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O ensino de Ciências Naturais no curso de Pedagogia : dilemas que emergem de estudos de caso

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Física "Gleb Wataghin"

PATRICIA ELISA DO COUTO CHIPOLETTI ESTEVES

O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS NO CURSO DE PEDAGOGIA: DILEMAS QUE EMERGEM DE ESTUDOS DE CASO

CAMPINAS 2015

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O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS NO CURSO DE PEDAGOGIA: DILEMAS QUE EMERGEM DE ESTUDOS DE CASO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino

de Ciências e Matemática da

Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Ensino de Ciências e Matemática, área de concentração: Ensino de Ciências e Matemática.

Orientador: PROF. DR. PEDRO WAGNER GONÇALVES

CAMPINAS 2015

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MEMBROS DA COMISSÃO JULGADORA DA TESE DE DOUTORADO DE PATRICIA ELISA DO COUTO CHIPOLETTI ESTEVES – RA: 123585 APRESENTADA E

APROVADA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃOMULTIUNIDADES EM ENSINO

DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA, DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, EM 16/12/2015.

COMISSÃO JULGADORA:

- Prof. Dr. Pedro Wagner Gonçalves – (Orientador) – IG/UNICAMP - Profa. Dra. Alessandra David – Centro Universitário Moura Lacerda - Profa. Dra. Glaucia Maria da Silva Degrève – Dept. Química/USP - Profa. Dra. Adriana Vitorino Rossi – IQ/UNICAMP

- Prof. Dr. Oscar Braz Mendonza Negrão – IG/UNICAMP

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

CAMPINAS 2015

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Dedico este trabalho a todas as professoras e professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Todo o esforço despendido no estudo, planejamento e execução desta pesquisa

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Agradeço aos meus familiares queridos, meu esposo José Eduardo Esteves e meus filhos Felipe Chipoletti Esteves, Luís Guilherme Chipoletti Esteves e José Eduardo Esteves Filho pelo incentivo, colaboração e compreensão que dispensaram a mim nesses quatro anos e meio. A vocês, meus queridos, minha eterna gratidão.

Agradeço a Profa. Dra. Ana Alexandra Valente Rodrigues pela cordialidade e atenção dispensadas a mim no Departamento de Educação da Universidade de Aveiro, em Portugal. Sua orientação foi imprescindível para a definição do questionário utilizado neste trabalho.

Agradeço ao Prof. Dr. Pedro Wagner Gonçalves pela sabedoria com que me orientou. Muito obrigada, Professor!

Aos amigos professores e companheiros de pesquisa, Cauê Nascimento de Oliveira, Eulália Gomes Citroni, Maria José dos Santos e Silvana Maria Correa Zanini, meus sinceros agradecimentos pela amizade e incentivo.

Agradeço, finalmente, aos alunos, professores formadores e coordenadores de curso que colaboraram com esta pesquisa, respondendo questionários e concedendo entrevistas.

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norteadora de currículos e programas educacionais. As diretrizes curriculares federais – atualmente em vigor – que regulamentam o Ensino Fundamental (EF) sugerem aos organizadores de currículos, gestores e professores a inclusão de temas de Ciências Naturais nos programas de ensino a partir dos primeiros anos da Educação Básica. Por outro lado, o currículo do EF do Estado de São Paulo reduziu o currículo a poucos componentes curriculares e, sobretudo, eliminou os elementos que constituem a formação científica das crianças, promovendo uma exclusão social. Pesquisadores da área do ensino de Ciências Naturais têm mostrado a importância de ensinar conteúdos dessa área para as crianças. As dimensões presentes no ensino de Ciências Naturais desempenham um papel importante para a formação cognitiva e política das crianças. Os modos de pensar racionais, interpretativos, fundados em elementos empíricos abrem articulações de raciocínio sistêmico, além disso, temas dessa área surgem espontaneamente dos depoimentos de crianças, jovens e adultos, na forma de conflitos e problemas. Os professores autorizados a lecionar esses conteúdos nos anos iniciais do EF podem ser formados em cursos de Pedagogia. Esse curso, desde sua criação em 1939, tem sofrido muitas alterações em sua estrutura e finalidades, o que tem conduzido pesquisadores a declararem que sua marca é a falta de identidade. Estudos em currículos e programas de cursos de Pedagogia têm mostrado uma série de fragilidades na estrutura curricular dessas instâncias formativas, inclusive nas disciplinas da área de Ciências Naturais. Diante disso, o objetivo desse trabalho é caracterizar a contribuição de disciplinas da área de Ciências Naturais de cursos presenciais de Pedagogia do Estado de São Paulo para que alunos – futuros professores – possam lecionar conteúdos dessa área nos anos iniciais do EF. Inicialmente, foi realizado um Estudo Exploratório em todos os cursos presenciais de Pedagogia do Estado de São Paulo com o objetivo de conhecer e caracterizar a oferta de disciplinas dessa área. Foram localizados 396 cursos presenciais em atividade no Estado, sendo que somente 25 (6%) pertenciam a instituições públicas e um número superior a 678 disciplinas. Dessas, somente sete (1%) continham títulos que correspondiam a conteúdos específicos de Ciências Naturais a serem ensinados pelos professores. Na sequência foram realizados Estudos de Caso em quatro cursos presenciais de Pedagogia de duas tradicionais universidades públicas do Estado de São Paulo. Nessa pesquisa foram analisados os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) dos cursos e os Planos de Ensino das disciplinas. Os participantes da pesquisa foram dois coordenadores de curso, três professores formadores e 98 alunos, totalizando 103 participantes. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram: (i) questionários semi-estruturados e (ii) entrevistas abertas. Os alunos responderam a um questionário e na sequência, alguns foram convidados a fornecerem entrevista. Os coordenadores de curso e os professores formadores também foram convidados a concederem entrevistas. Os documentos do curso foram analisados por meio da Análise Documental e as entrevistas e parte das respostas dos questionários foram analisadas por meio da Análise Temática. As análises e interpretações dos resultados possibilitaram inferir que os alunos consideram as disciplinas da área de Ciências Naturais importantes para a sua formação, porém, declararam que as mesmas não oferecem conteúdos que eles poderão vir a ensinar; falta de articulação com outras disciplinas do curso e com a realidade escolar. Os depoimentos dos professores formadores revelaram conflitos e ambiguidades, tanto em relação às disciplinas como em relação à estrutura do curso. O mesmo aconteceu com os depoimentos dos coordenadores. Esses resultados permitem sugerir que (i) outros estudos sejam realizados para aprofundar as questões aqui levantadas e (ii) os componentes curriculares de Ciências Naturais dos cursos de Pedagogia sejam revistos.

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curriculum and education programs. The Federal curriculum direction that regulates the “Fundamental Teaching” (EF) suggests to the curriculum organizers, managers and teachers the Natural Science inclusion (NS) in to the teaching programs for the very first years of basic education. In other way, the EF curriculum from São Paulo State has reduced it components to a few items, eliminating the components related to science teaching for children. Natural Science researchers that works with Main Themes has showed the importance to teach contents from this area of knowledge for children. The existent dimensions of natural science teaching develop a important role in the cognitive and politic formation on young students. The natural way of thinking, interpretative, based on empirical lead to systemic thinking, beyond that, this area themes appears naturally in children, teens and adults speaks with problems and conflicts status. The teachers that could teach those contents in the initial years of EF. may be formed in Pedagogy graduation courses. Since the beginning of this kind of course, in 1939, it has suffered several changes in its structure and goals, leading to researches to say that its “nature” has a lack of identity. Studies in this curriculum and programs are showed lots of “building structure” fragilities, including in the Natural Science disciplines. In light of the above, this work objective was to determine the NS disciplines in the São Paulo State Pedagogy courses so the students – future teachers – could teach this area contents in the initial years of the EF. First of all was made a Exploratory Study in all Pedagogy courses of São Paulo State to know and determine this area disciplines offers. There has been located 396 active courses in the State and a beyond 678 disciplines; from them, only seven (1%) showed specific NS contents to be applied by the teachers. After that was made a Case Study or Multicase Study in four Pedagogy courses from two traditional São Paulo State public universities. In this research was analyzed the Political Pedagogical Project (PPP) for each course and its Teaching Plans for the disciplines. In this phase was analyzed the Political Pedagogy projects from this courses and the disciplines teaching plans. There was 103 participants in the research: two coordinators, three teachers and 98 students. The utilized instruments for data search were: (i) half-structured questionnaires and (ii) open interviews. The students answered to a questionnaire and, finishing it, were invited to be interviewed. The course coordinators and the teachers were invited to give interviews to. The resulting documentation was analyzed through Documentation Analysis and the interviews, along with part of questionnaires answers, through Thematic Analysis. The resultant analysis and interpretations permitted to conclude that the students considers the NS disciplines very important for their formation as teachers but contain lacks, with little hours of classes, with little content that they could teach in the future; no articulation with other course disciplines and the schooling reality. The teachers speak revealed conflicts and ambiguities in relation of the disciplines and the course structure. The same happened to the coordinators. The results may suggest that (i) other studies should be made to deepener the presented questions; (ii) changes should be made in the Natural Science disciplines structures of Pedagogy courses. Keywords: Pedagogy; Natural Science; Fundamental Teach.

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CTSA – Ciências, Tecnologia, Sociedade e Ambiente CFE – Conselho Federal de Educação

CEE – Conselho Estadual de Educação

DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais

EAD – Ensino a Distância

EF – Ensino Fundamental

EI – Educação Infantil

EJA – Educação de Jovens e Adultos

ENADE – Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes

HOCS – Habilidades Cognitivas de Ordem mais Alta

IES – Instituição de Ensino Superior

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PPP – Projeto Político Pedagógico

RA – Região Administrativa

RM – Região Metropolitana

RMSP – Região Metropolitana de São Paulo

SEADE – Sistema Estadual de Análise de Dados

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1.2 Delimitação da Pesquisa e Percurso do Trabalho 11

2 REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 15

2.1 Estudos Exploratórios 16

2.2 Abordagens Qualitativas 16

3 O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS 26

3.1 A Relevância das Ciências Naturais para a Formação das Crianças 28

3.2 A Legislação Brasileira e o Ensino de Ciências Naturais 33

3.3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental 36

3.4 A Legislação Educacional do Estado de São Paulo para o Ensino Fundamental 47

3.5 Estratégias para a Elaboração de Programas e Currículos de Ciências Naturais 49

3.5.1 Abordagens Temáticas 50

3.5.2 Alfabetização Geocientífica e Sistemas Terrestres 57

3.6 Discussões 61

4 TRAJETÓRIA INCONCLUSA: OS CURSOS QUE FORMAM PROFESSORES

DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL 65

4.1 A Escola Normal e o Curso Normal em Nível Médio 68

4.2 O Curso Normal Superior 74

4.3 O Curso de Pedagogia: criação, mudanças e conflitos 75

4.4 A Estrutura Atual do Curso de Pedagogia 79

4.5 As Novas Deliberações Educacionais do Estado de São Paulo para os Cursos de

Formação de Professores 85

4.6 As Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Profissionais do

Magistério 88

4.7 Discussões 90

5 AS DISCIPLINAS DE CIÊNCIAS NATURAIS EM CURSOS DE PEDAGOGIA DO

ESTADO DE SÃO PAULO 92

5.1 Total de Cursos de Pedagogia do Estado de São Paulo 92

5.2 As Disciplinas da Área de Ciências Naturais dos Cursos de Pedagogia do Estado de São

Paulo 94

6 AS DISCIPLINAS DE CIÊNCIAS NATURAIS EM CURSOS DE PEDAGOGIA DE

DUAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO 97

6.1 Os Cursos de Pedagogia e as Disciplinas da Área de Ciências Naturais 98

6.2 Os Participantes da Pesquisa 105

6.2.1 Os Professores Formadores 108

6.2.2 Os Coordenadores de Curso 115

6.2.3 Os Alunos 122

6.3 Discussões 132

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS 137

REFERÊNCIAS 139

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO DO PROFESSOR FORMADOR 145

APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO DO ALUNO 146

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 149

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1 INTRODUÇÃO

1.1 Inquietações Pessoais e Doutoramento

Este trabalho nasceu de minhas inquietações como bacharel, licenciada em Ciências Biológicas e professora de Ciências Naturais do EF II e de Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais de um curso de Pedagogia. No exercício dessas atividades surgiram as inquietações iniciais que viriam a se transformar neste trabalho, como detalharei a seguir.

Comecei minhas atividades docentes no ano de 2000, numa escola particular que oferecia a Educação Infantil (EI) e o EF I e II. Além dos professores do Fundamental II, tinha contato com os colegas do Fundamental I. E foi por meio dessa convivência que pude perceber que havia uma espécie de “hierarquia” não institucionalizada entre os professores: os do Fundamental I se sentiam “menores” que os do Fundamental II. A causa de tal hierarquia, fui descobrir, era um sentimento de desvalorização que os professores do Fundamental I tinham em relação a nós, do Fundamental II. Além dos fatores socioeconômicos envolvidos nesse sentimento de desvalorização, percebi que esses professores se consideravam inferiores a nós em conhecimento, os especialistas das áreas, professores de Ciências Naturais, História, Geografia, Matemática, Língua Portuguesa etc. Em muitas ocasiões, eles me procuravam para contar o que e como estavam desenvolvendo este ou aquele conteúdo de Ciências, para checar se estavam ensinando “certo”. Essa percepção inicial transformou-se em inquietação e me levou a questionar: que conhecimentos em Ciências Naturais os professores do Fundamental I possuíam? Por que aquela insegurança no ensino de conteúdos dessa área? Como havia sido sua formação inicial? Sucintamente, minhas perguntas eram: será que os professores do Fundamental I não possuíam os conhecimentos básicos necessários para ensinar conteúdos de Ciências Naturais? Sua formação não lhes havia ensejado segurança para ensinar?

Depois de nove anos atuando nesse nível de ensino, ingressei em uma Instituição de Ensino Superior (IES) particular, onde passei a lecionar entre outras, a disciplina de Fundamentos e Metodologia de Ciências Naturais para alunos do curso de Pedagogia. Nessa nova atividade profissional – onde me encontro até o presente – comecei a vivenciar “o outro lado da moeda”, ou seja, a formação dos futuros professores do Fundamental I. Convivo diariamente com sentimentos variados que meus alunos expressam, não só em relação ao ensino de Ciências Naturais, mas em relação à própria docência: incertezas quanto à escolha profissional, dificuldade de aprendizagem, insegurança, baixa auto-estima, resistência e medo.

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Concomitante à atividade docente, ingressei no Mestrado em Ciências. Meu interesse e minha dissertação versaram sobre Biologia Celular, mais especificamente, o estudo do ciclo celular do protozoário Trypanosoma rangeli. Então no Mestrado, comecei a vivenciar um grande conflito profissional. Meus colegas de Mestrado não queriam a docência; a expectativa era por construir uma carreira científica. Nessa época, comecei a me questionar sobre o ensino de Ciências Naturais para as crianças do Ensino Básico: os graduados em Pedagogia expressavam suas incertezas e dificuldades em relação ao ensino de Ciências e os Mestres nessa área não desejavam a docência. E os alunos? Quem os ensinaria? A lógica cruel, cujas raízes confundem-se com o paradoxo da sociedade brasileira se revelou: como garantir a qualidade no ensino de conteúdos de Ciências Naturais para os alunos da Educação Básica?

Em meio a esse conflito é que optei por cursar o Doutorado na área educacional, mais especificamente, formação de professores.

Penso que essa breve descrição de minhas atividades profissionais e acadêmicas seja oportuna para justificar meu interesse pelo tema da formação inicial dos professores habilitados a ensinar conteúdos de Ciências Naturais no EF I. Atualmente, como essa formação inicial tem acontecido, preferencialmente, nos cursos de Pedagogia (BRASIL, 2005), a temática se cruza com a discussão acerca das funções e do currículo desses cursos. Portanto, tenho como objetivo investigar a contribuição das disciplinas da área de Ciências Naturais dos cursos de Pedagogia para que os professores possam ensinar conteúdos dessa área nos anos iniciais do EF.

1.2 Delimitação da Pesquisa e Percurso do Trabalho

A literatura especializada tem mostrado a importância de crianças aprenderem conteúdos de Ciências Naturais desde os primeiros anos da Educação Básica. Esses estudos consideram que para muitos alunos, esse será o único período em que terão oportunidade de aprender conteúdos dessa área do conhecimento. Além disso, pesquisadores da área do ensino de Ciências Naturais e que trabalham com a abordagem de Temas Geradores, relatam que assuntos relacionados às Ciências Naturais surgem espontaneamente de depoimentos de crianças, jovens e adultos na forma de problemas e conflitos (COELHO; MARQUES, 2007; DELIZOICOV, 2008; TORRES; MORAES; DELIZOICOV, 2008; FORGIARINI; AULER, 2009), evidenciando o quanto esses temas estão presentes no cotidiano desses sujeitos e, por isso, devem ser estudados. Por outro lado, diversos autores consideram a importância de os alunos entrarem em contato com temas clássicos das várias áreas do conhecimento e

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receberem preparação para sua formação profissional (DELIZOICOV, 2008; FREIRE; SHOR, 2011). A esse respeito, Paulo Freire se posicionou da seguinte forma:

Tanto o educador tradicional como o libertador não têm direito de desconsiderar as metas dos estudantes de receber formação profissional e adquirir credenciamento para o trabalho. Há uma necessidade real de especialização técnica, de que a educação, de uma perspectiva tradicional, ou libertadora, deve tratar. Além disso, a necessidade de formação profissional dos estudantes a fim de se qualificarem para o trabalho é uma exigência real sobre o educador (FREIRE; SHOR, 2011, p. 117).

Por outro lado, autores ligados ao ensino das Geociências (LACREU, 2009; ÓRION, 2009) têm discutido a importância de os currículos da Educação Básica contemplarem temas relacionados aos sistemas terrestres – hidrosfera, geosfera, atmosfera e biosfera – como forma de auxiliar os alunos a pensarem de maneira sistêmica e ambientalmente sustentável, o que, em muitos casos, pode contribuir para que possam resolver problemas ambientais locais, regionais e globais.

Em relação à legislação da Educação Básica, as diretrizes curriculares oficiais federais para o EF orientam organizadores de currículos, gestores e professores a incluírem temas dessa área nos programas de ensino desde o 1.º ano (BRASIL, 1997b). De acordo com esses documentos a educação tem como função “garantir condições para que o aluno construa instrumentos que o capacitem para um processo de educação permanente” (BRASIL, 1997a, p. 28) e no caso específico das Ciências Naturais, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) sugerem que os alunos aprendam conceitos científicos básicos como energia, matéria, transformação, espaço, tempo, sistema, equilíbrio e vida como forma de capacitá-los a agir de maneira autônoma e crítica. De acordo com esse documento, tais conhecimentos são importantes para o desenvolvimento pessoal e profissional do aluno, servindo, ainda, como suportes para a construção da cidadania (BRASIL, 1997b). O ensino de conteúdos dessa área se constitui, assim, como meio e fim e representa um direito da criança e dever da escola. Por outro lado, resolve pouco pensar no currículo de Ciências Naturais para os anos iniciais do EF se não se articula a ele os currículos e programas dos cursos que formam professores que poderão lecionar esses conteúdos. Assim, neste trabalho, tenho como objetivo conhecer a contribuição de disciplinas da área de Ciências Naturais de cursos de Pedagogia para capacitar estudantes para a docência de conteúdos dessa área nos anos iniciais do EF. Por isso, me propus a caracterizar disciplinas da área de Ciências Naturais em cursos de Pedagogia de duas tradicionais universidades públicas do Estado de São Paulo. Essa pesquisa foi realizada por

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meio de Estudos de Caso (BARDIN, 2011; MINAYO, 2014). Inicialmente, porém, foi necessário conhecer como esse curso se constituiu e se tornou um dos loci autorizados a formar os professores dos anos iniciais do EF. Por isso, me dediquei ao estudo desse curso e de outras instâncias formativas que, no Brasil, serviram como loci para a formação desses professores. Esse estudo foi importante para que eu pudesse compreender que ao longo da história, o curso de Pedagogia assumiu diferentes funções e estruturas, o que tem levado alguns autores a declararem que sua marca é a falta de identidade. Os debates e dilemas envolvendo esse curso remontam a sua criação, em 1939, e se intensificaram a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB n. 9.394/96 (BRASIL, 1996) e das DCN para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura (BRASIL, 2006). Pesquisas têm mostrado que esse curso, ao pretender abarcar a enorme gama de atribuições conferidas por essas diretrizes (BRASIL, 2006) tem assumido uma estrutura curricular frágil e que pode comprometer a formação dos profissionais. Em 2009 Gatti et al. analisaram 1.498 ementas de 71 cursos de Pedagogia distribuídos por todo território brasileiro e demonstraram que “apenas 7,5% das disciplinas são destinadas aos conteúdos a serem ensinados nas séries iniciais do EF, ou seja, ‘o quê’ ensinar” (p. 228). Segundo os autores, esses resultados tornaram evidentes que disciplinas que preparam os alunos para ensinarem conteúdos nos anos iniciais do EF representam uma porcentagem muito pequena da carga horária total dos cursos, tornando-se um desafio para os organizadores de currículos que têm que acomodar num curso com carga horária mínima de 3.200 horas/aula uma gama de possibilidades conferidas pelas DCN (BRASIL, 2006). Esse e outros problemas estruturais têm sido atribuídos à falta de clareza e excessiva flexibilidade dessas DCN (SAVIANI, 2005; BISSOLLI DA SILVA, 2006; LIBÂNEO, 2010). Estudos de Casos realizados por Ducatti-Silva (2005) em cursos presenciais de Pedagogia de cinco universidades do Estado de São Paulo revelaram que os alunos desses cursos percebem fragilidades tanto na oferta como nos conteúdos de disciplinas de Ciências Naturais.

No tocante à metodologia adotada, importa informar que:

a) Em 2012 realizei um Estudo Exploratório (GIL, 1999) para promover um amplo levantamento em disciplinas da área de Ciências Naturais em cursos presenciais de Pedagogia do Estado de São Paulo. As disciplinas foram analisadas e categorizadas por meio de Pesquisa Documental/Análise Documental (LAVILLE; DIONNE, 1999; BARDIN, 2011). Com esse inventário foi possível localizar 396 cursos presenciais de Pedagogia, distribuídos entre os 645 municípios do Estado – 14 Regiões Administrativas (RA) e quatro Regiões Metropolitanas (RM) – e mais de 678 disciplinas da área de Ciências Naturais. Esse estudo

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propiciou uma visão geral da oferta de disciplinas dessa área e ajudou a definir os cursos que seriam investigados nos Estudos de Caso.

b) No período de março a junho de 2015, realizei Estudos de Caso (BARDIN, 2011; MINAYO, 2014) em quatro cursos presenciais de Pedagogia oferecidos por duas tradicionais universidades públicas do Estado de São Paulo. Os critérios utilizados para a seleção dos cursos investigados foram, inicialmente, o fato desses cursos estarem localizados geograficamente na região do inventário realizado em 2012 e, principalmente, por pertencerem a duas grandes universidades públicas que produzem pesquisas na área de ensino de Ciências Naturais e cujos Projetos Políticos Pedagógicos apresentam compromisso com a formação de profissionais capacitados, críticos e comprometidos com o ensino público de qualidade. Os objetivos desses estudos foram caracterizar disciplinas da área de Ciências Naturais por meio da Pesquisa Documental/Análise Documental (LAVILLE; DIONNE, 1999; MINAYO, 2014) em Projetos Políticos Pedagógicos, ementas e Planos de Ensino e, ainda, conhecer a opinião dos coordenadores, professores formadores e alunos do último ano de curso sobre a contribuição das disciplinas dessa área para que professores possam lecionar conteúdos dessa área nos anos iniciais do EF. Esses participantes foram abordados por meio de questionário semi-estruturado e entrevista aberta (LAVILLE; DIONNE, 1999; MINAYO, 2014). Colaboraram com a pesquisa 103 participantes: dois coordenadores de curso; três professores da área de Ciências Naturais e 98 alunos. Os resultados das entrevistas e dos questionários foram analisados por meio da Análise de Conteúdo, mais precisamente, a Análise Temática (BARDIN, 2011; MINAYO, 2014) e de tabelas e quadros do Excel®.

Feitas essas considerações, explico que a seção 2 foi dedicada à apresentação dos referenciais metodológicos adotados; na seção 3 caracterizo e analiso as diretrizes curriculares oficiais que regulamentam o ensino de Ciências Naturais da Educação Básica e avanço para o estudo das ideias de autores que defendem o ensino de conteúdos dessa área para alunos da Educação Básica. A seção 4 é dedicada ao exame das instâncias que formam os professores dos anos iniciais do EF, com destaque para o curso de Pedagogia. Na seção 5, relato e discuto o levantamento realizado em disciplinas da área de Ciências Naturais de todos os cursos presenciais de Pedagogia do Estado de São Paulo e, finalmente, na seção 6 apresento e discuto os Estudos de Caso. As conclusões são apresentadas na última parte do trabalho – seção 7.

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2 REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Para responder à pergunta de pesquisa – qual é a contribuição das disciplinas da área

de Ciências Naturais dos cursos de Pedagogia para capacitar estudantes para a docência de conteúdos dessa área nos anos iniciais do Ensino Fundamental? – me apoiei em

procedimentos e abordagens comuns às Ciências Sociais e as autoras selecionadas foram, principalmente, Bardin (2011) e Minayo (2011, 2014). Acredito que a primeira dispensa apresentações. Seu livro Análise de Conteúdo é uma referência internacional na área da pesquisa social. Maria Cecília de Souza Minayo é uma socióloga brasileira com mais de vinte anos de experiência em pesquisas na área da saúde pública.

Além das autoras citadas, busquei apoio na obra A Construção do Saber: manual de

metodologia da pesquisa em Ciências Humanas, escrita por Laville e Dionne (1999), dois

autores canadenses.

Algumas ideias que permeiam os estudos dessa área podem ser conhecidas em duas obras de Minayo (2011, 2014) – Pesquisa Social: teoria, método e criatividade e O Desafio

do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde e numa delas, a autora (MINAYO, 2011)

explica que, como campo do conhecimento, as Ciências Sociais têm especificidades que a distinguem das Ciências Físico-Naturais e que são: (i) “o objeto das Ciências Sociais é

histórico. Isto significa que cada sociedade humana existe e se constrói num determinado

espaço e se organiza de forma particular e diferente de outras” (p. 12). Além disso, as sociedades humanas vivem o seu presente marcado pelo passado e é com essas determinações que constroem seu futuro. “Portanto, o dinamismo e a especificidade são características de qualquer questão social” (p. 12); (ii) as Ciências Sociais possuem consciência histórica, ou seja, não é somente o pesquisador que dá sentido ao seu trabalho intelectual, os seres humanos, grupos e sociedades também têm capacidade de explicitar a intenção de seus atos, projetar e planejar seu futuro. É, pois, nesse nível que o pesquisador social age, ou seja, na interface entre sua consciência e o da consciência histórica dos grupos que investiga; (iii) nas pesquisas sociais sempre há um nível de interação entre o pesquisador e seu “objeto” de estudo, já que ambos pertencem a mesma natureza. Essa interação pode ser de classe, cultural ou de faixa etária e isso faz com que haja um imbricamento e comprometimento entre o pesquisador e seu objeto de pesquisa; (iv) as Ciências Sociais são ideológicas. “Na verdade não existe Ciência neutra. Toda Ciência – embora mais intensamente as Ciências Sociais – passa por interesses e visões de mundo historicamente criadas [...]. Na investigação social, a

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relação entre o pesquisador e seu campo de estudos se estabelece definitivamente” (p. 13). Finalmente, a autora afirma:

[...] é preciso declarar que o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo. A realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados que transborda dela. A possibilidade de enumeração dos fatos, por exemplo, é uma qualidade do indivíduo e da sociedade que contém, em si, elementos de homogeneidade e de regularidades. Essa mesma realidade é mais rica que qualquer teoria, que qualquer pensamento e qualquer discurso político ou teórico que tente explicá-la (MINAYO, 2014, p. 42).

Feitas essas considerações informo nos próximos tópicos as características das abordagens metodológicas adotadas neste trabalho.

2.1 Estudos Exploratórios

De acordo com Gil (1999), os estudos exploratórios têm como objetivo proporcionarem uma visão geral do fenômeno ou fato a ser pesquisado. Esse panorama é especialmente útil porque aproxima o pesquisador do campo de pesquisa, por isso, esses estudos constituem a primeira etapa de uma investigação mais ampla e seus resultados podem auxiliar a delimitar o problema de pesquisa e a sistematizar os procedimentos. Neste trabalho o Estudo Exploratório foi utilizado para realizar um amplo levantamento em disciplinas da área de Ciências Naturais de cursos de Pedagogia do Estado de São Paulo.

2.2 Abordagens Qualitativas

Entre as abordagens qualitativas comuns às Pesquisas Sociais, a Pesquisa Documental (ou também denominada Análise Documental) e os Estudos de Caso foram adotados como estratégias metodológicas nesta pesquisa. Por isso, este tópico será destinado para a apresentação dessas estratégias, assim como dos instrumentos de coleta de dados e das técnicas de análise e interpretação dos resultados.

De acordo com Minayo (2014, p. 164) o Estudo de Caso pode ser definido como estratégia “para mapear, descrever e analisar o contexto, as relações e as percepções a respeito da situação, fenômeno ou episódio em questão”. A principal característica dessa metodologia é estudar uma situação particular, como uma comunidade, uma instituição, um conflito ou uma pessoa que têm significado no conjunto da investigação, por serem típicos de um

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conjunto mais amplo do qual se tornam representantes. Dentre as características dessa metodologia, Laville e Dionne (1999) destacam: (i) o estudo de elementos que pertencem ao

contexto do fenômeno; (ii) compreender e não descrever e (iii) buscar a profundidade e as particularidades. Considerando essas proposições como conceitos centrais dessa abordagem,

Minayo (2014) orienta o pesquisador no desenho de Estudo de Caso, destacando que é preciso estar atento às seguintes etapas:

- Questão de estudo ou definição do foco de pesquisa: este método é indicado para responder ao “como” e ao “porque” determinado fenômeno se apresenta;

- Determinação da unidade de análise e sua descrição preliminar: se é um grupo, uma organização, um setor;

- Justificativa do estudo: explicação da importância e do sentido do estudo; - Formulação e esclarecimento das proposições especificamente orientadas para os vários aspectos em estudo;

- Esclarecimento da lógica entre as várias proposições;

- Estabelecimento de critérios para a interpretação dos dados (referencial teórico e categorias) (p. 165).

Na sequência, avanço para explicar outro aspecto que merece ser discutido com profundidade no âmbito das abordagens qualitativas, qual seja o do método, expressão que muitas vezes é reduzida às técnicas utilizadas para proceder e analisar os dados de uma pesquisa. Minayo (2011) amplia essa ideia ao enunciar que a metodologia é

O caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. Ou seja, a metodologia inclui simultaneamente a teoria da abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade). A metodologia ocupa um lugar central no interior das teorias e está referida a elas (p. 14, grifos meus).

Caracterizar a metodologia ou caminho do pensamento rumo à interpretação da realidade, incluindo a teoria da abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador é interessante porque possibilita conhecer as opções do investigador ao eleger os participantes da pesquisa, os procedimentos e instrumentos para se chegar aos dados, assim como as técnicas utilizadas para analisar e interpretar os resultados.

Mas, se a metodologia permite ao pesquisador, entre outras coisas, “chegar aos dados”, fica a pergunta: o que é exatamente um dado? E ao contrário do que o termo possa fazer crer, “ele designa, na verdade, algo que não é dado, que não é evidente, mas que é

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preciso ir procurar com o auxílio de técnicas e instrumentos [...]. Para os pesquisadores, os dados são esclarecimentos, informações sobre uma situação, um fenômeno, um acontecimento” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 132).

Como anunciado, informo que além dos Estudos de Caso me vali da Pesquisa Documental/Análise Documental, abordagem que busca caracterizar e analisar documentos, utilizando fontes diversas, tais como: (i) documentos impressos, digitalizados ou disponíveis na Web, como banco de dados, informes institucionais (fontes utilizadas nesta pesquisa), pareceres, resoluções, decretos e leis; artigos de jornais, cartas, relatórios, estatísticas, diários, ofícios, testamentos, inventários ou dossiês; (ii) documentos sonoros e visuais, como fotografias, pinturas, desenhos, mapas, documentários, filmes, músicas e, finalmente, (iii) depoimentos e entrevistas (também utilizados) (LAVILLE; DIONNE, 1999).

De acordo com Bardin (2011) a Análise Documental (essa autora usa a terminologia Análise e não Pesquisa) consiste em um conjunto de procedimentos que visam representar o conteúdo de um (ou mais) documento de forma diferente da original, de maneira a facilitar sua consulta posteriormente. O objetivo é “armazenar” o documento para que o observador tenha o maior número de informações com o máximo de pertinência. A autora adverte que a Análise documental e a Análise de Conteúdo têm muito em comum, porém, é preciso diferenciar as duas metodologias.

O objetivo da análise documental é a representação condensada da informação, para consulta e armazenamento; o da análise de conteúdo é a

manipulação de mensagens (conteúdo e expressão desse conteúdo) para

evidenciar os indicadores que permitam inferir sobre uma ou outra realidade que não a da mensagem (BARDIN, 2011, p. 52, grifos meus).

Como afirmam Laville e Dionne (1999, p. 166) “um documento pode ser algo mais que um pergaminho poeirento: o termo designa toda fonte de informações já existente. Pensa-se, é claro, nos documentos impressos, mas também em tudo que se pode extrair dos recursos audiovisuais e [...] em todo vestígio deixado pelo homem”. Este último trecho é instigador, pois pensar em “vestígios deixados pelo homem” pressupõe que os dados estão lá, já existem, só resta serem “descobertos”, porém, eles podem ser buscados pelo pesquisador interrogando pessoas, entre outros meios.

Para coletar informações a propósito de fenômenos humanos, o pesquisador pode, segundo a natureza do fenômeno e a de suas preocupações de pesquisa, ou consultar documentos sobre a questão, ou encontrar essa informação observando o próprio fenômeno, ou ainda interrogar pessoas

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que o conhecem. A questão dos documentos já foi tratada [...]. Resta a

questão do “como” desta coleta (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 175, 176, grifos meus).

A questão do “como desta coleta” diz respeito aos instrumentos utilizados para acessar informações junto a participantes selecionados. No caso desta pesquisa os instrumentos utilizados foram o questionário semi-estruturado e a entrevista aberta.

De acordo com os autores citados (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 183, 184), o questionário é uma técnica de coleta de dados que consiste em recolher o testemunho de participantes, interrogando-os por escrito. O questionário pode ser do tipo aberto, quando o participante usa livremente suas palavras para responder as perguntas ou do tipo estruturado ou fechado, quando o pesquisador prepara um conjunto de respostas dentre as quais o participante escolhe a que melhor lhe convém. Além desses, existe o chamado questionário semi-estruturado, que combina os dois tipos anteriores. Foi este último tipo o utilizado para abordar os participantes desta pesquisa.

Como toda técnica de coleta de dados, o questionário (de qualquer tipo) pode apresentar fragilidades e prejudicar a análise das respostas e isso pode ocorrer por falhas na elaboração das perguntas ou por questões inerentes ao próprio participante. Entre as fragilidades comuns aos participantes, Laville e Dionne (1999) apontam a falta de competência, franqueza e boa-vontade dos participantes e, também, a falta de compreensão das perguntas, ainda que essas tenham sido bem elaboradas.

[...] um interrogado pode escolher uma resposta sem realmente ter opinião, simplesmente porque ele sente-se compelido a fazê-lo ou não quer confessar sua ignorância. Ou então, tendo uma consciência limitada de seus valores e preconceitos, fornecerá respostas bastante afastadas da realidade.

Alguns temas abordados podem, algumas vezes, deixar as pessoas incomodadas e compeli-las a esconder o fundo de seu pensamento, às vezes para proteger sua auto-imagem ou por razões que ficarão inevitavelmente ignoradas do pesquisador (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 185).

Com relação à entrevista, Minayo (2014, p. 261) não define limites entre essa técnica e o questionário, mas explica que acima de tudo a entrevista pode ser considerada “uma conversa a dois, ou entre vários interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador, destinada a construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes tendo em vista este objetivo”. A mesma autora explica, ainda, que a entrevista possui particularidades que necessitam ser consideradas, pois “como forma privilegiada de interação social, está sujeita à mesma dinâmica das relações

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existentes na própria sociedade” (MINAYO, 2014, p. 65). O pesquisador precisa ter consciência de que, assim como acontece com o questionário, as entrevistas representam “[...] uma reflexão do sujeito sobre a realidade que vivencia [...]. Constituem uma representação da realidade: ideias, crenças, maneiras de pensar; opiniões, sentimentos, maneiras de sentir; maneiras de atuar; condutas; projeções para o futuro; razões conscientes ou inconscientes de determinadas atitudes e comportamentos” (MINAYO, 2014, p. 263). Finalmente, a autora explica que, ao falar, o entrevistado reconstrói o vivido e, por isso, uma nova realidade pode surgir ali, no momento do testemunho.

Quanto à organização, as entrevistas podem ser de vários tipos: (i) sondagem de

opinião, formulada a partir de um questionário totalmente estruturado, (ii) entrevista semi-estruturada, que combina perguntas abertas e fechadas; (iii) entrevista aberta ou em profundidade, quando o participante é convidado a falar livremente sobre um tema; (iv) entrevista focalizada, quando tem por finalidade esclarecer somente um determinado tema e

(v) entrevista projetiva, quando o participante é exposto a filmes, músicas, poesias, contos, pinturas, gravuras, fotos, contos ou redações e depois é convidado a discorrer sobre o que viu ou leu. Esse último tipo é geralmente utilizado para tratar de temas difíceis. As mesmas fragilidades destacadas por Laville e Dionne (1999) em relação ao questionário podem ser consideradas para as entrevistas.

Finalmente é preciso informar que os dados coletados nesta investigação foram analisados por meio da Análise de Conteúdo, mais especificamente a Análise Temática, que Bardin (2011, p. 135) diz consistir em “[...] descobrir os “núcleos de sentido” que compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição, podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido. De acordo essa autora (BARDIN, 2011), Minayo (2011, 2014) e Gomes (2011), a Análise Temática consiste em desmontar um texto a partir de unidades de registro (que podem ser palavras, frases ou parágrafos) e depois reagrupá-las em categorias analíticas. Dependendo do caso, o pesquisador pode criar subcategorias. As categorias, por sua vez, podem ser agrupadas em unidades maiores chamadas temas. As unidades de registro são “localizadas” a partir de núcleos de sentido que o pesquisador reconhece no material, dependendo dos marcos teórico-conceitual e metodológico que o embasou e das perguntas de pesquisa e dos objetivos traçados (MINAYO, 2014). Quanto às categorias, elas podem ser criadas a priori ou a posteriori. Pode ocorrer, também, de o pesquisador já ter em mente algumas categorias e no decorrer da análise outras surgirem. É o modelo misto. Por fim, o pesquisador interpreta os resultados a partir de inferências e conclui. Nesta pesquisa, as

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unidades de registro foram constituídas por frases e a posteriori foram criadas categorias e subcategorias agrupadas, posteriormente, em temas.

Na obra O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde, Minayo (2014) oferece uma perspectiva histórica e metodológica sobre a Análise de Conteúdo, que passarei a descrever.

A Análise de Conteúdo é uma expressão que teve origem em pesquisas efetuadas pelo departamento de jornalismo da Universidade de Columbia nos Estados Unidos e que buscavam analisar material de imprensa e propaganda durante a Primeira Guerra Mundial. Historicamente a técnica tem oscilado entre o “rigor da suposta objetividade dos números e a fecundidade da subjetividade” (MINAYO, 2014, p. 304). Segundo a mesma autora, os teóricos que se destacam como criadores da técnica são Berelson, Lazarsfeld e Harold Lasswel, este último com a obra Propaganda Tecnique in the World War, publicada em 1927 e que “teve como contexto um momento histórico de fascínio pelo rigor matemático como medida e como parâmetro científico’ (MINAYO, 2014, p. 305). Como explica a autora, a técnica nasce subjugada à possibilidade de objetividade.

No período posterior à Segunda Guerra Mundial as técnicas quantitativas para análise de conteúdo sofreram um arrefecimento, “seus próprios criadores refluíram o ânimo e se desencantaram em relação aos resultados e às repercussões de seus trabalhos” (MINAYO, 2014, p. 306), mas a partir dos anos 1950 e 1960, a Análise de Conteúdo ressurge dentro de um debate mais diversificado e aberto e que contou com a colaboração de outras áreas do conhecimento como a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia. No plano epistemológico, nasceram duas correntes opostas: (i) o modelo instrumental que defende o contexto e as circunstâncias em que a fala se dá, portanto, colocando em segundo plano o conteúdo manifesto da mensagem e, (ii) o modelo representacional que dá relevância ao conteúdo lexical do discurso, focando na frequência e significado das palavras. Esse embate entre as tendências objetiva e subjetiva permanece e atualmente se acentua com o desenvolvimento de

softwares especializados na análise de textos (MINAYO, 2014, p. 306, 307). Por paradoxal

que possa parecer, esses embates têm algo em comum.

Todo o esforço teórico, seja baseado na lógica quantitativa ou qualitativa, visa ultrapassar o nível do senso comum e do subjetivismo na interpretação e alcançar uma vigilância crítica ante a comunicação de documentos, textos literários, biografias, entrevistas ou resultados de observação (p. 308, grifos meus).

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A Análise de Conteúdo tem sido utilizada numa grande variedade de situações de pesquisas sociais e segundo Bardin (2011) há variações dessa técnica, entre as quais a Análise de Avaliação ou Representacional, a Análise de Expressão, a Análise de Enunciação, a Análise das Relações, a Análise do Discurso e a Análise Categorial (também chamada de Temática). Nesta última modalidade o conceito central é o tema que expõe uma teia de opiniões, atitudes, valores, crenças, tendências etc. que são acessadas por meio de várias fontes como aquelas advindas de respostas a

[...] questões abertas, de entrevistas (não diretivas ou mais estruturadas) individuais ou de grupo, de inquéritos ou de psicoterapia, os protocolos de testes, as reuniões de grupo, os psicodramas, as comunicações de massa etc., podem ser, e frequentemente são, analisados tendo o tema por base (BARDIN, 2011, p. 135).

Em relação aos procedimentos metodológicos, esse tipo de análise comporta algumas etapas que, dependendo dos autores (GOMES, 2014; MINAYO, 2014), podem ou não ser consideradas em sua totalidade e a sequência proposta por Bardin (2011), consiste de:

1. Pré-análise.

a) Leitura flutuante;

b) Escolha dos documentos;

c) Formulação das hipóteses e objetivos;

d) Referenciação dos índices e a elaboração dos indicadores; e) Preparação do material.

2. Exploração do material.

3. Tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

A Pré-análise é o momento da organização do material ou “período das intuições” que compreende inicialmente a (a) leitura flutuante que significa proceder a um reconhecimento inicial e exploratório do material. Em seguida, procede-se à (b) escolha dos documentos que vão ser analisados. A autora citada explica que o pesquisador deve submeter esses documentos às seguintes exigências:

1. Regra da exaustividade: a princípio, não se deve deixar nenhuma informação de fora;

2. Regra da representatividade: os documentos devem representar algo no âmbito da pesquisa, mas a análise pode ser feita numa amostra, desde que esta seja uma parte representativa do todo;

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3. Regra da homogeneidade: os documentos escolhidos devem ser homogêneos, ou seja, se forem produto de entrevistas, todas devem referir-se ao tema escolhido e terem sido obtidas por intermédio da mesma técnica. Além disso, os entrevistados devem ser “semelhantes”, no sentido de pertencerem ao mesmo grupo de interesse. 4. Regra da pertinência: os documentos escolhidos devem corresponder ao objetivo

da análise.

Na sequência procede-se à (c) formulação das hipóteses e objetivos da análise e a (d)

referenciação dos índices e elaboração dos indicadores, que segundo explica a autora

(BARDIN, 2011, p. 130) "se se considerarem os textos como uma manifestação contendo índices que a análise vai fazer falar, o trabalho preparatório será o da escolha destes – em função das hipóteses, caso elas estejam determinadas – sua organização sistemática em indicadores". Por último, ainda na fase de pré-análise o material deve ser (e) preparado. No caso das entrevistas, por exemplo, essas devem ser literalmente transcritas e salvas com cópias de segurança.

A Exploração do Material é a fase mais longa e consiste na análise propriamente dita. É nesse momento que o material será codificado, categorizado, numerado e analisado. Codificar, segundo Bardin (2011),

[...] corresponde a uma transformação – efetuada segundo etapas precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo ou da sua expressão; suscetível de esclarecer o analista acerca das características do texto, que podem servir de índices [...] (BARDIN, 2011, p. 133).

O processo de classificação consiste em “recortar o texto” em unidades de registro, que podem ser palavras, frases ou parágrafos. Feito isso, essas unidades devem ser agrupadas em categorias, que representam classes ou conjuntos que reúnem elementos (as unidades de registro) sob um título. O pesquisador pode adotar os seguintes critérios para construir as categorias:

a) Semântico: por exemplo, ao se buscar no texto sentidos que denotem ansiedade podem-se agrupar esses sentidos na categoria ansiedade;

b) Sintático: verbos, adjetivos ou substantivos podem ser agrupados em categorias correspondentes;

c) Lexical: classificação das palavras segundo seu sentido. Por exemplo, as palavras sinônimas podem ser agrupadas numa mesma categoria.

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Segundo a autora (BARDIN, 2011), existem boas e más categorias. As boas categorias devem possuir as seguintes propriedades:

a) Exclusão mútua: cada elemento só pode pertencer a uma categoria.

b) Homogeneidade: um mesmo conjunto de categorias só pode funcionar com um registro e com uma dimensão da análise.

c) Pertinência: uma categoria é considerada pertinente quando está adequada ao material escolhido e quando pertence ao quadro teórico definido.

d) Objetividade e fidelidade: as diferentes partes de mesmo material (ao qual se aplica a mesma tabela de categorias) devem ser codificadas da mesma maneira, mesmo quando submetidas a várias análises.

e) Produtividade: um conjunto de categorias só é produtivo se fornece resultados expressivos.

Para Minayo (2014), a categorização é um processo de redução e, por isso mesmo, delicado, já que o pesquisador deve agrupar sob um mesmo título palavras, expressões, frases e parágrafos que contenham significados semelhantes e pertinentes à pesquisa. Gomes (2014) propõe, ainda, agrupar as categorias em temas mais amplos, que servem como eixos que vão nortear a inferência e a interpretação, últimas fases da análise e, por isso, denominada de Tratamento dos Resultados. A esse respeito, Bardin (2011) explica que a inferência é um termo utilizado para designar a indução, a partir dos fatos: “o médico faz dedução sobre a saúde do seu cliente graças aos sintomas, do mesmo modo que o grafólogo que pretende proceder com seriedade infere dados sobre a personalidade do seu cliente a partir de índices que se manifestam com frequência suficiente, ou em associação significativa com outros índices, na grafia do escritor” (BARDIN, 2011, p. 47). A inferência constitui, assim, parte do processo de interpretação dos dados e a interpretação deve ser feita com base em todo o corpus da pesquisa e de, alguma maneira, indicar respostas às perguntas de pesquisa. Para Gomes (2014, p. 91), “chegamos a uma interpretação quando conseguimos realizar uma síntese entre: as questões da pesquisa, os resultados obtidos a partir da análise do material coletado, as inferências realizadas e a perspectiva teórica adotada”. Minayo (2014) acrescenta ainda:

[...] a análise temática é bastante formal e mantém sua crença na significação da regularidade. Como técnica ela transpira as raízes positivistas da análise de conteúdo tradicional. Porém há variantes desse tipo de abordagem que trabalham com significados em lugar de investir em inferências estatísticas (p. 318).

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Esclareço, finalmente, que as próximas seções serão dedicadas a: (i) examinar diretrizes curriculares oficiais para o ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do EF; (ii) apresentar e discutir as ideias de autores que defendem a oferta de conteúdos de Ciências Naturais para alunos dos anos iniciais da Educação Básica (COELHO; MARQUES, 2007; DELIZOICOV, 2008; TORRES; MORAES; DELIZOICOV, 2008; FORGIARINI; AULER, 2009; LACREU, 2009; ÓRION, 2009); (iii) conhecer e examinar o percurso de instâncias de formação de professores dos anos iniciais do EF; (iv) realizar um Estudo Exploratório (GIL, 1999) em disciplinas da área de Ciências Naturais de cursos presenciais de Pedagogia do Estado de São Paulo e (v) realizar Estudos de Caso (BARDIN, 2011; MINAYO, 2014) em cursos de Pedagogia de duas universidades públicas do Estado de São Paulo.

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3 O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS

Ao se referir aos alunos da Educação Básica Delizoicov (1991) afirma que “é neste período [da Educação Básica] que o educando estará se iniciando ao pensamento científico; e também a grande maioria da população escolarizada terá apenas esta oportunidade para se apropriar de maneira sistemática de conhecimentos científicos” (p. 1, 2). Esse e outros autores que trabalham com a abordagem de Temas Geradores têm relatado – por meio de projetos e programas desenvolvidos em comunidades diversas – a importância do ensino de conteúdos das Ciências Naturais, pois esses temas emergem dos depoimentos de crianças, jovens e adultos na forma de conflitos e problemas sociais. Por outro lado, esses autores enfatizam que para além de suas necessidades imediatas, esses sujeitos têm direito de conhecer e discutir criticamente os temas clássicos dessa área do conhecimento com vistas a sua preparação profissional (COELHO; MARQUES, 2007; DELIZOICOV, 2008; TORRES; MORAES; DELIZOICOV, 2008; FORGIARINI; AULER, 2009). Nesse sentido, Freire afirmou:

Tanto o educador tradicional como o libertador não têm direito de desconsiderar as metas dos estudantes de receber formação profissional e adquirir credenciamento para o trabalho. Há uma necessidade real de especialização técnica, de que a educação, de uma perspectiva tradicional, ou libertadora, deve tratar (FREIRE; SHOR, 2011, p. 117).

Em 1998, Fumagalli evocou esses argumentos na defesa do ensino de temas dessa área do conhecimento.

a) o direito das crianças de aprender ciências; b) o dever social obrigatório da escola fundamental, como sistema escolar, de distribuir conhecimentos científicos ao conjunto da população, e c) o valor social do conhecimento científico (p. 15).

Sobre o primeiro argumento a autora afirma: as crianças são “sujeitos que possuem uma maneira particular de significar o mundo que os cerca” (FUMAGALLI, 1998, p. 15) e como tal têm direito a apropriar-se da cultura elaborada e “apropriar-se da cultura elaborada é apropriar-se também do conhecimento científico, já que este é uma parte constitutiva desta cultura” (FUMAGALLI, 1998, p. 15). Não ensinar ciências às crianças “é uma forma de discriminá-las como sujeitos sociais” (FUMAGALLI, 1998).

Com relação ao segundo argumento, Studart (2011) corrobora a ideia de Fumagalli (1998) e afirma: “a escola fundamental tem o dever social de colocar a criança e o adolescente

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em contato com uma forma particular de conhecimento: o conhecimento científico”. No mesmo sentido, Delizoicov (1991) esclarece:

[...] da mesma forma que as outras áreas, o conhecimento científico que será abordado nas escolas de 1.º e 2.º graus deverá ter como uma de suas atribuições a de fornecer instrumentos ao educando para a compreensão e atuação na realidade, entendida tanto no contexto das relações sociais que também a determinam, quanto no contexto dos fenômenos naturais e da sociedade tecnológica em que vivemos (p. 2).

Finalmente, a autora (FUMAGALLI, 1998) explica que não somente os adultos, mas também as crianças estão expostas a produtos oriundos das Ciências e da Tecnologia, cujos significados elas questionam.

A decisão de dar resposta a essa demanda significa valorizar a prática social presente nas crianças. Sustento que quando ensinamos Ciências às crianças nas primeiras idades não estamos somente formando “futuros cidadãos”; elas, enquanto integrantes do corpo social atual, podem ser hoje também responsáveis pelo cuidado do meio ambiente, podem agir hoje de forma consciente e solidária em relação a temas vinculados ao bem-estar da sociedade da qual fazem parte. Enfatizo o valor do conhecimento científico na prática social presente das crianças porque considero que esse é um aspecto tristemente esquecido no momento de justificar o ensino das Ciências nas primeiras idades. Geralmente costuma-se usar argumentos paidocêntricos, de tendência fortemente individualista, pelos quais a criança fica reduzida a um sujeito psicológico a-histórico e associal. Quando isso ocorre, contribui-se para a marginalização das crianças na trama social. Finalmente, essa valorização das crianças como sujeitos sociais atuais não exclui o reconhecimento de que elas serão os adultos da sociedade futura. Por isso, acredito que formando as crianças estamos contribuindo também para a formação de futuros cidadãos, adultos responsáveis e críticos (p. 18).

Considerando, assim, a criança (aluno) como indivíduo único, inserido sócio e historicamente na sociedade, sujeito de direitos e deveres e possuidor de uma “forma particular de entender o mundo” (FUMAGALLI, 1998, p. 15), incluindo o que os estudos têm denominado de conhecimento vulgar, conhecimento do senso comum, conhecimento espontâneo e de outro lado, a escola como instituição responsável pela disseminação dos chamados conhecimentos universais (DELIZOICOV, 1991) é oportuno conhecer as ideias de autores que se preocupam com o ensino de Ciências Naturais, bem como a legislação que regulamenta o ensino dessa área do conhecimento. Desses estudos podem emergir pistas que ajudem a analisar, em cursos de Pedagogia, disciplinas que têm como objetivo preparar professores para lecionar esses conteúdos.

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3.1 A Relevância das Ciências Naturais para a Formação das Crianças

As perspectivas comuns que examinam os currículos dos níveis básicos de ensino assinalam que algumas áreas possuem um papel político e ideológico na formação das novas gerações. Nesses casos, as áreas mais lembradas são a língua nacional, a História e a Geografia. Extrapola os limites deste trabalho demonstrar essas afirmações, por isso, indico apenas a concordância com tais tomadas de atitude e afirmo que pretendo ampliar ainda mais tais interpretações para o campo das Ciências Naturais – muitas vezes consideradas neutras para formar a cidadania.

Muitos autores defendem que o currículo é um campo ou um território de disputa e luta. Todas as vezes que se inclui alguma coisa, simultaneamente se exclui outro aspecto da cultura, do conhecimento ou dos valores. Moreira e Candau (2007) argumentam que a disputa chave no campo do currículo se dá pela preservação ou pela superação das divisões sociais.

Diante disso, tenta-se demonstrar que ensinar Ciências Naturais é uma decisão de política curricular tanto pela relevância do assunto, bem como pela necessidade de incluir esse objeto da cultura para a formação das futuras gerações, considerando-se a perspectiva de superação das brutais diferenças sociais que caracterizam o País. Em termos mais simples, defende-se que ensinar Ciências Naturais é um ato político crucial.

Tedesco (2012) assinala que as mudanças rumo a uma educação inclusiva na América Latina requerem transformações estruturais na educação e mudanças pedagógicas. Entre estas, inclui promover aprendizagem de Ciências Naturais voltada para a alfabetização científica (TEDESCO, 2012) para, logo em seguida, associar a melhoraria do ensino de Ciências Naturais à formação e prestigio dos professores.

Poderia citar muitos outros autores que insistem sobre a importância das Ciências Naturais fazerem parte da formação das novas gerações. Mas ao esmiuçar o que se prescreve para incluir no currículo, há significativa dispersão da abrangência em torno da alfabetização científica. O termo tem sido aplicado nos últimos vinte anos para indicar a construção de uma dimensão cívica para Educação em Ciências (HURD, 1998) até a necessidade de aumentar e melhorar o consumo de bens tecnológicos da sociedade capitalista.

O conhecimento científico é inerentemente contingente e histórico, ou seja, em cada momento é preciso considerar modelos diferentes, as implicações de cada modelo e os desafios sociais, econômicos, culturais e tecnológicos postos por cada modelo para o futuro. Todos os temas científicos controversos exemplificam as dificuldades desses desafios (mudança climática, bioengenharia, extinção em massa e diversidade biológica, por exemplo).

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E a questão se torna ainda mais complicada quando se considera que muitos desses temas demandam decisões políticas.

Izquierdo (2005) fez uma apreciação de caráter curricular sobre o ensino de Ciências Naturais e aproxima sua prescrição da necessidade de considerar um conjunto de dimensões humanistas, culturais, econômicas e políticas para compor a alfabetização científica.

Há uma ideia comum sobre o conhecimento científico que ajuda a compreender sua importância: trata-se de um conhecimento baseado em dados empíricos (vindos da observação, da experimentação) para constituir uma explicação racional. Essa delimitação é considerada limitada, mas de onde vêm esses limites?

Seja sob o ponto de vista da investigação filosófica sobre a natureza da metodologia científica; seja sob investigações empíricas sobre pesquisas voltadas para descrever e entender como se faz ciência; seja a partir do esforço de difundir descobertas e explicações científicas para as novas gerações, todos os casos mostraram algo intrínseco e, ao mesmo tempo, complicado do conhecimento científico: o seu caráter que rejeita a finitude, ou seja, o caráter epistemológico da ciência implica na incessante busca de novos fatos, explicações e modelos, sem prospecto de fim.

Dodick, Argamon e Chase (2009) assinalam uma decorrência importante do caráter da ciência para seu ensino, para que cumpra com o desenvolvimento cognitivo das novas gerações: o principal foco da Educação em Ciências deve ser a aprendizagem por investigação. Esses mesmos autores trazem para discussão do que ensinar em Ciências Naturais conclusões de pesquisas de História e Filosofia da Ciência. Esse campo mostrou métodos experimentais que envolviam a manipulação de fenômenos naturais usados em áreas tais como, Biologia Molecular ou Química Orgânica. Esta característica do fazer ciência é muito diferente de outro grupo de pesquisas sobre a natureza, as ciências históricas, tais como a Paleontologia, a Ecologia ou a Geologia, que usam metodologias distintas ligadas a seu raciocínio explanatório sobre eventos passados formulados a partir do que foi observado, mas a maior parte, não manipulado. Disso há uma importante decorrência para o currículo: um currículo completo baseado na investigação também requer o entendimento de como cientistas históricos fazem sua pesquisa. Isso implica que educadores precisam reconhecer que há diferenças entre as ciências experimentais tradicionais e as ciências históricas para que os estudantes possam desenvolver diferentes modos de raciocínio.

A questão não é nova no âmbito do ensino de Ciências Naturais. Robinson (1998 – originalmente publicado em 1965) indicava que para os alunos poderem compreender Ciências Naturais e aprender as explicações científicas requerem tanto atividades de

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laboratório, quanto leituras dos diversos campos científicos. Robinson (1998) nota que os campos científicos se dividem segundo sua estrutura e construção da realidade científica (o que inclui processos de observação, procedimentos de verificação, inter-relações de indução e dedução) em dois grandes ramos: correlacional e exato.

A separação operada por Robinson (1998) coincide com a divisão dos campos científicos exposta por Dodick, Argamon e Chase (2009): as ciências exatas (experimentais) e correlacionais (históricas). Gray (2014) traz praticamente essa mesma divisão de ciências para defender que o modo como crianças e jovens vão conceber a atividade científica depende de conhecer as diferenças entre o que ele denominou ciências experimentais e ciências históricas. Gray (2014) argumenta que ciências experimentais, como por exemplo, a Química, trabalham com experimentos diretos que podem ser feitos com fenômenos naturais. Portanto, o conhecimento é frequentemente construído por meio de experimentos controlados de fenômenos manipulados, frequentemente correspondendo a teste de hipóteses singulares (trata-se do método de construção da evidência). Raramente tratam de particularidades do lugar e do tempo para refletir sobre um processo.

Frodeman (2004) explorou as diferenças entre os campos científicos a partir dos procedimentos metodológicos e do espaço do fazer ciência. O laboratório é por definição um espaço irreal – argumentou. As condições são parametrizadas, objetos são limitados, materiais são purificados. O espaço do laboratório é utópico, em grego o termo é ou-topos que significa fora do lugar. O laboratório é um lugar separado do resto do mundo, não faz diferença se você está em Dallas ou em Oslo. Não apenas o espaço é idealizado, o tempo também é. Tempo evidentemente existe, rodar um experimento gasta um tempo. Mas o laboratório elimina a história, o não reprodutível, o fluxo contingente de eventos – seja em suas dimensões naturais ou culturais.

Robinson (1998) argumenta que procedimentos correlacionais são caracterizados pela coleta de dados e por comparações. Tais comparações podem originar agrupamentos e classificações. Correlações de dados quantitativos podem resultar em relações matemáticas desenvolvidas por certos procedimentos (segundo certos coeficientes de correlação). Ele exemplifica este campo com as Ciências Biológicas. Gray (2014) afirma que ciências históricas frequentemente precisam construir explanações causais sobre fenômenos únicos e singulares; largamente é um pensamento reconstrutivo obtido por meio de métodos comparativos para prever causas e efeitos de fenômenos achados.

As ciências históricas operam com argumentos que envolvem escalas de tempo muito diversificadas. Isso foi assinalado por Frodeman (2010) para a Geologia. De certo modo,

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