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CADERNO de resumos das MONOGRAFIAS de bacharelado e PROGRAMAÇÃO das apresentações

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Academic year: 2021

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(1)

Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento de História

Curso de Graduação em História (Licenciatura e Bacharelado)

CADERNO de resumos das

MONOGRAFIAS de bacharelado e

PROGRAMAÇÃO das apresentações

Organização: Fernanda Matos (DEHIS/UFPR)

(2)

Banca 1 – História, gênero e raça Terça-feira, dia 07 de dezembro de 2010 Das 13:30 às 16:00 horas – Anfiteatro 600

Examinadores: Prof. Dr. José Roberto Braga Portella e Profa. Dra. Roseli Boschilia Suplente: Profa. Dra. Helenice Rodrigues da Silva

COLISEU: A ARQUELOGIA NA RECONSTRUÇÃO DO PASSADO A PARTIR DAS PINTURAS DE JEAN-LÉON GÉRÔME

Aluna: Fabrícia Minetto

Orientadora: Profa. Dra. Renata Senna Garraffoni

PUERICULTURA NAS PÁGINAS DO JORNAL EM CURITIBA ENTRE A VIRADA DO SÉCULO XIX E A DÉCADA DE 1930

Aluna: Kerolyn Daiane Teixeira

Orientadora: Profa. Dra. Ana Paula Vosne Martins

TRATADOS DE AMOR: UMA ANÁLISE DAS OBRAS DE PIETRO BEMBO (1505) E DE TULLIA D’ARAGONA (1547) NA TRADIÇÃO FILOGRÁFICA DO RENASCIMENTO ITALIANO

Aluna: Juliana Horstmann Amorim

Orientadora: Profa. Dra. Ana Paula Vosne Martins

DE COMO SE FAZ UM HOMEM: OS DISCURSOS CONSTITUINTES DA MASCULINIDADE NA MODERNIZAÇÃO CURITIBANA

Aluno: Fernando Bagiotto Botton

Orientadora: Prof. Dra. Ana Paula Vosne Martins

O COMPADRIO ESCRAVO NA FREGUESIA DE PALMEIRA: PERSPECTIVAS E TRAJETÓRIAS (1831-1850)

Aluna: Monique Alessandra Seidel

Orientadora: Profa. Dra. Martha Daisson Hameister

MEN OF COLOR, TO ARMS!: AS TROPAS NEGRAS NA GUERRA CIVIL AMERICANA (1861-1865)

Aluna: Lara Taline dos Santos

(3)

Banca 2 – História, política e sociedade Terça-feira, dia 07 de dezembro de 2010 Das 16:30 às 19:00 horas – Anfiteatro 600

Examinadores: Prof. Dr. Carlos Roberto Antunes dos Santos e Prof. Dr. Sérgio Odilon Nadalin Suplente: Profa. Dra. Martha Daisson Hameister

GUERRA DO PARAGUAI: PECULIARIDADES DO RECRUTAMENTO

Aluno: Luis Cláudio Batista

Orientador: Prof. Dr. Dennison de Oliveira

EXPECTATIVAS, ETNICIDADE E SIMBOLOGIA: O CASO DA “GUERRA DO PENTE”

Aluno: João Bosco Borges

Orientador: Prof. Dr. Dennison de Oliveira

OS ATOS INSTITUCIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE RECRUDESCIMENTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA ENTRE 1964 E 1968

Aluno: Fernando de Oliveira Sikorski Orientador: Prof. Dr. Dennison de Oliveira

MOVIMENTO SOCIAL NO MEIO NEGRO DURANTE O REGIME MILITAR BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1970

Aluno: Thiago Henrique Felício

Orientadora: Profa. Dra. Marionilde Dias Brepohl Magalhães

APRENDENDO A LIBERDADE: ESCRAVOS, LIBERTOS, INGÊNUOS E INSTRUÇÃO FORMAL – PARANÁ, SEGUNDA

METADE DO SÉCULO XIX

Aluna: Noemi Santos da Silva

Orientadora: Profa. Dra. Joseli Maria Nunes Mendonça

ÓPIO TROPICAL: A CANNABIS E A QUESTÃO DAS DROGAS NO BRASIL

Aluno: André Melo Pesqueira

(4)

Banca 3 – História e Indústria Cultural Quarta-feira, 08 de dezembro de 2010 Das 13:30 às 16:00 horas – Anfiteatro 600

Examinadores: Prof. Dra. Magnus Roberto de Mello Pereira e Profa. Dra. Maria Luiza Andreazza Suplente: Prof. Dr. Dennison Oliveira

JOVEM GUARDA E INDÚSTRIA CULTURAL EM CURITIBA NOS ANOS 1960

Aluno: Felipe Cavalcanti Zibetti de Souza Orientador: Prof. Dr. Renato Lopes Leite

O FINO DA BOSSA: TRADIÇÃO E MODERNIDADE NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA (1965-1967)

Aluna: Andrea Maria Vizzotto Alcântara Lopes Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Ribeiro

SOB O OLHAR DA CRÍTICA: A TRILOGIA DOS DÓLARES DE SERGIO LEONE E SUA RECEPÇÃO PELA CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA BRASILEIRA ENTRE 1964 E 1968

Aluno: Fabio A. Ferreira

Orientador: Prof. Dr. Renato Lopes Leite

RACISMO EM MARIO FILHO: UMA ANÁLISE DA OBRA O NEGRO NO FUTEBOL BRASILEIRO A PARTIR DA QUESTÃO RACIAL NO FUTEBOL

Aluna: Fernanda Ribeiro Haag

Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Ribeiro

DEUS É 10, ROMÁRIO É 11: UM ESTUDO SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UM HERÓI ESPORTIVO NAS PÁGINAS DA VEJA EM 1993 E 1994

Aluno: Rodrigo do Nascimento

Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Ribeiro

DESAFIO PARA MANUTENÇÃO DA IDENTIDADE BATISTA REGULAR NO BRASIL

Aluno: Clauder Pereira Maciel

(5)

Banca 4 – História e Literatura Quarta-feira, 08 de dezembro de 2010 Das 16:30 às 19:00 horas – Anfiteatro 600

Examinadores: Profa. Dra. Karina Kosicki Bellotti e Profa. Dra. Rosane Kaminski Suplente: Profa. Dra. Roseli Boschilia

A SOCIEDADE PORTUGUESA DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII - DÁDIVA E HIERARQUIA NOS TEXTOS TEATRAIS DA ÉPOCA

Aluno: Pedro Henrique Carrilho Ferreira

Orientador: Prof. Dr. Magnus Roberto de Mello Pereira

AS APROPRIAÇÕES DA OBRA DE GABRIEL SOARES DE SOUZA NO DISCURSO DE GILBERTO FREYRE

Aluno: Fabrício Meira de Oliveira

Orientador: Prof. Dr. Magnus Roberto de Mello Pereira

BAUDELAIRE: UM CRÍTICO DE ARTE

Aluna: Franciele do Couto Grabowski

Orientador: Prof. Dr. José Roberto Braga Portella

A LITERATURA COMO OBJETO DE REFLEXÃO POLÍTICA: OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO DE ERICO VERISSIMO (1937)

Aluna: Camila Arantes da Silva

Orientador: Prof. Dr. José Roberto Braga Portella

SADE: LUZES E SOMBRAS

Aluno: Daniel Verginelli Galantin

Orientador: Prof. Dr. José Roberto Braga Portella

LITERATURA E POLÍTICA: SÃO BERNARDO E AS DISCUSSÕES DA DÉCADA DE 1930 NO BRASIL

Aluna: Andressa Marzani

(6)

Banca 5 – História, imigração e identidade Quinta-feira, 09 de dezembro de 2010 Das 13:30 às 16:00 horas – Anfiteatro 600

Examinadores: Prof. Dr. Antonio César de Almeida Santos e Prof. Dr. Pedro Plaza Pinto Suplente: Profa. Dra. Andréa Doré

DOS ALPES À SERRA DO MAR: A COLONIZAÇÃO SUÍÇA DE SUPERAGUI SOB INSPIRAÇÃO DO SISTEMA DE PARCERIA

Aluno: Caiubi Martins Dysarz

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Odilon Nadalin

IMIGRAÇÃO NA DÉCADA DE 1830: DEBATES NO SENADO BRASILEIRO

Aluna: Roberta Vicente Montanha Teixeira

Orientadora: Prof. Dra. Joseli Maria Nunes Mendonça

COLONIZAÇÃO EM ASSUNGUY: A EXPERIÊNCIA DO COLONO NACIONAL ENTRE 1860 E 1870

Aluno: Edrielton dos Santos Garcia

Orientadora: Profa. Dra. Joseli Maria Nunes Mendonça

EM BUSCA DE MODERNIZAÇÃO: O LEGADO DO ARQUITETO DONAT ALFRED AGACHE PARA A CIDADE DE CURITIBA

Aluna: Janelize Marcelle Diok Rodrigues Orientador: Prof. Dr. Dennison de Oliveira

POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E A CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO DE HISTÓRIA: A TEORIA E A PRÁTICA NO MUNICÍPIO DE ALMIRANTE TAMANDARÉ ENTRE 2007 E 2010

Aluna: Kelly Terezinha Rossa

Orientador: Prof. Dr. Dennison de Oliveira

O OLHAR DA HISTÓRIA EM QUADRINHOS O GRALHA SOBRE CURITIBA (1997 A 2001)

Aluna: Paula Carolina Tincani Osório

(7)

Banca 6 – História, poder e representações Quinta-feira, 09 de dezembro de 2010 Das 16:30 às 19:00 horas – Anfiteatro 600

Examinadores: Prof. Dr. Luiz Geraldo Silva e Prof. Dr. Renan Frigueto Suplente: Profa. Dra. Renata Senna Garrafoni

WARFARE AND WISDOM - AS BASES LEGITIMADORAS DA MONARQUIA ANGLO-SAXÃ SOB ALFREDO, O GRANDE (871-899)

Aluna: Monah Nascimento Pereira

Orientadora: Profa. Dra. Fátima Regina Fernandes

SIR GAWAIN, MAIS APEGADO À VIDA DO QUE À TÁVOLA – O QUE O HERÓI NOS REVELA SOBRE A CAVALARIA NO CONTEXTO DA GUERRA DOS CEM ANOS?

Aluna: Gilvana Helena Carneiro da Silva

Orientadora: Profa. Dra. Marcella Lopes Guimarães

ESTRADAS E HOMENS: UM RETRATO DA PEREGRINAÇÃO A SANTIAGO DE COMPOSTELA ATRAVÉS DO CÓDEX

CALIXTINUS

Aluno: Felipe Vieira Filippetto

Orientadora: Prof. Dra. Marcella Lopes Guimarães

O ESCÁRNIO DE AFONSO X: OS SENTIMENTOS DE UM REI NAS CANTIGAS MEDIEVAIS

Aluna: Nayara Elisa de Moraes Aguiar

Orientadora: Profa. Dra. Marcella Lopes Guimarães

POR SANTA MARIA! A FINA FLOR DA CAVALARIA NAS CANTIGAS DE AFONSO X (1252 – 1284)

Aluno: Mateus Sokolowski

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RESUMOS

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COLISEU: A ARQUELOGIA NA RECONSTRUÇÃO DO PASSADO A PARTIR DAS PINTURAS DE JEAN-LÉON GÉRÔME

Aluna: Fabrícia Minetto Orientadora: Profa. Dra. Renata Senna Garraffoni Palavras-chave: história da arte, arqueologia, reconstrução do passado.

A pesquisa foi desenvolvida pelo interesse na análise de imagens como fonte historiográfica, devido a minha formação em artes plásticas. Desta forma, durante a graduação de história busquei dar continuidade ao estudo em arte e, neste contexto, encontrei a professora doutora Renata Senna Garraffoni que tornou possível o trabalho. Ao conhecer as obras de Jean-Léon Gérôme, abriu-se uma gama de possibilidades em fazer uma discussão entre história, arte e arqueologia, o que possibilitou uma pesquisa voluntária de Iniciação Científica resultando na presente monografia. Assim, o trabalho busca explorar, o diálogo do artista com a arqueologia e o quanto as escavações do Coliseu modificaram o seu olhar.

Os objetivos da pesquisa são discutir a importância do desenvolvimento da arqueologia, para a formação de novas abordagens do passado durante o século XIX e perceber como o uso do passado foi realizado na obra de Gérôme, através do diálogo com a arqueologia. Para tanto, analiso três pinturas do artista, buscando compreender de que modo a arqueologia foi apropriada por Gérôme para a realização de sua obra.

A monografia foi desenvolvida em três capítulos. No primeiro, discuto como a arqueologia se constituiu como disciplina acadêmica durante o século XIX. Na sequência, no segundo capítulo, ocorre a discussão de aspectos biográficos do artista, importantes para compreender sua trajetória e visão de mundo. E por fim, no terceiro capítulo, analiso três pinturas cujo tema central é o Coliseu, buscando discutir suas relações e compreender que tipo de representações sobre a Antiguidade foram realizadas durante o século XIX.

Optei por discutir no primeiro capítulo como a leitura do passado serviu a vários propósitos do presente, principalmente, referente às questões políticas, pois observei ao longo da pesquisa que Gérôme fez várias representações do passado com o intuito de criar um elo, uma identidade nacional. Glaydson José da Silva afirma que a França, durante o século XIX, foi marcada por práticas do Estado e com a ideia de Nações justificadas por memórias. Tais memórias controlam o passado e reconfiguram o presente, contribuindo para a formação de identidades nacionais.1 Nesta perspectiva, destaca-se que os autores Laurent Olivier,2 Martin Bernal3 e Silva,

defendem que o retorno ao passado, a leitura que se fez deste, no contexto do século XIX, se encontra num projeto político orientado pelo presente e isso ocorreu, sobretudo, voltado para a tentativa de criar o Estado Nacional. Assim, para forjar uma cultura nacional foi necessária a legitimidade histórica e as descobertas arqueológicas, pois ambas são mecanismos de poder que trazem aspectos legitimadores de um discurso, criando uma memória e expressando ideologias. Essa relação das diferentes disciplinas com o passado é uma forma de poder, na qual se autorizam determinadas memórias, mas também silenciam outras.

De acordo com Michel Foucault, com o surgimento das ciências sociais e da arqueologia no século XIX, houve uma necessidade de se buscar a verdade.4 O filósofo afirma que essa busca da verdade se diferencia de

1 SILVA, Glaydson José da. A Antiguidade romana e a desconstrução das identidades nacionais. In: FUNARI, P. P. A.; ORSER, E. C. Jr.,

SCHIAVETTO, S. N. O, (orgs.), Identidades, Discurso e Poder: Estudos de Arqueologia Contemporânea, Annablume/FAPESP, S. P., 2005. p. 41.

2 OLIVIER, Laurent. As origens da Arqueologia francesa. In: FUNARI, P. P. A. (org.), Repensando o Mundo Antigo. Campinas, IFCH/UNICAMP,

2003.

3 BERNAL, Martin. A imagem da Grécia Antiga como uma ferramenta para o colonialismo e para hegemonia européia. In: FUNARI, P. P. A.

(org.). Repensando o Mundo Antigo. IFCH/UNICAMP, 2003.

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outras épocas e isso se deve ao fato de como o saber é desenvolvido em cada período, como é discutido e valorizado historicamente. É dentro dessas ideias que Gérôme produz suas obras e divulga sua necessidade de buscar determinada verdade, a de descender da civilização romana.

Neste cenário de discussão político-ideológica da arqueologia não se pode deixar de lado a arte, pois também é um grande recurso simbólico de poder e forte aliada das divulgações arqueológicas. Segundo Ernst Gombrich, a Revolução Francesa disseminou o interesse por temas históricos e heróicos. O autor afirma que, no século XIX, os artistas frequentemente se voltaram ao passado greco-romano, em um tipo de arte que ficou conhecida como Neoclássica.5 Diferente de Gombrich, Jean Starobinski menciona que em 1789 não houve um surgimento de estilo grandioso para a história da arte. Segundo ele, o que ocorreu foi um retorno à Antiguidade, algo que já aconteceu antes da Revolução Francesa, durante o Renascimento Italiano. Para Starobinski, os acontecimentos da Revolução Francesa são tão relevantes, que os artistas são tocados pelo contexto conturbado, fazendo com que estabeleçam juízo de valor sobre a conjuntura vivenciada.6 Neste sentido, destaca-se que apesar de Starobinski negar um novo estilo artístico para o período, ele nos aponta algo ainda mais interessante que é a questão político-ideológica presente em obras artísticas,trazendo a possibilidade de pensar a obra não só do ponto de vista artístico, mas, sobretudo do viés histórico.

Foi a partir dessa discussão teórica que procurei analisar Gérôme, artista inserido no contexto do século XIX, que se voltou ao passado para sua produção artística. Sua arte buscava a verossimilhança e, para tal, realizava pesquisas históricas. Neste sentido, credito que sua arte seja pintura arqueológica, não estando diretamente ligada ao poder político como forma de propaganda. Entretanto, pode-se afirmar que sua pintura estava ligada indiretamente à política, pois segundo Norberto Bobbio há certa forma de política ideológica durante a Modernidade que se vale da influência que as ideias possuem. Para o autor, pessoas imbuídas de autoridade difundiam ideais capazes de atingir a sociedade, deste modo, os detentores do conhecimento eram responsáveis por divulgar essas ideologias.7 Gérôme era considerado uma autoridade na academia de arte, lembrando que enquanto viveu foi

responsável por definir o estilo de arte Orientalista.

No segundo capítulo, exploro a trajetória do artista e o modo como Gérôme construiu suas representações do Coliseu. Trata-se de um pintor pouco conhecido no Brasil, a única pesquisa de que se tem notícia é a biografia La vie et l‟oeuvre de Jean-Léon Gérôme, escrita por Gerald M. Ackerman. Segundo o biógrafo, foi ao conhecer armadura do gladiador de Pompéia que Gérôme mudou sua percepção diante da arte, a partir daí alguns de seus trabalhos apresentam o tema da gladiatura. Segundo os comentários do próprio pintor: “Este lugar me abre um horizonte imenso (...). Todos os pintores, todos os escultores deveriam vir aqui, veja isto, refazer um gladiador não é um sonho (...). Eu pesquiso tudo referente a um gladiador; os mosaicos, as pinturas, pequenas esculturas”.8

O pintor produziu obras sobre o Coliseu entre 1859 e 1902. Após entrar em contato com as escavações arqueológicas do Coliseu, passou a ter uma preocupação rigorosa com a verossimilhança arquitetônica. Realizava pesquisas históricas, a fim de representar questões do cotidiano, da vestimenta até pequenos gestos, que aparecem em suas obras. O interesse de Gérôme evidencia que as questões históricas discutidas pela arqueologia perpassam o mundo acadêmico e refletem em outras áreas do conhecimento, como a arte, nos permitindo perceber as representações de uma época.

No terceiro capítulo, analiso três pinturas do artista sobre o Coliseu, buscando resgatar aspectos históricos que estão subjacentes às imagens e que nos permitam perceber valores culturais de uma época. As três obras são analisadas como um conjunto e não separadamente, visto que foram produzidas para reafirmar ou rever ideias que apareciam em pinturas anteriores. Deste modo, a ideia central do capítulo é discutir o quanto a arte dialoga com a conjuntura histórica.

5 GOMBRICH, Ernst Hans. História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 482.

6 STAROBINSKI, Jean. 1789: os emblemas da razão. Companhia das Letras. São Paulo, 1989. p. 17-19.

7 BOBBIO, Norberto. Política. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI; Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Universidade

de Brasília, 2004. p. 955.

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A pintura de Gérôme buscou narrar aspectos da história e um de seus temas é o Coliseu. Mas cabe aqui a questão principal da monografia, o que permite que um artista francês se interesse pelo Coliseu, sendo que a maioria de suas obras representa temas, sobretudo, orientalistas. O artista tentou recuperar aspectos da atmosfera da época, sua violência e seus valores culturais. A obra de Gérôme possibilita a discussão da arqueologia como mediadora do conhecimento, do indivíduo que pretende ensinar aos seus contemporâneos uma nova forma de perceber a arte, afirmando que esta também carrega em seu bojo o conhecimento histórico para além de suas características artísticas.

As obras de Gérôme são produzidas dentro do contexto específico no qual se desenvolve a arqueologia no século XIX. As pinturas podem ser interpretadas como uma forma de recuperar a memória de Roma, num momento em que se faz necessário estabelecer uma política nacional francesa, de preservação e recuperação do patrimônio cultural, de formulação e afirmação da identidade nacional. Por este motivo há um retorno à temática da Antiguidade greco-romana. Gérôme dialoga com o contexto, busca em sua pintura salientar o que considera relevante deste passado. O artista destaca o poder máximo da arquitetura romana, no caso o Coliseu. Neste sentido, explora a ideia de um passado glorioso, de construções grandiosas e busca construir um ideal de civilização, de continuidade de tradições, a de descender de um grande império. O artista se encontra inserido neste processo ao forjar uma história imagética de Roma, construindo valores e mostrando às pessoas sua visão do Coliseu.

Interessante evidenciar que Gérôme se constituiu como um renomado orientalista no contexto do século XIX, período no qual a França buscava se expandir, invadindo colônias e necessitava definir sua identidade nacional em relação ao outro. Na temática do Coliseu, o artista busca recuperar dados e valores históricos que permitam uma proximidade ou distanciamento com uma cultura do passado, buscando construir e articular presente e passado forjando valores nacionalistas. Se na série referente ao Coliseu, Gérôme busca criar uma memória que resgate a identidade nacional francesa, em suas pinturas orientalistas, o artista constrói visões do outro, o exótico, aquele que é diferente.

Apesar de Gérôme ser um renomado orientalista, nas obras referentes ao Coliseu encontra-se um ótimo objeto de pesquisa historiográfica. Nestas pinturas, é possível observar sua pesquisa em dados arqueológicos e históricos. As obras selecionadas para esta monografia são uma série realizada por Gérôme durante as escavações do Coliseu. As escavações tiveram início em 1811, mas por problemas hidráulicos foram interrompidas após três anos. E voltaram a ocorrer em 1828, devido a novas tecnologias. Enfim, em 1895 foram divulgados os estudos sobre as descobertas arqueológicas referentes ao Coliseu.9 Além da citada preocupação do artista com as reconstituições históricas, houve um grande impacto das escavações arqueológicas sobre suas obras, que foram devidamente elaboradas para cada período ao qual estão circunscritas. Ave Caesar, Morituri te salutant (1859) e Pollice Verso (1872) foram produzidas antes da divulgação dos resultados das escavações, e não apresentam preocupações com as estruturas arquitetônicas internas. Já La rentrée des felines (1902) – produzida após a divulgação das escavações – apresenta preocupações com aspectos arquitetônicos. O próprio pintor declarou se importar em pesquisar as descobertas arqueológicas, a fim de tornar sua pintura mais verossimilhante10. Ambas

permitem, também, um contraste entre lutas de gladiadores e caçadas em diferentes contextos do início do Império Romano.

As duas primeiras obras – Ave Caesar, Morituri te salutant e Pollice Verso – apresentam lutas de gladiadores, homens contra homens, ou seja, apontam somente para um tipo de espetáculo. Ambas as telas apresentam a figura do imperador, sendo que em Ave Caesar, Morituri te salutant a atenção dos gladiadores está voltada à

9 GARRAFONI, Renata Senna. Gladiadores na Roma Antiga: Dos combates às paixões cotidianas. Annablume, Fapesp, 2005. p. 124. 10 ACKERMAN, op. cit., p. 24.

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figura de César, inclusive ele é ponto de maior destaque na imagem. Já em Pollice Verso, os gladiadores se relacionam com o público, apontando para uma flexibilidade na dinâmica dos jogos de gladiatura, entre público e gladiador, diferente da primeira obra na qual o público está imóvel.

Entretanto, o mais importante está em observar que em ambas as obras o foco está voltado ao público, seja o imperador ou a platéia de um modo geral, deslocando-se da arena, ou seja, os aspectos arquitetônicos internos não são destacados. O próprio tom de cor das paredes se harmoniza com o chão da arena. Possivelmente Gérôme não possuía uma ideia concreta de como se configurava por inteiro uma arena, talvez por isso a tenha pintado de forma a destacar somente certos pontos que conhecia melhor por meio dos textos. Tanto é que na primeira obra, o artista coloca a presença do velum (toldo), algo utilizado no Coliseu, embora o represente ilustrado com animais deslocados do contexto europeu – elefantes e leões –, isto pode apontar a duas hipóteses: a primeira é de que haja uma relação da obra em questão com a fase orientalista de Gérôme, e a segunda é que o artista, em suas pesquisas, tenha enfatizado as caçadas na arena do Coliseu, divulgadas pela historiografia da época, entretanto, também não tivesse isto bastante claro a ponto de

representar em uma pintura.

Já na terceira obra, La rentrée des felines, o tipo de espetáculo apresentado é diferente, não se trata mais de lutas entre homens e sim de felinos contra pessoas despreparadas para o combate. É na verdade uma pena de morte aos que não tinham cidadania romana, incluindo a presença de mulheres que se encontram estraçalhadas, sem nenhuma referência a armas, nem a presença de sobreviventes. Observa-se que a obra aponta para a execução daqueles que não eram cidadãos de Roma, que

em determinado momento inclui os cristãos. Segundo Wiedemann, aos que não tinham cidadania as penas eram de crucificação, envio a arena ou cremação dos corpos.11

Além disso, o foco se encontra na arena – diferentemente das pinturas anteriores que destacavam as arquibancadas em relação com o gladiador –, são poucos os que ainda presenciam ao final do espetáculo. A própria cor da arena, o chão especificamente, é pintando em um tom de amarelo quase vibrante, sendo que a arquibancada aparece com tons mais escuros, em segundo plano, é o ponto de menor destaque. O enfoque se encontra nos felinos se dirigindo à cela nas paredes da arena. A existência da cela é uma inovação, tanto para Gérôme, quanto para a mentalidade da época. Lembrando que depois da divulgação das escavações arqueológicas do Coliseu, em 1895,12 soube-se que a arena não se apresentava somente como um espaço centrado na superfície. Além do espaço visível ao público, encontrou-se, por meio das escavações, um local subterrâneo, no qual feras e pessoas eram aprisionadas, onde os gladiadores se preparavam para os combates e também ficavam as pessoas que organizavam o espetáculo.

11 GARRAFONI, op. cit., p. 44.

(13)

A obra de Gérôme nos revela uma mudança de percepção de mundo, expressa pela arte. Este novo ponto de vista deve ser analisado tomando por base o contexto histórico do século XIX, no qual a arqueologia se desenvolveu enquanto disciplina acadêmica. Numa conjuntura de formação de identidade nacional, a obra de Gérôme pode ser interpretada como um meio de recuperar a memória de Roma, enquanto patrimônio cultural de um passado glorioso, de modo que as pinturas buscam destacar o que o artista considera relevante desse passado, havendo um retorno à temática da Antiguidade. Gérôme cria uma história imagética de Roma, apresentando um discurso sobre o passado, construindo valores e educando as pessoas para além de uma noção de Roma, mas para própria identidade de seu contexto.

Através das particularidades da pintura de Gérôme pode-se compreender como o estudo do passado entrelaçado com a arqueologia, história e arte no final do século XIX, produziu uma arte de pretensões científicas, na qual o olhar captava de forma minuciosa as descobertas arqueológicas. Ou seja, o diálogo do artista com o contexto criou uma pintura de caráter histórico, redimensionando o conhecimento do passado e nos permitindo analisar elementos políticos e ideológicos em obras de arte.

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A PUERICULTURA NAS PÁGINAS DO JORNAL EM CURITIBA ENTRE A VIRADA DO SÉCULO XIX E A DÉCADA DE 1930

Aluna: Kerolyn Daiane Teixeira Orientadora: Profa. Dra. Ana Paula Vosne Martins Palavras-chave: infância, puericultura, imprensa. A valorização da infância é um processo relativamente recente nas sociedades ocidentais. A partir do século XVIII, com a emergência das idéias iluministas, concebe-se o pressuposto de que a diferença entre os homens não seria somente orientada pela natureza, mas principalmente pela educação, e consequentemente, muito se escreveu sobre a criação que as crianças deveriam receber, para que as nações pudessem prosperar e as condições de vida melhorar futuramente. No passado mais recente, se uma criança era desobediente ou desviante, seu comportamento era explicado e aceito como desejo de Deus, trabalho do Diabo ou um problema de hereditariedade. Mas, com a gradual secularização do pensamento, a correta instrução passou a ser identificada como fator predominante na formação do caráter 1.

A infância em si torna-se objeto de saberes que se desenvolvem, principalmente, no ultimo terço do século XIX, como a pediatria, a pedagogia e o direito e entre a criança e a família lentamente se interpõem os filantropos, médicos e legisladores, que pretendem protegê-la e garantir as condições para sua educação. A Puericultura – um desses saberes – é um conhecimento fundado na prevenção, cujas principais finalidades são evitar a mortalidade infantil e formar cidadãos hígidos. Atuava através da higiene e da educação e tinha como preceito que “criar uma criança é uma ciência!”, e dessa forma, procurava veementemente desautorizar práticas e saberes que não fossem científicos. Na nova concepção de infância que se desenha a partir de então, um filho não pertence apenas aos pais, mas é o futuro da nação, da raça, um ser social, centro de investimento econômico, afetivo e educativo. O discurso puericultor visava a normatização da vida em sociedade e a disciplina dos corpos. O corpo erigido segundo as vias da ciência, em harmonia com o espírito instruído e desenvolvido, deveria servir à coletividade, contribuir para o progresso da nação e constituir o perfil do cidadão que se queria edificar para a pátria.

No Brasil, a construção da representação da infância enquanto esperança da nação, é um fenômeno que ganhou força a partir de meados do século XIX. Segundo Jurandir Freire Costa, através da atuação dos médicos higienistas o papel dos pais transformou-se no processo de medicalização da família. Como os demais membros da parentela, ele era visto e valorizado enquanto elemento posto a serviço do poder paterno, pois a família funcionava como um epicentro do direito do pai que monopolizava o interesse da prole e da mulher. “A figura do pai proprietário foi seguramente a maior fonte de sustentação do poder patriarcal. Mulheres e filhos viam no homem o patrão e o protetor. (...) Ao pai proprietário interessava o filho adulto, com capacidade de herdar seus bens, levar adiante o seu trabalho e enriquecer a família” 2.

Os higienistas perceberam que todo o sistema familiar herdado da colônia tinha sido montado para satisfazer as exigências da propriedade e as necessidades dos adultos, e sem alterar o direito do pai não atenuariam a morte dos filhos, pois a família colonial era funesta à infância 3. A nova criança reclamava um casal que ao invés de comportar-se como proprietário, aceitasse, prioritariamente, ser tutor de filhos cuja autoridade deveria ser reconhecida na família maior da nação. Era preciso então criar uma nova organização doméstica: a família higiênica, onde pais e filhos vão aprender a conservar a vida para poder colocá-la a serviço da nação.

No processo de medicalização dos corpos, ao responsabilizar as famílias pelo sofrimento e a morte das crianças, os médicos conquistaram o espaço doméstico, transformando-o em espaço privilegiado para administrar as condições de vida da população infantil. Nessa intervenção da rotina familiar, o médico procurou estabelecer

1 MERHEB, Daniela S. Ciência, saúde e norma: a mãe científica e sua majestade a criança. Curitiba, 1997. Monografia de conclusão de

curso, UFPR.

2 COSTA, Jurandir Freire. Ordem Médica e Norma Familiar. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2004. pp. 157-158. 3 Idem, p.169.

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uma aliança com a mãe, pois segundo o discurso puericultor, era a ignorância e o atraso da mãe que constituíam os fatores essenciais para o aumento do obituário infantil. Assim, buscava-se uma padronização dos procedimentos maternos, modelando a “mãe higiênica”.

De acordo com o pensamento político higienista, a mortalidade infantil causaria a destruição e o empobrecimento do país, e por amor à pátria e por ser encarregada de salvar a sociedade, a mulher-mãe possuía como primeira obrigação manter a todo custo a vida e a saúde dos filhos. Dessa maneira, os deveres de uma mãe perante a sociedade eram imensos e fundamentais para o progresso do país. A mulher-mãe torna-se um instrumento para se chegar à infância, mediadora entre esta e a Ciência. É importante destacar que não existe um modelo natural de ser mãe, e este padrão deve ser pensado historicamente4, e nesse contexto, há a necessidade da mulher ser informada e orientada, passando a depender de uma série de conhecimentos especializados para aprender como cuidar adequadamente, pois suas obrigações aumentaram, sendo a principal responsável pela saúde, nutrição e higiene das crianças. Destarte, ser uma boa mãe torna-se cada vez mais uma exigência, e só multiplicaram-se as cobranças, pois não bastava ser mãe, mas adotar uma postura correta e conhecimentos sancionados pela medicina diante dos filhos. Desse modo, a mulher mãe foi imbuída da exclusiva responsabilidade pela formação da personalidade dos seus filhos, e somente através da educação as mulheres estariam aptas a desempenhar o importante papel social da maternidade. Com a missão de modelar o cidadão de amanhã, a mulher não era valorizada por ela mesma, mas em função de seu encargo patriótico. Assim, passou a desempenhar um papel secundário em relação aos filhos. Era o médicoa autoridade e a mãe deveria ser uma boa ouvinte e discípula para proceder da forma estabelecida. Ora, o que o discurso puericultor almejava era um padronização dos procedimentos maternos, pautado na modernização, pois a mulher não poderia jamais agir como a sua mãe havia agido, que pertencia a uma outra geração que não teve acesso aos conhecimentos científicos desenvolvidos no presente. “Devotada, habilidosa, determinada e obediente, a mãe ideal seria capaz de descrever minuciosamente ao pediatra tudo o que pudera observar em seu filho e, em seguida, com o mesmo detalhamento, trataria de cumprir suas recomendações” 5.

Os médicos, pediatras do ponto de vista profissional, e puericultores do ponto de vista da militância6,

atuaram nas três pontas do tripé que reunia as medidas de proteção da infância, ou seja, como especialistas, atuando no consultório; juntamente às instâncias públicas, tanto como funcionários públicos dos estabelecimentos ligados ao governo, como legisladores que aprovavam leis e projetos para a proteção materno-infantil; e por fim, da tarefa mais vital, a educação das mães, através das consultas médicas e inúmeras publicações que abrangeram os mais diversos meios de comunicação. Muitos desses médicos-autores escreviam de forma criativa e às vezes abusavam da ironia, visando inviabilizar os conhecimentos tradicionais através da crítica. Da massificação do discurso ideológico que valoriza a infância decorreria a utilização de livros, jornais, revistas e posteriormente da televisão.

As primeiras iniciativas nesse sentido foram privadas, já que o processo de interesse do Estado pela proteção materno-infantil, no Brasil, só ganha fôlego a partir da década de 1930, e a proteção à maternidade passa a ser uma conseqüência da proteção à infância. Nesse viés, em nossa monografia procuramos entender como se deu a emergência do discurso de valorização da infância, utilizando como fontes primárias jornais diários de Curitiba no período de 1890 a 19307. O recorte temporal justifica-se pelo intuito de investigar a puericultura em sua

4 Pioneiro nesta linha de pesquisa está o trabalho de ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

Ainda, as considerações de BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, que desmistifica a naturalidade do amor maternal, propondo que este sentimento-comportamento é variável de acordo com a época e os costumes e relacionando com as variações socioeconômicas da história.

5 LIMA, Ana Laura Godinho. Maternidade higiênica: natureza e ciência nos manuais de puericultura publicados no Brasil. História,

Questões e Debates, v. 47, p. 95-122, 2007.p. 122.

6 PEREIRA, André Ricardo V. V. Políticas sociais e corporativismo no Brasil: o Departamento Nacional da Criança no Estado Novo. Rio de

Janeiro, 1992. Dissertação (Mestrado em História), UFF.

7 A leitura e catalogação das fontes ocorreu de modo qüinqüenal, a saber, 1888, 1889 (anos analisados em período anterior à definicao da

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fase pré-institucional, pois a partir da década de 1930 deu-se a intervenção estatal que elaborou leis e criou instituições específicas, consolidando os conhecimentos da puericultura entre a população.

Para esta pesquisa, os jornais utilizados foram “A República” e “Gazeta do Povo”, e ambos foram escolhidos para este estudo pelo fato de serem periódicos diários e de grande circulação no período selecionado. Como importante meio de comunicação, a imprensa da época atuou como veículo propagador dos princípios científicos, colaborando para modificar as atitudes maternas. Dessa maneira, nos jornais buscamos apreender discursos médicos informativos e propagandas de prevenção, por meio de notícias, anúncios, crônicas e colunas, ou seja, uma literatura de aconselhamento preventiva e que se difundiu através dos periódicos, uma das maneiras utilizadas para se chegar às mães.

O primeiro capítulo realiza uma discussão mais conceitual e de contextualização, abordando a apropriação médica da infância, a constituição da família higiênica e o nascimento da Puericultura. O capítulo seguinte faz uma apresentação geral da pesquisa, explicando toda a parte metodológica, e em seguida apresenta a evolução dos discursos referentes à infância nos jornais paranaenses, até a década de 1920, que culmina com a questão da benemerência como aliada do discurso puericultor. Finalmente, o terceiro capítulo demonstra os resultados mais significativos: o discurso puericultor nas páginas da imprensa curitibana através dos diversos artigos que colocam a questão da mortalidade infantil como um problema de que depende o futuro do país, a apropriação médica da infância pela propaganda, que incorpora em seu discurso o ideário puericultor, as colunas médicas do jornal Gazeta do Povo empreendidas pelo doutor Aluízio França, e as variadas matérias, como as que tratam da educação na infância, a importância da balança como aliada no controle do peso e da saúde do bebê.

Através da pesquisa conseguimos apreender o desenvolvimento dos discursos referentes à infância. Nas primeiras décadas analisadas eram freqüentes os anúncios de venda de cabra de leite, anúncios de vacinas e medicamentos em geral, como as drogas específicas para as crianças, como os purgativos, elixires antinervosos, medicamentos peitorais para diversas afecções das vias respiratórias, e dentifrícios – estes particularmente recorrentes, com a concorrência de várias marcas distintas que utilizavam apelos diversos para alcançar o consumidor, entre eles uma foto de mulher com criança no colo, a primeira imagem encontrada nesse sentido. Contudo, todos se apresentavam como “a salvação das crianças”, e indicados para a “época melindrosa do rompimento dos dentes” 8.

A partir da década de 1910, lenta e gradualmente se desenvolve uma “puericultura nas páginas do jornal”, apesar de anteriormente, em alguns momentos bastante específicos esta se desenhar nos periódicos. Dessa maneira, o jornal “A República“ expressa sua preocupação com a educação através da matéria intitulada “Como se deve educar a infância” 9. No mesmo ano, a indicação do Remédio Vegetariano para “senhoras fracas no período da gravidez e da amamentação” 10 tinha seu discurso de convencimento do consumidor em consonância com o

pensamento puericultor, através da veemente culpabilização da mãe. Ora, aí temos um claro exemplo da “puericultura intra-uterina”, ou seja, antes mesmo do nascimento do rebento, a mãe era responsabilizada por seu bem-estar, pois “da saúde da mãe depende a do filho”.

A partir de 1915, nos deparamos com um fator que se tornou um importante aliado da difusão do ideário puericultor: a prática filantrópica. A busca por um Brasil futuro, inserido entre as nações desenvolvidas do mundo, não era apenas objetivo dos médicos, como também de outras instituições que representavam as perspectivas das elites brasileiras. Dessa forma, a filantropia foi um dos veículos de condução do Brasil à modernização11. A

filantropia pode ser entendida, grosso modo, como a “laicização da caridade cristã, ocorrida a partir do século XVIII, e que teve nos filósofos das luzes seus maiores propagandistas. O „fazer o bem‟, o socorro aos necessitados,

8 “A República”, 04/03/1899, p. 4. 9 “A República”, 21/10/1910, p.2. 10 “A República”, 02/08/1910, p. 3

11 AMARAL, Guacimara Dantas dos Santos. Filantropia e puericultura. IV Encontro Estadual de História – ANPUH-BA. História: sujeitos,

saberes e práticas. 29 de julho a 1º de agosto de 2008. Disponível em: http://www.uesb.br/anpuhba/anais_eletronicos/Glaucymara%20Dantas%20dos%20Santos%20do%20Amaral.pdf Acesso em: 01/04/2010. p. 1.

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deixa de ser uma virtude cristã para ser uma virtude social” 12. Herdeira da caridade, mas considerada então

prioritariamente como gesto de utilidade, a filantropia abdicava da necessidade de anonimato, permitia e até mesmo estimulava a visibilidade a seus praticantes. Assim, a imprensa agia como principal “agenciadora política da filantropia” 13. As instituições que a imprensa verificada mais realçou foram a Maternidade do Paraná, a Cruz

Vermelha Paranaense e o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Paraná.

Muitos festivais beneficentes foram promovidos em beneficio das instituições citadas. Estes eventos eram constantemente apregoados pelos tablóides, que por vários dias seguidos publicavam a data, local e a programação do grande acontecimento. Ademais, os periódicos também publicavam os relatórios gerais do orçamento, despesas e lucro, numa relação de transparência com o leitor contribuinte, denotando confiabilidade aos eventos. De fato, é notável o envolvimento da imprensa com os festivais beneficentes, acompanhando cada novo detalhe. Concordamos com Sanglard quando afirma que “para a filantropia, os periódicos tornaram-se „bons sócios‟, por divulgarem as ações das diversas sociedades” 14. Não podemos deixar de apontar neste estudo, que a participação nos variados eventos beneficentes constituía em uma marca de distinção para a elite local. Como ajudar desamparados deixou de ser apenas uma virtude cristã, para transformar-se sobretudo em um valor social, estar envolvido em causas filantrópicas conferia prestígio e notoriedade e a publicação de nomes e valores doados na imprensa acabava por estimular a sociedade a contribuir ainda mais. Em suma, a prática filantrópica foi consolidada como grande companheira dos médicos no “processo de reeducação da sociedade” 15, já que naquele contexto ainda não havia

nenhuma política estatal voltada para a população menos favorecida. Desse modo, as primeiras instituições brasileiras de amparo à saúde materno-infantil surgiram em ambiente privado e foram organizadas por médicos, religiosos e principalmente, pelos grupos de mulheres. E quando finalmente o Estado tomou as rédeas desse auxílio, já se deparou com um modelo pronto de assistência à maternidade e à infância, modelo este que já vinha sendo utilizado por instituições particulares há pelo menos meio século16.

Finalmente, ao se aproximar da década de 1930, os artigos e anúncios destinados à infância vão se solidificando. Tornam-se mais corriqueiras as diversas propagandas do período que se apresentam como auxiliares no desenvolvimento da criança, bem como complementares na alimentação da mulher, grávida ou nutriz, se apropriando do discurso científico para legitimar seus produtos. Nesse viés, a Aveia Quaker Oats se mostra uma publicidade bastante maleável, adequando seu discurso de acordo com seu público alvo que se destina em determinado momento: crianças, idosos, estudantes, homens e mulheres.

Já em 1930 nos deparamos com duas colunas médicas mantida pelo Doutor Aluizio França17 no jornal

“Gazeta do Povo”: “Terapêutica de Bolso”, e “Puericultura Prática”. Enquanto a primeira tratava de assuntos diversos, principalmente respondendo a dúvidas de adultos e seus males, a segunda, como o próprio nome sugere, esclarecia sobre questões referentes à Puericultura, ou seja, medicina e higiene preventiva de crianças na primeira infância. Apesar de o jornal anunciar que as seções estariam presentes às quintas e domingos, (cada dia o doutor elucidaria a respeito de uma seção), observamos uma certa irregularidade, com as colunas publicadas em outros dias e mesmo misturadas em seu conteúdo. As colunas produzidas pelo doutor Aluizio França, importante médico curitibano, e suas concepções acerca da alimentação infantil, cujo erro foi considerado como principal fator de obituário das crianças, juntamente com a apropriação do discurso médico pelas propagandas, e os diversos artigos de primeira página acerca da alimentação infantil e os cuidados dispensados aos bebês,

12 SANGLARD, Gisele. Filantropia e assistencialismo no Brasil. História, Ciências, Saúde_Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p.

1095-1098, set./dez. 2003. p. 2.

13 AMARAL, op. cit. p. 8. 14 SANGLARD, Op. cit. p.3. 15 AMARAL, op. cit,. p. 3.

16 BOSCO, Ana Paula Winters. Políticas de proteção à maternidade e à infância no Paraná: o Departamento Estadual da Criança (1947).

Anais do VII Seminário Fazendo Gênero. 28, 29 e 30 de agosto de 2006. pp. 2-3.

17 O doutor Aluizio França foi uma importante personalidade da capital paranaense. Foi um dos fundadores da Universidade Federal do

Paraná, prefeito de Curitiba, um dos criadores do Hospital de Crianças e pertenceu ao Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná.

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constituíram a consolidação do discurso puericultor na imprensa curitibana, que nesse mesmo ano acompanharia a inauguração do primeiro Hospital de Crianças, iniciativa da Cruz Vermelha Paranaense.

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TRATADOS DE AMOR: UMA ANÁLISE DAS OBRAS DE PIETRO BEMBO (1505) E DE TULLIA D’ARAGONA (1547) NA TRADIÇÃO FILOGRÁFICA DO RENASCIMENTO ITALIANO

Aluna: Juliana Horstmann Amorim Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Paula Vosne Martins Palavras chaves: Humanismo renascentista; Tratados sobre o amor; Cortes renascentistas. Há uma longa e consolidada tradição filosófica que refletiu sobre o amor. De Safo, aos trovadores medievais, passando ainda por Dante e Petrarca o amor esteve sempre no horizonte da escrita e da sensibilidade poética. Os humanistas renascentistas também discorreram sobre o tema, no entanto, neste contexto o tema foi pensado através do viés filosófico, de forma bastante diferente, portanto, da escrita poética. Nesse sentido, a ênfase dos humanistas não recaia no sentimento amoroso, mas nas qualidades do amor em si, compreendido como o caminho à verdade e à beleza.

Com enfoque nessa tradição visamos compreender de que forma o amor foi problematizado pela reflexão filosófica do século XVI através da análise de dois tratados sobre o amor produzidos no Renascimento italiano, intitulados: Os Assolani1 de 1505, do humanista Pietro Bembo, que foi o primeiro a estabelecer as regras da língua

italiana de modo seguro e coerente, com base nas práticas dos maiores escritores toscanos do Trecento, e Sobre a infinidade do Amor2 de 1547 de Tullia D‟ Aragona, uma “honesta cortesã”, como então eram chamadas as cortesãs

cultas, refinadas e muito bem relacionada com os homens de letras e os poderosos. A definição de amor presente nestes tratados já havia sido formulada anteriormente e os pensadores renascentistas se inspiraram particularmente nos diálogos platônicos para formular sua definição de amor. Desta forma, estruturamos a monografia em três capítulos.

No primeiro capítulo considerarmos necessário atentar para a tradição filográfica renascentista, ressaltando o lugar da discussão sobre o amor no debate filosófico e alguns dos seus mais importantes autores. Para tanto utilizamos como fonte primária o texto que talvez seja inaugurador desta tradição filográfica, e que pode ser considerado uma representação típica do círculo neoplatônico florentino, o De Amore, Commentariumin Convivium Platonis3, escrito em 1469 por Marsílio Ficino, um importante humanista italiano que traduziu e difundiu

as principais obras de Platão.

De amore versa sobre novos sentimentos e sobre a contemplação como aspiração ideal de vida. Na esfera filosófica do século XV o amor já havia merecido atenção. Fora tratado como a base da família, ou em sua função cívica4, a partir de Ficino, no entanto, o enfoque filosófico do amor converteu-se ao platonismo. Atentando para esse novo estilo de tratar o assunto, ponderamos ser necessário explanar sobre pelo contexto no qual Ficino viveu e produziu.

No interior de um amplo panorama cultural do Quattrocento, dominado pelas preocupações éticas sobre os homens, o trabalho de Ficino possui uma grande importância ao reavivar a tradição platônica na história do pensamento ocidental. Foi na conjuntura da segunda metade do século XV que o platonismo encontrou grande acolhida nos meios intelectuais florentinos. Sob o mecenato de Cosme de Médici grande parte da obra de Platão foi traduzida e foi criada em Florença a Academia Platônica, por ação de Marsilio Ficino. Esta foi a primeira e o modelo das inúmeras academias não oficiais do Renascimento. O seleto grupo de freqüentadores da academia, encarnando os princípios do programa ficiniano, formou um foco de difusão e implantação de uma ideologia que, somadas à ações políticas, se projetaram pela cidade florentina e também em outros estados italianos.

1 BEMBO, Pietro, 1505: Gli Asolani / Los Asolanos, Ed. Bosch, Barcelon, 1990. 2 D‟Aragona, Tullia. Sobre a infinidade do amor. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

3De Amore. Comentario a el Banquete de Platon/ Marsílio Ficino; tradução, apresentação e notas de Rocío de la Villa Ardura. – 3ª edição-

Madrid: Editorial Tecnos, 1994.

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É importante lembrar que o Renascimento é uma época complexa e abarca, como qualquer outro período, muitas diferenças cronológicas, regionais e sociais. O Humanismo renascentista, segundo a análise do historiador Paul Oskar Kristeller5, pode ser definido de acordo com sua grande diversidade semântica. Foi um movimento

cultural complexo que abarcou desde a filologia às artes plásticas. Em seu interior vigoraram muitas correntes e tradições que desafiam qualquer tentativa de descrição geral. É neste período que o homem adquire uma nova noção do Eu em relação ao Criador e à Sua criação e aperfeiçoa-se enquanto indivíduo na busca da plenitude. Porém, apesar das características de reavaliação, inovação e transformação, denunciam-se múltiplos diálogos de continuidade entre o homem renascentista e o seu homólogo medieval: comungam da mesma metodologia epistemológica. Portanto, a perspectiva de Kristeller acerca da História, desconstrói noções que afirmam haver ruptura marcada entre a produção intelectual do medievo e do Renascimento. Nesse sentido, para compreender o mapa cultural do período moderno, principalmente o da Itália do século XV, o autor propõe uma reflexão sobre a herança clássica, de modo a ressaltar a proximidade cultural entre o Renascimento, Idade Média e diferentes tradições. Se uma das características do Renascimento é a retomada dos clássicos da Antigüidade, tanto do que se refere ao universo das artes, da filosofia e da política, não se trata meramente de uma retomada dos temas, mas de uma apropriação e escolha. Portanto, com base na concepção de Kristeller, acerca da relação que estabeleceram os humanistas com as fontes clássicas, utilizamos seu conceito de „apropriação cultural‟ para compreender a releitura que Ficino realizou da teoria platônica referente ao amor e à alma.

Notamos que as idéias expostas por Ficino estão profundamente marcadas por uma vasta gama de estudos referentes a diferentes fontes, tanto antigas, quanto medievais. Em De Amore Ficino expõe uma complexa definição filosófica do amor que formula a partir da releitura que fez de “O Banquete” de Platão, elaborando uma filosofia que contemplava tanto aspectos filosóficos referentes ao amor em Platão, quanto à espiritualidade cristã. Ficino desenvolve um marco de referência que não existia entre os primeiros humanistas: confere ao homem uma posição bem definida em um esquematizado sistema metafísico do universo justificando a dignidade do homem6 em função

desse sistema. O humanista é, portanto, o representante central e mais influente do neo-platonismo renascentista, já que nele se unem a herança filosófica e religiosa medieval e os ensinamentos do platonismo. Foi o único pensador de seu tempo que compôs um sistema filosófico completo e original. É importante levar em conta que o neo-platonismo renascentista não é apenas um simples fragmento ou uma ramificação do movimento humanista, pois possui um lugar próprio enquanto movimento filosófico e não só como expressão erudita ou literária.

Consideramos importante nesse aspecto uma reflexão, ainda que pormenorizada, das principais idéias de Platão interpretadas por Ficino. Foi Platão que, em certo sentido, combinou as idéias religiosas e filosóficas da alma e considerou que esta era o princípio animador do corpo e um agente moral e metafísico. Assim, ainda no primeiro capítulo discutimosalguns conceitos elencados por Platão em O Banquete7 e Fédon8. Nestas duas obras Platão

refere-se a dois conceitos chave para pensar sobre a alma e o amor, o bem e o belo. Nota-se uma referência tanto ética quanto estética no que se refere à sua idéia sobre a utilidade do amor que está intrinsecamente ligado ao que é bom e belo. Sua concepção acerca de tais conceitos indica que o amor é o ápice de um trajeto de ascese espiritual que se constitui através de diferentes caminhos, sendo o da parturição das idéias o mais elevado. Observamos que o conceito platônico de amor perpassa uma idéia intelectual, já que ocorre no plano das ideias.

A leitura que Ficino realiza dessas ideias centrais de Platão evidencia-se em sua concepção filosófica presente na obra que foi estudada em nossa pesquisa, na qual o humanista nos apresenta uma estrutura básica que corresponde à sua teoria cosmológica dos círculos, que inter-relacionam-se. No centro desse sistema circular está o bem, que é a origem e o fim desse modelo. O impulso ascendente à origem desse sistema circular constitui a

5 KRISTELLER, Paul Oskar. El pensamiento renacentista y sus fontes. Madrid: Fondo de Cultura Economica, 1993.

6 O humanista Picco De La Mirandola também é um grande exemplo da grande diversidade de correntes filosóficas que permeavam o

pensamento humanista. De La Mirandola, em sua obra A dignidade do Homem, apresenta extrema erudição ao se referir a várias correntes de pensamento. Nas diferentes fontes utilizadas por Pico, bem como a ampla gama de citações no decorrer do discurso, é possível verificar muitas referências justapostas, entre as quais se encontram: as clássicas, católicas, bíblicas, orientais, islâmicas, místicas, cabalísticas, pagãs, pré-socráticas e socráticas, além da grande influência da teoria de Ficino.

7 PLATÃO. O Banquete; tradução, introdução e notas do Prof. J. Cavalcanti de Souza. 9ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. 8 PLATÃO. Fédon. Tradução Heloísa da Graça Burati. São Paulo: Rideel, 2005. Biblioteca Clássica.

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essência do conceito de Ficino sobre o amor. Vale ressaltar que durante o Renascimento, a alma prefigurava como tema, não em termos que questionamento de sua existência, mas da definição de sua natureza. Para Ficino, a alma é a base ontológica de seu sistema, é a possibilidade da felicidade humana que se sobrepõe à morte física.

Em sua teoria Ficino tem por princípio que o propósito último do ser humano é ascender mediante a contemplação até chegar a uma visão direta de Deus, fonte de todo o bem. É perceptível aqui uma distinção clara de Ficino em relação à idéia platônica de ascese espiritual: Platão defende uma ascese espiritual com vistas ao inteligível, onde a verdadeira realidade é obtida e que é o motivo para tal ascensão. Não há em Platão referência ao retorno a Deus. Ficino, por sua vez, insere o elemento cristão nesse processo de ascendência, sua ideia central a respeito do amor platônico é enfatizar que o amor espiritual de um ser humano por outro é na realidade o anseio, o amor da alma por Deus. A linha argumentativa presente na obra de Ficino aponta para uma questão muito cara ao pensamento humanista renascentista: a dignidade do homem. Toda a ontologia ficiniana está pautada na idéia de que o homem é um microcosmo, o que justifica seu lugar privilegiado no universo e seu dever de harmonizar-se com o ritmo universal. A obra de Ficino nos oferece uma ontologia, uma cosmologia, uma ética, uma estética e uma teoria sobre o amor. O tratado é abundante em alegorias. A conjunção que Ficino tece entre filosofia e religião em seu trabalho pode ser relacionada ao fato de que a doutrina platônica oferecia o fundamento racional para superar a angústia frente à condição efêmera da existência humana. Desse modo, o pensamento do humanista não é apenas teórico, é também apologético, uma vez que aponta para uma reforma espiritual. É inegável que o entendimento da filosofia clássica, efetuado por Ficino, bem como as questões emergentes, com que se confrontava, foram pensadas de acordo com os moldes da tradição, em decorrência do desenvolvimento da cultura cristã.

Certamente esta visão extremamente espiritualizada e filosófica do amor era muito restrita aos círculos humanistas das cortes renascentistas italianas, mas ela fez fortuna, tendo em vista as publicações durante o século XVI de um grande número de obras em prosa que surgiram ao redor das academias literárias: os Tratatti d‟amore. A influência ficiniana possibilitou a jovens autores do Cinquettento a pensar o conceito de amor como algo mais espiritual do que físico.

Assim, no segundo capítulo da monografia analisamos o tratado Os Assolani de Pietro Bembo, publicado em 1505. Para tanto, não descuidamos de relacionar a produção tratadística do período com os círculos das cortes renascentistas italianas, que passam a se configurar no contexto da produção dos tratados analisados, e seu novo ideal de sociabilidade. Neste aspecto, utilizamos como referência a obra O processo civilizador de Norbert Elias9, a

qual traz importantes elucubrações acerca das relações sociais nos meios renascentistas, uma vez que o autor afirma que a civilidade é um longo processo histórico datado, que começa a se configurar no Renascimento. Mudanças que ocorreram nos padrões de sociabilidade entre os séculos XIV e XVII são marcadas pela importância que se passa a destinar ao comportamento. Alguns autores se tornaram muito famosos pela descrição e idealização destes espaços de sociabilidades e dos indivíduos que neles viviam como Pietro Bembo.

Nascido em 1470 em Veneza, Bembo foi um patrício veneziano e é considerado uma figura representativa da classe intelectual do final do século XV e início de XVI. Levou a cabo uma admirável aproximação de diversas teorias sobre a linguagem e tentou construir uma gramática de uma língua italiana que não existia, dispersa como estava em numerosos dialetos. Os Assolani é considerado um dos primeiros grandes tratados filográficos do Renascimento. Na obra, Bembo defende que o amor é um meio de salvação espiritual propiciada aos homens. De um ponto de vista filosófico-literário, o tratado possui influências oriundas dos estudos da filosofia neoplatônica e do profundo conhecimento de Bembo a respeito de Petrarca. Com esta redação Bembo constrói um diálogo sobre o amor, mas também um modelo de comportamento cortesão, uma espécie de microcosmos em que a conversação se dá de forma dialética sobre temas que muito agradavam o público das cortes. Ao tratar do amor como questão central em Os Assolani Bembo aborda a questão das relações e convivências de indivíduos que compartilham de um código social comum. Bembo atenta, portanto, para a questão da comunicação do indivíduo com o outro e com o mundo através do enfoque na configuração dos espaços sociais das cortes. Observamos uma estreita relação entre a concepção de Bembo referente ao amor e a da Marsílio Ficino, uma vez que ambos afirmam ser o retorno à

9 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Volume 1, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. “A civilização como transformação do comportamento

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Deus o ato supremo de amor. A influência platônica no tratado de Bembo é perceptível através do caráter temático, e também de elementos técnicos que aparecem na forma do diálogo como as diferentes perspectivas elencadas sobre um mesmo tema, as interrupções das personagens ao longo das exposições, além do destaque de uma personagem que acaba por conduzir o diálogo. Esta estrutura também é perceptível no tratado Sobre a Infinidade do Amor, cuja análise é tema do terceiro capítulo.

Neste capítulo em que analisamos a obra de Tullia D‟Aragona, consideramos importante fazer uma reflexão sobre a inserção das mulheres nos espaços cultos renascentistas10. Desse modo, é importante destacar que houve

a participação de algumas mulheres nos espaços das cortes renascentistas, mais pluralistas, voltados à cultura humanista. A ascensão da mulher erudita e escritora ocorreu neste cenário humanista e muitas delas conseguiram publicar livros, alcançaram a notoriedade e foram reconhecidas pela qualidade de seus escritos e pelo talento com que escreveram e se dedicaram às letras. Este foi o caso de Túllia que expôs suas idéias através de seus escritos.

Tullia D‟Aragona nasceu provavelmente em 1508 em Roma, filha da cortesã Giulia Campana e do Cardeal Luigi D‟Aragona. Tullia exerceu a mesma profissão da mãe. Recebeu uma educação humanista patrocinada por seu pai, o que lhe propiciou um equilíbrio entre a profissão de cortesã e as atividades de poeta e pensadora. Ela viajou para as principais cidades italianas e soube tecer ligações amorosas, de amizade e de proteção dos poderosos. Cabe ressaltar que sua presença nestes círculos se deve em parte à sua profissão de cortesã, mas foi garantida porque ela foi reconhecida pelos contemporâneos como poeta de talento e como humanista.

Sobre a Infinidade do Amor estrutura-se a partir de três interlocutores: Tullia, seu amigo, o filósofo aristotélico Varchi, um de seus ex-amantes, Benucci. A questão principal da obra, como já sugere o título, é saber se o amor tem fim ou não. Utilizando estratégias discursivas muito bem elaboradas, Tullia endereça a pergunta a seu convidado Varchi, entretanto, ao longo da obra observamos que Tullia não apenas ativa o diálogo com suas questões, mas assume o papel de autora. É perceptível, dessa forma, a complexidade dos temas abordados por ela, que para além da discussão sobre o amor, discorre também sobre o conhecimento e sobre as relações de gênero.

Concluímos que nesta tradição renascentista as mulheres têm lugar nos diálogos, como observamos na obra de Bembo. No entanto, o papel delas é secundário. São os homens (ficcionais ou não) que desempenham o papel mais importante na condução do discurso filosófico sobre o amor. As mulheres geralmente são ativadoras do diálogo, fazem perguntas que permitem aos interlocutores masculinos o desenvolvimento de seus argumentos. Já reconhecida por seus contemporâneos e como boa conhecedora dos diálogos sobre o amor e dos poetas clássicos, principalmente de Petrarca, ao escrever Sobre a infinidade do amor Tullia inseriu-se na tradição dialógica de uma maneira própria e original. Podemos aferir, nesse sentido, que com sua obra, Tullia institui um outro lugar nesta tradição porque observamos uma mescla entre poesia, filosofia e a própria experiência de Tullia, que aponta, dessa forma, para os limites do saber douto e para as limitações das definições fechadas, que não levam conta as múltiplas fontes do conhecimento. A autora tece, assim, uma sofisticada crítica às limitações da filosofia praticada por homens como Varchi (um dos interlocutores de seu diálogo).

Nesse sentido ao cruzar as análises dos dois tratados escolhidos, pudemos verificar que ambos os autores versam sobre o amor, no entanto de formas muito diferentes. Esse distanciamento se dá, justamente pela problematização dos respectivos lugares de enunciação: Bembo, poeta de grande renome, com acentuada respeitabilidade nos meios cultos renascentistas que através de um denso discurso sobre o amor, aponta para uma perspectiva unilinear que não leva em consideração as múltiplas fontes do conhecimento, entre elas a experiência. Por outro lado temos o lugar de Tullia, uma cortesã que possuía uma sólida formação cultural e que construiu se lugar no interior da produção do discurso poético e literário nos ambientes das cortes renascentistas. A alteridade de sua escrita repousa não só no fato de escrever sobre um tema tão caro aos humanistas da época, mas também na maneira como problematiza as relações sociais. Ela conseguiu inserir-se num espaço masculino, no qual raramente uma mulher era aceita. Levou para o debate um elemento central, que era sua experiência como

10 SMARR, Janet L. “Dialogue of Dialogues: Tullia D‟Aragona and Sperone Speroni.” MLN 113 (1998) 204-212; CURTIS-WENDLANDT, Lisa.

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cortesã.11 Procurar entender como o acesso de D‟Aragona à escrita ocorreu, bem como os questionamentos e

estratégias discursivas por ela apresentados, forçam os limites das convenções e dos cânones renascentistas. Atentar para tal fato pode levar a uma compreensão mais plural do Renascimento.

11 MARTINS, Ana Paula V. Tratados de Amor: uma análise da inserção de Tullia d‟Aragona (1547) na tradição filográfica do renascimento

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DE COMO SE FAZ UM HOMEM: OS DISCURSOS CONSTITUINTES DA MASCULINIDADE NA MODERNIZAÇÃO CURITIBANA

Aluno: Fernando Bagiotto Botton Orientadora: Profa. Dra. Ana Paula Vosne Martins Palavras-chave: Masculinidade, Modernização, Discursos. Quando pensamos na estrutura da sociedade temos a impressão de que o homem, a mulher e a divisão entre OS dois sexos sempre existiram da forma que conhecemos. Temos como certo que as vivências subjetivas do passado sempre foram como as do presente, que os corpos estão na origem do que definimos como homens e mulheres. De primeira mão é impactante saber que até o início século XIX ainda não havia sido construído o ideal moderno das diferenciações de gênero ou de masculinidade. John Harvey, ao se referir às vestimentas e hábitos, comenta que “aparentemente, os dois sexos aceitavam tranquilamente o fato de que havia um traço de masculinidade no feminino e um traço de feminilidade no masculino”1. Essa definição se adapta muito bem aos

séculos XVII e XVIII, mas já no século XIX as diferenciações e a segregação social estavam bastante consolidadas. Nas palavras de Souza, “o século XIX será um divisor de águas”2. Para compreender essa mudança buscamos delimitar como os ideais da família burguesa delimitaram a rígida distinção dos papéis sexuais onde os gêneros se transformaram em sexo. A mulher foi estabelecida na esfera privada do lar, com sua moda específica, suas cores definidoras, suas atribuições pré-estabelecidas. Em sentido oposto o homem somente receberia sanção social através do destaque no espaço público, no trabalho remunerado e numa moralidade que privilegiasse os valores e a importância das células sociais da família, do Estado e da nação.

Para além desse processo, atentamos para a dimensão linguística e discursiva das diferenças sexuais. Um dos principais fatores para a construção do rígido cercado que separa o masculino do feminino é o que Foucault chama de “saberes”3, especialmente de um tipo específico que se desenvolveu no final do século XVIII e

transpassou os séculos posteriores, nos referimos aos discursos biológicos, linguísticos, econômicos, médicos, psiquiátricos, pedagógicos e militares que foram produzidos por instituições e por agentes socialmente sancionados que são vistos como inquestionáveis dada a pretensão de veridicidade do pensamento científico.

Justo por tais discursos as pessoas e seus gêneros4 passaram a ser ancorados em corpos, objetos da biologia, da medicina e da ciência: homens e mulheres são frutos do irrevogável campo do “natural” e não mais do “cultural”. O sexo passou a dominar o território simbólico do que antes se chamava por gênero, e sua imbatível sustentação “científica” foi “retroativamente instalada em um local pré-linguístico ao qual não existe nenhum acesso direto”5. Esse processo de invenção de sexos possui uma função política implícita, já que visou localizar e

classificar as pessoas e os corpos, transformando-as em sujeitos, acima de tudo sujeitos sexuados. Butler acentua que "materializar a diferença sexual [está] a serviço da consolidação do imperativo heterossexual"6, onde toda a

relação de objeto cria seu oposto, o abjeto. Esse é um modelo de pensamento predominante na época e que tem íntima ligação com os ideais iluministas: os pares opostos de dicotomias binárias entre o “eu” e o “outro”, onde os sinais definidores de identidade são exaltados e justificados e os sinais de alteridade são tratados como patologias como linhas tortas que precisam ser alinhadas de acordo com o modelo da normalidade. Assim interligam-se e naturalizam-se oposições entre cultura/natureza, normal/patológico, saudável/doente, masculino/feminino etc. onde o primeiro campo tende a ser discursivamente positivado em detrimento do segundo.

1 HARVEY, J. Homens de Preto. São Paulo: Editora Unesp, 2003, p. 252

2 SOUZA, G. O Espírito das Roupas: A Moda no Século XIX. São Paulo: Cia das Letras, 1987, p. 59 3 FOUCAULT, M. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

4Que antes do século XVIII eram matéria da cultura, passíveis de serem relativizados e muitas vezes subvertidos, por exemplo, a facilidade

e recorrência dos casos de mudança de gênero dos “hermafroditas”.

5 BUTLER, J.. Bodies that matter: On the discursive limits of “sex”.London: Routledge, 1993, p. 158 6 Ibid, p. 154

Referências

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