Um olhar inovador sobre o Currículo de Matemática da
Educação Básica: Axé e Crônicas de Recife
Antônio do Nascimento Gomes1
Resumo
O presente artigo trata da trajetória do autor em contato com a Rede Investigativa proposta pelo Observatório da Educação-UFSCar. Estes três anos de desenvolvimento do projeto foram permeados por grandes mudanças na trajetória profissional do mesmo, passando de estudante de Mestrado e professor da Educação Básica a concluinte do mesmo mestrado e professor da Educação Básica e finalmente professor do Ensino Básico, Técnico e Superior da rede federal de ensino (IF). Neste período, motivado pela pesquisa de Mestrado, a busca de parcerias com outros membros do projeto (uma professora da Educação Básica) permitiu a elaboração de um minicurso e uma oficina apresentados em eventos de projeção nacional e internacional onde os autores focaram em uma abordagem inovadora do currículo de Matemática. Foram propostos trabalhos que envolvessem Geometria Fractal (objeto de estudo do autor na pesquisa de mestrado), Leitura na aula de Matemática (projeto de mestrado da professora da Ed. Básica) e características regionais das cidades que sediaram os eventos, a saber, Salvador (com toda sua religiosidade e arquitetura) e Recife (com a literatura de cordel).
Palavras-chave: Ensino de Matemática, Currículo, Leitura e Escrita, Geometria Fractal.
Pesquisa de Mestrado e Observatório da Educação
Os anos de 2008 a 2010 foram marcados pelo curso de Mestrado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) conciliados ao trabalho de Professor no Magistério Estadual Paulista. Foi um período de intensa reflexão e leituras que culminariam na Dissertação de Mestrado.
No ano de 2009, a convite de professores do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Exatas (PPGECE), envolvi-me junto a outros estudantes da graduação e professores da Educação Básica no início do Projeto Observatório da Educação-UFSCar/Capes.
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Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul de Minas Gerais - IFSULDEMINAS – Campus Inconfidentes; Observatório da Educação da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar; antonio.gomes@ifs.ifsuldeminas.edu.br
A participação nesta equipe de trabalho propiciou uma nova etapa de reflexão mais elaborada acerca de formação de professores e Produto Educacional, em particular na elaboração do trabalho final do Mestrado, conforme pontuo na mesma: “Muitas
reflexões presentes neste trabalho e, mais importante que isso, que constarão de estudos futuros e de uma prática profissional mais comprometida emergiram de discussões e sugestões dos membros do projeto Observatório da Educação e do GEM/UFSCar.” (GOMES, 2010, p. 128)
O Objetivo principal do Projeto, com o qual colaboramos até o ano de 2012, é a criação do NIPEM-UFSCar (Núcleo Interativo de Pesquisa em Ensino de Matemática), que pretende se constituir num espaço permanente de formação continuada de professores da rede pública de ensino, onde estes podem trocar experiências com os graduandos e docentes da Universidade e vice-versa.
Para sua constituição, estes momentos vivenciados até hoje em grupos de discussão presenciais (como o GEM-UFSCar2, por exemplo) e a distância através de ambiente de aprendizagem virtual, participação e apresentação de trabalhos em eventos pelo país afora são de fundamental importância.
O Projeto também objetiva a criação de uma Rede Investivativa entre todos estes agentes mencionados, de acordo com Souza et al (2008). Pretende-se
Pesquisar, por meio do estudo LONGITUDINAL de uma rede investigativa constituída por mestrandos, licenciandos e professores de Física e Matemática da escola pública, o
itinerário da inovação educacional, a partir do
desenvolvimento, implementação e AVALIAÇÃO de produtos educacionais. A instrumentalização do processo ensino-aprendizagem da Física e da Matemática, na educação básica, será assumida na perspectiva situada e participativa da pesquisa. O trabalho será conduzido dentro das linhas de pesquisa do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Exatas da UFSCar. O processo da investigação participante contemplará a profissionalização crítico-reflexiva e o trabalho coletivo dos professores. (p. 109)
Ora, estas características do Observatório eram justamente o que faria da Pesquisa de Mestrado mais concreta, elaborada e pautada em referenciais, já que o objetivo do Programa de Mestrado era justamente a elaboração de um Produto
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GEM-UFSCar - O Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática da UFSCar é formado por professores da Universidade, estudantes de graduação e pós-graduação de várias áreas e professores da Educação Básica, além de professores de outras instituições convidados.
Educacional que fizesse sentido perante a prática de sala de aula do estudante-pesquisador.
A Dissertação de Mestrado foi defendida em julho de 2010 e se encontra disponível em: http://www.ppgece.ufscar.br/index.php/por/content/view/full/173 e também na BCo-UFSCar. Trata de uma Investigação sobre a própria prática (Ponte, 2002) a partir de Folhas de Atividades sobre Semelhança de Figuras Planas na 8ª série do Ensino Fundamental, sendo elaborada, aplicada e analisada com estudantes de uma escola pública da cidade de São Carlos.
Como conclusões é importante destacar o forte empenho e mobilização dos estudantes para o desenvolvimento das atividades, bem como os indícios de aprendizagens encontrados e o fortalecimento da identidade profissional do professor.
Ainda de acordo com os pressupostos do Observatório da Educação UFSCar, acreditamos na importância deste trabalho no fortalecimento das relações e aproximação da universidade com a escola pública pesquisada. Uma pesquisa realizada pelo professor da escola juntamente com a universidade é vista pela
escola e sua comunidade como um auxílio que a universidade oferece e uma preocupação desta com uma educação de qualidade. (GOMES, 2010, p.129)
Trabalho compartilhado na Rede e com a Rede
Conforme colocado anteriormente, pretende-se com o Observatório a criação de uma Rede Investigativa e de Colaboração entre seus participantes. Assim, as reuniões presenciais do ano de 2009, onde eu atuei como bolsista (nos anos seguintes continuo participando a distância) trouxeram a possibilidade de conhecer o trabalho de outros professores da Educação Básica, nas áreas de Matemática e Física, estudantes da graduação e da pós-graduação do PPGECE.
Estes novos contatos e a apresentação de suas atividades e propostas de pesquisa foram naturalmente formando grupos de trabalho colaborativos no ambiente do Projeto. Aos professores coordenadores cabia organizar as discussões entre estes grupos, sugerir material bibliográfico para pesquisa e viabilizar projetos de Iniciação Científica, Extensão, Trabalhos de Conclusão de Curso e Dissertações.
Nesta época eu e mais duas professoras de Matemática trabalhávamos na rede pública paulista, então, naturalmente o que nos uniu foi a implementação de uma nova Proposta Curricular Estadual, que acontecia naquele ano.
Assim, após estudos e discussões elaboramos, em 2010 e 2011, dois trabalhos conjuntos que foram apresentados respectivamente no ENEM3 e CIAEM4.
O trabalho apresentado no ENEM, intitulado “AXÉ - PERSPECTIVAS PARA O
USO DE FRACTAIS EM SALAS DE AULA DA EDUCAÇÃO BÁSICA” trazia atividades
com dobradura de papel para construção de figuras fractais. Neste, foi enfocado o meu trabalho de Mestrado, onde tais atividades serviam de mote para o trabalho com conteúdos matemáticos variados.
O minicurso pretendeu mostrar a professores e estudantes de graduação a variedade de conceitos que podem ser abordados a partir de atividades com dobradura de papel, de forma investigativa. Também foi autor do trabalho o professor orientador da dissertação de Mestrado, que já trabalhava há algum tempo com atividades semelhantes.
Destacamos a relevância de pensar tais atividades em variados contextos e séries escolares, de forma que possamos abordar diferentes conteúdos em diferentes graus de dificuldade com as mesmas atividades e como a Geometria Fractal pode ser usada como fator motivador na sala de aula. Elas também podem ser usadas de forma diagnóstica, para que possamos traçar um perfil dos conhecimentos dos estudantes sob determinado aspecto ou conceito. (GOMES, PAES, SALVADOR, 2010, p. 2)
Um exemplo de atividade proposta é a construção de um Cartão Fractal, como ilustrado a seguir.
Figura 1 – Cartão Fractal e sua planificação.
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X ENEM – Encontro Nacional de Educação Matemática, realizado em julho de 2010 em Salvador-BA.
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XIII CIAEM – Conferência Interamericana de Educação Matemática, realizada em junho de 2011 em Recife-PE.
Este trabalho também buscou aliar as atividades discutidas no Mestrado com aspectos culturais da cidade de Salvador, onde destacamos a forte alegria e religiosidade do povo e com isso, sua arquitetura sacra, com exemplos de Simetria e mesmo a noção de repetição e infinito presente na Geometria Fractal.
Pretendemos com tais alusões uma maior motivação e mobilização da turma para a presença de aspectos matemáticos em situações cotidianas e seu uso em sala de aula numa prática pedagógica mais prazerosa.
Já no trabalho apresentado na CIAEM, o foco de discussão foi o trabalho de Mestrado em andamento da professora da Educação Básica, que no ano de 2010 ingressa no PPGE-UFSCar (Programa de Pós-Graduação em Educação). A sua pesquisa trata de Leitura e Interpretação na aula de Matemática.
Assim, pensamos na Literatura de Cordel, aliada aos trabalhos com construções fractais e leituras do livro O Homem que Calculava (utilizado em sua pesquisa) para nortear a oficina. A oficina tem por objetivo mostrar algumas possibilidades de se trabalhar textos literários, em aulas de matemática, para o ensino de conceitos matemáticos.
Um momento de destaque na elaboração da proposta foi a composição de um Cordel 9º Cordel n. 01) pelos pesquisadores, já que pretendíamos utilizar esta literatura popular e carregada de significados ao povo nordestino.
A idéia de compor um cordel para apresentar as atividades, como já citado, vem dos interesses de convergir os textos na aula de matemática e a divulgação deste importante traço cultural nordestino. Pretendemos mostrar aos cursistas a possibilidade de levar a sala de aula mais este tipo de texto. Ele pode propiciar um aprendizado interdisciplinar, combatendo a concepção que em matemática não é possível trabalhar conjuntamente com outras áreas do conhecimento. (PAES, GOMES, 2011, p. 4)
As atividades da oficina foram apresentadas através do cordel composto, e tratavam da leitura e discussão de um fragmento do livro de Malba Tahan e a exploração de uma construção fractal (o Cartão Fractal).
Vou ensinar a vocês Uma coisa genial Como calcular potência Usando a Geometria Fractal Mas não é só isso
Tem muita coisa especial A matemática é difícil Mas aqui não é não Estudar com leitura É uma grande curtição Sabe ler em árabe? Se não, a hora é de ação! Meu amigo já dizia: Vamos dobrar o papel Se fizer muitos degraus Dá pra chegar até no céu Não pense muito, tem que agir Pra não ficar pra trás, ao léu (...) Tem a história dos camelos
No começo tá faltando e no final até sobra O viajante ganha um
Através de matemática e não manobra Tem fileira estrelada
E jarros de vinho pra festa badalada
Despedimos já com saudade Palavra bonita do Português Desculpem a pretensão De cantar até cordéis Mas a paixão pela ciência É que nos torna menestréis Ela também nos torna felizes De poder com vocês compartilhar O que aprendemos e estudamos lá longe E aqui viemos mostrar
Matemática, leitura, e muito mais
O melhor: o prazer de ensinar! (PAES, GOMES, 2011, p. 6)
Estes trabalhos convergiram então, para a experiência que havíamos conquistado graças ao trabalho no Observatório, de onde extraímos vivências, referenciais e desenvolvemos projetos e parcerias que exemplificam concretamente o objetivo do NIPEM e da Rede Investigativa.
Pretendeu-se mostrar aos professores em geral a possibilidade de trabalhar de uma forma diferenciada e porque não, mais prazerosa e instigante. Tudo isso atrelado, no contexto estadual, a proposta curricular recentemente implantada, que por um lado era alvo de críticas, mas por outro pode ser adaptada, trabalhada e melhorada.
Novos Horizontes de atuação – Axé!
O início do ano de 2011 foi marcado por mudanças no emprego. Inicialmente, passei a integrar o quadro da Rede Federal de Educação Tecnológica como professor substituto no IFSULDEMINAS. Apesar do caráter temporário do cargo, houve um contato com outros níveis de ensino, a saber o Ensino Técnico, Tecnológico e Superior, ministrando a disciplina de Matemática para o Ensino Médio e disciplinas como Cálculo, Estatística e Construções Geométricas para o Ensino Superior, inclusive no curso de Licenciatura em Matemática.
Este novo público vem trazer novas perspectivas e também novos desafios ao professor. Questões curriculares, metodológicas, de pesquisa e extensão vem contribuir para novos pensamentos e ações.
Novas demandas práticas exigem solução imediata, visto que continuo com suas aulas no Ensino Fundamental da Rede Estadual Paulista em outra cidade, o que implica em uma agenda bem mais cheia. Por outro lado, um novo ritmo em sala de aula com as turmas também é visto como necessário e implantado.
Em maio do mesmo ano, contudo, nova e grande mudança: assumo um cargo como efetivo na rede federal mas em outro campus, o que o faz exonerar o cargo no estado de São Paulo e também abandonar as disciplinas ministradas no início do ano. Ao chegar no novo campus, precisa atender as necessidades imediatas dos cursos e assumir as disciplinas já iniciadas.
No segundo semestre, de volta ao campus do início do ano através de um processo de permuta de docentes, posso então, com mais estabilidade, assumir disciplinas novas no Ensino Superior e ao mesmo tempo ajudar a terminar as iniciadas com outros professores no Ensino Médio.
Assim me coloco no contexto do curso de Licenciatura em Matemática, ministrando disciplinas tanto de cunho técnico quanto pedagógico, se é que poderia se imprimir tal qualificação. No âmbito do PIBID, programa governamental de amplitude nacional, também atuo junto a equipe de Matemática do Instituto contemplada com o edital, que abarca as licenciaturas em Computação e Biologia.
Os conceitos de formação de uma rede colaborativa e Produtos Educacionais são, então, de fundamental importância nesta etapa de profissionalização.
De acordo com a cultura yorubá, o termo Axé (Àse, em yoruba, "energia", "poder", "força") representa o objetivo do homem em Ilu Aiye, o Planeta Terra: “realizar, fazer algo, deixar sua marca e sua lembrança. É uma palavra sagrada, tão importante quanto Amém, Inshallah” .
Pretendo então, deixar a seguinte conclusão de todas estas vivências pessoais e profissionais, debatidas durante o trabalho de Mestrado e também no Observatório. O professor pode (e deve) se sentir protagonista e agente efetivo em seu meio de trabalho, elaborando materiais, discutindo com seus pares e refletindo (e agindo) sobre sua prática. A pesquisa deste professor pode adquirir legitimidade e sua identidade profissional será fortalecida.
Axé!
Referências
Axé. Disponível em:
http://www.orixas.ifatola.com/index.php?option=com_content&view=article&id=3:ase &catid=27:afrodescendentes&Itemid=61 Acesso em: nov 11.
GOMES, A. N. (2010). Uma proposta de ensino envolvendo Geometria Fractal para o
estudo de Semelhança de Figuras Planas. Dissertação (Mestrado Profissional em
Ensino de Ciências Exatas). Centro de Ciências Exatas e Tecnologias. Departamento de
Matemática. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.
Disponível em <http://www.ppgece.ufscar.br/index.php/por/content/view/full/173>. Acesso em: 13 jan 2011.
GOMES, A. N.; SALVADOR, J. A. (2010). E depois da elaboração de um Produto
GOMES, A. N. PAEZ, G. R. SALVADOR, J. A. PERSPECTIVAS PARA O USO DE FRACTAIS EM SALAS DE AULA DA EDUCAÇÃO BÁSICA. Anais X ENEM. Salvador: 2010.
PAEZ, G. R. GOMES, A. N. Crônicas de Recife: a Princesa, o Cordel e o Fractal. Anais
XIII CIAEM. Recife: 2011. Disponível em: <
http://www.cimm.ucr.ac.cr/ocs/index.php/xiii_ciaem/xiii_ciaem/search/results>. Acesso em: out 11.
