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"O Brasil da diversidade"? : patrimônio e paisagem cultural no Projeto Roteiros Nacionais de Imigração

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Academic year: 2021

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RESUMO

O Projeto Roteiros Nacionais de Imigração, objeto de estudo deste trabalho, trata-se de uma ação de salvaguarda do patrimônio dos imigrantes alemães, italianos, poloneses e ucranianos localizados no estado de Santa Catarina que, através da proteção federal, estadual e municipal dão visibilidade aos imigrantes e ao seu patrimônio no Brasil.

Lançado pelo IPHAN em 2009, este projeto contou com pesquisas desenvolvidas durante 20 anos no estado catarinense e contribuiu para que se construísse, para aquele estado, uma identidade étnica, endossada pelos instrumentos de salvaguarda: o tombamento e a chancela da paisagem cultural.

A análise do projeto mostrou que ao eleger como ícone do patrimônio da imigração o legado de um grupo de imigrantes - identificado como o trabalhador rural da pequena propriedade, que vive de forma consensual e harmônica no seu território - , cujo patrimônio é representado através de imagens cenográficas difundidas em diversificados suportes, o Projeto Roteiros fabrica um produto turístico que pretende comercializar não apenas uma identidade cultural, mas um conjunto de valores atribuídos por agentes cultuais, que os oferecem ao mercado sob o rótulo de paisagem cultural.

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A

BSTRACT

This thesis studies the “Projeto Roteiros Nacionais de Imigração” (National Immigration Routes Project), a federal, state and municipal project that aims at safeguarding the heritage of German, Italian, Pole and Ukrainian immigrants located in the state of Santa Catarina and by its protection, intend give the appropriate knowledge to the immigrants and its heritage.

Launched by IPHAN in 2009, the Project collected researches produced over 20 years in the State of Santa Catarina that aimed to create an ethnical identity in the State, conformed by its safeguarding instruments: the “tombamento” and “chancela” regarding cultural landscape.

The project’s analysis has been demonstrated how a decision to elect a group of immigrants as legacies’ icon - identified as a rural worker living in a complete and harmoniously integration with its small rural landscape – witch heritage is demonstrated by scenography images. The project “Roteiros” create a tourism product witch intention is commercialize not only a cultural identity but also a group of values assigned by cultic agents, who offer its product under labels’ landscape cultural.

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S

UMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 1 

CAPÍTULO 1 O LUGAR DO PATRIMÔNIO CULTURAL DA IMIGRAÇÃO NO BRASIL ... 15 

1.1 O IPHAN E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO IMIGRANTE ... 17

1.1.1 O Museu ao Ar Livre de Orleans ... 27

1.1.2 Novos sentidos para o patrimônio ... 31

1.2 O PROJETO ROTEIROS NACIONAIS DE IMIGRAÇÃO ... 48

1.2.1 Vozes dissonantes no processo de tombamento ... 66

CAPÍTULO 2 PATRIMÔNIO E IMIGRAÇÃO EM SANTA CATARINA: DAS CORRENTES MIGRATÓRIAS AOS ROTEIROS NACIONAIS DE IMIGRAÇÃO ... 79 

2.1 A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO IMIGRANTE NO ESTADO DE SANTA CATARINA ... 79

2.1.1 A construção do imigrante e o direito ao patrimônio... 88

2.2 AS AÇÕES DAS INSTITUIÇÕES DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL EM SANTA CATARINA E O PATRIMÔNIO DO IMIGRANTE ... 100

CAPÍTULO 3 PATRIMÔNIO DA IMIGRAÇÃO E PAISAGEM CULTURAL ... 133 

3.1 PAISAGEM CULTURAL: ALGUMAS PERCEPÇÕES ... 140

3.2 A PAISAGEM CULTURAL E O PATRIMÔNIO ... 146

3.3 A REPRESENTAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL DA IMIGRAÇÃO ... 152

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 171 

REFERÊNCIAS ... 177 

APÊNDICE A BENS RELATIVOS AO PROJETO ROTEIROS NACIONAIS DE IMIGRAÇÃO TOMBADOS PELO IPHAN ... 189 

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Para meus pais Odair e Iraci que me ensinaram a importância dos livros e da dúvida. Amor incondicional.

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A

GRADECIMENTOS

Agradecer é uma forma de reconhecer que todo o trabalho é coletivo; mais do que isso, é compartilhar o sentimento de gratidão a todas as pessoas que participaram de um processo longo que na verdade não começa com a tese mas que tem nela sua síntese.

Agradeço de forma muito especial a minha orientadora olímpica professora Dra. Cristina Meneguello que além de ter apostado no projeto, literalmente me pegou pelo braço e me realfabetizou no mundo acadêmico. Apresentou-me a projetos incríveis e a um universo acadêmico inesgotável! Obrigada pelo seu tempo, pelas suas perguntas sempre tão instigantes, pelas observações pertinentes, pela sua mão segura e pelo seu cuidado!

À profa. Dra. Janice Gonçalves pelas valiosas sugestões dadas na banca de qualificação.

Aos professores que fizeram com que a experiência na Unicamp fosse um divisor de águas na minha vida: Profa. Dra. Silvana Rubino, Profa. Dra. Iara Schiavinatto e Prof. Dr. José Alves. Obrigada pelo privilégio de aulas incríveis e encontros memoráveis!

Aos colegas do grupo de estudos “da Cris e da Silvana” que se tornaram além de interlocutores, grandes amigos; aos que, da mesma forma que eu, se envolveram apaixonadamente na Olimpíada Nacional de História do Brasil, aos que trabalharam no projeto Rede São Paulo de Formação Docente e nas correções de prova de vestibular, gratidão pelas inesquecíveis oportunidades de aprendizado.

Aos amigos que dividiram o mesmo teto, a mesa de bar, as incômodas angústias; aos afetos, aos irmãos de vida e de fé. Aos que resolveram problemas burocráticos e vitais que a distância me impediu de solucionar. Mais do que minha gratidão, os devo uma!

À minha família biológica e as tantas outras que me acolheram ao longo do processo.

À FAPESP pela concessão de bolsa de estudo no Brasil e no exterior e ao parecerista ad hoc pela leitura crítica dos relatórios realizados durante a pesquisa. À Joaquín Sabaté por sua recepção carinhosa na Universidade Politécnica da Catalunha.

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Estoy aquí de paso, Yo soy un pasajero, No quiero llevarme nada, Ni usar el mundo de cenicero. [...] Hay gente que es de un lugar, No es mi caso. Yo estoy aquí, de paso.

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L

ISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Museu Nacional de Imigração e Colonização – Palácio dos Príncipes –

Joinville ... 19

Figura 2 – Cemitério Protestante ... 20

Figura 3 – Planta baixa do Museu ao Ar Livre de Orleans ... 29

Figura 4 – Convite para a inauguração do Museu ao Ar Livre de Orleans. ... 31

Figura 5 – Casa Neni ... 34

Figura 6 – Casa Presser ... 35

Figura 7 – Ponte do Imperador, em Ivoti ... 36

Figura 8 – Casa do Professor e Escola Rural de Timbó ... 36

Figura 9 – Casa D. Corona ... 41

Figura 10 – Núcleo colonial de Testo Alto (esq.), em Pomerode, e de Rio da Luz (dir.), em Jaraguá do Sul ... 47

Figura 11 – Localização dos bens mapeados e inventariados no Projeto Roteiros Nacionais Imigração. ... 63

Figura 12 – Ficha de Inventário do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração ... 65

Figura 13 – Igreja Evangélica de Confissão Luterana de Ribeirão da Liberdade ... 73

Figura 14 – Casa Ullrich ... 75

Figura 15 – Casa Struck ... 76

Figura 16 – Gôndola de Nova Veneza e arquitetura enxaimel ... 84

Figura 17 – Migração em Santa Catarina. ... 87

Figura 18 –Ficha Técnica do Inventário das Correntes Migratórias (ICM) / Fundação Catarinense de Cultura (FCC). Imóvel – Rua Santo Antônio, s/n, Laguna – SC. Planta da situação/registro fotográfico preliminar. ... 105

Figura 19 – Ficha Técnica ICM / FCC – Dados técnicos / Características ambientais / Características das instalações. Imóvel – Rua Santo Antônio, s/n, Laguna – SC. ... 106

Figura 20 – Ficha Técnica ICM / FCC: Dados tipológicos / Dados cronológicos. Imóvel Rua Santo Antônio, s/n, Laguna – SC. ... 107

Figura 21 – Ficha Técnica ICM / FCC – Estado de conservação / Informações complementares. Imóvel Rua Santo Antônio, s/n, Laguna – SC. ... 108

Figura 22 – Ficha Técnica ICM / FCC. Levantamento arquitetônico da planta do imóvel (elaborado à trena), desenhado à mão, em escala 1:50 ou 1:100. Imóvel Rua Santo Antônio, s/n, Laguna – SC. ... 109

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Figura 23 – Inventário de Emergência – Levantamento expedito. Modelo das fichas

compiladas no volume final. ... 111

Figura 24 – Inventário da Imigração Alemã em Santa Catarina – 11ª SR Iphan – Levantamento arquitetônico manual. Escala original do desenho à mão 1:20. (a) Casa Duwe, Indaial; (b) Casa Reinek, Timbó. ... 113

Figura 25 – Ficha de Pesquisa: Roteiros Culturais. ... 120

Figura 26 – Mapeamento das unidades. ... 121

Figura 27 – Mapa detalhado das unidades no contexto geral. ... 121

Figura 28 – Pequeno inventário. ... 122

Figura 29 – Roteiros Culturais Sul 1. ... 124

Figura 30 – Roteiros Culturais Sul 2 e 3. ... 125

Figura 31 – Roteiros Culturais 4 e 5. ... 126

Figura 32 – Foto de divulgação do Lançamento do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração no situo Tribess, Pomerode, agosto de 2007. ... 136

Figura 33 – Pequena Propriedade: Casa Radoll – Rio do Cedro, Timbó. ... 154

Figura 34 – Pequena Propriedade: Sítio Tribess – Wunderwald, Pomerode. ... 155

Figura 35 – Produção Familiar: Timbó. ... 156

Figura 36 – Artesanato: Joinville, Urussanga e Jaraguá do Sul ... 157

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L

ISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Relação de tombamentos federais relativos ao patrimônio do imigrante

europeu ... 16

Tabela 2 – Relação dos tombamentos federais em Santa Catarina. ... 81

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I

NTRODUÇÃO

Alguns dizem que escolhemos os temas de nossas teses, outros, que nossos objetos de pesquisa nos perseguem até nos encontrar; e há ainda quem sustente a ideia de que a tese nasce de um encontro muitas vezes imperceptível com o tema de estudo, que vai amadurecendo com o tempo e conosco mesmo. Esta tese é fruto da terceira especulação. Acrescentaria também que é resultado de uma série de incômodas percepções que me acompanham há algum tempo.

Nascida em Caxias do Sul, cidade de colonização italiana no Rio Grande do Sul, vivi boa parte da adolescência ouvindo meus pais e nonos falarem o talian1 e vendo a

publicidade sobre a Festa da Uva.2 Das conversas com os mais velhos, me chamava muito a atenção a forma como se referiam aos amigos, conhecidos, familiares e amigos de amigos, que invariavelmente eram caracterizados como italiani, negri ou pelo duro.3 Os primeiros

eram todos aqueles familiares e/ou parentes com ascendência italiana, mesmo que distante. Em alguns casos, até os descendentes de alemães entravam nessa categoria. Os demais eram todos os outros.

Da publicidade sobre a Festa da Uva, que convidava para a festa que acontecia nos Pavilhões, localizados no Campo dos Bugres, recordo-me particularmente da de 1996, que anunciava: “A América que nós fizemos.” Eu me perguntava: “Nós quem?” A chamada publicitária era uma clara referência aos imigrantes italianos que colonizaram a região e que teriam sido os responsáveis pelo progresso da cidade. Sobre o Campo dos Bugres? Ironicamente, o Campo dos Bugres foi o nome dado a um dos locais onde habitavam

1 O talian é um dialeto falado na região da Serra Gaúcha, caracterizado por uma mistura da língua vêneta com a língua portuguesa. É falado desde que os italianos começaram a chegar ao país, no final do século XIX se constituindo, muitas vezes, como uma língua co-oficial, ou seja, detém relevância tanto quanto a língua portuguesa.

2 A Festa da Uva é um evento que surgiu em Caxias do Sul na década de 1930 e que reúne, em um só acontecimento, as festas agrícolas que desde 1881 aconteciam de forma dispersa pelo território rio-grandense. De lá para cá, foram realizadas 30 edições.

3 Em dialeto vêneto, negri diz respeito aos negros e descendentes de negros; a expressão pelo duro é utilizada para se referir a descendentes de portugueses, espanhóis e índios, cujo fenótipo é representado pela pele clara e cabelos escuros. É uma expressão pejorativa utilizada por descendentes de italianos, que na verdade, serve para marcar a fronteira entre o “nós” (italianos) e “os outros”. De modo geral, diz respeito a quem não tem ascendência italiana, alemã ou negra.

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grupos indígenas, na época em que os colonos italianos se estabeleceram em Caxias do Sul. Dos Bugres, só sobrou mesmo o nome!

De qualquer forma, isso não parecia incomodar mais ninguém, afinal, havia uma impressão de consenso sobre a ideia de os imigrantes europeus – os italianos – terem trazido o progresso para Caxias do Sul. Outros grupos que habitaram o mesmo território eram vistos como coadjuvantes.

Os questionamentos sobre estes temas coincidiram com o início da vida acadêmica, quando a imigração foi assunto contemplado nos trabalhos de graduação em História e em seguida no mestrado.4 No ano 2000, mudei-me para Santa Catarina e logo comecei a trabalhar em duas universidades: uma estadual, na condição de professora colaboradora; e uma particular, sujeita às oscilações de mercado. Tornou-se então impossível continuar qualquer tipo de pesquisa, exceto aquela imediata, para ministrar aulas. Já sem nenhum vínculo institucional com a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), conheci, em 2008, o Laboratório de Patrimônio Cultural, coordenado pela professora Janice Gonçalves. Foi neste grupo de estudos que retomei leituras, me envolvi com a temática do patrimônio cultural, encontrei motivação para voltar ao mundo acadêmico e escrever um projeto para participar da disputada e muito difícil, – ao menos para mim – seleção para ingressar neste curso de doutorado.

O projeto de pesquisa, muito frágil de início, trazia apenas informações acerca do Projeto Roteiros Nacionais de Imigração, que se tornou meu objeto de estudo. Grosso

modo, tratava-se de um projeto de salvaguarda do patrimônio dos imigrantes – de grupos

étnicos considerados pelo Iphan como significativos nos processos migratórios no estado de Santa Catarina (alemães, italianos, poloneses e ucranianos) – que, por meio da proteção federal, estadual e municipal poderia se tornar atrativo turístico com a instituição de roteiros.

O problema de pesquisa girava em torno de inquietações sobre os roteiros turísticos idealizados pelos gestores do patrimônio, a atuação das comunidades envolvidas com o Projeto Roteiros e o consumo do próprio patrimônio cultural.

4 O TCC de História na Universidade Federal de Santa Maria, realizado em 1998, discutiu o Estado Novo, os imigrantes e a política de nacionalização. No mestrado, realizado na PUCRS, concluído em 2000, os temas foram imigração e integralismo na região colonial italiana do Rio Grande do Sul.

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Conforme o intenso debate ia acontecendo nas disciplinas do curso e nos encontros de orientação, fui perdendo o medo de abrir mão de quase uma ideia fixa para me permitir elaborar, naquele momento, mais questões do que buscar respostas.

Três aspectos do Projeto Roteiros o tornava especialmente curioso: um primeiro dizia respeito ao fato de que seu nascimento se justificava como uma

[...] oportunidade de mostrar ao Brasil uma parcela importante do seu povo, que juntamente om o índio, o negro e o português formam hoje a base de nossa sociedade [...] afinal, nossa identidade – a de brasileiros – é pautada na pluralidade étnica: nossa nação é constituída pela mistura e contribuição de muitos povos e por isso nosso panorama cultural é único, colorido, diverso.5

Ou seja, o Projeto Roteiros se constituía numa possibilidade de resposta à velha pergunta “Quem somos nós os brasileiros?”, a partir do ponto de vista da política pública de preservação, levada a cabo por seus instrumentos de salvaguarda. Um segundo aspecto chamava a atenção porque tinha como ponto de partida as pesquisas desenvolvidas no estado de Santa Catarina tornando-o vanguarda na execução do Projeto. Curioso, porque o patrimônio catarinense nunca havia tido muita expressão no cenário nacional, exceto pela visibilidade do tombamento das fortalezas da Ilha de Santa Catarina.6 O terceiro aspecto era relativo às imagens veiculadas ao Projeto Roteiros: absolutamente sedutoras apesentavam de um lado, paisagens cenográficas e encantadoras sobre a imigração em Santa Catarina e seu patrimônio, e de outro, me impactavam por apresentar o cenário da imigração de uma forma bastante higienizada.

Estas reflexões provocavam o surgimento de questões: por que um projeto nacional de valorização do patrimônio do imigrante? A que imigrante o projeto se referia? Qual o papel de Santa Catarina neste contexto? Qual a importância das imagens na divulgação desse patrimônio?

O contato com a documentação produzida pelos técnicos da Fundação Catarinense de Cultura e pela Superintendência Regional do Iphan naquele estado, reunida

5 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Roteiros Nacionais de Imigração de Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Superintendência do Iphan em Santa Catarina, 2008a.

6 As fortalezas da Ilha de Santa Catarina são tombadas pelo Iphan e estão contempladas com recursos do PAC – Cidades históricas. Iphan e Universidade Federal de Santa Catarina são parceiros no projeto de conservação das edificações. UFSC. Universidade Federal de Santa Catarina. Projeto Fortalezas da Ilha de Santa Catarina.

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nos chamados Dossiês de Tombamentos, bem como as Atas do Conselho Consultivo do Iphan, permitiram perceber que o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração nascia de um trabalho conjunto entre o estado catarinense e o Iphan realizado desde a década de 1980 que compreendia a realização de inventários e pesquisas sobre alguns imigrantes naquele estado.

Tais ponderações fizeram surgir outras questões: qual importância do tombamento como instrumento de salvaguarda e quais os seus limites? Como foram produzidos os Dossiês de Tombamento? Que imagem de imigrante os Dossiês produziam? De que forma as tensões e conflitos do projeto se expressaram nas Atas do Conselho Consultivo?

Embora a documentação consultada suscitasse todas essas dúvidas, ainda assim, tratava-se de documentação produzida justamente pelos responsáveis da criação e divulgação do projeto, dotando-o de um ar consensual em torno da sua produção. Isso, obviamente, não é empecilho para a pesquisa, desde que tal produção seja devidamente problematizada. No entanto, antes de me sentir confortável diante da perspectiva finalmente adotada – a de perceber como a política pública oficial de salvaguarda do patrimônio, representada pelo Iphan, se comportou no processo que instituiu o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração –, organizei algumas idas a campo para visitar e, se possível, entrevistar os proprietários dos 61 bens tombados pelo Iphan relativos ao Projeto.

Um par de visitas técnicas foi suficiente para perceber que era imprescindível selecionar as unidades visitadas, já que se trata de uma quantidade considerável de bens espalhados pela área rural de Santa Catarina, cujo acesso é bastante limitado.

Embora o projeto fizesse referência a quatro grupos de imigrantes que colonizaram Santa Catarina (alemães, italianos, poloneses, ucranianos), os tombamentos realizados no estado se concentraram nas áreas de colonização alemã e italiana. E o Guia

do Patrimônio Cultural de Santa Catarina,7 seu único material de divulgação que

apresentava algumas sugestões de roteiros turísticos, publicado e distribuído pelo Iphan, colocou em relevo apenas os bens tombados no sul do estado, representativos apenas da

7 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Roteiros Nacionais de Imigração de Santa Catarina: guia do patrimônio cultural do sul de Santa Catarina/Iphan. Florianópolis: Superintendência

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imigração italiana – as casas de pedra da família Bratti, o sobrado Barzan, a propriedade Bez Fontana, a casa de Ivanir Cancellier e a Igreja São Gervásio e São Protásio.

O fato de a própria documentação trazer este recorte foi decisivo para selecionar as visitas a campo, pensadas, num primeiro momento, como ponto de partida do trabalho. No entanto, a trajetória da pesquisa apontou que esta incursão seria muito melhor aproveitada se, de saída, auxiliasse a problematizar o tema do patrimônio, expondo sua complexidade; além disso, que o foco da pesquisa se concentrasse nos discursos produzidos pelos órgãos oficiais de preservação, problematizando-os. Foi com esta intenção que arrolei as experiências de campo, que contribuíram para o surgimento de outras inquietações, que, somadas às anteriores, construíram este trabalho.

Além das entrevistas realizadas com os moradores dos bens tombados citados no Guia do Patrimônio Cultural do Sul de Santa Catarina, entrevistei igualmente o proprietário do Sítio Tribess, localidade na qual foi lançado o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração,8 em 2007. Interessava-me, sobretudo, saber o que pensavam os proprietários dos bens sobre o tombamento de suas casas e o próprio projeto.9

A primeira entrevista foi realizada com Ingo Weimer, proprietário do Sítio Tribress. Meu primeiro contato com a propriedade se deu por meio das fotografias de divulgação do projeto e das imagens veiculadas pela mídia no dia do seu lançamento. Impressionava a exuberância do local, das casas em estilo enxaimel e os ranchos anexos, representados pelas imagens. Três anos depois, o local não parecia o mesmo: as edificações estavam em péssimo estado de conservação. O Sr. Weimer recebeu-me com desconfiança, mas depois de ter a certeza de que eu não era representante do Iphan, aceitou conversar comigo. Foi logo disparando: “Essa gente, eles promete e não cumpre o que diz [sic].”10 Perguntei-lhe como havia sido o processo de tombamento e o que ele considerava positivo nisso; ele respondeu que não concordava com o fato de a sua propriedade ter sido tombada, quando havia, segundo ele, duas ou três outras iguais e bem mais conservadas. Disse ainda que tinha consciência do péssimo estado de conservação dos ranchos anexos à sua

8 O Projeto Roteiros Nacionais de Imigração poderá ser indicado também como Projeto Roteiros.

9 Ao reproduzir a fala dos entrevistados ou parte delas, optou-se por deixar registrada a fala oral, com sua concordância verbal e pronúncias peculiares.

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propriedade, mas que não iria admitir que lhe dissessem o que fazer, pois não era uma criança. “O sítio aqui só teve importância quando teve a festa.”11

O segundo conjunto de entrevistas ocorreu no sul do estado, em Nova Veneza, considerada a “cidade mais italiana” de Santa Catarina, segundo o material de divulgação turística do local.12 A primeira entrevista foi realizada com o Sr. Bortolotto, filho do proprietário das três centenárias edificações de pedra da família Bratti, tombadas pelo Projeto Roteiros. O bisneto do imigrante italiano que as construiu relatou que, à época da chegada ao Brasil, a família se surpreendeu com o relevo acentuado e com a enorme quantidade de pedras. O terreno foi limpo e as pedras aproveitadas para a construção das casas, que se deu em quase dez anos. Em 2002, a propriedade foi restaurada, após várias modificações sofridas ao longo do tempo em que teve outros proprietários, antes de voltar às mãos da família Bratti. A propriedade é explorada comercialmente, como locação para ensaios fotográficos. Eles acreditam na importância do tombamento dos bens e na visibilidade que estes proporcionam ao município de Nova Veneza, sendo fundamentais para o turismo. O Sr. Bortolotto complementou, dizendo que “esta iniciativa de preservar as casas, somadas a outras que acontecem na região, como por exemplo, a festa Ritorno alle

origini e o Progoethe”,13 beneficiarão a cidade. Sua contribuição para incrementar a

visitação às casas de pedra é a construção de um hotel que tenha ligação com as casas, possibilitando o fácil acesso dos hóspedes do hotel ao patrimônio tombado.

As casas ficam numa localidade chamada Caravaggio, cujo acesso é feito por rua sem pavimentação, cortando propriedades rurais, num caminho rico em paisagens de pequenas plantações, verde abundante e também elevações. As três casas, com função residencial, são indicadas por uma placa, na entrada da propriedade. Uma delas é o sobrado

11 Entrevista com Ingo Weimer. Concedida à autora em janeiro de 2011.

12 O atestado de “cidade mais italiana do estado de Santa Catarina” é indicado num folder de turismo repleto de imagens sobre a cidade que endossam este título. Uma delas, por exemplo, mostra, num lago artificial, construído ao lado da prefeitura, uma gôndola doada pela prefeitura de Veneza (Itália), que mal cabe ali. Um rapaz vestido com trajes típicos de gondoleiro está à frente da embarcação e ao seu redor algumas pessoas próximas, aparecem na imagem fazendo fotografias.

13 Ritorno alle origini é uma festa promovida pela Prefeitura Municipal de Urussanga, cuja chamada publicitária no ano 2011 foi “Venha celebrar o ano da Itália no Brasil, na pequena Itália brasileira”. Fonte: Folder da XII Festa della Tradizione Italiana. O Progoethe trata-se de um programa que inclui roteiros turísticos que propõem a visitação aos vales de cultivo da uva e produção do vinho Goethe, empreendido pela Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe.

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que abriga sala e quartos. A segunda edificação abriga a cozinha e a terceira atualmente cumpre a função de estrebaria. Tal propriedade, protegida pelo tombamento estadual, foi igualmente tombada pelo Iphan, nos Livros do Tombo das Belas Artes, Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, por possuir

[...] expressividade singular da implantação do conjunto e dos imóveis que a compõe, são os primeiros adjetivos de quem procura descrever o conjunto da Família Bratti. O conjunto é formado pela implantação de três edificações de alvenaria, de pedras aparentes, evidenciando esmero construtivo, composição plástica apurada e qualidade da implantação – harmonizada em meio à paisagem notável. [...] composto por três edificações erguidas em alvenaria autoportante de pedras aparentes [...] [é] absolutamente singular no contexto das propriedades inventariadas em Santa Catarina.14

Como podemos perceber, a justificativa que fundamenta o tombamento dos bens, e que será recorrente nos Dossiês, deixa evidente que se trata de um parecer ancorado em saberes técnicos e/ou tradicionais característicos do campo da arquitetura, conforme podemos observar no apêndice A.

A segunda entrevista foi realizada com Ivanir Cancellier, proprietário da casa identificada com o mesmo nome. Era ele quem habitualmente mostrava a casa construída pelo avô aos visitantes, apresentando-a como “o lugar onde a família mora, né? [...] não entendo por que tantas pessoas param o carro para tirar fotografia [sic]”.15 Ele relata que uma família visitou a casa e perguntou se eles não se incomodavam em receber as pessoas. Respondeu que não, “mas que se cada um que quisesse tirar fotografia deixasse um real, não seria ruim! [...] Mas isso não sei se pode né?! [...] As pessoas olha a placa, param o carro e entram. Às vezes, nem elas sabem o que é que tem aqui [sic].”16 Diz que quem visita a casa e quer fotografar são pessoas que, em geral, estudam arquitetura ou temas afins. Ele observa que a casa precisa de reparos, mas considera a burocracia para a busca de recursos muito complexa. Nesse sentido, “o tombamento não ajuda em muita coisa”, pondera. Afirma não entender como proprietários que recebem recursos públicos para restaurar uma casa (ele se refere à Associação de Descendentes Friulanos de Urussanga) a

14 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Roteiros Nacionais de Imigração. Dossiê de Tombamento. Santa Catarina, 2007a. p. 255.

15 Entrevista com Ivanir Cancellier. Concedida à autora em janeiro de 2011. 16 Ibidem.

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mantêm fechada para visitação. “Aqui não, o pessoal pode entrar a hora que querem. [sic]”17 Além de ser tombada em nível estadual pela FCC, é tombada em nível federal nos Livros do Tombo Histórico e das Belas Artes, por ser

[...] um exemplar raro no conjunto da arquitetura residencial do imigrante [...] caracterizada pelo refinamento erudito das proporções clássicas da fachada e do apuro na execução das paredes de alvenaria autoportante de pedras. A planta e a estrutura dos telhados apresentam exemplaridade [...]. As esquadrias também se revestem de exemplaridade, tendo sido confeccionadas com esmero invulgar.18

O terceiro entrevistado foi o Sr. Barzan, que trabalhava em sua granja quando cheguei para conhecer o sobrado no qual reside, localizado em Palmeira Alta. João Barzan recebe as poucas pessoas que ele e a esposa decidem deixar conhecer a casa, construída pelo seu avô no final da década de 1920. Na parte onde funcionava uma cantina de vinho, utilizada para sua fabricação e armazenamento, restam apenas equipamentos remanescentes da atividade, desenvolvida até os anos 1980. Para João Barzan, o mobiliário industrial não tem importância, pois não tem uso. Sobre a ação de tombamento, mudou de opinião: “eu achava que este tombamento me traria algum benefício, mas toda a reforma que faço gasto um dinheirão e ninguém me ajuda com nada. [...] esta lei aí mais atrapalhou do que ajudou [sic]”19 O casal Barzan não permite a visitação ao interior da casa, por considerar isso invasivo e inseguro. E como o trabalho na granja exige dedicação integral, fica muito complicado parar o trabalho para atender às pessoas. João Barzan diz não ter muito vínculo emocional com a propriedade; seus pais tinham afeto pela casa e pelo fabrico do vinho, mas depois que faleceram, ele não vê muito sentido em continuar morando ali com sua esposa e filhos, por isso, tenta vender a propriedade. A casa é tombada em nível estadual e federal, por ser considerada

[...] um exemplar dos mais significativos sobrados de arquitetura ítalo-brasileira. Integralmente edificado em alvenaria de pedras aparentes, destaca-se por utilizar pedra granítica, ao invés do arenito farto na região e utilizado em todas as demais construções edificadas nesta técnica em toda a região [...] a edificação guarda

17 Entrevista com Ivanir Cancellier. Concedida à autora em janeiro de 2011. 18 IPHAN, 2007a, p. 265.

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características de excepcionalidade, derivadas da originalidade da planta baixa, volumetria e elementos integrados.20

Dona Olga Bez, a quarta entrevistada, reside na área rural conhecida como propriedade Bez Fontana, localizada próxima ao rio Américo Baixo. Foi quem me recebeu e apresentou, muito orgulhosamente, ao conjunto composto pelo sobrado de madeira, o rancho de estrebaria e a marcenaria. Repetindo inúmeras vezes “viu, isso é patrimônio tombado”,21 mostrou o galpão onde funciona a marcenaria e a serraria, ambas construídas em 1901 e alimentadas pela energia gerada por uma roda d’água. A marcenaria é fonte de renda da família. Ao lado, há outro galpão, utilizado para descascar arroz, e uma atafona,22 movida também por uma roda d’agua. A casa passou por um restauro em 1996, com verbas do governo do estado de Santa Catarina, pois é tombada em nível estadual. Dona Olga se diz muito agradecida “ao tombamento”, que permite-lhe viver na sua casa, “do jeitinho que ela foi construída pelo meu marido [...] apenas com uma arrumadinha aqui, outra ali.”23 A propriedade é também tombada em nível federal nos Livros do Tombo Histórico, de Belas Artes e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico porque

[...] o interior da Casa Bez Fontana é um dos mais autênticos e conservados encontrados na região de imigrantes oriundos da Itália[...] Trata-se de imóvel com qualidades sem equivalentes em qualquer outro lugar do país, [...] Construída em madeira, com tábuas “serradas à mão”, com grande esmero construtivo e dentro de tipologia diretamente relacionada com a arquitetura ítalo-brasileira, aliadas a exemplar conservação da ambiência interior da casa, da marcenaria, serraria e rodas d’água em funcionamento, o maquinário integrado e a implantação do conjunto, em paisagem envoltória notável, determinam a excepcionalidade de todo o sítio.24

No mínimo provocadoras, as entrevistas permitem observar conflitos de toda a ordem, pertinentes ao campo do patrimônio. São questões relativas ao instrumento de tombamento; à atribuição de valor ao bem tomado; aos usos do bem e a forma como os proprietários participam do processo. Sem a pretensão de desenvolver tais discussões neste momento, as entrevistas instigam outro conjunto de questões: a quem serve o tombamento?

20 IPHAN, 2007a, p. 269.

21 Entrevista com Olga Bez. Concedida à autora em janeiro de 2011. 22 Atafona é um engenho de moer grão, um moinho.

23 Entrevista com Olga Bez. Concedida à autora em janeiro de 2011. 24 IPHAN, 2007a, p. 261.

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Quais os valores atribuídos aos bens tombados? Que relação possuem os proprietários com os bens tombados? Quais os usos e as funções do patrimônio tombado? Os pareceres técnicos que aprovam o tombamento dão conta do valor atribuído ao bem? Quais as possíveis relações entre as instituições de preservação estadual e federal, haja vista que os tombamentos federais já possuem proteção estadual? Podemos falar em uma “paisagem cultural da imigração”?

Este conjunto de questões elaboradas a partir da leitura dos documentos, das entrevistas e de discussões realizadas a partir da bibliografia, evidencia o quanto a prática da preservação do patrimônio no Brasil, representada neste caso pelo projeto Roteiros é marcada por escolhas, disputas, silêncios, hiatos, rupturas e recorrências.

Deste modo, as questões que norteiam o trabalho de pesquisa, e que decorrem de todas as outras elaboradas ao longo do processo de maturação do trabalho, são: de que forma o Projeto Roteiros Nacionais constrói uma identidade étnica baseada no patrimônio cultural do imigrante europeu que colonizou Santa Catarina no século XIX? Como os instrumentos de preservação corroboram para a criação e difusão deste discurso?

Nesse sentido, o objetivo desta tese é analisar o Projeto Roteiros a partir do olhar que os órgãos de preservação federal e estadual lançaram ao patrimônio do imigrante no Brasil e em Santa Catarina, respectivamente, percebendo de que forma os instrumentos de salvaguarda (tombamento e chancela da paisagem cultural) atuaram neste processo.

A hipótese a ser considerada é a de que o Projeto constrói, a partir da seleção de bens culturais de alguns grupos específicos de imigrantes de Santa Catarina, mapeados ao longo de duas décadas pela instituição de preservação daquele estado, uma identidade cultural25 relacionada ao patrimônio dos grupos étnicos eleitos pelos agentes do patrimônio como representativos do mesmo.

25 O termo identidade cultural utilizado em larga escala no texto é utilizado em dois sentidos que se complementam: como “o resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem indivíduos e definem instituições.” In. DUBAR, Claude. A socialização. Construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 136; e como um “um campo complexo marcado por conflitos, onde o próprio lugar da identificação, retido na tensão da demanda e da defesa é um espaço de tensão. BHABHA. Homi. O lugar da cultura. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 1998.

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Ao eleger como ícone do patrimônio cultural da imigração o legado de um determinado grupo de imigrante – que só existe de forma idealizada –, identificado como o trabalhador rural da pequena propriedade, que vive de forma consensual e harmônica no seu território, cujo patrimônio é representado e comercializado através de imagens cenográficas difundidas em diversificados suportes, o Projeto Roteiros tenta fabricar um produto turístico que pretende comercializar não apenas uma identidade cultural, com valores pré-estabelecidos, mas um conjunto de valores atribuídos por agentes culturais, que o oferecem ao mercado sob o rótulo de “paisagem cultural”.

Para responder à questão proposta, o horizonte teórico adotado leva em conta a ideia de patrimônio como campo de tensões. A noção de campo, conforme Bourdieu é concebida como um espaço social multidimensional de relações entre agentes que compartilham interesses em comum, mas que não dispõem dos mesmos recursos. Todo o campo seria, ao mesmo tempo, “um campo de forças”, pois constrange os agentes nele inseridos, quanto um ‘campo de lutas’, no qual os agentes atuam conforme suas posições, mantendo ou modificando sua estrutura.26

Em cada campo específico (campo das artes, da ciência, etc.) existe um conjunto de interesses fundamentais compartilhados que garantem sua existência e funcionamento. Como num jogo, no campo há disputas e também acordos, negociações.

Os campos são resultados de processos de diferenciação social, da forma de ser e do conhecimento do mundo e o que dá suporte são as relações de força entre os agentes (indivíduos e grupos) e as instituições que lutam pela hegemonia, isto é, o monopólio da autoridade, que concede o poder de ditar as regras e de repartir o capital específico de cada campo.27

É nesses termos que podemos fazer referência ao campo do patrimônio. É por definição um espaço de tensão onde a todo o momento se confrontam gestores, representantes do Estado, que, entre outros aspectos, atribuem valor ao bem de pessoas ou instituições que compartilham dos mesmos interesses, mas nem sempre com as mesmas vontades.

26 BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.

27 BOURDIEU, Pierre. O Campo Científico. In: ORTIZ, Renato (Org.). Coleção Grandes Cientistas Sociais, n. 39. São Paulo: Editora Ática, 1983. p. 114.

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Também convém destacar que problematizar o patrimônio como campo é afirmá-lo como interdisciplinar e, sobretudo, lidar com processos de atribuição de valores a determinados bens culturais, também marcados por disputas que são políticas, pois

[...] os objetos materiais só dispõem de propriedades imanentes de natureza físico-química: matéria-prima, peso, densidade, textura, sabor, opacidade, forma geométrica etc. etc. etc. Todos os demais atributos são aplicados às coisas. Em outras palavras: sentidos e valores (cognitivos, afetivos, estéticos e pragmáticos) não são sentidos e valores das coisas, mas da sociedade que os produz, armazena, faz circular e consumir, recicla e descarta, mobilizando tal ou qual atributo físico (naturalmente, segundo padrões históricos, sujeitos a permanente transformação).28

A metodologia utilizada compreende a análise dos tombamentos realizados pelo Iphan dos bens relacionados à imigração e de forma mais específica dos 61 bens tombados em nível federal, representativos das imigrações polonesa, ucraniana, alemã e italiana, que compõem o Projeto Roteiros. Contempla também a análise dos projetos desenvolvidos em Santa Catarina pela Fundação Catarinense de Cultura em parceria com o Iphan e a problematização das imagens veiculadas ao Projeto Roteiros identificadas como “Paisagens Culturais”.

As principais fontes utilizadas foram os dossiês que instrumentalizaram o processo de tombamento dos bens que compõe o Projeto Roteiros e o processo de tombamento correspondente, os inventários dos bens tombados em nível nacional, as Atas do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, folders e material de divulgação turística e as imagens veiculadas ao Projeto Roteiros que fazem referência à paisagem cultural da imigração.

Por fim, este estudo pode ser inserido tanto na história do campo patrimonial no Brasil como na história de Santa Catarina. No primeiro caso, se levarmos em conta o projeto que tomou dimensão nacional, é revelador um conjunto de tensões no campo do patrimônio que ajuda a apontar os rumos da política pública brasileira representada pelo Iphan, inscrita no tempo presente. No segundo caso, entender como Santa Catarina

28 MENESES, Ulpiano Bezerra de. Do teatro da memória ao Laboratório de História: a exposição museológica e o conhecimento histórico. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material. v. 2, n. 1. São Paulo, 1994. p. 27, grifo nosso.

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construiu um patrimônio atrelado ao que considera sua identidade étnica é contribuir para a construção da história do patrimônio no estado.

O trabalho possui três capítulos: O primeiro capítulo, O Patrimônio e a

Imigração no Brasil discorre sobre como o patrimônio do imigrante foi tratado

historicamente pelo Iphan. Faz uma análise dos tombamentos federais relativos ao patrimônio do imigrante desde 1938 (primeiro tombamento) até 2007 (data do lançamento do projeto em Santa Catarina, que tombou, de uma só vez, os 61 bens relativos ao patrimônio do imigrante). Apresenta o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração bem como aponta algumas das tensões presentes no processo de tombamento dos bens que integram o Projeto e ainda, busca mostrar como a atribuição de valores a este patrimônio mudou ao longo do tempo de acordo com o contexto vivido no território nacional e que orientaram a política federal de preservação do patrimônio.

O capítulo dois, Patrimônio e Imigração em Santa Catarina tem o objetivo de analisar como o imigrante – e, consequentemente, seu patrimônio – foi adquirindo valor dentro da política de preservação estadual. Aponta como o estado de Santa Catarina construiu historicamente, sua identidade, a partir da valorização da cultura de grupos étnicos que colonizaram o estado, ressaltando ora o legado do imigrante açoriano do século XVIII, ora a contribuição dos alemães e italianos que migraram para o estado no século XIX. Procura mostrar também, por meio dos inúmeros projetos de preservação do patrimônio empreendidos pela instituição estadual, como se construiu uma identidade étnica para o estado, evidente no Projeto Roteiros..

No capítulo três, Imigração e Paisagem Cultural, há uma breve discussão sobre paisagem cultural e seu instrumento de chancela. Problematiza de que forma o patrimônio do imigrante foi concebido como paisagem cultural e quais os sentidos desta valoração. Apresenta e problematiza as imagens que o Iphan considera representativas da paisagem cultural do imigrante e procura perceber como essas imagens discurisivisam sobre o patrimônio do imigrante.

O título escolhido para tese, “O Brasil da Diversidade?”: patrimônio e paisagem cultural no Projeto Roteiros Nacionais de Imigração; partiu da leitura de um dos materiais de divulgação do Projeto que o anunciava como uma voz autorizada a falar em

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nome dos grupos que formaram o Brasil representando-o como um país marcado pela pluralidade étnica.

A ideia de “diversidade” é capturada no texto para fazer referência a dois aspectos: um deles remete ao momento da história da preservação do patrimônio no Brasil marcado por uma mudança no seu direcionamento onde de fato o olhar dos gestores do patrimônio foi lançado para além do patrimônio de pedra e cal. Este contexto tornou possível a valorização do patrimônio de outros grupos que não os do historicamente contemplados, como é o caso do patrimônio do imigrante. O outro aspecto reitera a ideia colocada anteriormente: a de que não há a menor dúvida de que o Brasil é um país pluriétnico. Resta saber, no entanto, como esta diversidade é tratada na consolidação de projetos que constroem uma identidade para o país. É neste sentido que esta pesquisa, cujo ponto de partida é o Projeto Roteiros Nacionais de Imigração, se propõe a contribuir para os debates acerca do tema.

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C

APÍTULO

1

O

LUGAR DO

P

ATRIMÔNIO

C

ULTURAL DA

I

MIGRAÇÃO NO

B

RASIL

Se observarmos a atuação do Iphan ao longo dos quase oitenta anos desde a promulgação do Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937 – que organiza a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Brasileiro29 –, perceberemos que a valorização do patrimônio do imigrante europeu está localizada na região sul do Brasil, ainda que de forma muito tímida, desde os primeiros anos de atuação da instituição, ganhando expressão, de fato, em 2007, conforme podemos verificar na Tabela 1.

Além do reconhecimento do patrimônio do imigrante via tombamento, podemos citar outras duas formas de salvaguarda, que nos permitem inferir sobre a sua valorização ao longo do tempo: a chancela de paisagem cultural, cuja primeira atribuição foi conferida às localidades de imigração europeia no estado de Santa Catarina (representadas pelo núcleo rural de Testo Alto e Rio da Luz); e a titulação do talian,30 (dialeto dos imigrantes italianos na Serra Gaúcha) como referência cultural.

Se, de um lado, os grupos de imigrantes da região se relacionaram e relacionam de formas diferentes com seus territórios, produzindo experiências e valores tão heterogêneos e ricos que vão além do que a política pública anuncia como patrimônio, por outro lado, tais experiências podem, sob a égide da patrimonialização, perder a dinâmica que os caracterizam, causando tensões em suas práticas, percebidos principalmente nos processos de tombamento.

Seja como for, o interesse aqui é perceber como as instituições responsáveis pela atribuição de valor aos bens relativos ao imigrante e seus agentes observaram este patrimônio ao longo do tempo, uma vez que as formas de percebê-lo mudaram, e mudam constantemente, dotando o patrimônio cultural de uma dinâmica que permite problematizar os seus diversos sentidos. Assim, o presente capítulo trata das formas pelas quais o

29 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto-Lei n. 25, de 30 de novembro de 1937. 1937a. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em: 1 mar. 2014.

30 SARTORI, Tríssia Ordovás. Talian é reconhecido pelo Iphan como referência cultural brasileira. Postado em: 14 nov. 2014. Portal ClicRBS. Disponível em: <http://pioneiro.clicrbs.com.br/rs/cultura-e- tendencias/almanaque/noticia/2014/11/talian-e-reconhecido-pelo-iphan-como-referencia-cultural-brasileira-4642921.html>. Acesso em: 20 nov. de 2014.

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patrimônio do imigrante foi apropriado ao longo do tempo pelo órgão de preservação nacional, buscando compreender qual imigrante é contemplado pela política de preservação, quais valores atribuídos a seu patrimônio em nível nacional, e quais os impactos do Projeto Roteiros na política nacional de salvaguarda do patrimônio cultural.

Tabela 1 – Relação de tombamentos federais relativos ao patrimônio do imigrante europeu

Processo(1) Bem Localização Livro(s) Tombo(s) Ano do tombamento

Processo 161-T-38 Palácio dos Príncipes Joinville/SC Livro Belas Artes; Livro Histórico 1939 Processo 659-T-62 Cemitério Protestante Joinville/SC Livro Histórico; Livro Arqueo-

lógico/Etnográfico/Paisagístico. 1962 Processo 1141-T-85(2) Casa do Professor e Escola Rural Rio dos Cedros/SC

Livro Belas Artes; Livro Histórico; Livro Arqueológico/ Etnográfico/Paisagístico

1985

Processo 1145-T-85 Casa da Neni Antônio Prado/RS

Livro Belas Artes 1985

Processo 1248-T-87 Conjunto Urbano Antônio Prado/RS

Livro Histórico; Livro Arqueo- lógico/Etnográfico/Paisagístico

1990 Processo 1113-T-84 Casa Presser Novo

Hamburgo/ RS

Livro Belas Artes; Livro Histórico; Livro Arqueológico/ Etnográfico/Paisagístico

1984

Processo 1165-T-85 Ponte do Imperador Ivoti/RS Livro Histórico 1985 Processo 1124-T-84 Casarão do Chá Mogi das

Cruzes/SP

Livro Belas Artes; Livro Histórico; Livro Arqueológico/ Etnográfico/Paisagístico

1984

Processo 1.548-T-07 61 bens relativos ao Projeto Roteiros Nacionais de Imigração

Várias cidades/SC

Embora o tombamento tenha sido realizado em conjunto, cada bem cultural foi inscrito em um livro tombo específico.

2011

(1) Os dois últimos números indicados no Processo dizem respeito ao ano da abertura do Processo de Tombamento. (2) As referências a este processo (que foi extraviado) podem ser localizadas na Ata do Conselho Consultivo de 22 de janeiro de 1985, na reunião realizada nas dependências do Forte de Santa Cruz, na Ilha de Anhatomirim, Santa Catarina.

Fonte: Adaptado pela autora.31

Há dois tópicos estruturando o capítulo. O primeiro trata de como o Iphan percebeu o patrimônio do imigrante, por meio do tombamento dos bens imóveis32 no

31 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Lista dos Bens Culturais Inscritos nos Livros do Tombo (1938-2012). Rio de Janeiro: IPHAN, 2013a. Disponível em: <http://portal.iphan.

gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=3263>. Acesso em: dez. 2014.

32 Como bens imóveis entendem-se conjuntos urbanos ou rurais, edificações isoladas, equipamentos urbanos e ruínas e jardins e parques históricos. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Bens Tombados. Portal IPHAN, 2013b. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPagina Secao. do?id=17740&sigla=Institucional&retorno=paginaInstitucional>. Acesso em: 12 nov. 2014.

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território brasileiro e de outros instrumentos de salvaguarda nacionais, como as já citadas chancela de paisagem cultural e titulação como referência cultural. A análise se concentrou nos processos de tombamentos dos bens de imigrantes europeus no Brasil. O segundo tópico problematiza a ação conjunta do Iphan e do estado de Santa Catarina, que culminou na criação dos Roteiros Nacionais de Imigração, projeto de expressão, pois dá visibilidade, de maneira ímpar na história do patrimônio do imigrante no Brasil, ao seu legado cultural. Para isso, as fontes utilizadas foram os dossiês que instruíram o processo de tombamento dos bens que compõem o Projeto Roteiros, os documentos relativos ao processo de tombamento e as Atas do Conselho Consultivo do Iphan.

1.1OIPHAN E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO IMIGRANTE

Parte do patrimônio do imigrante europeu estabelecido no Brasil no século XIX pode ser conhecido graças à sua preservação. Obviamente que a importância do seu legado vai além do reconhecimento pelo Estado (neste caso, representado pelo Iphan) e dos sentidos insti- tucionais que se lhe atribuem, afinal, a preservação dos bens patrimoniais é parte da política cultural de uma nação, que institui formalmente quais as memórias a serem selecionadas e de que maneira o são, em detrimento daquelas que devem ser esquecidas e/ou silenciadas.33

Quer dizer, [a política pública é] um conjunto articulado e fundamental de decisões, programas, metas, recursos e instituições a partir da iniciativa do Estado. [...] É, antes de tudo: a) um critério de ação: um parâmetro, uma opção por uma determinada ideologia cultural; b) uma alocação de escassos recursos públicos diante de clientelas concorrentes.34

33 Vários autores debateram a relação entre patrimônio e Estado no Ocidente, como: POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente. São Paulo: Estação Liberdade, 2009; CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade, 2006. Sobre a criação do Iphan, são emblemáticas as

obras de CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2009; RUBINO, Silvana. As fachadas da História. Dissertação (Mestrado). São Paulo: UNICAMP, 1991; FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ/MinC-Iphan, 2005. Sobre poder, memória e identidade nacional, ver: SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Memória Coletiva e Identidade Nacional. São Paulo: Annablume, 2013. 34 FALCÃO, Joaquim. Política de Preservação e Democracia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. IPHAN, n. 20, 1984. Disponível em: <http://www.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=3196>.

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Perceber os valores atribuídos aos bens culturais, e neste caso específico, ao patrimônio do imigrante, é perceber o próprio sentido que a preservação assume ao longo do tempo, pois

[...] falar e cuidar de bens culturais não é falar de coisas ou práticas em que tenhamos identificado significados intrínsecos, próprios das coisas em si, obedientemente embutidos nelas, mas é falar de coisas (ou práticas) cujas propriedades, derivadas de sua natureza material, são seletivamente mobilizadas pelas sociedades, grupos sociais comunidades, para socializar, operar e fazer agir suas ideias, crenças, afetos, seus significados, expectativas, juízos, critérios, normas, etc., etc., – e, em suma, seus valores. [...] a matriz desses sentidos, significações e valores não está nas coisas em si, mas nas práticas sociais.35

Corroborando tal compreensão, Márcia Chuva infere que dotar o bem cultural de valor patrimonial, ou seja, patrimonializá-lo é

[...] selecionar um bem cultural (objetos e práticas) por meio da atribuição de valor de referência cultural para um grupo de identidade. O bem patrimonializado tem como atributo a capacidade de amalgamar grupos de identidade. [...] A patrimonialização de práticas culturais [...] promove a concorrência e, por vezes, a dissenção entre grupos, vivenciada através de tensões e disputas, num contexto de lutas de representação, lutas por legitimidade e lutas políticas, que redundam em disputa por recursos direta ou indiretamente.36

Historicamente, o reconhecimento, no âmbito de órgãos de preservação, do legado cultural do patrimônio do imigrante como parcela do patrimônio histórico brasileiro teve início em 1939, contando com ações de salvaguarda em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo,37 conforme pudemos observar na Tabela 1.

Os primeiros tombamentos nacionais de patrimônio do imigrante europeu em Santa Catarina foram o do Palácio dos Príncipes, em Joinville, em 1939 e a proteção do Cemitério Protestante, também em Joinville, mais de duas décadas depois, em 1962. Trata-se de dois tombamentos pontuais, que não instituem de forma alguma políticas de

35 MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do patrimônio: uma revisão de premissas. In: I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural: Sistema Nacional de Patrimônio Cultural; desafios, estratégias e

experiências para uma nova gestão. v. I. Ouro Preto, Minas Gerais, 2009. Brasília, DF: Iphan, 2012. p. 32. 36 CHUVA, Marcia. A preservação do patrimônio cultural no Brasil: uma perspectiva histórica, ética e política. In: CHUVA, Márcia; NOGUEIRA, Antônio Gilberto Ramos de. Patrimônio Cultural: políticas e perspectivas de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: MauadX/ FAPERJ, 2012. p. 74.

37 Em São Paulo, encontramos um tombamento relacionado à imigração japonesa. Como nossa preocupação está centrada na imigração europeia, o Casarão do Chá, em Mogi das Cruzes, não será contemplado nesta análise.

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Ficker complementou o texto afirmando a importância do cemitério, por ter sido o local de sepultamento dos primeiros colonos da Colônia Dona Francisca. Em 1962, Luis Saia visitou o cemitério e destacou:

Além desse valor documentário, é relevante o significado paisagístico urbano que o local resguardou e conserva. Árvores de porte avantajado, algumas nascendo pitorescamente entre os túmulos, transformaram este cemitério num local realmente parqueado e esplendidamente integrado na estrutura urbana. Se resguardaria, portanto, além do valor documentário e paisagístico, uma área verde de maior interesse para a cidade.41

Havia divergência em relação às esferas responsáveis pela proteção, pois os agentes do órgão de preservação federal alertavam que a proteção do cemitério deveria ser de âmbito municipal e/ou estadual. Um parecer de Lúcio Costa42 atestou a importância do bem, atribuindo-o à paisagem que conforma o cemitério. Não era qualquer paisagem, mas uma paisagem compreendida como sinônimo de natureza intocada, dotando o lugar de um ar bucólico, romântico, como fica evidente no parecer:

O sentido histórico da fundação da antiga colônia Dona Francisca e alcance e significação da obra realizada no sul do país pelos nossos patrícios de ascendência germânica, justificam, porém, a inscrição do antigo cemitério fundado pelo pastor Hoffmann no Livro do Tombo Histórico, uma vez que se conserva o aspecto agreste e se não mutilem as árvores a pretexto de zelar pela proteção das sepulturas, pois essa impressão de cultivado abandono, que lhe confere ar romântico, é o que importa preservar.43

Neste caso, ao contrário do anterior, a nomenclatura do bem tombado evidenciava um patrimônio legado por colonizadores alemães protestantes, que se estabeleceram de forma pioneira em Dona Francisca. No entanto, o parecer que justifica o tombamento dá importância ao fato de se tratar de um lugar cuja aparência remete a uma paisagem de “cultivado abandono” – e por isso deveria ser preservada, tanto quanto pelo fato de ser um lugar caro à memória dos

41 Parecer técnico do Chefe do 4° Distrito, Luis Saia. Processo de Tombamento número 659-T-62, folha 0014. Arquivo IPHAN/ RJ, 1962.

42 A importância de Lúcio Costa ao longo da sua ação junto ao Iphan pode ser consultada em RUBINO, Silvana. Lucio Costa e o Patrimônio Artístico Nacional. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 6-17, mar./maio2002. Entre outros aspectos, Rubino destaca que o arquiteto e urbanista foi um intelectual e polivalente funcionário do Sphan, de 1937 até 1972. Foi considerado, nas palavras de Rubino, como o “homem do patrimônio, o arquiteto que, ao lado de Rodrigo, foi peça fundamental nas definições da política de salvaguarda da memória nacional.”

43 Parecer técnico de Lúcio Costa referente ao tombamento do Cemitério Protestante de Joinville. Processo de Tombamento número 659-T-62, folha 0155. Arquivo IPHAN/ RJ, 1962. Grifo nosso.

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colonizadores. É uma concessão a uma percepção romântica, relacionada a cemitérios e a percepção da natureza circundante. O segundo parágrafo do artigo primeiro, do capítulo 1 do Decreto-lei n. 25, de novembro de 1937, afirma:

Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana.44

Podemos sugerir que Lúcio Costa emitiu parecer favorável ao tombamento do cemitério justamente por conta da paisagem, que serviu como parâmetro para sua inscrição no Livro de Tombo Histórico, Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.

O primeiro tombamento ocorreu dois anos após a promulgação do Decreto-lei de 25 de novembro de 1937, que organizou a proteção do patrimônio artístico nacional, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico Nacional (Sphan). O texto do decreto, que incorporou contribuições ao longo do tempo, é fundamental, a ponto de ainda hoje ser encarada como válida.45 Os primeiros trinta anos do Sphan (1937-67) representaram um intenso esforço para compensar o tempo em que não houve salvaguarda do patrimônio brasileiro. Por esse motivo, tombou-se uma grande quantidade de bens, em condições nas quais a carência de recursos financeiros e humanos imperava.

Nessa tarefa, exerceram [os modernistas], ao mesmo tempo a função de intelectuais e de homens públicos, e marcaram sua presença no serviço iniciado em 1936 – mais, talvez, que em qualquer outra instituição estatal de que tenham participado naquele período – de forma tão profunda e duradoura que, até hoje, para alguns, o Sphan dos anos 30-40, o ‘Sphan de doutor Rodrigo’, é o verdadeiro Sphan, tendo se tornado praticamente sinônimo de patrimônio.46

Nesse período os tombamentos eram conduzidos quase que exclusivamente pelos funcionários da instituição e indicavam como os técnicos responsáveis interpretavam os pressupostos da Carta de 1937, relativos à preservação. Segundo Fonseca, foram tombados até o final de 1969, 803 bens na sua maioria ligados à arquitetura religiosa,

44 BRASIL, 1937.

45 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. Publicações da Secretaria do Patrimônio Artístico Nacional, n. 31, 1980. p. 14. 46 FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo. 3. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. p. 82.

Referências

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