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EM BUSCA DE MODERNIZAÇÃO: O LEGADO DO ARQUITETO DONAT ALFRED AGACHE PARA A CIDADE DE CURITIBA

Aluna: Janelize Marcelle Diok Rodrigues Orientador: Prof. Dr. Dennison de Oliveira Palavras-chave: Urbanismo; Arquitetura Moderna; História Urbana. O início da década de 40 será importante para entender Curitiba como uma cidade em transição no que diz respeito a sua urbanização. A capital do Estado passava por um momento de franco crescimento e começava a dar demonstrações de preocupação com os rumos deste inchaço da cidade e com a prevenção de problemas futuros. Após suas experiências na cidade do Rio de Janeiro, o arquiteto Alfred Agache seria convidado a produzir um plano de urbanização para a cidade de Curitiba, afim de colocar em prática as possíveis soluções dos problemas da nova sociedade urbana. Este plano, intitulado de Plano Agache, será aqui analisado procurando determinar o que de fato fora implantado, e quais seus impactos na sociedade curitibana da década de 40 e o que ainda vigora na cidade nos dias de hoje.

Alfred Donat Agache iniciou seus estudos em Paris, na Ècole des Beaux-Arts. Foi professor, teórico e profissional atuante da Société Française des Urbanistes (SFU), onde desenvolveu seus conhecimentos acadêmicos e profissionais no chamado Urbanismo Francês. Durante o começo do século XX esteve presente nos principais eventos e discussões que levavam como principal item de pauta a preocupação com os novos problemas apresentados pelas cidades européias. Alguns contemporâneos atribuem ao próprio Agache a criação e caracterização do termo urbanismo devido a sua forte participação nestes eventos1. A Conferência de Town Planing,

realizada em Londres em 1910 e que mais tarde ficaria conhecida com um dos primeiros eventos a debater os novos problemas do urbanismo europeu, reuniria arquitetos e cientistas de vários países, destacando-se os franceses e contando com a presença de Alfred Agache.

Desde os primeiros anos de discussão referentes ao assunto, Agache traria noções bastante concretas quanto ao urbanismo. O arquiteto caracterizava como sendo uma nova ciência que ajudaria no crescimento e na organização das cidades francesas. Para isto, se fazia necessário integrar o conhecimento de ciências distintas, como a sociologia, a engenharia e a ciência de higienistas. Aliás, a higiene será assunto central destas discussões, uma vez que com o aumento expressivo da construção de cortiços, por conta da Revolução Industrial, a insalubridade crescerá de forma bastante expressiva. Não somente a fácil disseminação de doenças será conseqüência deste processo como também a falta de embelezamento das cidades, fator esse que tomará conta de diversas conferências e encontros urbanísticos no começo do século XX.

Ainda sobre suas noções de urbanismo, Agache acreditava que este nada mais era que a parte prática de um longo estudo social e econômico da urbes. Em sua concepção, se fazia necessário um estudo “monográfico” da cidade para assim poder perceber seus verdadeiros problemas e atuar nas suas soluções. Portanto, para Alfred Agache o grande paradoxo do urbanista será conseguir relacionar as necessidades funcionais de uma cidade – como o econômico – nas suas características mais primitivas, com a sua história local. O desafio será conseguir fazer as soluções do presente baseando-se no passado, porém sem esquecer dos problemas funcionais e presentes da cidade.

É possível afirmar que o urbanismo surgiu juntamente com os primeiros problemas encontrados com a explosão demográfica das cidades durante a Revolução Industrial na Europa. Este período ficaria marcado pelo êxodo rural e o crescimento desgovernado das cidades que passaram a abrigar as indústrias e toda sua nova rotina diária. Sem um planejamento eficaz que controlasse o rumo deste crescimento das cidades industriais, novos problemas iriam surgir, como o aumento dos cortiços nos bairros operários, estes sem nenhuma espécie de controle da salubridade. Por conta deste novo quadro que se instaurou na Europa dos séculos XVIII e XIX, uma nova

1 BRUANT, Catherine. Donat Alfred Agache: urbanismo, uma sociologia aplicada In: RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz, PECHMAN, Robert.(Org.)

ciência se fez necessária: a ciência da organização das massas sobre o solo urbano. O aparecimento do urbanismo entre as ciências e dos urbanistas entre os pesquisadores foi, portanto a conseqüência,entre outras coisas, de novos problemas colocados por fenômenos cuja amplitude não tínhamos conhecimento na história2.

Da mesma forma, a arquitetura moderna complementaria este estado de necessária mudança nas grandes cidades devido à expansão das mesmas. A busca por um rompimento com o passado tradicional e arcaico e o atendimento aos interesses da era da máquina, guiarão esta nova arquitetura no começo do século XX. As duas grandes guerras também contribuíram muito para a aceitação e implementação da arquitetura moderna na Europa. A necessidade de reconstrução rápida das cidades destruídas pelas guerras irá se adequar aos planos da arquitetura moderna de divisão funcional da cidade e da construção de grandes conjuntos habitacionais não mais em quadras, mas sim em blocos.

As linhas do pensamento da arquitetura moderna serão melhor definidas no primeiro Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – CIAM – realizado em 1928 na Suíça. Neste Congresso serão discutidos os principais rumos da arquitetura e urbanismo, assim como a elaboração da “Carta de Atenas”, considerado o principal documento referente à arquitetura moderna e onde estará sintetizado o que mais tarde ficaria conhecido como Urbanismo Funcionalista. Segundo os cientistas reunidos neste congresso, a cidade deveria estar devidamente dividida no que eles consideravam as funções essenciais para o bem-estar da população: moradia, trabalho, lazer, circulação e patrimônio histórico. Ao dividir a cidade de acordo com estas funções básicas, os arquitetos modernos acreditavam que o convívio humano seria muito mais dinâmico e poderia de certa forma extinguir possíveis divisões entre os extratos sociais.3 O maior representante do CIAM, autor da Carta de Atenas e

também considerado até os dias de hoje como o pai da arquitetura moderna será o francês nascido na Suíça, Le Corbusier. Ele quem levará os créditos por boa parte das idéias modernistas presentes em várias cidades européias e algumas cidades do mundo.

Será exatamente dentro destes moldes da arquitetura moderna que o arquiteto Alfred Agache trabalhará em seus projetos de urbanismo em alguns locais do mundo. No Brasil, Agache visitaria o Rio de Janeiro na década de 20 e aceitaria o convite pelo então prefeito Antônio Prado Júnior para elaborar um plano de urbanização para a cidade, que era na época a capital do país. Aliás, a partir das primeiras décadas do século XX, o Brasil passou por um momento de transição muito grande devido a Proclamação da República e o repúdio à sociedade colonial considerada arcaica e rural. A busca por modernidade e cosmopolitismo entraria como resposta a este passado que necessitava ser esquecido pela sociedade brasileira, tendo nos projetos de urbanismo as bases da arquitetura moderna, como um modelo a ser seguido. Portanto, não só o Rio de Janeiro irá preocupar-se com a mudança na sua sociedade urbana, como outras cidades do país, como o caso em específico trabalhado na monografia, a cidade de Curitiba.

A elaboração do Plano Agache iniciou-se no ano de 1941, porém só foi concluído e assinado pelo então prefeito Engenheiro Civil Alexandre Beltrão em 1943. O plano está assinado pela Empresa Coimbra Bueno & Cia Ltda, do Rio de Janeiro, firma essa que correspondia à contratante de Alfred Agache para elaboração de planos urbanísticos. Apesar do Plano tratar de uma série de novas melhorias para a cidade de Curitiba – que na época constava com cerca de 120.000 habitantes – Agache irá centralizar sua pesquisa em três problemas que acreditava serem os principais da cidade: o congestionamento de vias, a falta de saneamento dos rios e a falta de órgãos funcionais na cidade.

A questão do saneamento parece ser solucionada na visão do urbanista através da canalização dos principais rios que cortam o centro da cidade, os rios Belém e Ivo. A partir do século XIX, alguns problemas que relacionavam os dois rios começaram a dar sinais. As epidemias passaram a se espalhar na cidade rapidamente, sendo inevitável a relação destes casos com a falta de canalização destes rios. Até então, todo o esgoto das residências escoava diretamente para os córregos mais próximos, o que facilitava a disseminação de doenças. Apesar de ser informado no Plano que as primeiras obras de saneamento e canalização foram realizadas na administração do prefeito Cândido de Abreu, Agache ressalta falhas no sistema de escoamento destes rios,

2 BARDET, Gaston. O urbanismo. Campinas: Papirus, 1990.

principalmente os que cortam o centro da cidade. Para os rios Ivo e Belém, Agache sustentava uma idéia não só de canalização, mas também uma “revitalização” dos mesmos, de forma a comparar o seu projeto com o Rio Sena de Paris.

O problema do congestionamento se concentrava na região do centro da cidade, mais precisamente nas redondezas da Praça Tiradentes. Como Curitiba apresentava um crescimento demográfico constante e também um maior uso dos meios de transporte motorizados desde as primeiras décadas do século XX, a falta de um plano que ajudasse na reordenação do espaço da rua tornaria-se um grave problema em breve. A solução deste congestionamento contido no plano era a implantação de um novo sistema de conjunto de avenidas, que ele chamaria de perimetrais, radiais e diametrais.

Porém, dentre os elementos mais próximos da arquitetura e urbanismo modernos no plano Agache sem dúvida está a necessidade de se construir centros funcionais para a cidade de Curitiba. Por exemplo, a Avenida Perimetral proposta no plano detêm alguns centros funcionais específicos, como o Centro Comercial ou o Centro Cívico. Alfred Agache justifica a composição destes centros funcionais pelo quadro histórico que as guerras do século XX impuseram, assim como a notável necessidade de defesa. Quanto a isso, a própria Carta de Atenas irá colocar a arquitetura moderna como um reflexo do período pós Primeira Guerra Mundial e com o dever de trabalhar para se adequar a realidade que a guerra colocou – e que futuramente a Segunda Guerra Mundial também colocaria – em diversas partes do mundo4.

Em Curitiba, o Plano Agache, apesar de ter sido assinado e aprovado pelo prefeito Alexandre Beltrão, não chegou a ser de fato implantado em Curitiba. Somente alguns dos projetos teriam saído do papel, como a construção do Centro Cívico ou alguns centros funcionais, como o Centro Politécnico. Os anos 60 ficariam caracterizados como o momento de se repensar os planos modernistas, uma vez que já estavam tornando-se obsoletos do ponto de vista da arquitetura e do urbanismo das cidades. É possível tomar como quase unânime o pensamento de críticos de que em meados da década de 60 o modernismo na arquitetura já dava visíveis provas de decadência. O mundo havia se convencido de que uma cidade que visava prevalecer em sua totalidade o uso do automóvel e separar a cidade em funções só causava uma marginalização e desvalorização do próprio ser humano5. O conjunto habitacional ficou sendo o grande símbolo deste repúdio ao modernismo pelo fato deste

separar o cidadão – ao menos a população de baixa e média renda – do restante da cidade.

A resposta a este desuso da arquitetura moderna na cidade de Curitiba será a elaboração, no ano de 1966, de um novo plano de urbanização para a cidade, conhecido como Plano Diretor de 1966. Encomendado pela empresa Serete Engenharia S.A em associação com o escritório de arquitetura de Jorge Wilhem, ambos de São Paulo, este plano continua sendo a base do urbanismo atual de Curitiba, com algumas poucas alterações ao longo dos anos. Segundo o autor Dennison de Oliveira6, esse plano situa-se precisamente entre a abordagem modernista,

tal como pregada na Carta de Atenas, e a ascensão de algumas posturas críticas a esse mesmo modernismo. Isto se deve principalmente ao fato do plano da década de 60 ainda incorporar elementos como a especialização funcional dos espaços da cidade através do zoneamento. Porém, como postura crítica do mesmo, preconizava a revitalização de espaços tradicionais da cidade e dava ênfase ao transporte público e desprivilegiava o uso do automóvel particular.

Dentre as mudanças que o Plano Diretor de 66 iria trazer e que se contrapunha ao modelo do projeto de 1943 seria a importância dada ao pedestre no espaço urbano. As vias estruturais que acompanhavam o transporte público coletivo e que foram projetadas pelo plano, orientavam o crescimento da cidade: onde houvesse o sistema de transporte concentrado existiria a maior parte da população, evitando também a sua disseminação desordenada. Além disso, durante a década de 60 e 70, por conta do Plano de 66, várias ruas que antes se destinavam somente ao uso do automóvel seriam fechadas e transformadas em calçadões para uso exclusivo ou preferencial de pedestres. A chamada pedestrianização da cidade de Curitiba complementaria esse contraponto feito a arquitetura moderna, onde os veículos motorizados eram os grandes privilegiados.

4 Ibid. CORBUSIER, p. 14.

5 HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, 1992, p. 45. 6 OLIVEIRA, Dennison de. Curitiba e o mito da cidade modelo. Curitiba: Editora UFPR, 2000, p. 49.

Como os moldes da urbanização de Curitiba nos dias de hoje ainda estão pautados no Plano Diretor de 66, se faz necessário a análise do referido documento para a devida verificação do legado do Plano Agache na cidade atualmente. Portanto, o Plano Agache de 1943 foi aqui trabalhada como fonte primária e o Plano Diretor de 66 como fonte secundária. A proposta desta pesquisa foi a de analisar os projetos inscritos no Plano Agache do ano de 1943 para a cidade de Curitiba e, primeiramente, identificar quais deles saíram do papel e foram de fato implementados na cidade. Subsequentemente, buscar analisar quais destes projetos implementados permanecem vivos na cidade até os dias de hoje, seja de maneira integral ou com algumas alterações, exercendo sua influência sobre o espaço urbano nos dias de hoje.

Caminhando pela cidade podemos notar que o Plano Agache teve muito impacto na história urbana de Curitiba. Os rios Ivo e Belém que cortam a cidade de Curitiba, tiveram no Plano Agache as primeiras preocupações a cerca de sua canalização, uma vez que até as regiões centrais da cidade sofria grandes inundações na década de 40. O “Parque da Lagôa do Rio Bariguí”, que hoje corresponde ao tradicional Parque Barigui, foi proposto pelo arquiteto também como forma de represar as águas do referido rio. Até então, Curitiba não possuía parques de grande extensão e Agache ressaltava a necessidade da construção dos mesmos como um local de preservação de espécies vegetais situados fora do centro da cidade.

Na década seguinte, o prefeito Ney Braga iniciaria os projetos de canalização destes e de alguns outros rios principais, baseando-se nas idéias contidas ainda no Plano Agache. Outras medidas do Plano de 1943 saíram do papel no mandato deste prefeito e que permanecem nos dias de hoje na cidade de Curitiba. A construção do Mercado Municipal, por exemplo – que foi construído próximo a Estação Rodoferroviária para assim facilitar a chegada de produtos a serem comercializados ali – fora projetado por Agache e continua até hoje no mesmo local por ele proposto.

Além do Mercado Municipal, outras obras que se encaixam no conceito modernista de dividir a cidade em funções foram construídas a partir do Plano Agache. A construção de um Centro de Instrução que reunisse vários cursos universitários em um mesmo local fora idealizado por Agache, que sugeriu como “a zona situada atrás do hipódromo entre a AP-3 e a Estrada para S. José dos Pinhais”7, que hoje corresponde ao atual Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná.

Um dos grandes símbolos da arquitetura moderna em Curitiba continua sendo o conjunto de edifícios que formam o Centro Cívico, proposto por Agache. Este projeto é destacado pelo arquiteto como o elemento funcional de maior relevância na cidade, servindo igualmente de “sala de visitas da cidade”. Não é a toa que o capítulo referente ao Centro Cívico ocupará muitas páginas, discutindo-se várias propostas para sua feitoria, assim como um grande número de plantas arquitetônicas e desenhos. A sua construção foi concluída no governo de Bento Munhoz da Rocha Neto em 1953, juntamente com as comemorações do Centenário da Emancipação Política do Paraná, aos moldes propostos por Alfred Agache em 1943. Por mais que as décadas de 60 e 70 trouxessem críticas a cerca da divisão da cidade em funções proposta pela arquitetura moderna, é possível ainda notarmos esta tendência nos dias de hoje, seja nos bairros residenciais ou nas chamadas COHAB‟s ou em bairros industriais, como a Cidade Industrial de Curitiba.

Para conseguir chegar a estes resultados, se fez necessário esclarecer todo o contexto histórico que permeou o surgimento do urbanismo na Europa, como o caso da Revolução Industrial e o conseqüente crescimento demográfico. A arquitetura moderna, como grande influência no caso do Plano Agache, também foi discutida a cerca de seu surgimento, seus principais fundadores e principalmente suas características no que diz respeito ao planejamento das cidades. No caso em específico do Brasil, foi utilizado também como exemplo a cidade de Brasília, construída inteiramente em moldes da arquitetura moderna na década de 50. Por fim, ao trabalhar com as duas fontes aqui já citadas e esclarecer de fato o que cada um dos Planos de urbanização propuseram para a cidade, pude realizar as devidas comparações e analisar quais dos projetos propostos no Plano Agache, em meio a um período caracterizado pelas influências da arquitetura moderna, permanecem até os dias de hoje no cenário curitibano. Afinal, por mais que o Plano Diretor de 66 seguisse as tendências do chamado pós-modernismo na

arquitetura, a implantação deste Plano, que vigora até os dias de hoje na cidade de Curitiba, representa muito mais uma transição lenta do que um rompimento ao Plano Agache e ao urbanismo moderno.

POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E A CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO DE HISTÓRIA: A TEORIA E A PRÁTICA

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