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A disrupção no jornalismo: para onde estamos indo?: perspectivas de caminho e o caso do Portal Catarinas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA CASSIANE BASTOS VILVERT

A DISRUPÇÃO NO JORNALISMO: PARA ONDE ESTAMOS INDO?

PERSPECTIVAS DE CAMINHO E O CASO DO PORTAL CATARINAS

Palhoça 2016

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CASSIANE BASTOS VILVERT

A DISRUPÇÃO NO JORNALISMO: PARA ONDE ESTAMOS INDO?

PERSPECTIVAS DE CAMINHO E O CASO DO PORTAL CATARINAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Comunicação Social - habilitação em Jornalismo, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Professor Luciano Gonçalves Bitencourt, Esp.

Palhoça 2016

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo avaliar os efeitos da disrupção no ecossistema jornalístico, desde a forma de produção, distribuição e consumo de notícias até as suas consequências para o mercado, para a profissão e para o futuro do campo de atuação. Para isso são abordados e debatidos aspectos teóricos acerca do tema, sobre a possibilidade de o jornalismo colocar-se como uma forma de conhecimento, a sua nova relação com a audiência, uma nova visão possível para a profissão e novos aspectos de notícia. Também foi realizada a observação de uma nova proposta prática para o jornalismo com o veículo de mídia independente Catarinas.info, sendo este um estudo de caso que retrata os efeitos da disrupção, lacunas à serem preenchidas e um novo horizonte para o campo. Tudo isso sem a pretensão de concluir, mas de levantar os efeitos e as novas perspectivas que a revolução digital proporciona para o jornalismo.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 5

2. DISRUPÇÃO NO JORNALISMO ... 9

2.2. Do digital para o social ... 12

2.3. Da produção de notícia para produção de conhecimento e a relação com a audiência ... 14

3. JORNALISMO E PERSPECTIVAS ... 17

3.1. O profissional jornalista disruptivo ... 21

4. O PORTAL CATARINAS, UM INDICATIVO PARA A DISRUPÇÃO QUE ESTÁ EM CURSO ... 24

4.1. Ideia inicial ... 24

4.2. Viabilização e organização do Portal ... 25

4.3. Linha Editorial e a concepção das notícias ... 28

4.4. A relação com a audiência ... 31

4.5. Outras perspectivas do Portal Catarinas... 32

5. CONCLUSÃO ... 34

BIBLIOGRAFIA ... 36

APÊNDICE ... 37

Entrevista com Clarissa Peixoto, uma das idealizadoras do portal Catarinas.info: ... 37

Entrevista com Paula Guimarães, uma das idealizadoras do portal Catarinas.info: ... 60

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1. INTRODUÇÃO

“O futuro já chegou, só não está uniformemente distribuído”.

A frase de Gibson (1999) ilustra muito bem o cenário atual pelo qual o jornalismo está passando. Em um período pós-revolução industrial e passando por uma revolução digital, a atualidade vem discutindo uma crise no campo jornalístico. Teóricos, críticos, curiosos e até mesmo os profissionais se perguntam sobre o futuro da profissão, do campo de atuação e do mercado jornalístico.

Sabemos que, com novas tecnologias, o processo de produção e distribuição de produtos e serviços é modificado. O mesmo acontece com o jornalismo, que, ao passar do analógico para o digital, tem seu processo de produção, distribuição e interação com o público modificado e é até reposicionado dentro da sociedade. Sua função e seu valor têm sido questionados, com a suposição disfarçada de certeza “agora, com a internet e as redes sociais, o jornalismo morreu”.

Porém, há sinais de que a utilidade e a necessidade do bom e velho jornalismo ainda existem. Apenas mudaram de formato nos últimos dez anos. Estes sinais se manifestam das mais diversas maneiras, mas são perceptíveis à medida que cada vez mais pessoas estão conectadas em rede e consumindo informação - nem sempre qualificada, e cada vez mais veículos e profissionais de jornalismo aderem ou optam pela tecnologia como a principal ou uma das suas mais importantes ferramentas de trabalho.

Apesar disso, a profissão parece ainda não ter encontrado, frente ao panorama atual, um norteador mais claro de para onde caminhar, uma forma mais sustentável de manter-se ou mesmo tornar-se novamente rentável. Isso porque nunca antes estivemos tão bem munidos de ferramentas e informação, com agilidade e velocidade, mas também tão confusos, perdidos e desinformados sobre o mundo, a profissão e o mercado.

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Por isso, o objetivo do presente trabalho é dialogar antigas teorias com novas premissas e práticas, para levantar novas hipóteses sobre perspectivas possíveis para o futuro do campo jornalístico, desde a sua prática, sua função e sua importância atual.

Sem a pretensão de ser conclusivo, este trabalho procura desenhar novas circunstâncias por onde a prática jornalística pode caminhar no século 21, para que o jornalismo não só continue existindo, mas se compreenda melhor como atividade, profissão, área de estudo e mercado de trabalho.

Pensando o jornalismo nos moldes do fim do século 20, quando as técnicas de produção, apuração e divulgação das notícias seguiam um processo linear clássico, onde a mídia - sendo tratada aqui como um conjunto de organizações jornalísticas - detinha a hegemonia sob a informação e a relação com o receptor era uma via de mão única, quando comprar o jornal de manhã cedo era primordial para se estar atualizado, podemos perceber que nos dias atuais isso já não se aplica, porque os hábitos de consumo de notícias e a forma como elas são produzidas e circulam mudaram.

Em uma primeira impressão, essa mudança poderia ter sido a certidão de óbito do jornalismo, visto que nos dias atuais a informação circula de maneira não linear. A hegemonia do gatekeeper passou para as mãos do “ex-público”1, que agora se caracteriza muito mais como uma audiência potencial - alcançável ou não - altamente conectada em rede através de novos dispositivos, formatos, horários e, o mais importante, tendo vontade de consumir conteúdo e notícias por diferentes interesses e motivos, muito mais próprios e nem sempre de acordo com a agenda dos grandes jornais e noticiários.

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A teoria do Gatekeeper pressupõe que as notícias são como são porque os jornalistas assim as determinam, defendendo que, diante de um grande número de acontecimentos, só viram notícias aqueles que passarem por uma cancela ou portão e quem decide isso é um selecionador, que é o próprio jornalista ou a mídia. Eles seriam os responsáveis pela progressão da notícia ou por sua morte caso não a deixe ser publicada. Porém, atualmente com a tecnologia e a internet, o público, que antes recebia a notícia passivamente começa a não só interagir com ela, como publicar informações que não necessariamente se tornariam notícias e até a influenciar no que é pauta ou não, podendo ser considerado agora uma audiência, muito mais interativa, participativa e exigente.

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Basicamente, toda a cadeia de valor e a estrutura de mercado vem sendo modificada com a revolução digital. Mas, apesar disso, é possível perceber que o jornalismo continua vivo, em outras vertentes e nuances. Exemplo disso são os cursos, faculdades e escolas que continuam existindo, também os "primos" do jornalismo, disciplinas que fazem parte da antiga “comunicação social” como relações públicas, publicidade e marketing, continuam por aí no mercado, descobrindo novas formas de se sustentar e sobreviver, apostando em abordagens cada vez mais transdisciplinares.

Se o jornalismo como área de estudo ainda está vivo, se o fechamento das redações e o esvaziamento dos jornais, em franco processo de retração, não são sinais da morte da profissão, o quê esses sinais nos dizem?

Para responder a essa pergunta é necessário analisar toda a cadeia de

stakeholders2, as antigas e novas lógicas envolvidas no processo jornalístico. Além

disso, avaliar fatores externos, culturais e geracionais que modificam a relação da sociedade e das pessoas com o campo.

Em paralelo a essa questão, competências e aptidões - técnicas e humanas - dos profissionais de comunicação, mais especificamente jornalistas, são demandadas pelas áreas de atuação correlatas e por mercados emergentes, como os de startups3, que criam novos cargos, áreas e atribuições para o trabalho. Percebe-se que a profissão assume novas fronteiras, delimitadas pela incorporação cada vez mais intensificada de tecnologias e da internet à atividade jornalística. Nem os profissionais nem o mercado em si parecem saber como lidar direito com esse

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O termo stakeholder foi cunhado pelo filósofo Robert Edward Freeman em 1963 e se referia à "grupos que sem seu apoio a organização deixaria de existir" Nos dias atuais, um stakeholder é alguém que se relaciona de alguma forma e entrega algum valor à uma pessoa ou organização, mesmo que não seja o único ou principal interessado no negócio. No campo jornalístico, os stakeholders são todos aqueles envolvidos de alguma maneira com o meio, desde a audiência, os profissionais, as instituições de mídia, seus financiadores e os estudiosos do campo.

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Start-ups podem ser definidas como empresas iniciantes de tecnologia (Fernandes, 2015). Uma empresa com perfil de start-up normalmente é de base tecnológica, com espirito empreendedor, estruturas de relação mais horizontais e modelos de negócio inovadores.

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fenômeno4.

Para sustentar essa discussão é possível partir da afirmação de Genro Filho (1987), de que a polarização entre teóricos e práticos ainda sugere uma incomunicabilidade entre as teorizações existentes e a riqueza da prática jornalística.

É possível também dizer que, com a revolução digital, o jornalismo vem ganhando outras feições, graças ao incremento de mais formas, meios, tecnologias e premissas, que modificam tanto a prática como as noções de utilidade da profissão. As mudanças são tão rápidas e dinâmicas que as teorias existentes acerca do campo não parecem mais capazes de acompanhá-la, dando conta da sua totalidade.

Parte dessa dissonância pode ser atribuída ao fato de que grande parte das teorias do jornalismo e das reflexões sobre a própria atividade não oferecem suporte para a prática, visto que elas baseiam-se na notícia como ponto de partida, sendo que hoje há uma inversão de valores. Ter posse de uma informação ou um lugar para divulgá-la não é mais o bastante como expressão de poder. O grande valor hoje está em saber o que fazer com um conteúdo e quais conexões são possíveis a partir dele, utilizando-o como uma ferramenta e não um fim em si mesmo.

O que acontece hoje é que qualquer um pode dar informações ou noticiar um fato em rede. Porém, o exercício do olhar jornalístico e de reportar os acontecimentos com coesão, coerência, de maneira contextualizada, ainda é uma

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Afirmativa que pode ser percebida e analisada no estudo “Trabalho jornalístico e convergência digital no Brasil: um mapeamento de novas funções e atividades” realizado por Jacques Mick. A partir da pesquisa online “Perfil profissional do jornalismo brasileiro”, o estudo reuniu respostas de 4.183 profissionais jornalistas em 2012, e concluiu 288 descrições de novas funções e 177, de novas atividades para o campo, percebendo competências demandadas dos jornalistas em três áreas: o planejamento de mídias; a produção de conteúdos e o desenvolvimento de novas linguagens; a gestão de equipes, além da exigência dos empregadores por profissionais multitarefas. O trabalho argumenta que, ao dotar continuadamente o mercado de trabalho de novos profissionais com ensino superior completo, a expansão da oferta de cursos de Jornalismo no país favorece a ação de empregadores cujas estratégias comportam saberes típicos da profissão, tanto naquelas em que o jornalismo é uma atividade-fim, como naquelas em que é uma atividade-meio. Além disso, ressalta que combinam-se à isso os efeitos das inovações tecnológicas que tanto deterioraram o padrão de financiamento adotado majoritariamente pelas empresas jornalísticas no ocidente desde o século 19, quanto ampliaram a possibilidade de produção e circulação de conteúdos jornalísticos por empresas e organizações não midiáticas.

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virtude apenas dos profissionais que - com diploma ou não5 - entendem e re-significam a função do repórter, trazendo a densidade necessária para as discussões, para o escopo da profissão e do campo de atuação. Isso pode sugerir um novo ponto de partida para se pensar e teorizar o jornalismo: o do jornalista. Para Genro Filho (1987, p.6): "As abordagens que predominaram nas últimas décadas giram em torno da comunicação de massa, da publicidade e das técnicas de informação, sem destacar o jornalismo como objeto específico a ser desvendado".

Como teórico do jornalismo, Genro Filho já considerava, nos anos 80, a inconsistência das premissas jornalísticas que não contemplam a área em sua totalidade e concentram-se apenas na notícia como conceito. À época, Genro Filho discutia a necessidade de os estudos em jornalismo assumirem o compromisso de refletir a si mesmo enquanto prática e fundamentar-se enquanto área de conhecimento. Passados mais de 30 anos, as teorias do jornalismo ganharam reconhecimento e legitimidade acadêmico-científica, mas carecem agora de olhar para a atividade não mais como produtora de notícias, exclusivamente. Neste ponto, realmente o jornalismo talvez já pudesse estar morto. Se o campo continuar a insistir e restringir-se a discutir apenas quem dá e quem recebe informações essa é uma tendência que pode se confirmar.

Por outro lado, saber juntar pontas de um complexo quebra-cabeça e registrar a história do presente enquanto ela acontece é com certeza ainda uma necessidade. Aí reside a perspectiva de debater e criar novas teorias, que reconheçam um espaço ocupado pelo jornalismo, ainda não reconhecido ou legitimado.

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Em 17/06/2009, por 8 votos a 1, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram pela não obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercer a profissão. A decisão ocorreu após análise do mérito do Recurso Extraordinário (RE) 511961, movido pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp) e pelo Ministério Público Federal (MPF). O presidente do STF, Gilmar Mendes, relator do caso, entendeu que o Decreto-lei 972/69, editado durante a ditadura militar, afrontava a Constituição Federal. O processo corria desde 2001, quando a juíza Carla Rister, da 16ª Vara Civel da Justiça Federal em São Paulo, concedeu liminar contrária à obrigatoriedade da formação acadêmica para obtenção do registro profissional de jornalista pois considerava a atividade meramente de base cultural ampla e boa expressividade. Quatro anos depois, em 2006, a liminar foi julgada novamente garantindo o exercício da atividade jornalística aos que já atuavam na profissão independentemente de registro no Ministério do Trabalho ou de diploma de curso superior na área.

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Há a necessidade de se pensar e comparar as novas relações da área com o modo clássico de produção para que profissionais, estudantes de jornalismo, estudiosos e mesmo a sociedade saibam qual a dimensão e as proporções que a atividade pode tomar, sendo posicionada novamente como um ativo relevante, uma profissão importante e um negócio sustentável, frente a uma nova configuração do mundo.

Claro que por este caminho existem dificuldades que podem estar diretamente relacionadas à instabilidade que o ecossistema6 jornalístico vive, causada pela dissolução de grandes jornais e empresas de mídia, pelo o fato de a área não ter ainda constituído um novo modelo de negócios que se relacione com empresas, profissionais e público. Os próprios profissionais têm dificuldade de aceitar que o campo se expandiu de tal forma com a tecnologia que, além das ferramentas, as intenções e pretensões da atividade também precisam mudar. Por isso, o presente trabalho propõe-se a levantar discussões sobre esse processo de re-descoberta e legitimação.

Se atualmente é fato que o jornalismo tem à sua disposição o uso de dados, a interação com múltiplas plataformas e uma nova forma de se relacionar e alcançar a audiência, também é possível afirmar que boa parte do mercado e dos profissionais ainda não aprenderam a utilizar isso à seu favor. O desafio maior parece estar na relação com a audiência, porque agora esta passou de um grupo de meros receptores para uma camada social que não só interage, mas também participa da construção da notícia e pauta veículos jornalísticos. Não só isso, essa audiência é formada por pessoas que não precisam mais dos veículos oficiais e que não dão mais a credibilidade e o valor a quem tem um furo de reportagem. Em um mundo conectado, esse conceito já está no passado. Para quem sabe trabalhar dados, fatos, histórias e até projeções sobre o futuro em conteúdos e textos que agreguem conhecimento, informação e esclareçam sobre um tema, qualquer que seja ele, os desafios são outros.

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A ideia de ecossistema está associada à cadeia produtiva do jornalismo, ou seja, o conjunto de etapas consecutivas, ao longo do processo de produção clássico do jornalismo que transforma meras informações - insumos - em notícias, e as transmitem para a audiência, sofrendo algum tipo de transformação, até a constituição de um produto final.

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Todos esses indícios de mudança, no começo sutis mas fortes o suficiente para assustar profissionais da área, precisam servir agora para despertar no jornalismo - e nos jornalistas - a consciência de que, além de adaptar-se, é preciso se redescobrir, encontrar formas de entregar valor e continuar relevante, mesmo concorrendo, literalmente, com todo mundo que escreve, informa e forma opinião em rede.

Essas mudanças acerca do jornalismo, levantadas nesta introdução, serão descritas no próximo capítulo. A responsabilidade por essas instabilidades no negócio e a necessidade de “recalcular a rota’’ podem estar relacionadas com uma prática utilizada para elaboração de novos negócios. Como o jornalismo, antes de tudo, também é um negócio, pode estar sofrendo os efeitos colaterais dessas práticas, mesmo sem perceber.

No decorrer do trabalho serão levantados três pontos de discussão sobre as mudanças que vêm ocorrendo no jornalismo, sob a perspectiva de que os processos disruptivos que impactam sobre a atividade não tenham sido objeto de estudo da área. O método utilizado baseia-se na busca de informações atualizadas sobre o contexto, por meio de pesquisa e revisão bibliográfica.

No prímeiro capítulo serão abordadas causas e hipóteses dos impactos dessa mudança na esfera da produção, da distribuição, da relação com a audiência e da composição de notícias. No segundo capítulo, perspectivas de como essas mudanças podem ser trabalhadas a favor do jornalismo e dos profissionais. E, por fim, no terceiro capítulo, será abordado um estudo de caso realizado por meio de entrevistas semi-estruturadas com jornalistas que vêm enfrentando e surfando a onda dessas mudanças. A escolha pelo método de entrevista deu-se em função deste modelo oferecer abertura e possibilidade de discorrer sobre o tema proposto com espontaneidade e, assim, ter uma cobertura mais profunda do assunto. Para sua realização, foi elaborado um conjunto de questões definidas previamente, mas direcionadas em um ambiente de conversa quase informal, para que fosse possível captar informações relevantes que tivessem um maior direcionamento com o tema.

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2. DISRUPÇÃO NO JORNALISMO

A sequência de modificações no modo de produção, distribuição e também na natureza das informações jornalísticas, e o surgimento de novas formas e modelos de como realizar esses processos demandam a necessidade de discutir para onde o jornalismo como atividade está caminhando, como a mídia enquanto conjunto de instituições está se adaptando, que papel ela está assumindo diante dessas mudanças e como os profissionais da área do jornalismo podem entrar nessa dança - que toca em um ritmo diferente, influenciado por movimentos que o mercado todo vem sofrendo.

Um termo possível para descrever esses movimentos e processos de ruptura pelos quais o jornalismo vem passando, em todos os seus campos, é disrupção ou inovação disruptiva.

Segundo Dru (2005), a disrupção pode ser aplicada como uma metodologia para questionar a ordem estabelecida e desafiar as abordagens testadas e comprovadas. Aplicado à publicidade, esse processo passar por três passos: convenção, disrupção e visão, começando por identificar as convenções que restringem o processo de pensamento com relação a uma determinada situação, depois a fase de contestação para geração de novas ideias com um sentido definido de visão. Para ele, o processo pode ser aplicado em diversas situações com o objetivo de reestruturar, replanejar e reconfigurar a forma de executar determinado processo, examinando as práticas já estabelecidas e as características específicas do setor ou atividade em questão.

A inovação disruptiva ou disrupção atua no que tange produtos, serviços e organizações que mudam seus formatos espontaneamente ou não - como no caso do jornalismo, que pode ser considerado uma organização quando se trabalha uma ideia de mercado que utiliza notícias como produto e organiza sua prática no âmbito da organizacional, já que as normas instituídas em organizações muitas vezes sobrepõem-se aos valores individuais dos jornalistas -, e acabam mudando também

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o mercado onde estão inseridos. Isso significa uma quebra de paradigmas sobre “n” temas e processos que impactam negócios, desde a sua esfera interna e estrutural até sua relação com consumidores/clientes e concorrentes, invertendo ordens de poder ou importância.

O termo disrupção foi cunhado pela primeira vez pelo professor Clayton Christensen, de Harvard, inspirado no conceito de “destruição criativa” cunhado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter em 1939 para explicar os ciclos de negócios. Para o economista, o capitalismo funciona em ciclos e cada nova revolução - industrial ou tecnológica - destrói a anterior e toma seu mercado (DRU, 2005). Por isso, a disrupção geralmente é capaz de modificar produtos, serviços ou mercados, atendendo a públicos diferentes e criando novos segmentos de negócio.

No jornalismo, a disrupção pode ser identificada inicialmente em três esferas que envolvem o tema: na forma de produzir, nos modos de distribuir e na essência das notícias. Isso quer dizer que métodos de apuração, divulgação, consumo e até o teor das notícias vem sofrendo uma quebra de padrões.

2.1. Do analógico para o digital

Esse tipo de transformação está em curso no ecossistema jornalístico mas não de maneira inteiramente proposital. O jornalismo, pode-se dizer, sofreu a sua primeira disrupção durante a revolução digital, com a adoção da internet como ferramenta para facilitar o trabalho, inicialmente dos jornalistas que ganharam uma nova fonte de pesquisa para apuração, posteriormente de produtores de conteúdo que ganharam um espaço, a primeira vista mais amplo e democrático para hospedarem suas ideias e, por último, do público que teve seu acesso ampliado a qualquer tipo de informação. A entrada do jornalismo no meio web gerou a criação de novas atividades, ocupações no âmbito profissional e até áreas de estudo, como o ciberjornalismo. Apesar disso, com a disrupção dessa ferramenta e posteriomente da competição com as redes sociais e produtores de conteúdo, o fator negativo

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“tempo” foi adicionado ao trabalho nas redações, pois era necessário muito mais agilidade - qualidade esta que as grandes redações ainda não têm - para dar a notícia em primeira mão. Mudar de ferramentas analógicas para digitais influenciou de diferentes maneiras os processos jornalísticos, colocando mais velocidade e agilidade na circulação de notícias, o que demandou também mais rapidez nas redações para alimentar o público, que começou a não depender mais tão diretamente das instituições, já que na web é possível encontrar conteúdo que não parte necessariamente de organizações de mídia.

Uma consequência negativa dessa primeira disrupção foi a queda na qualidade das coberturas jornalísticas, indicando que antes de melhorar ou se adaptar, a situação do jornalismo clássico tende a decair um pouco mais, se não houver entendimento de como tecnologias disruptivas, mais especificamente a internet, influenciam e modificam diretamente a dinâmica do jornalismo como um todo.

As transformações em curso no ecossistema jornalístico já tiveram o efeito de derrubar a qualidade da cobertura jornalística nos Estados Unidos. Estamos convencidos de que, antes de melhorar, a situação do jornalismo em solo norte-americano irá piorar ainda mais – e, em certos lugares (sobretudo em cidades de médio e pequeno porte, sem um jornal diário), piorar muito. Nossa esperança é limitar o alcance, a profundidade e a duração dessa derrocada. Como? Sugerindo saídas para a produção de um jornalismo de utilidade pública, com a adoção de ferramentas, técnicas e premissas nem sequer imagináveis dez anos atrás. (Anderson; Bell; Shirky; Félix; Revista Jornalismo ESPM, 2013, p. 32)

No Brasil, é possível exemplificar essa hipótese, observando a falta de agilidade que a cobertura jornalística formal hoje tem em relação à internet, o que faz da notícia muitas vezes apenas um “resumo atrasado” dos fatos, sem agregar nada de novo ao que todos já sabem. Sinais dessa baixa na qualidade também se manifestam na apuração das notícias, quando jornalista ou veículo, na ânsia de competir com o imediatismo da internet, não checa as informações e muitas vezes divulga dados errados.

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Esses erros não são bons, mas trazem uma nova perspectiva positiva: eles representam as lacunas que o jornalismo tradicional deixa para trás, que podem ser preenchidas por coletivos, jornalistas independentes e novas iniciativas que resgatem o que era essencial ao jornalismo: a sensibilidade para apuração e observação, o exercício da reportagem, no sentido de reportar fatos e, principalmente, a capacidade de contextualização, de ser um tradutor da história do seu tempo, em tempo real.

2.2. Do digital para o social

A disrupção, que começou inicialmente por meio das tecnologias, fazendo com que o modo de produção pós-industrial7 passasse do analógico para digital, também atingiu o campo por outros pontos de vista, impactando na forma como as notícias são difundidas e distribuídas, deixando o mercado jornalístico mais competitivo e com os novos concorrentes, como as redes sociais, citadas anteriormente.

Essas redes são repositórios inesgotáveis de informação e, de certa forma, acabam tirando o controle total sobre a informação das mãos da grande mídia, pois colocam todos ao mesmo tempo no centro de um grande palco.

Não que a imprensa e os meios de comunicação institucionais ou de massa tenham perdido totalmente a hegemonia, mas a disrupção atuou em um segundo nível do jornalismo: o modo de distribuir notícias e a reviravolta na relação entre emissores e receptores.

Essa descentralização causada pela disrupção, é pontuada por Rubleski (2010), em um viés de análise que coloca em xeque as teorias e pressupostos que

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Termo citado pelos autores Anderson; Bell; Shirky; Félix, 2013, Revista de Jornalismo ESPM, cuja versão inglês foi traduzida para publicação no Brasil, utilizado para definir o período após a popularização da internet, em meados da década de 90, mais especificamente após 1998, quando a ferramenta começou a ser usada e também trouxe consigo novas técnicas, premissas e expectativas para o meio jornalístico.

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norteiam os estudos sobre as notícias e o jornalismo, uma vez que a ruptura do pólo de emissão desestrutura de certa forma algumas teorias, e as informações e notícias passam a circular de forma não linear e desordenada.

Neste ponto, o efeito natural inicialmente negativo da disrupção foi colocar a sociedade em um ambiente de exposição excessiva de informação. Tendo muitos fatos acontecendo pelo mundo e dados à disposição que podem vir a tornar-se notícia ou conteúdo de outra ordem, de livre circulação pela rede e sem a priorização ou uma mínima organização inicial, as pessoas acabam sem orientação de como consumir e assimilar tudo isso.

Mas é também graças à disrupção que o jornalismo ganha a possibilidade de ser um agente capaz de reconhecer a veracidade e a credibilidade das informações que circulam. Os coletivos e a própria mídia tradicional estão ocupando gradativamente um espaço online, trabalham contextos e olhares, voltando o jornalismo para uma atividade que não deseja apenas o “furo”, mas sim contribuir com informação contextual e relevante para uma determinada audiência.

Por essa perspectiva, as pautas começam a surgir do próprio contexto e uma nova relação se estabelece entre a informação jornalística e as mudanças relacionadas à sociedade, o que está diretamente ligado ao tipo de sustentabilidade e relevância, no presente e no futuro, da informação apurada e divulgada.

Já na década de 80, Genro filho (1987) afirmava que, apesar da grande defasagem entre a atividade jornalística e as teorias que se fazem em torno dela, o jornalismo tem uma função social quando a pirâmide invertida8 clássica é colocada de pé. Adelmo tratava da pirâmide enquanto a principal referência simbólica para o texto jornalístico na época, pois, tecnicamente, a construção do texto influencia nas formas de produção e consequentemente nos estudos a respeito da atividade.

Hoje, o "lide" ainda pode ser uma referência na produção textual jornalística, impondo às informações uma ordem de importância, partindo do quê para as

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A pirâmide invertida é uma técnica de estruturação do texto jornalístico que prioriza a disposição da informação ao longo do texto em ordem decrescente de importância, partindo do pressuposto de que as informações básicas: ‘’o quê’’ ‘’quem’’ ‘’como’’ ‘’onde’’ ‘’quando’’ e ‘’porquê’’, nesta ordem, são mais relevantes para dar a notícia à audiência.

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consequências do fato. Porém, com os processos disruptivos na atividade, essa perspectiva pode ser ampliada, adaptada e agregada a novas técnicas para os novos meios, com o objetivo de retratar um acontecimento singular, mas ajudando na significação de situações universais, como um modo de trazer os fenômenos cotidianos para o conhecimento social.

Ao trabalhar as perspectivas de “singular”, “particular” e “universal”, com um enfoque teórico, utilizando-se do pensamento filosófico clássico alemão sob uma ótica marxista, Genro Filho (1987) considerava que esses conceitos expressam dimensões reais da objetividade e conexões lógicas fundamentais do pensamento, sendo a singularidade uma manifestação que acontece na atmosfera cultural de uma imediaticidade compartilhada, uma experiência vivida de modo mais ou menos direto; a particularidade algo que se propõe no contexto de uma atmosfera subjetiva mais abstrata no interior da cultura, a partir de pressupostos universais geralmente implícitos, mas de qualquer modo naturalmente constituídos na atividade social; e a universalidade, a formulação adequada que busca a determinação de uma pluralidade ilimitada, por mais específico que seja o objeto e por mais especializado que seja o saber, produzindo um conhecimento que aspira sempre ao universal.

Genro Filho também sustentava que a atividade vai além de uma função comercial, por meio de seus estudos que buscavam entender a natureza da atividade, partindo do pressuposto de que ela não precisa ser do jeito que é, visto que propõe outras possibilidades. Essa teoria busca contextualizar o fato na produção jornalística, este que só existe por uma série de variáveis em contexto. Por isso, Genro Filho propunha que isso deveria ser objeto, não de matéria jornalística, mas de conhecimento por parte do jornalista para que sua produção pudesse gerar conhecimento também para a sociedade a respeito não do que aconteceu, mas do valor que isso teria para o cotidiano.

2.3. Da produção de notícia para produção de conhecimento e a relação com a audiência

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Depois de integrar a internet e as tecnologias sociais, o jornalismo assiste à reinvenção do público e de como ele se relaciona com as informações em rede. É possível levantar a hipótese de enxergar o jornalismo além do comercial e da atividade que apenas noticia acontecimentos graças à disrupção, que nos força a repensar as relações entre as instituições de mídia, os profissionais, e de ambos com a audiência e as notícias.

Cada vez mais novas, gerações que integram a sociedade, o mercado de trabalho e tão logo ditarão o futuro do mundo, saem de uma mentalidade de escassez e individualismo, heranças do período pós-revolução industrial, para uma mentalidade que simpatiza mais com assumir premissas colaborativas e sociais, subvertendo a ideia de massificação e fragmentando ainda mais nichos e grupos que consomem produtos, serviços e informações relevantes, de acordo com interesses pessoais, e não escolhidas por um agente externo - a mídia -, como ocorria antes da efetivação de processos de produção digital. Neste ponto Weber e Coelho descrevem que (2011, p. 25):

O público que lê e atribui credibilidade à informação jornalística indica o poder e a responsabilidade dessa instituição sobre a verdade e o registro temporal. Face à dimensão pública da atividade jornalística, adquire relevância a pergunta sobre sua função social, já que o interesse público passa a ser também um critério de noticiabilidade.

Além de ditar o interesse, como no caso acima, o público agora demanda, sugere e contribui, e o valor jornalístico das redes sociais “ocupa um espectro que vai do indivíduo munido de uma informação importante – a testemunha em primeira mão, o “insider” – até a coletividade” (Anderson; Bell; Shirky; Félix; Revista Jornalismo ESPM, 2013, p. 42).

Frente a esse cenário - com premissas de coletividade - novas perspectivas jornalísticas surgem. Um exemplo é a imprensa alternativa que, segundo Rubleski (2010), traz novas configurações para as notícias, não mais massivo-mediadas porque são disponibilizadas em nichos, redes e outras mídias de acordo com interesses específicos. Nesse sentido, mesmo não passado por constrangimentos

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empresariais, não seguindo necessariamente os mesmos critérios das redações para sua seleção, ainda são consumidas como notícias.

A disrupção permite que, além da mídia tradicional, organizada e hegemônica, existam outros caminhos, cuja proposta insere ingredientes especiais, que agradam determinada audiência e engaja pessoas acerca de temas, assuntos e informações, produzindo conhecimento. Além disso, oferece oportunidade de participação e construção com o público, uma vez que:

[E]m muitos acontecimentos de relevância jornalística, é cada vez mais provável que a primeira descrição dos fatos seja feita por um cidadão conectado, não por um jornalista profissional. Em certas situações – desastres naturais, chacinas –, a transição já foi concluída. Nesse caso, como no de tantas outras mudanças no jornalismo, a erosão de velhas formas de agir é acompanhada da expansão de novas oportunidades e de novas necessidades de um trabalho jornalisticamente importante (Anderson; Bell; Shirky; Félix; Revista Jornalismo ESPM, 2013, p. 43).

Trabalho este que pode ser executado principalmente pela mídia independente, dependendo do tema, do assunto e do enfoque, das abordagens e do interesse da audiência.

Portanto, de diversas formas a disrupção, ao mesmo tempo que quebra premissas, impõe novidades e muda relações. No estágio atual em que se encontra, o jornalismo ainda permite que haja familiaridade entre a mídia tradicional e a independente, mas que fica apenas no âmbito das técnicas inerentes à atividade. Além deste ponto, seja qual for a natureza do jornalismo, clássico ou alternativo, suas características particulares assumem novas funções na sociedade, de acordo com seus próprios critérios sobre o que é relevante enquanto pauta e notícia, mantendo o cunho jornalístico mais direcionado aos interesses da audiência e à função social da sua existência.

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3. JORNALISMO E PERSPECTIVAS

Segundo Anderson, Bell, Shirky e Félix (2013), se no início do século havia uma indústria jornalística que se mantinha pela similitude de métodos entre um grupo relativamente pequeno e uniforme de empresas, hoje, com a disrupção, aumenta a capacidade de agentes externos a esse grupo criarem produtos competitivos. Porém, apesar de quebra de convicções que o jornalismo vem sofrendo, algumas delas ainda podem ser mantidas:

- O jornalismo é essencial;

- O bom jornalismo sempre foi subsidiado;

- A internet acaba com o subsídio da publicidade; - A reestruturação se faz, portanto, obrigatória;

- Há muitas oportunidades de fazer um bom trabalho de novas maneiras.

Surge aí oportunidade para novas perspectivas de jornalismo, principalmente sobre os espaços de mídia independente, que entram no cenário como uma alternativa à mídia tradicional e fazem o jornalismo retomar velhos paradigmas, em que a produção se associa mais a ideias e ao conhecimento do que propriamente a informações como produto.

Genro Filho (1987, p. 130) já propunha que:

Pode se falar do jornalismo como uma forma de conhecimento porque, distinto da comunicação elementar cotidiana, não se trata de algo espontâneo associado naturalmente à consciência individual e às relações externas imediatas de cada pessoa, mas de um processo que socialmente coloca complexas mediações objetivas, que implica uma divisão de trabalho - e por consequência - um fazer e um saber específicos.

Segundo ele, o jornalismo mercadológico, de pouca profundidade, não conseguia - e ainda não consegue - replicar e construir um acompanhamento

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histórico em tempo real que permita o compartilhamento e o enriquecimento das informações para a construção de conhecimento.

Mas, com a presença da inovação disruptiva e novas formas de utilizar o jornalismo para outros fins, não só o de informar, surgem espaços para iniciativas jornalísticas que constroem conhecimento em rede, com participação e contribuição de pessoas distantes, especialistas, outros jornalistas e até mesmo do público. É preciso considerar que “nem toda a mensagem-consumo é jornalismo e nem toda a informação jornalística obedece, exclusivamente, a critérios de consumo mercantil” (GENRO FILHO, 1987, p.131).

Ao pensar o jornalismo como “uma dimensão simbólica da apropriação social do homem sobre a realidade” e uma “modalidade de informação que surge sistematicamente destes meios para suprir certas necessidades hitórico-sociais”, Genro Filho ainda não vislumbrava o potencial das redes e da internet, tampouco que a disrupção permitiria uma conexão de tudo isso por meio de ferramentas. Mas hoje essas premissas tornam-se cada vez mais palpáveis.

Atualmente, a adaptação a essa nova forma de organização de mundo, além de exigir mudanças não só práticas, pede reformulações e reconsiderações nas concepções teóricas que os jornalistas têm da profissão e de si mesmos. Ou seja, incorporar um punhado de técnicas novas não será suficiente para a adaptação ao novo ecossistema; para tirar proveito do acesso a indivíduos, multidões e máquinas, também será preciso mudar radicalmente a estrutura organizacional de veículos de comunicação e a forma de fazer o jornalismo, já que “o jornalismo moderno (...) permite, pela natureza mesma do conhecimento que produz, uma imprescindível participação subjetiva no processo de significação do ser social” (GENRO FILHO, 1987, p. 179).

Genro Filho traduz, portanto, que somente utilizando-se das novas formas de produção e distribuição consequentes do processo disruptivo, somadas às velhas e boas competências, será possível ‘reencaixar’ o jornalismo no cenário atual e recuperar seu valor.

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Descortina-se a necessidade de novas discussões e pesquisas que contemplem também as notícias que circulam livremente na Internet, se correta a premissa de que é também a proximidade que propicia notícias em ambiente pós-massivo por não profissionais. Há elementos que a diferenciam das decorrentes das pautadas pela redação profissional? Pode-se mencionar a apuração, já que Pode-se pressupõe que o jornalista e a empresa disponham de formas de apuração profissionais. Mas, quando as fontes se mostram acessíveis também para o cidadão comum – este mesmo, possivelmente, uma testemunha ocular – como analisar a tessitura desta notícia? Por fim, busca-se encaminhar o questionamento central deste artigo pelo próprio questionamento do que é, afinal, notícia (RUBLESKI, 2010, p. 13).

Desses questionamentos, podemos perceber que o fato de uma nova ferramenta que influencia no modo de distribuição da notícia e de interação com a audiência desestabiliza conceitos clássicos.

Neste ponto, a disrupção rompe o corpo esculpido de uma reportagem e das técnicas de apuração, que, só por serem empresariais, não são necessariamente profissionais. Isso porque hoje um jornalista pode estar conectado a outros, desconectado de uma empresa ou até exercendo uma outra função que não a de jornalista. Mas suas competências técnicas e humanas adquiridas para o exercício da atividade continuam contando.

Outra ideia a se desconstruir é a visão dual e antagônica de que o cidadão comum não pode registrar fatos e publica-los - mito que já cai com a existência da internet. Mais importante, é preciso desconstruir também a ideia de que o jornalista não é um cidadão comum. Para estabelecer um novo pressuposto é necessário compreender que informações sem apuração nem procedimentos que verifiquem sua veracidade não são notícia, sejam elas publicadas por profissionais ou por não jornalistas. O ponto é que o fato de a informação estar em todos os lugares atualmente, não significa que todas elas sejam de qualidade, jornalísticas e relevantes.

Por isso, cada vez mais a mídia e o jornalismo podem se aproximar da audiência, tratando questões de interesse para suprir a necessidade de nichos específicos, atualizando, inclusive, informações passadas pelas próprias testemunhas oculares ou pela contribuição da própria audiência, contextualizando

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fatos que precisam ser esclarecidos e reportando quais diálogos podem ser interessantes, quais acontecimentos podem ser relevantes.

Neste ponto, a disrupção no jornalismo faz convergir teorias, ferramentas, formas de fazer, temas de notícia e conceitos, sejam novos ou antigos. E a mídia independente começa a despontar como uma alternativa à mídia tradicional, apesar de ainda estar buscando formas de consolidação, procurando pontos de sustentabilidade e rentabilidade, como será verificado no estudo de caso do capítulo 3.

A mídia independente procura lugar nas lacunas deixadas pela mídia tradicional, posicionando-se não como concorrente ou complemento, mas uma nova perspectiva de registro e contextualização de acontecimentos, que abrange não o público em massa dos meios tradicionais mas sim um nicho específico de interesse. Reforça sua independência principalmente em termos ideológicos e editoriais, mas busca também uma certa dose de independência financeira. Propõe, inclusive, uma nova forma de relação com a audiência, aceitando contribuições - políticas e econômicas - durante o processo de produção jornalística. Sobre isso, Genro Filho (1987, p. 220) já pontuava que:

Além das barreiras políticas e sociais que devem ser removidas, é necessário que cada indivíduo tenha acesso à imediaticidade do todo no qual está inserido. E que possa participar, de forma imediata, na qualificação desse todo em cada momento no qual ele está se constituindo como algo novo.

Hoje a produção de jornalismo, principalmente por vias independentes, para encontrar sua sustentabilidade precisa questionar o sentido direto do que significa “depender”. Qualquer veículo precisa ser economicamente viável para que a realização do trabalho seja possível, mas se com a disrupção a publicidade não é

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financiamento9, é preciso levantar questionamentos sobre o quanto parcerias, patrocínios e financiamentos, principalmente de organizações e empresas privadas podem ser aceitos. Um exemplo disso é a Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo10 que adota o crowdfunding há alguns anos, estabelecendo novas lógicas de relação com quem pode o financiar e contribuir, mantendo sua independência editorial - a partir de escolha de parceiros que já concordem com a sua linha ideológica - separada da dependência financeira, seja qual for a fonte do recurso.

Além disso, formas de financiamento que incentivam a criação de redes de interesse, comunidades e mobilizam pessoas, seja em forma de crowdfunding, crowdsourcing ou leilões, ativam a participação de interlocutores e atores incentivando a colaboração e a participação destes que podem passar de audiência a fontes, pautas e parceiros. Esta perspectiva um tanto quanto nova, nos anos 80 foi considerada por Genro Filho (1987, p. 35), mesmo sem saber de sua possibilidade.

A atualidade de fato sempre foi objeto de curiosidade para os homens. Mas com o desenvolvimento das forças produtivas e das relações capitalistas a atualidade amplia-se no espaço, ou seja, o mundo inteiro tornava-se cada vez mais um sistema integrado e interdependente.

3.1. O profissional jornalista disruptivo

Após levantar as mudanças causadas pela disrupção e delinear seus aspectos e efeitos para o modo de produção jornalístico, o mercado e as notícias, é

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Isso porque, segundo Anderson; Bell; Shirky; Félix (Revista Jornalismo ESPM, 2013, p 34.) “O mais importante na relação entre a publicidade e o jornalismo é que não há relação. A ligação entre anunciante e meio de comunicação não é uma parceria – é uma operação comercial na qual o meio tem (ou tinha) a primazia. A fonte básica do subsídio publicitário é a falta de opção; enquanto o anunciante tiver de contar com o meio de comunicação para aparecer, esse meio vai poder usar os fundos obtidos para bancar o jornalismo, independentemente da preferência do anunciante. Porém, com as novas formas de anunciar e prover uma marca ou produto na internet, a publicidade hoje não depende mais tão diretamente dos jornais.

10

Fundada em 2011 a Agência Pública aposta num modelo de jornalismo sem fins lucrativos para manter a independência com a missão de produzir reportagens de fôlego pautadas pelo interesse público, sobre as grandes questões do país do ponto de vista da população.

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essencial falar sobre o profissional jornalista que está vivendo a ressaca do mar tecnológico em que está imerso.

É importante frisar que, pela adição de novas ferramentas, o jornalista não foi substituído. Se esse medo ainda existe, deve ser desconstruído para dar lugar à preocupação de como incorporar as atividades jornalísticas a novos processos e dedicar mais tempo a fazê-las com propósito.

Na verdade, o jornalismo foi deslocado para um ponto mais acima na cadeia editorial. Já exerce uma função cuja ênfase é verificar, interpretar e dar sentido à enxurrada de textos, áudios, fotos e vídeos produzida pelo público. O papel do jornalista nesse processo de disrupção atual se transforma, tornando o jornalista também um curador11 de notícias. O profissional hoje pode ser comparado a um especialista em montagem de quebra-cabeças - daqueles com mais de mil peças.

Isso porque agora produzir notícias é trabalhar com acontecimentos, reconstruí-los narrativamente e publicizá-los, com coerência e coesão, para que a audiência consiga consumir conteúdo, seja qual for o formato, e saia satisfeita com a nova visão incorporada ao catálogo de informações que o ecossistema digital oferece ao jornalismo.

Claro que nesse processo ainda estão envolvidos momentos de seleção, hierarquização, organização, elaboração, momentos demarcados por pressões espaciais, temporais, organizacionais. Mas agora essas premissas não fazem mais os jornalistas de reféns. A seleção dos acontecimentos, por exemplo, pode ou não seguir critérios de noticiabilidade, que vão de características próprias dos fatos aos valores professados pela prática jornalística, passando pelo tipo de veículo, perfil editorial, concorrência, perfil da audiência, necessidade de debate sobre o assunto abordado e tantas outras variáveis.

A disrupção abre perspectiva para que os jornalistas possam escolher caminhos que não estejam circunscritos aos processos tradicionais de produção e

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Neste sentido, o termo curador no caso do jornalismo refere-se a quem faz o processo de curadoria ser um produtor de informações de qualidade, cuidador de certas práticas. Portanto, é o jornalista sendo considerado um curador de informações relevantes para transformá-las em notícia a partir de processos de apuração.

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disseminação de informações. “Quando o custo de levar uma coluna de texto a milhares de pessoas começou a cair, organizações jornalísticas puderam canalizar mais recursos para a produção diária de conteúdo” (Anderson; Bell; Shirky; Félix, 2013, Revista de Jornalismo ESPM, p. 32).

Isso, por si só, não garante a qualidade do conteúdo. Mas,

Agora, estamos testemunhando uma mudança correlata: a automatização da coleta e da disseminação de fatos, e até de análise básica. Isso obviamente mexe com atividades que empregavam jornalistas não como artesãos, mas como meros braços – gente que desempenhava a função porque não havia máquina capaz disso. Mas também permite que meios de comunicação, tradicionais e novos, dediquem uma parcela maior de recursos ao trabalho de investigação e interpretação que nenhum algoritmo pode fazer – só o homem (Anderson; Bell; Shirky; Félix, 2013, Revista de Jornalismo ESPM, p. 45).

Por isso, conhecer mais do que as técnicas de produção de notícias é essencial ao jornalista nesse contexto disruptivo. É preciso entender o que interessa à audiência, que temas são pertinentes na atualidade, sobre quais assuntos existe demanda de construção de conhecimento, sobre que perspectivas e fatos do presente, e trabalhá-los sob uma nova ótica de relação que não está mais necessariamente atrelada a veículos.

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4. O PORTAL CATARINAS, UM INDICATIVO PARA A DISRUPÇÃO QUE ESTÁ EM CURSO

4.1. Ideia inicial

Com pouco mais de um ano, o Portal Catarinas é uma iniciativa que nasceu como ideia em 2015 e se concretizou em 2016 em Florianópolis, com o objetivo de trabalhar o jornalismo, segundo o próprio veículo, alternativo e independente12 com

perspectiva gênero. Alternativo porque coloca-se como uma nova opção e independente por estar fora do centro hegemônico com relação a mídia tradicional.

Inicialmente constituído por quatro mulheres, a proposta do portal é ser um veículo de cunho jornalístico que noticia, debate, levanta questões e abre espaço para o diálogo sobre temas relacionados ao universo feminino e ao feminismo, além de ser também uma iniciativa inclusiva e colaborativa que oferece um ecossistema seguro e uma estrutura favorável para que as mulheres também tenham voz, seja como fontes relevantes de informação ou como colunistas de opinião dentro das editorias do veículo.

As integrantes se conheceram envolvidas em trabalhos para a Rede Nacional Feminista de Saúde, engajadas em movimentos de representatividade do gênero feminino. Trabalharam com jornalismo tradicional, em agências de assessoria e outras iniciativas independentes, como o Portal Desacato13. Mas a vontade era a de atuar em uma frente de jornalismo com um propósito maior:

A gente chegou num momento em que estávamos fazendo assessoria de imprensa pra Rede Feminista ou assessoria pra movimento social, mas o que a gente curtia era fazer jornalismo. E sentia que tinha espaço pra um outro veículo de comunicação, em que pudéssemos fazer jornalismo, mas

12

Recentemente, o Portal Catarinas foi adicionado ao mapa de jornalismo independente, uma iniciativa da Agência Pública - Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo disponível em: http://apublica.org/mapa-do-jornalismo/#portal-de-noticias-catarinas

13

O Portal Desacato.info, fundado em 25 de agosto de 2007, encaixa-se também como proposta de jornalismo independente e foi criado e desenvolvido com o propósito de informar, educar, formar e contribuir na transformação da sociedade.

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que a gente não cobrisse a pauta meramente, num ponto de vista de assessoria de imprensa, que a gente pudesse criar conteúdo e ter uma plataforma, um espaço onde fosse possível dar vazão às coisas que a gente criava e acreditava também. (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Segundo Guimarães (informação verbal)14 as idealizadoras perceberam assuntos que tem demanda para serem tratados mas que não eram abordados na mídia convencional.

Então eu entendia que realmente tinha uma demanda, que além do meu querer, do querer da Clarissa, tinha uma demanda social, então a gente ia cumprir um papel na sociedade, a gente tava atendendo um interesse público, né. E por mais que ainda fosse pequeno, a ideia é que ele se amplie, que não fique só na bolha do feminismo, que ele esteja sempre trazendo novas pessoas pra esse debate. Então essa foi a motivação inicial. (GUIMARÃES, 2016, depoimento).

4.2. Viabilização e organização do Portal

Para tangibilizar o projeto e também validar a ideia, segundo Clarissa (informação verbal)15, as idealizadoras criaram um conselho editorial. “Nós chamamos algumas pessoas que já atuavam no movimento de mulheres ou LGBT16, enfim, no movimento social mais ligado a esse campo, do direitos humanos e das mulheres e do gênero.”

Apesar de o fato da existência de um conselho editorial em um veículo ser uma premissa clássica do jornalismo, os indícios dos efeitos da disrupção nesta ideia estão em chamar pessoas que não eram apenas jornalistas ou responsáveis por sustentar financeiramente o projeto, mas pessoas envolvidas com os movimentos e com a bandeira levantada por ele. Após a constituição do Conselho, o

14 GUIMARÃES, Paula. Paula Guimarães: depoimento [out. 2016]. Entrevistadora: Cassiane Vilvert.

Florianópolis: Chocolate Chocante Café. Gravação em smartphone. Entrevista concedida exclusivamente para o trabalho.

15 PEIXOTO, Clarissa: depoimento [out. 2016]. Entrevistadora: Cassiane Vilvert. Florianópolis:

Sindiprev-SC. Gravação em smartphone. Entrevista concedida exclusivamente para o trabalho.

16 LGBT ou ainda, LGBTTTs, é a sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e

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Portal deu um passo adiante na consolidação da ideia, escolhendo as formas de viabilizar financeiramente o projeto para torná-lo realidade.

E então a gente precisaria levantar recurso pra isso [o Portal]. Daí a gente teve a ideia: “bom, pra criar plataforma e uma primeira reportagem, então vamos fazer uma campanha de financiamento coletivo” (...) A gente investiu, foi bem difícil, porque as pessoas não entendem bem ainda o que que é o financiamento coletivo, elas compreendem mais, assim, tipo, um artista: um artista vai lá, grava o cd, então tem o cd material que vai chegar pra ti, tem aquilo ali. Um portal, o “financiar notícia, não... (PEIXOTO, 2016, depoimento)

Outro indício dos efeitos da disrupção na proposta do portal foi a forma como as jornalistas escolheram para trabalhar o financiamento e a viabilidade inicial do projeto, por meio de campanhas de crowdfunding e crowdsourcing, que têm se popularizado e mobilizado pessoas por uma causa ou um produto específicos. Neste ponto, a viabilização de algo intangível mas que tem valor de produção é algo novo em termos de investimento e enfrenta dificuldade por ainda não ser entendido como proposta:

Primeiro que ela não é palpável, tu não vai receber um objeto na tua casa. E depois porque é isso, a gente não tem ainda... a gente compra o jornal, a gente não compra a matéria. A gente compra o papel, a gente compra... inclusive a gente compra o acesso, mas não compra a notícia, em si (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Este é o indicativo da mudança de mentalidade que o jornalismo precisa propor e saber trabalhar com a audiência para sua sobrevivência, no âmbito de tê-la não só como consumidora mas também financiadora de conteúdos de interesse.

Mas tinha aquele medo, porque a gente não vê projetos de mídia, a gente vê grandes reportagens, para mídias já consolidadas. A gente vê projeto para mídias, mas não projetos para lançar uma mídia. E as pessoas falaram pra gente: “ah, não, isso não dá certo, porque a gente já quis” ou “a gente já tentou outras mídias independentes”. Aí a gente: “não, vamos fazer!”. (...) E então teve um engajamento, as pessoas quiseram participar, tinha uma demanda social. Isso a gente achou muito bonito, assim, o movimento que a campanha gerou, e essa mobilização toda, também, deu uma certa audiência pra gente depois, quando a gente já montou o Portal, a gente já tava com uma... com um público esperando (GUIMARÃES, 2016, depoimento).

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Além disso, depois da realização do projeto inicial, o Portal Catarinas encontrou - e continua procurando - novas formas de manter seu trabalho de mídia, todas envolvendo pessoas de forma horizontal, colaborativa e participativa, que tenham interesse na linha abordada pelas jornalistas, como por exemplo, através da realização de leilões de obras doadas por artistas da região.

Isso, então gente fez leilões e tal. E aí envolveu mais gente, então foi um negócio que, puxa, ele tomou um corpo pra além só do portal. A gente mobilizou pessoas pra uma causa, que é esse jornalismo em perspectiva de gênero. Que é o que? Que é contar história do tempo... se o jornalismo é contar história do tempo presente, a gente tá falando sobre um outro aspecto, sobre outro ângulo, que é esse do feminismo. Então, trazer mais pro cotidiano essa fala do feminismo que é mais acadêmica, se envolver em outros lugares, e acho que esse é um pouco o papel do jornalista, o subliterato, de trazer de lá pra cá, e contextualizar novas conexões (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Nessa perspectiva, o Portal Catarinas mostra o maior sinal de mudança com possibilidade de se consolidar no modelo de negócio jornalístico, que consiste em novas formas de relação, muito mais abertas e participativas com a audiência, mas também o desafio de manter-se financeiramente estável, criando novas formas de captação de recursos e financiamento.

O Portal Catarinas tem sucesso na viabilização da ideia, no que diz respeito em manter os custos básicos de estrutura e hospedagem de sites. Mas a produção das jornalistas ainda acontece de forma voluntária. Elas ainda dependem de algum outro trabalho em empresas ou organizações externas. Como enfatiza Clarissa Peixoto (informação verbal)17: "Ainda produzimos no voluntário, ainda produzimos nessa coisa da unidade ativista, no jornalismo ativista também.”

Neste momento, o Portal Catarinas mostra que é possível a existência de outros tipos de veículo de mídia, organizados, profissionais, alternativos e independentes. Além de ser um estudo de caso que mostra as possibilidades para mídia independente sair da esfera de organização com poucos recursos e financeiramente carente, de pleitear parcerias para obter subsídios de empresas privadas sem que elas interfiram na linha editorial, buscando por organizações que

17 PEIXOTO, Clarissa: depoimento [out. 2016]. Entrevistadora: Cassiane Vilvert. Florianópolis:

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já tenham um posicionamento semelhante frente ao feminismo e o feminino, neste caso.

As idealizadoras do Portal vislumbram também a possibilidade de incluir formas de financiamento mais “clássicas” ao trabalho, como a venda de anúncios e publicidade no site. A ideia, contudo, ainda está sendo avaliada. Segundo Clarissa18, até o momento da entrevista nenhuma empresa coerente com a linha editorial do portal havia sido cotada.

Com a evolução das perspectivas, o Portal Catarinas vem assumindo outros desdobramentos, que também são uma forma de consolidação, já que estes permitem sua expansão e traduzem a faceta multidisciplinar do trabalho.

O planejamento e fundação da Comunidade Catarinas e da Associação Catarinas, são indícios de ideias disruptivas trazidas para o panorama jornalísitico.

A ideia [da comunidade] é que se você assina e você pode concorrer a coisas, ou convite de alguma coisa ou uma obra de arte, cada mês é uma coisa. Além de um espaço da Comunidade, a gente já tem o Doação também. Então, tu pode ir lá no Catarinas assinar uma quantia por mês ou dar o que pode. Isso já existe, e agora a gente vai desenvolver a campanha pra isso ganhar corpo. Paralelo a isso, com todo esse movimento que rolou, a gente criou a Associação Catarinas, que é pra dar esse suporte ao portal. É uma expectativa grande que a gente tem, fazendo agora a burocracia com ela, registrando, etc... Pra poder participar, poder organizar eventos, poder fazer umas parcerias, poder participar de editais, tanto de feminismo que trabalha com comunicação, quanto de reportagens, que a gente pode conseguir recurso e tal, então a gente tem apostado muito na Associação como esse espaço de produzir outras coisas. E essa Associação a gente ampliou, ela é uma Associação que trabalha comunicação e arte em perspectiva de gênero. Essa associação vai dar suporte jurídico, financeiro, enfim, toda estrutura que é necessária, que a gente tá vendo que cada dia precisa mais, porque, assim, é o capitalismo, né, vai precisar circular dinheiro. E possivelmente, vai circular pela associação, que além de ter o portal, pode fazer outras coisas. É o que a gente tá pensando, que ela possa fazer outras coisas (PEIXOTO, 2016, depoimento).

4.3. Linha Editorial e a concepção das notícias

18

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Outro indício de disrupção na proposta do Portal Catarinas é a própria linha editorial.

Duas coisas movem muito o portal, muito a gente: (...) o fazer jornalismo-jornalismo [é uma]. Se a gente critica um jornalismo-jornalismo que tá aí, então a gente precisa, em primeiro lugar, fazer um jornalismo como a gente diz que seria o correto. Então, a gente tem muito esse ativismo nesse lugar. (...) E a questão do feminismo, que basicamente norteia a gente, tá ali na nossa linha editorial (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Neste ponto, toda a construção de notícias dá-se de maneira diferenciada. No Portal Catarinas, o jornalismo trabalhado com perspectiva de gênero assume um posicionamento - que antes da efetivação do processo de produção digital costumava ser questionado pelo discurso de imparcialidade associado ao jornalismo - e este posicionamento é o que baseia todas as construções de conteúdo e notícias veiculadas no Portal e em redes sociais, sejam em página própria ou de curadoria.

Não acreditamos no negócio da imparcialidade, a gente tem posição sim, nossa linha editorial é essa, nós estamos nesse campo. Agora, não é por isso que a gente vai abrir mão dos princípios jornalísticos, porque quem tem que fazer suas inflexões são os leitores. Mas a gente tem e deixa isso explícito, assim, muito claro, pra não enganar ninguém, muito pelo contrário, deixar bem claro qual é o nosso lugar no mundo, como é que a gente pensa. Bom, e aí a gente divide tarefas, a gente tem dias de edição, que cada uma é responsável de editar (...) o que acontece, conselho editorial, sempre que a gente tem, a gente faz matérias, então assim, factuais, abre um evento aqui, um negócio ali, mas quando a gente faz matérias mais, assim, de mais fôlego, geralmente a gente consulta o conselho sobre fontes, sobre o que acha daquele tema. Por exemplo, uma reportagem especial que a gente lançou sobre o aborto, financiada também pelo Catarse junto no pacote. Então aquilo ali a gente consultou o conselho pra pauta, pras fontes, pra como é que desenvolveria (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Sobre a proposição de especialidade, o que dá uma nova perspectiva ao mercado jornalístico é a especificidade do assunto, que normalmente não é abordado por veículos tradicionais ou tem uma cobertura sob uma ótica revestida e ancorada em estereótipos.

Então pra gente é um desafio. Claro, toda especialidade, tu vai se especializando naquilo, tu vai falar sobre economia, tu vai entendendo de economia. Mas o gênero é um negócio em construção socia. A gente tá construindo socialmente esses conceitos ainda e eles mudam toda hora.

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Mas é isso, a gente tem uma especialidade de tema, de assunto e de lógica de ver o mundo. Porque daí a gente tenta juntar esse olhar, porque pra gente é um exercício também, não tem nada pronto pra nós, a gente estuda. Para desconstruir estereótipos, desconstruindo questões relativas ao gênero, os preconceitos, sempre tendo em vista os preceitos do jornalismo (PEIXOTO, 2016, depoimento).

O destaque maior para a relevância da proposta está em usar a tecnologia e as possibilidades que esta oferece para criar um espaço jornalístico, onde se produza conhecimento sobre gênero e se conte a história do tempo presente, sendo também um espaço de proposição de debates, seguro para mulheres, tornando-se um serviço que leva informações sobre esses temas.

A gente sempre tenta ser o mais acessível possível, o mais direta possível nas nossas matérias. Em alguns momentos a gente vai ter dificuldade, vai ter aquele termo mais complexo que tem que explicar um pouco mais. Mas a gente não se acanha com isso, acha que tem que gastar um pouco mais de linha pra explicar (...) Não é que é um tema complicado, é um tema que as pessoas não estão acostumadas a ouvir. E agora parece que tá crescendo esse interesse. Então tem que ter um pouco desse tato, mas a gente dá muita liberdade, também, pra todas que escrevem ou que criam ali com a gente ter essa autonomia (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Quanto à concepção e a construção das notícias, o Portal Catarinas mantém o preceito básico do jornalismo de trabalhar o factual. Porém, a ênfase da sua abordagem está em trabalhar as informações dando maior visibilidade contexto.

A prioridade é trabalhar o conteúdo e chegar o melhor possível que a gente tiver. Muitas vezes a gente quer fazer isso com mais agilidade, que é uma coisa que pega ainda pra gente, mexe um pouco com a nossa jornalista interior, de “dar antes”, porque a gente não tem estrutura. (...) Mas a gente não tem, assim, no furo o essencial. (...) A gente não se obriga a esse factual, assim, o tempo inteiro. A gente prefere contextualizar, prefere trabalhar melhor o tema, prefere se dedicar a reportagens com um pouco mais de fôlego (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Pela proposta, o Portal também abrange a produção de notícias locais que envolvam o feminismo ou possam ser abordadas por esse viés:

Às vezes, tem muito conteúdo que ninguém tá dando e que é factual e que a gente tá lá às vezes pra cobrir e pra poder participar e pra poder publicar. (...) A gente cobre muita atividade, muito evento, sempre focado no que que as mulheres estão fazendo nesses lugares (PEIXOTO, 2016, depoimento).

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Ainda sobre a linha editorial, segundo Paula (informação verbal)19, o Portal trabalha sob a perspectiva do feminismo e suas temáticas, mas não assume uma vertente do movimento como sua. A intenção é abarcar as vertentes em um espaço, onde seja possível reunir visões, desconstruir e formular novos conceitos, criticar e contrapor - fatos, acontecimentos e notícias que precisam estar inseridas no debate pela ótica feminista.

E cada vez que eu vou escrever eu penso: “como eu que vou”... e isso é o principal, a palavra “contextualização” pra mim é a chave, assim. Porque não adianta você só passar aquela informação, você tem que dizer porque que aquela informação é importante, dentro daquele contexto específico, né, daí que é o singular pro plural (GUIMARÃES, 2016, depoimento).

Quanto ao posicionamento de jornalismo especializado, as idealizadoras admitem que este é um processo ainda não concluído, que está em construção e de maneira participativa:

Ao mesmo tempo que a gente é especializado, a gente tem que trabalhar sempre com a perspectiva do mediador. Que a gente não vai ter as respostas, as pessoas têm dúvidas, perguntam pra gente, mas a gente também tem dúvidas, e nós que temos que perguntar, né. Claro que, acho que com a construção do nosso trabalho, a gente vai construindo conhecimento pra gente e pro outro que vai acompanhando, mas a ideia é mais sermos mediadores (GUIMARÃES, 2016, depoimento).

4.4. A relação com a audiência

Juntamente com a iniciativa de fazer o jornalismo sobre uma outra ótica, o Portal Catarinas também se relaciona de forma diferente com a audiência, que ajuda a formular não só a linha do veículo, mas tem sua contribuição percebida também na forma como o próprio Portal a vê e relaciona-se com ela. Segundo Paula (informação verbal)20 o público é formado por pessoas interessadas por esse tipo de

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GUIMARÃES, Paula. Paula Guimarães: depoimento [out. 2016]. Entrevistadora: Cassiane Vilvert. Florianópolis: Chocolate Chocante Café. Gravação em smartphone. Entrevista concedida exclusivamente para o trabalho.

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GUIMARÃES, Paula. Paula Guimarães: depoimento [out. 2016]. Entrevistadora: Cassiane Vilvert. Florianópolis: Chocolate Chocante Café. Gravação em smartphone. Entrevista concedida exclusivamente para o trabalho.

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