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XII Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política. Reginaldo Mattar Nasser (PUC/SP):

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Academic year: 2021

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XII Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política

Autores:

Reginaldo Mattar Nasser (PUC/SP): http://lattes.cnpq.br/0717133384261187

Bruno Huberman (Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas – UNESP/UNICAMP/PUC-SP): http://lattes.cnpq.br/7114458351891432

Título: A “diplomacia das armas”: as relações Brasil-Israel de Lula a Bolsonaro Resumo:

Nas últimas décadas, Israel tomou uma posição de destaque nas análises e nas ações da PEB. As dimensões simbólicas e diplomáticas dessa relação são normalmente destacadas nas interpretações de analistas e atores. Nós almejamos abordar alguns equívocos na literatura que permitam um entendimento alternativo das relações entre Brasil e Israel entre Lula e Bolsonaro (2003-2019). A partir da análise das relações comerciais entre os países, particularmente no setor de segurança, argumentamos que há uma “mudança na continuidade” na relação entre os países. Apesar de alterações nas dimensões discursivas e diplomáticas, há uma continuidade das relações materiais iniciadas por Lula, mas com grau de aprofundamento promovida por Bolsonaro pela necessidade permanente do Estado brasileiro de adquirir capacidades coercitivas e do interesse do Estado israelense de construir influência política a partir de relações comerciais no setor de segurança.

Palavras-chave: Política Externa Brasileira; Política Externa de Israel; Oriente Médio; geopolítica.

O MRE do governo Bolsonaro se negou a condenar ações de Israel nos Territórios Palestinos Ocupados (TPO), contrariando orientação histórica da diplomacia brasileira para a questão Palestina que sempre se pautou pelos princípios do direito internacional em votações no Conselho de Direitos Humanos da ONU (O GLOBO, 2019). Como parte de sua agenda de alinhamento com lideranças de direita ao redor do mundo e de manifestar contraposição à PEB petista, Bolsonaro visitou Israel, no início de 2019, com o objetivo de consolidar uma maior aproximação política com aquele país, selando diversos acordos econômicos e tecnológicos, principalmente vinculados ao setor de segurança.

Nas discussões sobre a decisão de Bolsonaro de transferir a Embaixada brasileira para Jerusalém, em contraposição à posição histórica brasileira e de um certo consenso

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internacional quebrado por Trump, analistas de política externa avaliaram que essa manifestação, logo após a eleição em 2018, poderia trazer sérios problemas diplomáticos com os países árabes alertando, inclusive, que a política externa não deveria se pautar por “questões ideológicas”.

Mas, passados alguns meses, essas previsões não aconteceram. Pelo contrário, as exportações do Brasil aos países árabes somaram US$ 1,2 bilhão, em julho de 2019, um crescimento de 27,4% sobre o mesmo mês de 2018 (BRASIL, 2019). De acordo com relatório divulgado pelo Departamento de Inteligência de Mercado da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, as exportações do Brasil aos países árabes somaram US$ 7,1 bilhões nos sete primeiros meses de 2020, um crescimento de 16,9% em relação ao mesmo período quando comparado a 2019 (NOTÍCIAS AGRÍCOLAS, 2020). Poder-se-ia argumentar que o recuo do governo bolsonaro em relação à transferêncPoder-se-ia da embaixada brasileira evitou sobressaltos nas relações comerciais com os governos árabes. Entretanto, esse fato apenas corrobora uma tendência de longo prazo das exportações brasileiras para Israel e Oriente Médio. Durante o período 2000 a 2017, houve crescimento 775% para o Oriente Médio e de 555% para Israel (MDIC, 2019).

Muito embora essas informações sejam de conhecimento de todos e permitem concluir que as posições do Estado brasileiro em relação ao Oriente Médio não sofreram, de uma forma geral, mudanças significativas desde o governo Lula até o atual governo Bolsonaro, ainda assim é majoritária a avaliação de que as relações bilaterais entre Brasil e Israel foram tensas durante os anos em que o PT esteve no poder (Vigevanni, T e 2019). Essa avaliação se sustenta, principalmente, nas reações às condenações do governo brasileiro ao “uso excessivo da força” por parte de Israel, seja devido à sua recusa de se retirar dos territórios ocupados, em 1967, seja pela contínua expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia. Daí se difundir a percepção tanto de apoiadores como de críticos dos governos do PT de que o Brasil adotou uma “posição pró-árabe”.

O objetivo desse trabalho é oferecer uma compreensão alternativa das relações bilaterais entre Brasil e Israel em contraposição a maior parte da literatura sobre o assunto. Buscamos rever alguns pontos analíticos no que se refere à forma pela qual as duas nações têm historicamente se relacionado, como também questionar alguns pressupostos teóricos que balizam tanto a literatura como o ponto de vista dos atores a respeito de seus discursos e ações. Almejamos abordar essa relação bilateral a partir da

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articulação de dois eixos: geopolítica e da economia política; com destaque para o setor de segurança utilizado por Israel como uma forma de construir hegemonia interna e internacional (HALPER, 2015). Os objetivos e ações do Brasil também serão são levados em consideração, para além da área diplomacia, investigando a influência de setores do aparelho de Estado em articulação com grupos sociais na construção da PEB. Acreditamos que seja importante destacar alguns equívocos presentes em grande parte da literatura sobre as relações entre Israel e Brasil.

1 – Adota-se como pressuposto que há uma PEB em relação aos países árabes, mas sem fazer a devida diferenciação dos países daquela região que tem posicionamentos geopolíticos e econômicos bastante distintos. A questão se torna mais equivocada ainda quando se tenta compreender a questão Palestina pela perspectiva de uma relação com o mundo árabe. De uma forma geral, os governos árabes, com exceção talvez do Qatar e da Síria, têm se mantido distante dos conflitos entre Israel e os palestinos. Ou mesmo tendo uma proximidade maior com Israel como são os casos do Egito, Jordânia e Arábia Saudita (RABI; MUELLER, 2017). Portanto, avaliamos que analisar a relação de proximidade ou afastamento do Brasil em relação a Israel, levando em consideração os posicionamentos com os países árabes é um procedimento equivocado .

2 – As diversas tensões diplomáticas entre Brasil e Israel, particularmente durante os governos Dilma Rousseff (2011-2016), não significaram nenhuma mudança material significativa nas relações bilaterais. Os principais contenciosos aconteceram em torno dos ataques militares de Israel a Gaza em 2014, quando um diplomata israelense deu declarações irônicas a respeito da presença do Brasil na arena internacional qualificando-o como “anão diplomático” após o governo Dilma criticar as ações militares israelense. Também houve o caso da rejeição da presidenta Dilma da indicação de Dayan, um porta-voz do movimento de colonos na Cisjordânia, como embaixador israelense no Brasil. Os conflitos restringiram-se às manifestações diplomáticas, mas serviram para construir uma narrativa de tensão entre os dois países e sustentar hipótese de “afastamento” utilizada por políticos e diplomatas tanto no Brasil como em Israel. A questão envolvendo o relacionamento com Israel acabou por ser inserida no debate a respeito da suposta “ideologização” da PEB nos governos petistas e contribuiu para a estigmatiza o governo da presidenta Dilma como “pró-árabe” e “esquerdista”.

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3 – A maioria das análises sobre o tema parte do pressuposto de que a posição brasileira em relação à questão Israel-Palestina tem sido classificada como historicamente “neutra” e “equidistante”, uma interpretação também reivindicada pelo Itamaraty, exceção feita ao governo Geisel (1974-79), quando o Brasil reconheceu o sionismo como forma de racismo em votação na ONU. Essa posição seria expressa na defesa da partilha do território da Palestina em dois estados, seguindo o consenso internacional desde a votação da Partilha da Palestina na ONU em 1947. Entendemos que essa racionalidade, explicita ou implicitamente, estaria na base da argumentação das abordagens a respeito da mudança para Jerusalém da embaixada brasileira em Israel assim como a aproximação com Israel durante os governos Lula: equidistância e neutralidade.

No entanto, juristas internacionais (ERAKAT, 2019) têm sustentado que o apoio da comunidade internacional à Partilha da Palestina pela ONU, em 1947, e à “solução de dois estados para dois povos” significam, na realidade, uma falsa neutralidade e uma fraudulenta tentativa de se manter equidistante em relação à questão Israel-Palestina. A proposta de Partilha da Palestina foi apresentada por um comitê internacional, sem integrantes árabes, que ignorou todas as reivindicações dos palestinos e foi aprovada no mesmo ano em uma sessão da Assembleia Geral da ONU composta por nações coloniais diante de total rejeição das nações árabes integrantes da ONU na época. Logo, o argumento de “neutralidade” e “equidistância” aceito hegemonicamente no sistema internacional, pela diplomacia brasileira e por quase a totalidade de literatura significa, na realidade, um posicionamento que, na verdade, é essencialmente pró-Israel. Há uma aceitação tácita dos pressupostos que sustentam a forma colonial pela qual foi criado o Estado de Israel (SALAMANCA et al, 2012). Nesse sentido, todo e qualquer posicionamento internacional de um ator que coloque em questão esses fundamentos é considerado uma afronta à existência e à segurança de Israel.

4 – Finalmente, cabe notar que a quase totalidade da literatura sobre as relações Brasil-Israel se preocupa apenas em analisar as condicionantes do lado brasileiro sem se atentar devidamente sobre a forma pela qual Israel tem se posicionado internacionalmente. As relações bilaterais são apreciadas pela bibliografia como se fossem construídas somente do ponto de vista brasileiro ou essencialmente mediadas pela triangulação da relação com os EUA. A perspectiva israelense não aparece como enquanto variável relevante. Apesar das “relações especiais” com os EUA, o comércio

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de mercadorias de segurança é justamente a forma pela qual Israel se projeta no sistema internacional, garantindo seus interesses e exercendo influência de forma independente (CHOMSKY; SAID, 2015; HALPER, 2015). Para Israel, estabelecer relações comerciais, particularmente no setor de segurança, significaria uma porta de entrada para fortalecer o “lobby” a seu favor e exercer influência política. Nesse sentido, como destacamos, Israel vem se notabilizando , há um tempo, por ter um tipo de “diplomacia” que se utiliza do capital e do comércio na área de segurança para construir uma rede de atores capaz de influenciar a condução da política doméstica e exterior dos países.

Metodologia: a “diplomacia das armas” de Israel

Partimos da avaliação de Halper (2015) de que a diplomacia "normal" oferece poucas informações sobre a forma pela qual Israel consegue aumentar sua influência internacional apesar de suas políticas impopulares em relação aos palestinos. Portanto, é preciso explorar um tipo de diplomacia menos visível que Halper denomina de “política de segurança" e Klieman (1985) de “diplomacia das armas” em que o país obtém ganhos políticos e econômicos a partir da exportação de sua qualificação militar por meio do desenvolvimento e venda de sofisticados sistemas de armas, tecnologias militares e sistemas de vigilância constituindo um "valor agregado" para as “relações internacionais normais”. Para um país pequeno como Israel, onde sua capacidade de competir no mercado global de armas é reduzida, as vendas militares acabam por induzir o desenvolvimento de tecnologias essenciais para outras áreas de sua economia. Israel se militarizou por meio de alianças com as grandes potências. Primeiro, os britânicos, por meio da aquisição e roubo de armas durante o Mandato Britânico da Palestina, e depois com alianças com os franceses, que permitiu o desenvolvimento do projeto atômico isralenese, e depois com os estadunidenses a partir de 1967 (SHLAIM, 2006; HALPER, 2015). O país tem historicamente atuado como um proxy, isto é, como um agente terceirizado contra inimigos contra-hegemônicos em guerras patrocinadas nas quais as potências ocidentais não poderiam estar diretamente envolvidas (HALPER, 2015). Além de ter a missão de enfrentar o nacionalismo árabe no Oriente Médio — importante aliado dos soviéticos na Guerra Fria —, Israel passou a diretamente vender armas ou prover treinamento em conflitos sensíveis orientado pelos interesses estadunidenses. Desta forma, Israel esteve presente em diversos conflitos na periferia do mundo na Guerra Fria, particularmente de contrainsurgência, sendo fator decisivo na

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mudança ou manutenção de regimes de acordos com os interesses do bloco ocidental (idem). Entre outros episódios de apoio a ditaduras, Israel vendeu metralhadoras automáticas e instruiu militares em técnicas de tortura durante o regime militar brasileiro, inclusive durante a administração Geisel, quando as relações entre os países estariam supostamente interrompidas (MACK, 2018). As alianças com as nações periféricas por meio da política de segurança foi central para evitar o isolamento de Israel nas instituições multilaterais em meio ao crescimento da influência das nações árabes em decorrência da crise do petróleo dos anos 1970 (HALPER, 2015; BHABHA, 1986).

Conduzida por grupos de elites políticas, econômicas e militares que representam interesses ocultos da opinião pública, essa política de segurança contorna os canais formais de tomada de decisão e evita a supervisão parlamentar ou pública. A política de segurança faz com que os interesses nacionais de um país sejam determinados, em grande medida, pelo papel das armas em ajudar aliados/clientes reafirmando sua hegemonia e o papel do lucro. Machold (2015) entende que as políticas e práticas de segurança urbana elaboradas por Israel com o objetivo de combater a resistência palestina tornaram-se uma forma de conhecimento especializado com aplicabilidade universal num mundo em crescente urbanização, precarização e consequente militarização do urbano (GRAHAM, 2011).

Em particular, os israelenses se especializaram no que veio a ser chamado de “segurança nacional”, isto é, a utilização de tecnologias de últimas geração para o controle de fronteiras, vigilância populacional, controle de multidões, defesa do perímetro, identificação biométrica e perfilamento de potenciais ameaças, particularmente as consideradas “terroristas” (HALPER, 2015). Esse conhecimento israelense na “pacificação” dos palestinos, que formam uma “matriz de controle” dos TPO constituída por checkpoints, cercas, muros, câmeras de vigilância, drones e satélites, alavancou os produtos israelenses no mercado global de segurança após o 11/09 e a ascensão da “guerra ao terror” (idem).

Naomi Klein (2009) observa que Israel se tornou um “showroom vinte e quatro horas por dia” que conseguiu “transformar uma guerra sem fim em uma marca”. São cerca de 312 companhias de segurança nacional e mais de mil empresas produtoras de armas, formando um dos setores que mais emprega no país (HALPER, 2015). Em 2012, Israel exportou $7 bi apenas em armas (HALPER, 2015). O país foi o décimo maior

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exportador desse setor entre 2012 e 2016 (SIPRI, 2017), registrando um crescimento de 55% entre o 2008-2012 e 2013-2017 (SIPRI, 2018). Segundo Halper (2015), aproximadamente 75% do que é produzido é para exportação, enquanto nos EUA as exportações representam 20% do mercado de vendas — mostrando a dependência israelense no consumo externo de seus produtos. Israel domina 70% do comércio mundial de drones, além de diversos tipos de sensores e aparatos de alta tecnologia fabricados para o controle populacional. Ademais, é o segundo maior exportador em serviços e produtos de cibersegurança, atrás apenas dos EUA (HALPER, 2015).

Aproximadamente 20% de tudo que Israel exportou em 2012 foi para os EUA, o principal parceiro político, econômico e militar dos israelenses (HALPER, 2015). Além da penetração em países da União Europeia, os israelenses mantém importantes relações militares com países como Índia, China, Cingapura, Azerbaijão, Brasil, México e até mesmo antigos inimigos, como a Rússia (HALPER, 2015; SIPRI, 2017). Atualmente, Israel foca as regiões periféricas do mundo, como o Sul da Ásia, o Leste Europeu e a América Latina, regiões compostas por nações em desenvolvimento, envolvidas em “guerras securocráticas” e potencialmente capazes de ser influenciados politicamente (HALPER, 2015).

É importante apontar que, apesar da força conquistada pela “marca Israel” globalmente, uma boa parte dessa fama é produto de uma agressiva campanha de marketing que conseguiu vender o modelo israelense como o mais eficiente e capaz de ser adaptado às mais diferentes situações, apesar de isso nem sempre ser verdade (MACHOLD, 2015). Ademais, empresários israelenses possuem um ativismo muito grande na busca de novos mercados e contratos, compondo o lobby israelense em diversas nações do mundo, acostumados a sobrevalorizar contratos e a eficiência de seus produtos, além de tornarem-se influentes conselheiros de militares, políticos e autoridades policiais de diversos países (idem).

Resultados: o sentido político das relações comerciais Brasil-Israel

A presença da política de segurança de Israel na América Latina remonta à década dos 1960 e se consolidou a partir dos 1970. Muito antes de outras regiões do mundo, a América Latina converteu-se num laboratório para as experiências de Israel nesse setor (BHABHA, 1986). Nos anos 1980, a região concentrava 50% das

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exportações israelenses, o que levou à construção de importantes relações políticas a partir do comércio de produtos militares (idem). Israel detinha inúmeros admiradores entre os ditadores latino-americanos, e foi decisivo no desdobramento de diversos conflitos na região (idem). Os conhecimentos e equipamentos fornecidos por agentes israelenses adaptaram-se bem aos conflitos de baixa intensidade contra forças insurgentes revolucionárias (idem). No caso brasileiro, a política de segurança foi central para manter viva a relação com o país no momento que os militares aproximavam-se das nações árabes durante a crise do petróleo, como notado acima (idem). Após o fim da Guerra Fria, Israel manteve importantes laços na região, particularmente com México e Colômbia, não por coincidência nações influenciadas pelos EUA e imersas em violentos conflitos na “guerra às drogas”. Diante da ascensão da direita na região, a presença de Israel tem continuamente aumentado (BAEZA, 2018).

Em 2010, o Brasil foi o quinto maior importador de armas de Israel (SIPRI, 2019). Dados oficiais do Ministério da Defesa divulgados em 2014 revelam quase R$ 1 bilhão em contratos militares entre diversas empresas israelenses e as Forças Armadas brasileiras para o fornecimento de materiais bélicos como metralhadoras, morteiros, canhões, drones, aeronaves e blindados (DICHTCHEKENIAN, 2014). A maior parte deste investimento, no valor de R$ 839 milhões, foi firmado com a empresa israelense Elbit Systems para o fornecimento de câmeras e sensores optrônicos para o Sistema Integrado do Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) do Brasil em parceria com a Embraer (idem), que almeja estabelecer um sistema de vigilância e controle da fronteira terrestre brasileira. O Brasil tem se mantido um dos maiores importadores de armas israelenses no mundo, tendo acumulado US$ 190 milhões em importações entre 2008 e 2018, o nono maior no período (SIPRI, 2019).

O importante volume nas trocas comerciais em mercadorias militares entre Brasil e Israel expressam uma mudança nas relações entre os países no período em que o Partido dos Trabalhadores esteve na direção do governo brasileiro. Um marco foi a assinatura do Acordo de Livre Comércio entre Brasil e Israel em 2007 como contrapartida para a aproximação dos países da América do Sul com nações árabes, que veio a resultar na criação do fórum ASPA (COELHO, 2009). A agenda de construção do Brasil como potência global nos anos Lula e Dilma passava pela aquisição de capacidades coercitivas e influência em questões de segurança que acabaram colocando

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Israel como parceiro estratégico e comercial na área de segurança e fiador da maior relevância internacional ambicionado pelo Itamaraty. Israel respondia às ambições políticas dos governos petistas como forma de, por um lado, reafirmar a sua “equidistância” em relação à questão Palestina e, por outro, de mostrar-se uma nação “madura” perante as elites financeiras e grandes potências globais com o objetivo de ser aceito pelos “grandes”. A diplomacia brasileira pretendia transformar as trocas comerciais em confiança política, mas acabaram abrindo as portas do país para a “diplomacia das armas” israelense.

Essa situação pôde ser vista ainda durante a gestão do PT quando o então ministro da Defesa e ex-chanceler Celso Amorim, em meio a umas das crises diplomáticas entre Brasil e Israel durante a gestão Rousseff, declarou que as Forças Armadas brasileiras deveriam deixar de depender de componentes de aviação israelense para ter maior liberdade política e diplomática (MELLO, 2015). Embora visse com bons olhos o aprofundamento das relações comerciais com Israel, Amorim considerou como inaceitável o uso da exportação de tecnologia como fator de pressão política.

[e]stá na hora de as Forças Armadas brasileiras reduzirem sua dependência de Israel. [...] Aceitar como embaixador uma pessoa que foi líder de políticas de assentamentos em Israel seria uma aceitação tácita dessa política, à qual o Brasil se opõe. Não é possível aprovar esse embaixador. (AMORIM apud MELLO, 2015).

Além do crescimento da presença de produtos de segurança israelenses sendo utilizadas por militares e policiais brasileiros durante as gestões petistas, corporações brasileiras do setor de segurança, como a Ares Aeroespecial e Defesa S.A. ("Ares") e a Periscópio Equipamentos Optronicos S.A. ("Periscopio"), foram adquiridas pela israelense Elbit (STW, 2011), que almejava ocupar o espaço deixado pela Odebrecht na área militar, principalmente no setor aeroespacial (COSTA, 2016). Este é um exemplo de joint-venture formada pela entrada dos israelenses no mercado nacional. Outras corporações israelenses que possuem importante atuação no mercado brasileiro são as IMI e a IAI, detentoras de inúmeros contratos com as Forças Armadas e a Polícia Federal, além de negócios e ações de corporações brasileiras do setor de segurança como a Bedek, TAP M & E Brasil, Embraer, EAE e Taurus (STW, 2011).

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Logo, Israel conseguiu construir um espaço para exercer influência e pressão política sobre o Brasil ainda nos anos petistas não somente pela ação de setores não estatais ideologicamente ligados ao Estado de Israel, como o lobby de organizações neopentecostais sionistas, mas por uma coalizão de atores estatais, privados e da sociedade civil integrados às agendas nacional e internacional dos governos petistas. Os planos neo-desenvolvimentistas e de projeção de poder do período petista estavam relacionados a projetos de pacificação de populações, tanto no âmbito nacional (UPPs) como no internacional (Haiti), justificando a aquisição de capacidades coercitivas de “qualidade comprovada”, como são comercializados os produtos israelenses (MACHOLD, 2015), por atores no interior e no exterior do Estado, como o Exército, corporações policiais, Judiciário e indústria nacional de defesa e segurança. As intervenções humanitárias internacionais e os megaeventos esportivos, como os Jogos Olímpicos de 2016, serviram de justificativa para o aumento na importação de tecnologias militares de Israel e também para a entrada do capital de segurança israelense no mercado brasileiro. Com a eleição de Bolsonaro, este grupo passa a ocupar o centro do bloco no poder.

Entendemos, preliminarmente, que a parceira estratégica e comercial com Israel, iniciada pelos governos petistas, tem sido aprofundada por Bolsonaro tanto por razões simbólicas — como por oposição à PEB petista, o alinhamento do Brasil à extrema-direita global e a pressão de grupos evangélicos sionistas brasileiros —, como por razões materiais de fortalecimento das capacidades coercitivas do Estado. Se nos anos petistas a repressão social foi elemento central para assegurar a agenda neo-desenvolvimentista apesar da conciliação de classes promovida pelo lulismo, a radicalização da agenda de reformas neoliberais pelo governo Bolsonaro torna o fortalecimento das capacidades coercitivas do Estado um movimento também observado em diversos governos que assumem uma política de austeridade semelhante e acabam por se ver diante da necessidade de pacificar as populações subalternas que invariavelmente revoltam-se contra os cortes dos seus direitos sociais. Dessa forma, sob o governo Bolsonaro, a “diplomacia das armas”, inclusive, deixa os bastidores e assume o protagonismo, como revela, recentemente, a tentativa de nomeação de Paulo Jorge de Nápolis, que trabalha na empresa aeroespacial IAI (Israel Aerospace Industries), para embaixador israelense no Brasil.

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Logo, de Lula a Bolsonaro, argumentamos que há uma “mudança na continuidade” na relação com Israel. A parceria estratégia e comercial entre Brasil e Israel, com interesse particular para o setor de segurança, foi iniciada pelo governo Lula, continuada na mesma direção, apesar das “tensões” na esfera simbólica e diplomática, por Dilma e de certas resistências na base de apoio social. O governo Temer, particularmente no período de José Serra como chanceler, usou Israel como forma de se afastar da PEB petista, mas manteve-se exclusivamente no plano dos rituais diplomáticos. Já em Bolsonaro, vemos um aprofundamento na guinada discursiva e simbólica iniciada por Serra-Temer, mas também o aprofundamento das relações materiais, principalmente na área de segurança, que haviam sido iniciadas por Lula e Dilma.

Portanto, a “mudança na continuidade” significa, por um lado, uma mudança de direção das relações Brasil-Israel no campo do simbólico e do discursivo, que tem motivado, por outro lado, uma continuidade na política no campo material e econômico, mas com uma gradual mudança no sentido de aprofundar a linha determinada anteriormente. Além disso, avaliamos que a importância que Israel teve nas alterações na política doméstica e externa no Brasil nos últimos anos é produto da ativa “política de segurança” israelense, que por meio da reivindicação do discurso da “equidistância” e “neutralidade” e da influência obtida pelo comércio e o capital de segurança israelense, conseguiram construir um “lobby” capaz de influenciar as ações discursivas e materiais de diferentes atores brasileiros na direção que desejavam.

Considerações Finais

Neste artigo, argumentamos que as relações entre Brasil e Israel entre os governos Lula e Bolsonaro, isto é, o período entre 2003 e 2020, deve ser entendido como um de “mudança na continuidade”. Essa abordagem difere do entendimento de maior parte da literatura e do senso comum que tem a percepção de uma mudança radical nas relações entre as duas nações ao final do governo Dilma Rousseff. Essa crise ocorreria por uma suposta “politização” da PEB durante as gestões petistas que levaria a um alinhamento ideológico com os palestinos e demais nações do Oriente Médio, como os países árabes e o Irã, em contraposição a uma suposta “equidistância” histórica do Brasil em relação à Questão Israel-Palestina.

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Nós argumentamos que essa percepção hegemônica sobre as relações Brasil-Israel ignora, em primeiro lugar, como a posição “equidistante” brasileira sempre serviu aos interesses coloniais de Israel na região, silenciando as reivindicações dos palestinos por justiça. Em segundo lugar, demonstramos como as relações comerciais entre os países desde o primeiro governo Lula tem atravessado por um aprofundamento e abertura do Brasil à “diplomacia das armas” israelense, que diz respeito a uma forma de Israel exercer pressão e influência internacionalmente por meio do comércio de armas e demais tecnologias militares. Logo, os governos petistas teriam iniciado uma aproximação nas relações materiais entre os países que teria permanecido durante toda a gestão Lula e Rousseff apesar de eventuais atritos diplomáticos. O status da relação não teria assumido um rumo oposto no governo Temer tampouco na gestão Bolsonaro. Pelo contrário, Bolsonaro teria apenas aprofundado as relações entre Brasil e Israel por uma decisão política de alinhamento entre os líderes de direita globais e também econômica-material, com o objetivo de aprofundar a importação de produtos militares oriundos de Israel.

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Referências

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