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Sobre o Infinito e o Contínuo em Aristóteles e Galileu. Elaine Maria Paiva de Andrade 1 Luiz Pinguelli Rosa 2

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Academic year: 2021

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Sobre o Infinito e o Contínuo em Aristóteles e Galileu

Elaine Maria Paiva de Andrade1

Luiz Pinguelli Rosa2

Resumo: De um ponto de vista epistemológico, o conceito do infinito encontra-se intimamente ligado ao do contínuo. Como um problema filosófico, esse tema nunca será encerrado. Contudo, também como entidade matemática, sua história é controversa. Zenão, Aristóteles, Galileu, Bolzano, Dedekind, Cantor, Poincaré, Hilbert e Russel são apenas alguns dos filósofos ou matemáticos que se dedicaram a este assunto. O presente trabalho faz uma breve revisão de literatura sobre esse conceito em Aristóteles e Galileu buscando relações e significados advindos das idéias apresentadas pelos mesmos. Para Aristóteles o infinito é potencial, nunca atual. Já para Galileu, não se poderia dizer que um conjunto infinito era igual, maior ou menor a outro conjunto infinito.

Palavras-chave: Infinito, Contínuo, Paradoxos, Aristóteles, Galileu

Aristóteles: Sobre o Infinito Potencial e o Infinito Atual

No Livro III, Física, do capítulo IV ao VIII, Aristóteles (séc. IV a.C.), discute o Infinito e os problemas que essa idéia coloca para o Estudo da Natureza – sua Física. Argumenta contra a existência de um infinito “atual” ou real - em ato, o agora - em todas as formas, incluindo organismos, substâncias e vazios ilimitados. Afirma que o único tipo de infinito que existe é o “potencial”. O caracteriza como aquilo que serve como "o sujeito da conclusão de uma magnitude e, potencialmente (mas não atualmente), um todo”. Baniu o infinitamente pequeno ou grande. O que está para além da compreensão, só pode existir potencialmente porque está para além da realidade. O infinito só existiria em potência e por dedução.

Como exemplo da idéia aristotélica de um infinito potencial, tomemos a sucessão infinita dos números naturais. Fixando-se um número natural é sempre possível fixar outro número natural maior que esse. Essa é a definição de infinito potencial: a possibilidade de ir sempre mais longe, não há um elemento que seja o último.

1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pós doutoranda em História da Ciência e das Técnicas e Epistemologia, HCTE, UFRJ; Centro Universitário Serra dos Órgãos, Teresópolis, RJ.

2 Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Instituto Alberto Luiz Coimbra – COPPE; História da Ciência e das Técnicas e Epistemologia – HCTE, Rio de Janeiro.

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Tomemos agora, como exemplo do infinito atual, a sucessão dos pontos de uma reta. Nesse caso, fica claro que necessitamos de uma sucessão infinita e contínua de pontos, e não discreta como no caso dos números naturais. Entre um ponto e o que o segue, há uma infinidade de pontos necessários a um segmento contínuo, infinitamente divisível em partes contínuas que, por sua vez, também são infinitamente divisíveis num processo que não tem fim. Além da possibilidade de seguir em frente até ao infinito, ou seja, um infinito potencial, temos também um infinito em ato. Para se passar de um ponto a outro, seguinte a ele, é necessário que se passe através de infinitos pontos. Ou seja, temos uma infinidade realizável, e não apenas não completável, temos um infinito atual.

Em O Tratado do Infinito, Física III, 4-8, Aristóteles, ao fazer distinção entre o infinito atual e o infinito potencial, coloca que tal fato não priva os matemáticos de suas especulações, pois os mesmos, (os matemáticos), só utilizam o infinito como uma grandeza tão grande quanto queiram, embora sempre finita.

“(...)Tampouco este raciocínio, negando de modo tal haver infinito que ele não se poderia percorrer em ato (enérgeia) na direção do aumento, priva os matemáticos de sua especulação, pois tampouco [30] eles precisam, de fato, do infinito (nem o

utilizam), mas apenas de uma grandeza tão finita quanto queiram. E é possível

que a maior das grandezas seja seccionada na mesma proporção (lógos) de qualquer outra grandeza, de modo que, relativamente ao demonstrar, não lhes fará a menor diferença (a hipótese do infinito), e, relativamente ao ser, (importam) as [34] grandezas que são de fato nos entes”.

Este pequeno detalhe no texto de Aristóteles nos remete aos dias de hoje, em que algumas teorias físicas lançam mão de idéias similares, tal como é o caso da Renormalização.

Mas voltemos ao século IV a.C. De acordo com a concepção apresentada, Aristóteles constrói seu modelo de mundo - fechado e limitado - subdividido em regiões sub e supralunares. Koyré (1964, p. 41), coloca que de acordo com o modelo de mundo aristotélico, Deus não pode mover o mundo em linha reta, não porque tal movimento produza o vácuo, mas porque a própria idéia de tal movimento é rigorosamente inconcebível: todo movimento (local) de um móvel pressupõe um “lugar” de onde se parte e um “lugar” para onde se vai; contudo, todos os “lugares” estão no interior do mundo, e o próprio mundo não está num lugar. Fora do mundo, portanto, não só não existe “lugar” onde o mundo pudesse ser movido, como fora do mundo não existe nem pleno nem vácuo, nec plenum, nec vacuum, não existe absolutamente nada.

Assim, o espaço físico em Aristóteles é limitado, finito e plenum, não obstante, um contínuo infinito potencial.

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A partir do trabalho de Kepler (1571-1630), a concepção das esferas cristalinas da ciência aristotélica, que já havia sido abalada pelo trabalho de Tycho Brahe (1546-1601), cedeu lugar a um modelo em que os astros percorriam trajetórias elípticas previstas pelo espaço. Enquanto Kepler prosseguia em busca da harmonia dos mundos, outro personagem contribuía fortemente para importantes modificações em relação à ciência aristotélica. Esse personagem foi Galileu Galilei (1564-1642) que, na mesma época de Kepler, estudava o movimento dos corpos tanto na superfície da Terra como em queda livre. Com uma nova maneira de abordar os fenômenos da natureza, Galileu estruturou todo o conhecimento científico da época abalando os alicerces que fundamentavam a concepção medieval de mundo. Desconstruiu a idéia de que o mundo possui uma estrutura finita, hierarquicamente organizada, construindo a visão de um universo aberto, indefinido e de movimento eterno. Com isso, os trabalhos de Tycho Brahe, Kepler e Galileu, ao longo dos séculos XVI e XVII, permitiram visualizar o início de profundas modificações em relação à visão de mundo medieval na física nascente.

Sua violenta oposição à ciência aristotélica se dá especificamente quando busca descrever os fenômenos observados em uma linguagem matemática. Em 1604, Galileu elaborou a lei da queda livre dos corpos, fundamental para todo o desenvolvimento posterior da mecânica racional. Em 1612, publica Discurso sobre as Coisas que Estão sobre a Água, em que contesta a teoria aristotélica dos quatro elementos sublunares e do éter, adotando a concepção de Demócrito, atomista, do universo material.

Koyré, em O Significado da Síntese Newtoniana, fez uma análise desse período ressaltando que foi a partir dele que as causas formais e finais, como possibilidade de explicação, desapareceram da ciência, sendo substituídas por causas eficientes e materiais, pois somente estas tinham sua existência admitida no novo Universo onde corpos abstratos se movem em um espaço abstrato. Em conseqüência a tantas transformações, o século XVII apresenta a marca de uma ruptura, na qual antigas e novas concepções se confrontam em busca de uma ciência unificada.

Nesse contexto, em que se estabelece que “o universo está escrito em caracteres matemáticos” (GALILEU), cabe ressaltar que um dos paradoxos mais famosos acerca do infinito foi apontado por Galileu - “Paradoxo dos Naturais e dos Quadrados” - no livro Discorsi e Dimostrazioni Matematiche a Due Nuove Scienze. Galileu descreve uma conversa entre três personagens: Salviati - um homem sábio, bem informado cientificamente – Simplício – um homem que acredita cegamente nas concepções de Aristóteles e Sagredo - um leigo inteligente. Salviati leva Simplicio a concordar que os números que são quadrados

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perfeitos são tantos quantos os próprios números naturais, mostrando-lhe a correspondência, a que hoje chamamos bijetiva, entre os dois conjuntos de números, depois de o ter feito reconhecer que os inteiros são mais do que os quadrados perfeitos sozinhos.

Salviati. (…) Se eu disser que os números tomados na sua totalidade,

incluindo os quadrados e os não quadrados, são mais numerosos do que os quadrados sozinhos, enunciarei uma proposição verdadeira, não é?

Simplício. Certamente

Salviati. De seguida, se eu perguntar agora quantos quadrados há,

podemos responder, sem nos enganarmos, que há tantos quantas as raízes quadradas correspondentes, atendendo a que todo o quadrado tem a sua raiz e toda a raiz o seu quadrado, que um quadrado não tem mais do que uma raiz, nem uma raiz mais do que um quadrado.

Simplício. Exactamente.

Salviati. Mas se eu perguntar quantas raízes há, não se pode negar que

há tantas quantos os números, porque todo o número é a raiz de algum quadrado. Assim sendo, será portanto preciso dizer que há tantos

números quadrados como números, uma vez que eles são tantos como as raízes e que as raízes representam o conjunto dos números. No entanto dizíamos de princípio que há mais números do que quadrados, já que a maior parte dos números não são quadrados. (…)

Sagredo. Então, qual a conclusão a tirar nestas condições?

Salviati. Aos meus olhos, a única conclusão possível é dizer que o

conjunto dos números, dos quadrados, das raízes é infinito; que o total dos números quadrados não é inferior ao conjunto dos números, nem este superior àquele. E finalmente, que os atributos igual, maior e menor não têm sentido para quantidades infinitas, mas somente para quantidades finitas.

Conjecturando a correspondência, de um para um, entre todos os números naturais e os quadrados perfeitos, Galileu deparou-se com a propriedade fundamental de um conjunto infinito: uma parte pode ser equipotente ao todo. Embora afirmasse que o número de quadrados perfeitos não é menor que o dos números naturais, não conseguiu concluir que são iguais, argumentando antes que os atributos “igual a”, “maior que” e “menor que” não deveriam ser utilizados para comparar quantidades infinitas. Assim, defendia que não se poderia dizer que um conjunto infinito era maior, menor ou igual a outro conjunto infinito.

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Não obstante, o universo, a partir de Galileu, é concebido como um sistema cuja estrutura, profunda e invisível, é a matemática. O “livro do mundo está escrito em caracteres matemáticos”. A questão da natureza finita ou infinita do universo foi debatida muitas vezes por filósofos medievais que, na maioria das vezes, seguiam as idéias de Aristóteles. Contudo, no final do século XVII, a idéia de um universo infinito estava bastante difundida. Em uma carta a Fortunio Liceti, 1639, professor da Universidade de Pádua, Galileu afirmou não acreditar que a questão acerca de um universo finito ou infinito pudesse ser conclusivamente resolvida. Acrescentou que, pessoalmente, se inclinava pela idéia de um universo infinito.

(...) muito argutas são as razões que se aportam para uma e para outra parte, mas no meu cérebro nem estas nem aquelas concluem necessariamente, de modo que fico sempre ambíguo sobre qual das duas asserções seja verdadeira; todavia, um só argumento meu, particular, inclina-me mais para o infinito que para o terminado, sendo que não o sei, nem posso imaginar, nem terminado nem não-terminado e infinito; e porque o infinito ratione sui não pode ser compreendido pelo nosso intelecto terminado, o que não acontece com o finito e circunscrito por términos, devo referir a minha incompreensibilidade antes à infinitude incompreensível que à finitude, a qual não requer razão de ser incompreensível (EN, 18, p. 106).

Cabe lembrar que o argumento da infinitude do universo era problemático na época. Giordano Bruno (1548-1600), cuja cosmologia afirma a infinitude do universo e a existência de uma pluralidade de mundos foi condenado pela Inquisição a morrer queimado. Contudo, apesar das razões religiosas e das razões puramente intelectuais que envolviam vários paradoxos acerca do conceito de infinito, Galileu parecia inclinar-se para a natureza infinitista do universo.

Considerações Finais

A história do Infinito sempre foi controversa. A noção do ilimitado, do eterno, do que não acaba, do que está sempre para além do concebível e, até mesmo, do que seja tão grande quanto quisermos, nos confude e nos conduz a caminhos contraditórios. Vimos em Aristótles dois tipos de infinitos: o Potencial e o Atual. A idéia do infinito atual trouxe consigo contradições para as quais, ainda em Galileu, não havia solução.

O infinito só era possível na sua forma potencial, sendo entendido como um modo de pensar, uma idealização. Contudo, “se podemos designar, sobre uma reta, um número infinito de pontos, é exatamente porque eles estão lá”3. A idéia do contínuo de uma reta, por exemplo,

é uma idéia aparentemente simples. É a extensão única, infinita e indivisível de Spinosa. 3 Koyré, A. 1991

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Contudo, essa história ainda acabou. Ao contrário, podemos considerar nossos dois personagens como precursores da história que está por vir com Bolzano, Dedekind, Cantor, Poincaré, Hilbert, Russel.

Referências Bibliográficas:

ANDRADE, E. Ação a Distância e Não-Localidade/ Elaine Maria Paiva de Andrade. Rio de Janeiro: UFRJ/IQ, 2009. Tese (doutorado) – IQ/UFRJ/HCTE, Programa de Pós-graduação em História da Ciência e das Técnicas e Epistemologia, 2009

ARISTÓTELES, O Tratado do Infinito, Física, Livro III, Trad. Reis A, Coelho F, Ribeiro, F B L, Tradução a partir da edição do texto grego: Aristotelis Physica. Recognovit brevique adnotatione critica instruxit W. D. Ross. Oxford: Oxonii e Typographeo Clarendoniano, 1992. KOYRÈ, A. O Significado da Síntese Newtoniana. In: Cohen, B. I., Westfall, S. R 122, (org.). Newton: Textos, Antecedentes e Comentários. Rio de Janeiro: EdUERJ e Contraponto, 2002, pp.84-100.

---. O Pensamento Moderno. In: Estudos de História do Pensamento Científico, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp.15-21.

---. As Origens da Ciência Moderna - Uma Nova Interpretação. In: Estudos de História do Pensamento Científico, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp.56-79. ---. Galileu e a Revolução Científica do Século XVII. In: Estudos de História do Pensamento Científico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp.181- 195.

______, O Vácuo e o Espaço Infinito no Século XIV. In: Estudos de História do Pensamento Filosófico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 23-68

PINGUELLI ROSA, Luiz, Tecnociências e Humanidades: Novos paradigmas, velhas questões – O determinismo newtoniano na visão de mundo moderna. 1 ed. São Paulo, Paz e Terra, 2005.

Referências

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