as seguintes:

- Rigidezes quando se produzem choques econômicos, particularmente extremos no caso das políticas básicas.

- Falta de estabilidade das políticas, atribuível a mudanças políticas a curto prazo (eleições que transformam a paisagem política, crise de gabinete), sobretudo no caso das políticas que não são as básicas.

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- Tendência a deixar que muitas decisões se adotem na etapa de implementação sendo que participam tantos burocratas, escolas, professores e famílias.

Em vista da natureza dos atores e da arena política na qual intervêm, a falta de cooperação, e os conflitos abertos se limitam a uns poucos âmbitos. No cenário mais comum, o Executivo e o sindicato celebram negociações privadas e diretas, as quais se descrevem neste estudo como negociações que se realizam “a portas fechadas”. Este cenário se caracteriza pela falta de prestação de contas e a exclusão de todos os demais interessados, os atores do poder sub-nacional podem passar pela “porta fechada”. Mais exatamente, a coordenação entre os níveis de governo pode transformar-se no principal âmbito de conflito.

Não é de se surpreender que nestas situações, com freqüência, não se consegue conter os conflitos. O conflito termina “na rua” com distintos graus de intensidade, desde simples greves a eventos que perturbem a ordem civil e política. Por último, dada a importância da implementação na política educacional, surge uma burocracia “de rua” que se transforma na quarta cena chave em que os conflitos se ventilam. Nos referimos às legiões de docentes, diretores de escola e supervisores que, em última instância, exercem um grande controle do que se sucede nas escolas e as aulas, já que constituem o ponto de entrega dos serviços educacionais.

A POLÍTICA EDUCACIONAL E O PFP GERAL: ALGUNS EXEMPLOS

Havendo analisado a formulação da política educacional, é interessante focar a atenção em episódios específicos que sirvam para ilustrar e matizar o modelo.

Tanto Argentina como o México empreenderam uma ambiciosa descentralização de seus sistemas educacionais nos anos noventa, e tentaram criar incentivos docentes. Apesar do Brasil ter descentralizado o seu sistema educacional no início dos anos noventa, o sistema era amplamente reconhecido como deficiente e incapaz de corrigir insuficiências extremamente graves nos resultados educacionais. Em conseqüência, em meados dos anos noventa, o Brasil concluiu uma reforma radical do statu quo que abarcou a descentralização do financiamento e a distribuição de responsabilidades aos distintos níveis de governo, mas sem adotar um programa nacional de incentivos docentes. Esse tipo de incentivos será analisado no último caso deste capítulo, sobre o Chile.

MÉXICO: DESCENTRALIZAÇÃO

Em 1992, as negociações entre o Executivo (o presidente e o ministro da Educação) e o sindicato dos docentes culminaram com um acordo Nacional para a Modernização da Educação Básica (ANMEB). Tal acordo dispôs que o sistema educacional do México seria descentralizado e que os governos estatais começariam a assumir a responsabilidade direta de prover educação pública aos 13 milhões de estudantes do ensino primário e secundário.

O ANMEB foi proposta como uma solução para a excessiva centralização do sistema educacional mexicano, considerada como a principal causa das deficiências de cobertura e má qualidade do sistema. Outro objetivo central da iniciativa foi limitar o poder do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Educação (SNTE)6. O SNTE pertence a uma categoria à parte e única no âmbito da influência política e do controle geral do sistema educacional, inclusive na América Latina.

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Em princípio dos anos noventa, derrotou a várias iniciativas de descentralização e assumiu o controle da política de desconcentração para desativá-la. O SNTE controlava um número considerável de nomeações docentes e uma proporção significativa dos postos administrativos do sistema educacional. Sua situação financeira era sólida, graças a suas cotas de adesão obrigatórias, e seu monopólio estava garantido por uma lei que proibia a competência sindical. Devido a sua estreita vinculação com o principal partido político, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), certos postos políticos do governo e uma proporção significativa da bancada no Congresso estavam reservados para membros do sindicato. É provável que uma presidência a favor da modernização e orientada ao interesse público havia estimado que esse poder era parte do problema e não de uma solução.

A ANMEB se apresentou ao SNTE como uma proposta inalterável7. A aceitação sindical do acordo demonstra o que pode conseguir um Executivo forte, competente e comprometido a seguir adiante, inclusive frente à oposição de um ator tão poderoso. Que o acordo não tenha sido aprovado senão depois de se modificar a proposta para que o SNTE pudesse emergir vitorioso, demonstra que em termos do marco, o sindicato em muitos sentidos, exerceu seu poder de veto. Como o Executivo conseguiu ter êxito, sendo que os governos anteriores tinham fracassado? Em 1992, sendo que a diferença do que havia acontecido fazia 10 ou 15 anos, alguns postos de governadores estavam nas mãos dos partidos de oposição8. Dado que estava em jogo a proposta do Executivo Federal sobre a transferência de atribuições, os governos sub-nacionais puderam passar pela porta fechada e se manifestaram a favor da descentralização. Ainda que não tenha

7

Grindle (2004b)

8

Lehoucq et al. (2005)

sido suficiente para ajustar a iniciativa a todas as suas preferências, foi suficiente para modificar ligeiramente o equilíbrio e conseguir maior apoio para a noção de que era a hora de corrigir os excessos da centralização e possibilitar uma melhor prestação de contas e uma maior diversidade no sistema de educação.

A estrutura semicorporativista do sistema político mexicano desempenhou um papel direto para impedir que a iniciativa de política acabasse sendo debatida na rua. O SNTE também era parte do PRI, o partido que ocupava o poder. O presidente e o ministro da Educação eram personagens destacados do partido e o PRI tinha grande interesse na estabilidade política e em evitar que o conflito saísse das portas fechadas. Uma vez que se deixou que participassem os governadores e se subscreveu o acordo, o Congresso promulgou a correspondente reforma legislativa em uns poucos dias, e até emendou um artigo na Constituição.

Com respeito ao SNTE, apesar da proposta inicial por em perigo as políticas básicas, no final das contas estas não se modificaram. Cabe destacar que em escala nacional, o poder do sindicato se manteve intacto. As negociações salariais seguem realizando-se até hoje em dia, mediante reuniões dos representantes do SNTE na Cidade do México e representantes da Secretaria de Educação Pública (SEP). Além do mais, os mecanismos de acompanhamento (supervisão) e aplicação efetiva do processo de descentralização ficaram debilitados, deixando sem resolver detalhes de importância crítica relacionados com a descentralização dos mecanismos financeiros e a coordenação da política educacional entre os estados e o governo federal.

MÉXICO: INCENTIVOS E AVALIAÇÕES

DOCENTES

A iniciativa que derivou no ANMEB era parte de um programa para vincular a remuneração e as

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ascensões dos docentes ao seu desempenho. Foi uma mudança radical dado que jamais havia existido uma disposição deste tipo e que alterasse uma política básica. Embora o programa, que se denominou Carreira Magisterial, também tivesse por objetivo melhorar a capacitação do professorado9, o componente que pôde resultar mais conflituoso era o do pagamento por mérito. No mundo inteiro, os sindicatos docentes têm se oposto aos incentivos que vinculam a remuneração ao desempenho. México nos anos noventa não foi exceção. Em geral, os sindicatos docentes têm uma marcada preferência por aumentos salariais gerais que beneficiem a todos os seus membros. Dificilmente, pode sustentar-se que um aumento salarial que beneficie somente a um subconjunto de docentes seja o produto do esforço e das negociações do sindicato, o qual abre as portas para que os docentes concluam que suas remunerações não dependem principalmente do sindicato, mas sim de seu desempenho como profissionais, seja individualmente ou em conjunto.

Não obstante, é importante reconhecer que o desenho de um programa de incentivos eficiente está repleto de sérios problemas de representação. Não é fácil separar a contribuição dos distintos professores no processo de aprendizagem. Todavia, embora o ensino seja um insumo importante na aprendizagem, não é único, e o produto é difícil de quantificar, sobretudo a curto prazo. Neste sentido, a oposição dos sindicatos se fundamenta em argumentos

9 É provável que a capacitação dos professores,

sobretudo no emprego, tivesse sido a única política diretamente encaminhada para melhorar o ensino, objetivo em que as preferências dos sindicatos e do Poder Executivo estão plenamente alinhadas. Não é de se surpreender que durante muito tempo, e mais além dos seus benefícios intrínsecos, esta consideração tenha sido um dos componentes mais comuns nos planos de educação, os quais continuam se omitindo com relação a temas fundamentais como a capacitação antes do ingresso ao serviço, os incentivos, a outorga de licenças ou os mecanismos que regem o recrutamento e o ingresso na profissão.

econômicos e educacionais justificado que tem intensificado a oposição ao pagamento baseado no mérito10.

Além do mais, a prática muito difundida na América Latina de utilizar a massa salarial docente para exercer influência política, aumenta a desconfiança de qualquer regime que amplia o poder desregulamentado dos administradores com respeito aos salários do professorado. A estratégia do SNTE não foi opor-se ao componente de avaliação de desempenho da Carreira Magisterial, senão conseguir que, uma vez adotado, permanecesse sob seu controle e adquirisse características que não afetassem substancialmente as políticas básicas. Uma vez mais, as negociações se realizaram a portas fechadas. Nenhum dos atores com poder de veto tinha interesse em que surgisse um conflito aberto, já que o sindicato estava filiado ao PRI, e era precisamente o governo do PRI que queria efetuar as reformas. Em sua etapa inicial, em 1993, o programa Carreira Magisterial estabeleceu que o desempenho seria somente um dos vários critérios para determinar os aumentos salariais dos docentes, e designou ao desempenho uma ponderação de 35 pontos de uma escala de 100, sendo os critérios de antiguidade e formação acadêmica os que seguiriam tendo maior peso. Ainda que o peso relativo do desempenho tenha sido aumentado progressivamente desde então até agora, o programa é administrado por um comitê conjunto em que a SEP e o SNTE tem uma representação eqüitativa.

Ao longo dos anos, a Carreira Magisterial tem beneficiado a mais de 700.000 docentes. Em vista de sua enorme magnitude, e posto que outorga aumentos salariais permanentes no lugar de prêmios de uma só vez, se assemelha mais a um programa de benefícios sociais do que a um

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programa de incentivos propriamente dito. Até 2001, o governo federal designava um montante a cada estado e se recomendava ao governo estatal a tarefa de decidir quem seriam os premiados. Na prática, os governos estatais têm destinado o número máximo de prêmios que permitem os fundos, começando pelos docentes nos segmentos superiores da escala salarial. Em conseqüência, o limite que determina quem são os premiados e quem não, não tem constituído uma referência para o desempenho, senão que tem dependido da disponibilidade de fundos de cada estado em um exercício determinado. O controle considerável que exerce o SNTE sobre as administrações de educação estatais tem garantido que, na prática a implementação deste mecanismo esteja nas mãos do sindicato.

Ao generalizar estes episódios se observa que, no México, dado o extremo poder político do sindicato docente, a política educacional dita algumas características importantes do FTP mais amplo. O SNTE tem se convertido em um dos atores principais no Congresso e na maioria das negociações políticas de grande escala, inclusive nos âmbitos que vão mais além do tema da educação. Ao mesmo tempo, este episódio demonstra como as características mais gerais do PFP no México têm exercido influência na evolução dos conflitos no setor da Educação. Isto pode ser apreciado muito claramente na forma em que a estrutura coorporativa do sistema político incide na “seleção” do foro em que se debate o conflito.

Que o sindicato não tenha acudido a opinião pública pese ao caráter radical das propostas do Executivo guarda estreita relação com o fato de que o conflito era entre um governo do PRI e um sindicato do PRI, com preferências opostas em matéria de política educacional, mas com mútuo interesse na unidade do partido e a estabilidade política global. Também é possível que os

governadores da oposição recentemente eleitos modificaram ligeiramente a estratégia do SNTE a favor da aceitação e da tomada de controle do processo, evitando a recusa direta das reformas.

ARGENTINA: DESCENTRALIZAÇÃO

Em agosto de 1989, o governo de Carlos Menem anunciou que a descentralização seria o elemento central da política educacional. Em 1990 foi formulado um primeiro projeto de lei de descentralização, mas não foi objeto de debate no Congresso. A situação se modificou completamente quando houve a mudança do ministro da Fazenda em princípios de 1991. O Executivo considerou que a descentralização era uma forma de tirar do governo federal a responsabilidade de administrar o gasto em educação. Uma lei de 1991 dispôs que se transferiria a responsabilidade da educação secundaria aos governos provinciais; a educação primária havia sido transferida em 1977. Conforme essa lei, o governo federal não efetuaria transferências adicionais de recursos fiscais por montantes específicos às províncias, de modo que cada província teria que financiar o funcionamento do sistema educacional com recursos próprios. Os governadores e os sindicatos se opuseram imediatamente à proposta. Os governadores rejeitaram a idéia de se proceder a transferência de responsabilidades sem uma transferência correspondente de recursos. A Confederação de Trabalhadores da Educação da República Argentina, CTERA, reconheceu claramente a ameaça que a descentralização representava para seu poder nacional de negociação (por certo muito menor que o do SNTE no México). Entretanto, foi incapaz de mobilizar uma oposição coerente ante um governo que estava no topo de sua popularidade devido ao êxito recente do Plano de Convertibilidade. No final, a única modificação

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significativa da proposta original de descentralização foi garantir um nível mínimo de contribuições federais para o gasto em educação das províncias.

O processo de descentralização culminou com a lei de 1993. Novamente, o Executivo tomou a iniciativa, e desta vez o projeto de lei enviado ao Congresso, ameaçava modificar várias políticas básicas. A CTERA, agora mais forte, conseguiu neutralizar estas propostas. Apesar da nova lei ter sido promulgada, toda menção de autonomia para as escolas havia sido eliminada, de direitos de matrícula ou da ênfase na educação privada. Os governadores se somaram a coalizão contra a proposta.

O fórum em que foi tramitado o conflito viu-se claramente afetado pelas características do processo mais amplo de formulação de políticas do país11. Os estreitos vínculos entre os governadores e os senadores que haviam criado as regras eleitorais, induziram aos senadores iniciar uma contraproposta totalmente contrária a do Executivo. A partir de então – o que é pouco usual na formulação da política educacional – o Congresso se transformou no principal fórum de negociação até aprovar-se um projeto conciliatório em que não se atacavam às políticas básicas. As províncias também ficaram de acordo com as garantias de inversão, e com o sólido mandato que estipulava a lei para ativar o Conselho Federal de Educação e seus homólogos provinciais considerariam conjuntamente as principais decisões com respeito ao sistema educacional.

Depois de 1993, as escolas argentinas estiveram nas mãos dos estados provinciais que administraram e sufragaram as operações diárias e pagavam os salários do professorado. O ministério federal continuava com a responsabilidade das avaliações, o desenho dos

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Spiller, Stein e Tommasi (2003).

planos de estudo, e a inversão em grandes projetos de infra-estrutura. Não obstante, grande parte dos fundos das províncias procedia das transferências diretas que gerava o ingresso tributário federal, o qual criava consideráveis desequilíbrios fiscais12. A estrutura do sistema educacional e dos programas de estudo modificaram-se consideravelmente. As reformas estruturais e a adoção de novos materiais educacionais passaram a ser responsabilidade dos ministérios provinciais de educação.

Ainda assim, este deslocamento de atribuições para as províncias trouxe consigo uma maior atividade sindical no nível provincial. Ao iniciar-se a etapa de implementação e durante mais de meia década, o fórum mais ativo de formulação da política educacional na Argentina passou a ser a rua. Devido à veemente oposição à descentralização da CTERA sustentada em muitos argumentos, alguns ideológicos, os sindicatos docentes provinciais recusaram vigorosamente a implementação das leis de 1991 e 1993. Os sindicatos provinciais atrasaram, colocaram obstáculos ou impediram de por em prática as disposições mais básicas da nova legislação. No final da década, o resultado foi todo um mosaico de estruturas, desde províncias que haviam implementado a lei por completo a as que haviam se abstido de tudo13.

ARGENTINA: INCENTIVOS DOCENTES

SOMENTE DE NOME

Ao chegar no final da década, havia se intensificado o descontento trabalhista dos docentes. Ainda que impulsionado em parte pela oposição à descentralização, o principal fator determinante do descontento foi a crise fiscal das províncias. As desacelerações econômicas de 1995 e 1999 prejudicaram a capacidade das províncias para manter-se a par do aumento das

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Tommasi (2002)

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matrículas, dando lugar a todo tipo de medidas para reduzir os salários e inclusive pagar-los14 . Isto provocou greves e foram perdidos muitos dias de aula.

O Executivo Nacional sustentou que os salários eram responsabilidade provincial e que o governo federal estava cumprindo com seu compromisso de realizar grandes inversões em infra-estrutura e programas sociais para apoiar as províncias. Embora seus argumentos fossem em teoria corretos, a opinião do Executivo foi insuficiente para evitar manifestações de rua ou que o assunto passasse à cena nacional. Em abril de 1997, grupos de docentes, com o respaldo da CTERA, iniciaram uma manifestação pública em frente ao Congresso Nacional, e instalaram uma tenda branca na qual permaneceram fazendo vigília por turnos, e anunciaram que não sairiam de lá até que se resolvessem suas reivindicações salariais. A tenda branca conseguiu criar e exercer pressão política sobre o Executivo e contou com um respaldo público amplo. O Ministério da Educação terminou distanciando-se da posição oficial do Ministério da Economia, e no final de 1997 declarou publicamente que os docentes estavam mal remunerados15.

Em pouco tempo foi formulada uma proposta de política para estabelecer o Fundo Nacional de Incentivo Docente (FONID). Anos atrás, o ministério havia estudado a idéia de criar algum tipo de mecanismo para premiar o desempenho através de um fundo especial que o governo federal transferiria às províncias.

Uma vez lançada a campanha da tenda branca, os sindicatos e as províncias intensificaram sua pressão sobre o Governo Federal para que se fizesse algo com a remuneração dos docentes. O Ministério da Educação propôs complementar o salário que pagavam os governos provinciais.

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Kweitel et al. (2003)

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Corrales (2004)

Depois de um breve debate no Conselho Federal de Educação, em que participaram a CTERA e outros grêmios docentes destacados, foi criado o FONID em virtude de uma lei promulgada no final de 1998. Nessa época já nem se mencionava a idéia de vincular salários ao desempenho. As províncias receberam grandes transferências que deveriam distribuir aos docentes eqüitativamente, a título de benefício, para complementar seus salários regulares. Devido à sua magnitude era difícil que o Ministério da Fazenda aprovasse essas transferências. Ao final, ficou acordado que o FONID seria financiado com a receita de um novo imposto automotor, episódio que demonstra o alcance do poder dos atores que formulam a política educacional.

Este poder resultou em ter limites, embora, quando o Executivo confrontado com a possibilidade de iminentes manifestações no setor de transporte, eliminou o imposto. Em 1999, o novo governo de Fernando de la Rua assume o poder e consegue convencer a CTERA de por fim na campanha “tenda branca” – depois de 1003 dias – em troca do compromisso do Executivo de financiar o programa de incentivos com fundos do pressuposto geral durante um mínimo de dois anos.

O resultado de todo este episódio não foi que se eliminasse ou que se reduzisse o FONID, mas sim que o governo federal terminasse se comprometendo a custear um novo programa de benefícios aos docentes. A necessidade de financiar o FONID tem tido, e continua tendo, dois efeitos: tem criado um perigo endêmico para a situação fiscal global do governo central e tem gerado distorções consideráveis no gasto em educação, já que o governo federal tem tido que recortar a inversão em âmbitos como a infraestrutura e a capacitação docente. Ao criar este fundo, o governo federal aceitou o princípio de que os salários dos docentes eram

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responsabilidade compartilhada das províncias e do governo nacional, com o qual se abandonou um dos pilares do processo de descentralização do princípio da década.

Os mecanismos financeiros acordados depois de 1991 não puderam suportar os efeitos das desacelerações econômicas. Apenas se atrasavam as transferências fiscais do governo federal às províncias, a situação à priori das mesmas, que destinavam 25% de seus recursos a educação, começava a deteriorar-se, em alguns casos, até a beira do colapso16.

Desde o ponto de vista econômico, o resultado mais importante da combinação, por um lado, de um processo de descentralização caracterizado por distorções fiscais e, por outro, a miopia com que se fez frente ao descontentamento trabalhista, foi que surgiram conflitos entre o Executivo e os sindicatos cada vez que os pagamentos não se efetuavam nos prazos estabelecidos. As diferenças com relação ao FONID: como calcular, como distribuir, como re-autorizar e financiar tem se convertido em uma das principais inquietudes na formulação de políticas na Argentina. Trata-se de um exemplo patente de um processo de formulação da política educacional que se excede, criando conflitos e distorções para a formulação das políticas nacionais.

BRASIL: ESTRATÉGIA PARA NORMALIZAR (ALINHAR) A DESCENTRALIZAÇÃO

O sistema educacional do Brasil tinha sido objeto de uma descentralização considerável ao longo de várias décadas quando assumiu o poder o governo de Fernando Henrique Cardoso em 1995. Naquela época, o deficiente desempenho educacional do país começava a chamar a atenção da elite interessada em modernizar o país, e reformar a economia e o setor público. O sistema educacional se caracterizava por

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Tommasi (2002)

pronunciadas desigualdades regionais e um sistema de influência política generalizado, fatores que constituíam grandes obstáculos para aplicar um programa sério voltado para a melhoraria da equidade e da qualidade da educação.

O governo Cardoso articulou uma equipe de tecnocratas encabeçado pelo ministro da Educação, que se propôs a transferir programas específicos aos Estados e municípios e, aumentar a capacidade do ministério Federal para poder desenhar e gerir com eficácia o que se tornaria um ambicioso programa de reforma. A pedra fundamental da reforma foi a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), que redefiniu a organização e o financiamento da educação descentralizada no Brasil junto com duas medidas educacionais de grande alcance que o Congresso aprovou no final de 1996.

O Fundef teve pouco a ver com a quantidade de recursos destinada à educação e teve muito que ver com a distribuição dos recursos disponíveis. De fato, se considerou a reforma do financiamento como requisito para empreender uma reforma mais ambiciosa. Apesar da Constituição dispor que os Estados e os municípios deveriam gastar 25% da receita em educação, esta cifra variava muito significativamente com relação ao gasto por aluno. Os salários e a capacitação docente não estavam sujeitos à regulamentação, o qual criava grandes distorções entre uma região e outra, e nos distintos níveis de governo. Era mínima a correspondência entre a co-participação entre a receita tributária dos Estados e dos municípios, e o compartilhamento da responsabilidade oferecer benefícios educacionais.

O FUNDEF se propôs a fazer frente a estes problemas fixando no âmbito nacional um gasto mínimo por aluno (no ensino fundamental), independentemente da estrutura de governo

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(dependência) da escola (estadual ou municipal). Se o Estado não pudesse satisfazer este mínimo, o Governo Federal estava obrigado a aportar a diferença. A criação do FUNDEF foi possivelmente uma das reformas educacionais de maior alcance na América Latina nos anos noventa, porquê conseguiu igualar e estabilizar o gasto nas escolas de ensino fundamental do país, e criar incentivos para que os governos sub-nacionais incluíssem crianças ao invés de excluí-las.

Entre 1998 e 2000, o gasto anual por aluno incrementou-se significativamente em todo o país e a taxa de matrícula registrou um forte incremento17.

Além disso, aumentou o número de alunos que continuavam no nível secundário, permitindo uma expansão considerável deste nível educacional. O FUNDEF também teve um importante efeito redistributivo. Permitiu redistribuir eficazmente os recursos que se destinavam a escolas estaduais relativamente prósperas até as escolas municipais mais pobres. Dado que os estados que não cumpriam com as normas mínimas recebiam recursos federais compensatórios, foram reduzidas as desigualdades entre um estado e outro, e os salários dos docentes aumentaram. Como foi possível formular e implementar uma reforma deste alcance, sobretudo, considerando-se o fato de que a criação do FUNDEF exigia uma reforma constitucional? Em primeiro lugar, a reforma do governo Cardoso não incidiu diretamente em nenhuma política básica. A estabilidade no emprego, as normas de contratação e demissão, a sindicalização e a participação público-privado não se viram alteradas nem pelo FUNDEF, nem pela nova legislação sobre educação. As únicas disposições que afetaram os interesses dos docentes se alinharam completamente com as preferências

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Draibe (2004)

dos sindicatos estatais: intensificar a capacitação e aumentar os salários.

Em segundo lugar, o Brasil é o único entre os países da América Latina que carece de um sindicato docente de peso político significativo em nível nacional. O sindicalismo docente segue vivo e ativo no nível estadual, mas o governo federal não faz frente a organizações do calibre do SNTE, a CTERA ou o Fecode na Colômbia.

Não obstante, a promulgação no Congresso da lei que criou o FUNDEF em menos de duas semanas pode atribuir-se, em grande parte, a certas características gerais do PFP do Brasil. Nesse sentido, cabe destacar o poder da presidência vis-a-vis a Câmara Legislativa18. Diferentemente da Argentina, do Chile ou do México, os partidos políticos do Brasil estão relativamente fragmentados e sua composição e lealdades no Congresso são fluídas. Mais além dessa caracterização, o poder de veto por etapas permite ao presidente conseguir o respaldo dos legisladores dos partidos muitos distintos do seu. Graças a este poder de veto, pode conseguir ou negar recursos para investir em projetos públicos de distritos eleitorais que incidem de forma crítica nas probabilidades de re-eleição dos membros. No Brasil, ao contrário do que acontece na Argentina, essa faculdade tende a suplantar o controle dos governadores e de outros atores regionais para nomear candidatos aos escalões do Congresso. Em conseqüência disso, tem-se dado o curioso caso extremo de que a reforma constitucional seja relativamente fácil, característica distinta do PFP no Brasil.

A proposta do governo de criar o FUNDEF estava em conflito com algumas preferências dos governadores, concretamente, a de tirar dos governos estaduais uma considerável margem de poder que não estava regulamentado. Os estados

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economicamente mais desenvolvidos poderiam se ver obrigados a reduzir os fundos para o gasto prioritário - a educação secundária -, tanto que as jurisdições mais pobres se veriam obrigadas a prover um nível de educação primária que antes não haviam estado dispostos a oferecer, ou que não podiam financiar19.

Entretanto, a proposta além de não ser objetivo de uma oposição dissociável dos sindicatos, não desencadeará conflitos com outros governadores antes de se adotar a proposta que já havia sido apresentado ao Congresso apenas duas semanas antes.

O executivo obteve apoio inicial dos atores regionais importantes em matéria de educação, o CONSED (Conselho Nacional de Secretarias de Educação) e a UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), que contribuíram para neutralizar a oposição dos governadores.

Foi estipulado que o FUNDEF iniciaria suas operações em princípios de 1998. Em 1997, houve manifestações de rua devido à oposição sindical nos estados como São Paulo e a querelas de câmaras legislativas e governadores estaduais com respeito às repercussões do fundo.

É significativo que estas nunca se materializaram nem deram lugar a uma resistência das bases por parte da burocracia de rua. Por conseguinte, a etapa de implementação pode seguir adiante sem problemas.

Atualmente, existe um amplo consenso no Brasil sobre os méritos do FUNDEF. Tem conseguido melhorar consideravelmente a coordenação da política educacional entre os níveis de governo, e a conseqüente lei de educação. O episódio que levou ao estabelecimento deste fundo pareceria ser o contra-exemplo de políticas educacionais que são fáceis de implementar, e um caso de

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Draibe (2004)

política educacional orientada ao interesse público para incrementar o bem estar. Entretanto, como já se explicou, este resultado é atribuível, em grande parte à conjugação, por um lado, características particulares do entorno geral de formulação de políticas, em que emendar a constituição é “fácil”, e por outro, o fato de que o processo de formulação da política educacional precisa de um sindicato docente organizado no nível nacional. Também, inclusive neste caso de reforma “fácil”, a estratégia do Executivo criou uma importante fonte de rigidez no sistema: a impossibilidade de uma regra fixa sobre o extenso e imensamente variável regime fiscal e educacional dos estados do Brasil. Além disso, esta reforma, a primeira do seu gênero, preparada justamente desde o ponto de vista técnico e político, e enviada sem demora ao Congresso, deixou a oposição “surpreendida” e com pouco tempo para reagir. Em compensação, os planos do governo Lula para criar um novo Fundef para a educação secundária e pré-escolar enfrentam uma resistência muito maior, precisamente porque os governos estaduais agora são conscientes das possíveis repercussões que estas medidas possam ter sobre seu poder arbitrário para efetuar gastos.

CHILE: EXCEÇÃO À REGRA? A CRIAÇÃO DE INCENTIVOS DOCENTES

Em 1996 o governo chileno conseguiu adotar um regime nacional de incentivos para os docentes denominado Sistema Nacional de Avaliação de Desempenho (SNED). Apesar do sindicato dos docentes ter se oposto a este regime desde o início, no final das contas não conseguiu bloqueá-lo. Cabe destacar que esta é a única exceção significativa à regra de que as políticas básicas dos sistemas educacionais na América Latina não mudam por estarem estreitamente alinhadas com os interesses dos sindicatos dos docentes. O Chile conta com um sindicato de docentes no nível nacional (o Colégio de Professores do Chile).

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Este organismo é um dos principais atores na política educacionais, como costuma ser típico na região. Grande parte do PFP gira em torno das negociações em que os únicos participantes são o Executivo e os líderes sindicais. Em termos gerais, o sindicato tem-se oposto à política educacional de caráter ativista e reformista que tem sido formulada pelo Executivo durante a última década e meia, grande parte da qual tem-se centrado em melhorar a qualidade e a eficiência da educação do país.

A causa original do antagonismo de longa data que surgiu entre o sindicato e o Executivo, uma vez re-estabelecida a ordem democrática em 1990, foi a decisão adotada ao princípio da coalizão de governo (a “Concertación Democrática) para preservar duas características básicas da reforma educacional iniciada pela antiga ditadura: a transferência da administração das escolas públicas aos municípios e o sistema de bônus educacionais que permitiu ampliar radicalmente a participação de estabelecimentos privados no mercado nos anos oitenta.

Ao mesmo tempo, o novo governo democrático adotou a decisão igualmente chave de restituir o estatuto docente, o regime de trabalho especial abolido pelo governo autoritário. Esta medida foi muito bem recebida pelo sindicato e seus integrantes. Com isto, lhes outorgavam o tempo de serviço, o status e os vencimentos que haviam perdido quando seus contratos de trabalho ficaram sob a jurisdição da legislação trabalhista geral do regime de Pinochet. De importância crítica, este estatuto re-estabeleceu o poder de negociação em nível nacional nas negociações salariais com o Executivo20.

20 O primeiro ministro da educação depois da ditadura,

Ricardo Lagos, reconheceu abertamente que esta medida foi um elemento importante de concessão política entre os sindicatos e o Executivo:” Eu privilegiei o setor dos professores porque eles estavam preocupados com o Estatuto Docente. O Estatuto dos Profissionais da Educação, como outras expressões da política educacional da “Concertación Democrática”,

A decisão não deixou de ser polêmica. Desde o ponto de vista de muitos na oposição e inclusive dentro dos partidos políticos da “Concertación”, deteriorava-se uma característica chave do modelo que tinha por objetivo reforçar os incentivos do desempenho docente. Mais importante ainda, ameaçava quebrar a capacidade das municipalidades para manter o equilíbrio fiscal ao obrigá-los a assumir compromissos por remunerações que não estavam respaldadas por recursos próprios21. Do ponto de vista de formulação de políticas, entretanto, marcou o começo de uma contínua série de medidas adotadas pelo Executivo que permitiram consolidar a confiança e a previsibilidade de suas relações com o sindicato. Visto que é precisamente esta falta de confiança mútua que caracteriza a formulação da política educacional na região, não se pode subestimar a transcendência desta decisão. Vários anos depois isto foi fundamental para garantir a viabilidade política do SNED.

A consolidação da confiança estabeleceu as bases para evitar um conflito aberto, característica distinta da formulação da política educacional no Chile desde 1990. Re-estabelecer a confiança trouxe consigo outros resultados importantes que vão muito mais além da restauração do estatuto docente:

• Cabe destacar o aumento duradouro das remunerações dos docentes imediatamente depois de se re-estabelecer a democracia, que ainda continua depois de se adotar o SNED. Esta

representou um apropriado equilíbrio entre continuidade e mudança” (Espínola e de Moura Castro, 1999, p.46).

21 A adoção do estatuto deu lugar a insuficiência fiscal

previstas em muitas municipalidades, e no final obrigou o governo nacional a bonificar as remunerações dos docentes, o que afundou ainda mais o sistema de bônus educacionais. Depois, a partir de 1995, se aplicaram algumas medidas corretivas. Ver Angell, Lowden e Thorp (2001) para uma análise mais detalhada do desenvolvimento político desta etapa da formulação da política educacional no Chile.

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tendência de constante aumento à longo prazo das remunerações dos docentes não tem precedentes em nenhum outro país da região. Entre 1990 e 1997, os salários dos docentes chilenos aumentaram à uma taxa quatro vezes maior que a taxa média de aumento dos salários dos trabalhadores do setor privado, superando com vantagens a taxa de aumento de outros empregados do setor público22.

• Em termos mais gerais, muitos dos programas educacionais criados pelo Executivo a partir de 1990 tiveram por objetivo reforçar os conhecimentos especializados e as condições de trabalho dos docentes, e destacar o prestígio social da profissão.

• Além disso, ainda que grande parte da política educacional do Chile tenha se centrado na qualidade, ao mesmo tempo, se registrou uma considerável expansão. A taxa de matrícula na educação secundária aumentou rapidamente. Como conseqüência de vários programas novos baseados em um “uso mais intensivo dos recursos docentes”, foi necessário contratar mais docentes por estudante, o que causou um aumento de 10% da força de trabalho docente no começo dos anos noventa. Como já se assinalou, o aumento dos salários e a criação de mais postos de trabalho são âmbitos em que as preferências dos sindicatos e do Executivo estão alinhadas23. Em que pese as melhorias nas condições dos docentes, os sindicatos continuaram recusando muitas reformas desenhadas para melhorar a qualidade. Entretanto, entre março de 1990 e

22

Mizala et al. (2002).

23

Esta política expansiva se sustentou no gasto público em educação, que também cresceu nos anos noventa. Aconteceu o mesmo com o financiamento privado para a educação, o qual não deixa de ser uma consideração significativa dado que a proporção de escolas privadas na educação primária e secundária no Chile é extremamente alta: quase cerca de 40% das matrículas. A prosperidade da economia chilena durante este período constituiu o melhor requisito econômico possível para que se desse e se mantivesse essa expansão.

março de 2001, as greves causaram somente a perda de 26 dias de aula; foram poucos os casos em que a rua se transformou no cenário do conflito24. A oposição dos sindicatos se manifestou em declarações públicas dos líderes sindicais e nos intensos debates celebrados durante as negociações contratuais com o Executivo, ainda que sempre com um grau considerável de cooperação.

Esta combinação de oposição e cooperação se fez evidente durante o estabelecimento do SNED. A proposta foi formulada em 1996, sob o endosso de todos os partidos políticos do Acordo Marco para a Modernização da Educação Chilena, um enfoque pioneiro preparado pela Comissão para a Modernização da Educação que o Presidente Eduardo Frei (filho) havia nomeado um ano antes. O informe criou um consenso político generalizado sobre a prioridade que o setor público e o setor privado deveriam atribuir ao desenvolvimento educacional na sociedade chilena. Entre as prioridades de uma lista muito breve, o informe estabeleceu a necessidade de fortalecer a profissão docente.

A Comissão publicou seu informe depois de celebrar extensas consultas com representantes de todo o espectro político. É significativo que o sindicato dos docentes tenha sido resistente em participar na etapa de consultas, embora no final tenha endossado o informe. As fortes pressões que sentiram os líderes sindicais para não se isolarem do restante das forças políticas motivaram este respaldo25.

Neste contexto de sólido respaldo presidencial e multipartidário, o ministério iniciou negociações com o sindicato. O que estava em jogo desde o começo era o aumento salarial que havia se tornado um tramite a mais das negociações contratuais. Não obstante, o Executivo ofereceu

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Cox (2003)

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muito mais que um aumento salarial. Em contrapartida, exigiu concessões substanciais do sindicato. Para o sindicato, ficou impossível recusá-las. Primeiro, o Executivo exigiu certo grau de flexibilidade sobre algumas características do estatuto docente aprovado em 1991, desenhadas para dar às municipalidades uma margem de manobra no planejamento e administração de seus pressupostos educacionais. Cabe assinalar que isto significava dar marcha à ré à proteção total de postos de trabalho vigente em virtude do estatuto de 1991. Segundo, foram estabelecidos aumentos salariais por mérito.

É notável que depois tenha sido criado o SNED com a aceitação resistente do Colégio de Professores. O sistema segue vigente. Segundo pesquisas de opinião pública, uma vez que os docentes tenham passado pelo sistema, eles se tornam mais receptivos à legitimidade de algum tipo de avaliação de desempenho. A confiança incutida no sistema educacional por meio da ampla série de políticas aplicadas nos seis anos precedentes, e o consenso político generalizado das reformas de peso significativo, deram frutos. Durante este processo, o sindicato ficou relegado a exercer uma oposição oral, com a qual corria o risco de ficar politicamente isolado. Mesmo assim, a medida que os docentes foram detectando melhorias tangíveis em suas condições de vida e trabalho, a contínua oposição dos líderes sindicais poderia ter alienado os dirigentes das bases do sindicato26.

Vários fatores adicionais também foram importantes. Do ponto de vista técnico, a proposta que o governo chileno formulou para vincular as

26 Segundo pesquisas de opinião realizadas nesta

época, o respaldo a favor da reforma educacional foi significativo entre os diretores da escola (Nunez, 2003). Isto parece respaldar a observação de vários ministros da educação desse período que afirmaram que sua capacidade para estabelecer um diálogo direto entre o ministério e a base sindical, e não através de seus líderes, foi uma das chaves do êxito da reforma (Espínola e De Moura Castro 1999);

remunerações ao mérito foram um sinal de que as autoridades estavam minimamente conscientes dos graves problemas de contratação que impediam a adoção de incentivos de desempenho eficazes27.

O segundo fator tem a ver com as características gerais que o PFP adquiriu desde o re-estabelecimento da democracia. O PFP chileno confere à Presidência faculdades extraordinárias para estabelecer o programa de trabalho, mas muitos atores contam com o poder de veto, como conseqüência disso as políticas são objetos de negociações prolongadas e concessões antes de serem promulgadas28. Entretanto, uma vez que estas políticas entram em vigência, o PFP chileno tende a gerar mecanismos muito estáveis e de credibilidade. Esta estabilidade, por sua vez, se transforma em um mecanismo chave para negociar acordos à longo prazo. A colocação em prática destes acordos é vista de forma facilitada pela institucionalização dos partidos políticos. Em um contexto desse tipo, a formulação da política educacional se destaca pelas inversões específicas ao setor efetuadas para re-configurar um entorno político em que o Executivo e o sindicato consigam subscrever acordos complexos intertemporais que afetam as políticas básicas. Também deve se considerar como parte integral de um PFP mais amplo que tem criado um entorno propício para o desenvolvimento de políticas baseadas na confiança. Houve grandes diferenças de opinião entre o sindicato e o Executivo durante o período extraordinário das reformas. O PFP do setor refletiu o processo de formulação de políticas nacionais mais amplo ao permitir que essas diferenças fossem resolvidas de forma construtiva mediante políticas estáveis e orientadas ao interesse público.

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Delannoy (2000) e Navarro (2002).

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