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'Todo sistema de previdência baseado em salário está esgotado'

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Academic year: 2021

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ESTADAO

01abr19

'Todo sistema de previdência baseado em

salário está esgotado'

Para economista, reforma proposta no Brasil não

considera as transformações nas relações de trabalho

Entrevista com José Roberto Afonso

Renée Pereira, O Estado de S. Paulo

Em seu mais recente estudo, o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e pesquisador do Ibre/FGV, alerta para um problema que vai além da proposta da reforma da Previdência. Na avaliação dele, as mudanças nas relações de trabalho e seus impactos na arrecadação têm sido ignorada no País. Segundo Afonso, entre 1996 e 2017, o número de contribuintes com renda acima de sete salários mínimos caiu 25%. No período, aqueles com renda mais baixa, de até sete salários, cresceram 158%. O economista afirma ainda que, mesmo com a retomada da economia, esse movimento não deverá ser revertido. Veja a seguir trechos a

entrevista:

Segundo Afonso, nenhum país do mundo tem tanta firma individual quanto o Brasil Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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A transformação nas relações de trabalho está mais avançada no Brasil em relação ao resto do mundo?

Sim. Por razões tributárias e por ter o custo mais caro no mundo para contratação de assalariados, era natural e inevitável a reação dos empregadores que passaram a

contratar os mesmos trabalhadores como pessoas jurídicas. Nenhum país do mundo tem tanta firma individual quanto o Brasil. Nenhum país tem 1,2 empregados privados para cada um proprietário de empresa. Vale lembrar que um empregado contribui para INSS até sete salários mínimos, mas o empregador sobre a folha como um todo. Ou seja, quem emprega quem ganha mais que o teto subsidia indiretamente aqueles que ganham abaixo do teto. Por isso que o maior estímulo de trocar de pessoa física por pessoa jurídica se dá no caso dos maiores salários, acima de sete salários mínimos.

Essa transformação foi acelerada pela crise econômica brasileira?

Sim, a recessão acelerou esse processo. Quando disparou o desemprego, ele cresceu mais entre aqueles de maior renda, acima do teto da previdência social. E, mesmo a tímida reação recente do emprego, foi toda centrada em cima dos menores salários.

A nova legislação trabalhista também ajudou a acelerar esse processo?

Não. Talvez ao contrário, como ela estimula a terceirização, ela ainda tenta segurar o emprego formal, se não direto, ao menos por meio de um intermediário. Mas eu acho que essa reforma foi uma resposta tardia e insuficiente do poder público a uma drástica mudança já realizada nas relações trabalhistas.

No estudo, o sr. mostra que os empregados com carteira assinada são 38,9% da força ocupada. Quanto era no passado?

No último trimestre de 2012, esse porcentual de empregados com carteira era de 42,3% ante 38,9% no terceiro trimestre de 2018.

A reforma proposta atualmente não resolve a questão da arrecadação? Há o que se fazer, além de o trabalhador fazer sua poupança?

A reforma proposta é boa e é necessária, mas é insuficiente. É uma proposta voltada para o passado, ainda pensando num mercado em que as pessoas trabalham todas com carteira assinada, com horário fixo, no mesmo local... Já mudou muito isso no Brasil e vai alterar ainda mais com a nova economia compartilhada, em que se trabalha sem um emprego fixo.

O sistema de Previdência está esgotado?

Todo sistema de previdência baseado em salário está esgotado. Não só faltará quem contribui, mas também faltará aposentadoria para quem se tornar idoso sem ter sido assalariado durante a vida ativa. O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial já decretaram que precisamos de novo pacto social. Em meio século, vai haver muito menos gente podendo se aposentar e muito mais gente candidato ao benefício para velhice sem renda.

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Há algum exemplo de sucesso no mundo que resolve a questão da Previdência?

Não. Há uma inquietação crescente, em muitos países e sobretudo organismos internacionais. A previdência, como construída há quase um século atrás, vai perder espaço. O que se vai colocar no lugar não se sabe ao certo. Mas, há muito debate, do qual o Brasil não tem participado. Na Europa, está se tentando criar planos

transnacionais de previdência privada.

Salário alto fora da CLT afeta

arrecadação

Renée Pereira

Mudança nas relações de trabalho causada pela tecnologia acontece em todo o mundo, mas é acelerada no Brasil por questões tributárias

As mudanças nas relações de trabalho, com o aumento do número de contratados como pessoa jurídica – prática chamada de pejotização –, viraram uma ameaça ao sistema de arrecadação da Previdência e podem comprometer os benefícios futuros da reforma em curso. Nos últimos anos, contribuintes com renda mais alta têm sido responsáveis por uma migração do emprego formal, com carteira assinada, para o regime de pessoa jurídica ou autônomo, onde se reduz – ou elimina – o recolhimento ao INSS. Entre 1996 e 2017, o número de contribuintes com renda acima de sete salários

mínimos caiu 25%, segundo estudo elaborado pelos economistas José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), e Juliana Damasceno de Sousa, pesquisadora do Ibre/FGV. No período, aqueles com renda mais baixa, de até sete salários, cresceram 158%.

“Esse movimento quebrou um dos princípios básicos do regime brasileiro – o do subsídio cruzado –, na medida em que empregadores que pagam salários maiores passaram a financiar cada vez menos aqueles com menores benefícios”, afirmam os autores do estudo. Na prática, isso significa arrecadação menor. Entre 2014 e 2018, a arrecadação líquida (corrigida pela inflação) caiu 8,39% diante de uma população que envelhece rapidamente.

Para Afonso, a transformação estrutural no mercado de trabalho tem sido ignorada no Brasil e nem sequer começou a ser discutida. “A reforma em curso é vital para colocar a economia nos trilhos, mas ela é voltada para o passado, ainda pensando num mercado no qual todas as pessoas trabalham com carteira assinada, horário fixo, no mesmo local.” Isso já mudou no Brasil e vai mudar ainda mais com a nova economia compartilhada, com a automação e a digitalização, diz o economista.

No trabalho, intitulado “Previdência sem providência”, os dois economistas mostram que essas transformações nas relações de trabalho são uma preocupação mundial, mas que têm se acelerado no Brasil por questões tributárias.

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O País, diz Afonso, tem o custo mais alto do mundo para a contratação de assalariados, o que incentivou empregadores a contratar os mesmos trabalhadores como pessoa jurídica, dando início a chamada pejotização. “Nenhum país do mundo tem tanta firma individual quanto o Brasil. Nenhum país tem 1,2 empregado para cada proprietário de empresa.”

O reflexo disso tem sido verificado na participação dos contribuintes na arrecadação total. Desde a Constituição de 1988, que criou o pacto social, a participação dos que recebem até três salários mínimos quadruplicou até 2017, de 21% para 82,1%. Já entre os que têm renda superior a 10 salários, a participação despencou de 31,5% para 2,4% (ver gráfico acima).

Tributação. O professor do Departamento de Economia da PUC-Rio José Márcio

Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, entende que esse é um problema para a Previdência resolver no futuro. Segundo ele, mesmo com a retomada da

economia, o avanço da arrecadação será menor que no passado. “O aumento do emprego será via pessoa jurídica, que tem custo menor que o emprego com carteira assinada.”

Uma saída, afirma, estará nas formas de tributação. “Hoje, da mesma forma que a cunha fiscal sobre o salário é alta, sobre o Imposto de Renda é baixa.” Nesse sentido, a criação de tributos sobre dividendos do sócio de uma empresa pode ser uma boa alternativa, completa o professor da Coppead/UFRJ Carlos Heitor Campani.

Segundo ele, nos últimos anos, houve estímulo à pejotização, com uma carga tributária menor e a simplificação dos trâmites de abertura de empresas – vide o caso do micro empreendedor individual (MEI). “A minha faxineira, por exemplo, é PJ. É bom pra mim e bom para ela”, afirma o professor.

De fora. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnac)

Contínua, compilados por Afonso e Juliana, mais da metade dos trabalhadores

brasileiros estão fora do sistema pleno de proteção social. Os empregados com carteira assinada respondem por apenas 38,9% da força ocupada e os servidores públicos, 8,5%. Restam 52,6% de ocupados (sem considerar os desempregados) sem vínculo e sem proteção para o futuro.

“Se o Brasil já tem mais trabalhadores independentes do que com carteira, isto é, se os desprotegidos já superam aqueles cobertos pela previdência, o mundo do trabalho na era digital tornará ainda mais complexo repensar o padrão de financiamento e de

organização da seguridade social”, diz Afonso.

A opinião é compartilhada pelo economista do Insper Sergio Firpo. Para ele, as

mudanças no mercado de trabalho vieram para ficar. “Caberá ao governo criar regras e incentivos para trazer o trabalhador para dentro do sistema previdenciário.” Firpo afirma que boa parte do movimento de pejotização tem ocorrido com profissionais com maior qualificação, que abrem mão de contribuir para o INSS para ter uma renda maior. Nesse caso, eles fazem a própria poupança – ou não.

Para Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), negócios crescentes, como Uber e Airbnb, são exemplo da queda do número de

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contribuintes. “Eles são empregados de alguém, mas não têm proteção, não têm INSS, não têm FGTS. Esse tipo de emprego modifica a forma de arrecadação.”

“Nenhum país tem tanta firma individual quanto o Brasil. Nenhum outro lugar tem 1,2 empregado para cada proprietário de empresa.”

José Roberto Afonso ECONOMISTA

Referências

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