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4. O PORTAL CATARINAS, UM INDICATIVO PARA A DISRUPÇÃO QUE ESTÁ

4.3. Linha Editorial e a concepção das notícias

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Outro indício de disrupção na proposta do Portal Catarinas é a própria linha editorial.

Duas coisas movem muito o portal, muito a gente: (...) o fazer jornalismo- jornalismo [é uma]. Se a gente critica um jornalismo que tá aí, então a gente precisa, em primeiro lugar, fazer um jornalismo como a gente diz que seria o correto. Então, a gente tem muito esse ativismo nesse lugar. (...) E a questão do feminismo, que basicamente norteia a gente, tá ali na nossa linha editorial (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Neste ponto, toda a construção de notícias dá-se de maneira diferenciada. No Portal Catarinas, o jornalismo trabalhado com perspectiva de gênero assume um posicionamento - que antes da efetivação do processo de produção digital costumava ser questionado pelo discurso de imparcialidade associado ao jornalismo - e este posicionamento é o que baseia todas as construções de conteúdo e notícias veiculadas no Portal e em redes sociais, sejam em página própria ou de curadoria.

Não acreditamos no negócio da imparcialidade, a gente tem posição sim, nossa linha editorial é essa, nós estamos nesse campo. Agora, não é por isso que a gente vai abrir mão dos princípios jornalísticos, porque quem tem que fazer suas inflexões são os leitores. Mas a gente tem e deixa isso explícito, assim, muito claro, pra não enganar ninguém, muito pelo contrário, deixar bem claro qual é o nosso lugar no mundo, como é que a gente pensa. Bom, e aí a gente divide tarefas, a gente tem dias de edição, que cada uma é responsável de editar (...) o que acontece, conselho editorial, sempre que a gente tem, a gente faz matérias, então assim, factuais, abre um evento aqui, um negócio ali, mas quando a gente faz matérias mais, assim, de mais fôlego, geralmente a gente consulta o conselho sobre fontes, sobre o que acha daquele tema. Por exemplo, uma reportagem especial que a gente lançou sobre o aborto, financiada também pelo Catarse junto no pacote. Então aquilo ali a gente consultou o conselho pra pauta, pras fontes, pra como é que desenvolveria (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Sobre a proposição de especialidade, o que dá uma nova perspectiva ao mercado jornalístico é a especificidade do assunto, que normalmente não é abordado por veículos tradicionais ou tem uma cobertura sob uma ótica revestida e ancorada em estereótipos.

Então pra gente é um desafio. Claro, toda especialidade, tu vai se especializando naquilo, tu vai falar sobre economia, tu vai entendendo de economia. Mas o gênero é um negócio em construção socia. A gente tá construindo socialmente esses conceitos ainda e eles mudam toda hora.

Mas é isso, a gente tem uma especialidade de tema, de assunto e de lógica de ver o mundo. Porque daí a gente tenta juntar esse olhar, porque pra gente é um exercício também, não tem nada pronto pra nós, a gente estuda. Para desconstruir estereótipos, desconstruindo questões relativas ao gênero, os preconceitos, sempre tendo em vista os preceitos do jornalismo (PEIXOTO, 2016, depoimento).

O destaque maior para a relevância da proposta está em usar a tecnologia e as possibilidades que esta oferece para criar um espaço jornalístico, onde se produza conhecimento sobre gênero e se conte a história do tempo presente, sendo também um espaço de proposição de debates, seguro para mulheres, tornando-se um serviço que leva informações sobre esses temas.

A gente sempre tenta ser o mais acessível possível, o mais direta possível nas nossas matérias. Em alguns momentos a gente vai ter dificuldade, vai ter aquele termo mais complexo que tem que explicar um pouco mais. Mas a gente não se acanha com isso, acha que tem que gastar um pouco mais de linha pra explicar (...) Não é que é um tema complicado, é um tema que as pessoas não estão acostumadas a ouvir. E agora parece que tá crescendo esse interesse. Então tem que ter um pouco desse tato, mas a gente dá muita liberdade, também, pra todas que escrevem ou que criam ali com a gente ter essa autonomia (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Quanto à concepção e a construção das notícias, o Portal Catarinas mantém o preceito básico do jornalismo de trabalhar o factual. Porém, a ênfase da sua abordagem está em trabalhar as informações dando maior visibilidade contexto.

A prioridade é trabalhar o conteúdo e chegar o melhor possível que a gente tiver. Muitas vezes a gente quer fazer isso com mais agilidade, que é uma coisa que pega ainda pra gente, mexe um pouco com a nossa jornalista interior, de “dar antes”, porque a gente não tem estrutura. (...) Mas a gente não tem, assim, no furo o essencial. (...) A gente não se obriga a esse factual, assim, o tempo inteiro. A gente prefere contextualizar, prefere trabalhar melhor o tema, prefere se dedicar a reportagens com um pouco mais de fôlego (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Pela proposta, o Portal também abrange a produção de notícias locais que envolvam o feminismo ou possam ser abordadas por esse viés:

Às vezes, tem muito conteúdo que ninguém tá dando e que é factual e que a gente tá lá às vezes pra cobrir e pra poder participar e pra poder publicar. (...) A gente cobre muita atividade, muito evento, sempre focado no que que as mulheres estão fazendo nesses lugares (PEIXOTO, 2016, depoimento).

Ainda sobre a linha editorial, segundo Paula (informação verbal)19, o Portal trabalha sob a perspectiva do feminismo e suas temáticas, mas não assume uma vertente do movimento como sua. A intenção é abarcar as vertentes em um espaço, onde seja possível reunir visões, desconstruir e formular novos conceitos, criticar e contrapor - fatos, acontecimentos e notícias que precisam estar inseridas no debate pela ótica feminista.

E cada vez que eu vou escrever eu penso: “como eu que vou”... e isso é o principal, a palavra “contextualização” pra mim é a chave, assim. Porque não adianta você só passar aquela informação, você tem que dizer porque que aquela informação é importante, dentro daquele contexto específico, né, daí que é o singular pro plural (GUIMARÃES, 2016, depoimento).

Quanto ao posicionamento de jornalismo especializado, as idealizadoras admitem que este é um processo ainda não concluído, que está em construção e de maneira participativa:

Ao mesmo tempo que a gente é especializado, a gente tem que trabalhar sempre com a perspectiva do mediador. Que a gente não vai ter as respostas, as pessoas têm dúvidas, perguntam pra gente, mas a gente também tem dúvidas, e nós que temos que perguntar, né. Claro que, acho que com a construção do nosso trabalho, a gente vai construindo conhecimento pra gente e pro outro que vai acompanhando, mas a ideia é mais sermos mediadores (GUIMARÃES, 2016, depoimento).

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