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UMA RELEITURA EPISTEMOLÓGICA DAS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA A PARTIR DO SETOR DE CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

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REPATS, Brasília, V. 5, nº 2, p 739-763, Jul-Dez, 2018

UMA RELEITURA EPISTEMOLÓGICA DAS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA A PARTIR DO SETOR DE CIÊNCIA TECNOLOGIA E

INOVAÇÃO

AN EPISTEMOLOGICAL RE-READING OF THE RELATIONS BETWEEN CHINA AND LATIN AMERICA THROUGH THE SCIENCE, TECHNOLOGY

AND INNOVATION SECTOR

Guilherme Lopes da Cunha* Severino Bezerra Cabral Filho** Fábio Albergaria de Queiroz***

Sergio Kostin****

RESUMO: China e América Latina têm demonstrando renovado ímpeto de cooperação. A ênfase no setor extrativista tem constituído a principal dinâmica nessas relações, todavia, outra sinergia tem contribuído para um redesenho voltado para Ciência Tecnologia e Inovação (CT&I). Esse aperfeiçoamento das relações por meio da Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos (CELAC), pode ser acompanhado, por intermédio do Fórum China-CELAC e da Parceria China-CELAC em Ciência e Tecnologia, desde 2015. Considerando que Realismo e Liberalismo são as vertentes teóricas que mais contribuem nas análises sobre a China nas Relações Internacionais (RI) e constatando limitações dessas matrizes científicas, isso indica que as RI não podem prescindir de novas perspectivas capazes de renovar sua capacidade interpretativa. Essas perspectivas têm dado lugar a relevância de estudos não ocidentais, que viabiliza a emergência de novo acervo teórico-epistemológico. Ainda que em formação, na China, isso está sendo reconhecido como parte de uma Teoria Chinesa das Relações Internacionais. Assim, a cooperação entre China e América Latina no setor de CT&I serve como instrumento de verificação empírica das teorias não ocidentais em construção.

Palavras-Chave: China; América Latina; Ciência; Tecnologia; Inovação.

ABSTRACT: China and Latin America have been showing renewed impetus for cooperation. The emphasis on the extractive sector has been the main dynamic

Recebido em: 27/11/2018 Aceito em: 15/12/2018

* Doutor em Economia Política Internacional (UFRJ). Professor Adjunto na Escola Superior de

Guerra/RJ.

** Doutor em Sociologia (USP). Membro do Corpo Permanente da Escola Superior de

Guerra/RJ.

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740 in these relations, however, another synergy has contributed to redefine the

focus towards Science, Technology and Innovation (STI). Since 2015, this improvement, through the Community of Latin American and Caribbean States (CELAC), can be monitored, through the CELAC Forum and the China-CELAC Science and Technology Partnership. Considering that Realism and Liberalism contributes to analyse China in International Relations and, also, their limitations, we take into consideration that IR can not ignore new perspectives capable of renewing its interpretative capacity. These perspectives have given rise to a growing relevance of non-Western studies, which enables the emergence of a new theoretical-epistemological framework. Although undeveloped, in China this is gradually being recognized as part of a Chinese International Relations Theory. Therefore, the cooperation between China and Latin America in STI sector serves as an empirical verification tool for non-Western theories under construction.

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741 INTRODUÇÃO

A exponencial ascensão do protagonismo chinês no contexto internacional tem incentivado a busca de um melhor entendimento acerca das implicações desse fenômeno (Cabral Filho, 2013). Pensadores de diferentes matrizes teóricas das Ciências Sociais têm empreendido esforços para interpretar o comportamento chinês. Um eixo racionalista acredita que o comportamento humano é universal e que, portanto, o Eu e o Outro comportam-se igualmente. Esse pensamento tem sido associado às teorias dominantes na Relações Internacionais (RI), as quais têm sido criticadas por se basearem em uma interpretação etnocêntrica sobre o mundo1.

A influência do pensamento euro-americano nas RI tem ocasionado intenso debate. Algumas vertentes teóricas têm identificado uma adoção automática a essa maneira de pensar: autores de diversas referências teóricas, como Mearsheimer (2001), Ikenberry (2008), entre outros, têm-se associado a uma noção eurocêntrica do mundo sem questioná-la. No entanto, pensadores, como Hoffman (1977), Acharya & Buzan (2010), Zakaria (2008), Qin (2018) têm reivindicado uma ampliação teórica dos estudos internacionais. Consequentemente, ganham expressão aqueles que observam falhas nas interpretações euro-americanas sobre a China.

Nesse contexto, a consciência sobre a necessidade de se considerarem aspectos culturais nas análises de RI tem aumentado. Isso tem fortalecido a argumentação de autores em relação a uma possível Escola Chinesa de RI. Embora pesquisadores reconheçam a precocidade da assertiva, autores chineses divergem quanto a possibilidade de que ela exista no futuro. Esse debate sublinha a necessidade de um refreshment do pensamento de matriz racionalista quanto à análise do papel a ser exercido pela China.

Portanto, quando se afasta do mainstream tradicional das RI, observa-se que as relações entre China e América Latina podem ser um bom ponto de partida neste esforço revisionista. A consolidação de uma cooperação

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742 latino-americana pode ser mais bem compreendida quando se dispõe a ir além

de uma racionalidade de matiz tradicionalista. Isso possibilita uma análise mais coerente sobre o sentido da cooperação entre China e América Latina, sobretudo quando esses atores contemplam cooperação no campo de Ciência Tecnologia e Inovação convergente com o anseio de abertura de espaço para produção conjunta nesse nicho.

Na busca de inferências sobre possíveis conexões causais entre os pontos levantados, o artigo foi organizado em três seções. Inicialmente, identificam-se as teorias que sintetizam o pensamento sobre a China nas RI, em que se destacam três tipos de percepções: i) as abordagens racionalistas, ii) as que não questionam o eurocentrismo, e iii) as que incentivam a consideração da mentalidade chinesa. Em seguida, analisa-se o debate sobre a formação de uma Escola Chinesa das RI. Por último, investiga-se de que maneira uma abordagem não ocidental das RI contribui para uma interpretação sobre as relações entre China e América Latina que se distancia de uma perspectiva euro-americana, sem contestar o sistema internacional2. Nesse contexto, a cooperação no setor de Ciência Tecnologia e Inovação (CT&I) entre a China e CELAC atua como comprovação empírica de que perspectivas não ocidentais são desejáveis na evolução epistemológica das RI .

1. AS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE A CHINA

Múltiplas matrizes de pensamento esforçam-se para interpretar a China. Isso remete ao pensamento de Robert Cox, segundo o qual ¨theory is always

for someone and for some purpose ¨ (1986, p. 207), demonstrando a

necessidade de senso crítico sobre considerações teóricas. Assim, o autor lança luz sobre as fragilidades do pensamento racionalista nas Relações Internacionais (RI), de cunho universalista, que têm sido identificadas por

2 Em conferência proferida por Yan Xuetong, sob o título “China e as mudanças na ordem

mundial", no Centro Rei Faisal para Pesquisa e Estudos Islâmicos, em 22 de janeiro de 2018, o professor assevera que, embora haja alterações na ordem mundial, não há sinais de mudanças

substantivas no sistema internacional. Disponível em

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743 crescente grupo de autores3. Essa tendência tem ganhado expressão e

reconhecimento por parte da academia, como se pode observar nos trabalhos de Amitav Acharya e Barry Buzan quando em Non-Western International

Relations Theory: perspectives on and beyond Asia (2010), afirmam que:

There is, of course, an important sense in which the ideas within Western IRT [International Relations Theory] are universal. But looked at in any another light, they can also be seen as the particular, parochial and Eurocentric, pretending to be universal in order to enhance their own claims (2010, p.10).

O argumento contra o universalismo racionalista recebe críticas contundentes frente à perspectiva que abrange o elemento cultural. Na mesma obra, Acharya e Buzan (2010, p. 16) defendem que ¨there is little doubt that

Western IRT [International Relations Theory] is massively dominant, and it is important to understand why this is so ¨. Isso enfatiza o pensamento de Stanley

Hoffman (1977, p.59), que, em crítica à influência estadunidense nas RI, já havia defendido que a evolução deste campo disciplinar carecia de distanciamento de uma mentalidade de superpotência.

Portanto, a identificação de uma influência euro-americana sobre o corpo teórico das RI tem atraído críticas e incentivado novas abordagens, fundamentando argumentos sobre inconsistências teóricas nas análises sobre a China. Com o objetivo de investigar caminhos alternativos, autores como Lucian Pye (1985 e 1988) e Martin Jacques (2009), Yan Xuetong (2011), Yan Xuetong & Qi Haixia (2012) e de Qin Yaqing (2010a; 2010b, 2018), associados a diferentes tendências teóricas, contribuem no esforço de se pensar o papel da China no mundo contemporâneo.

Correndo o risco a que se submetem as sínteses, quando deixam de abordar um significativo número de interpretações epistemológicas, esta pesquisa confere maior ênfase às tendências teóricas das RI que se destacam nas análises sobre a China. Assim, avaliam-se não só as abordagens racionalistas, mas também as interpretações sistêmicas que aceitam o

3 Entre outros autores, além de Hoffman (1977) e Acharya & Buzan (2010), pode-se mencionar

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744 eurocentrismo e as perspectivas que propõem a inclusão de considerações

culturais.

1.1 Abordagens racionalistas

O pensamento racionalista nas RI que se dedica a refletir a China encontra amparo, em boa medida, em duas matrizes teóricas que sobressaem: Realismo e Liberalismo. Grande parte das análises internacionais sobre a China tomam por parâmetro central essas abordagens teóricas, que se fundamentam em uma concepção de que podem alcançar uma aplicabilidade científica universal. Embora essa duas perspectivas teóricas constituam base sobre a qual se estabeleceram as RI, formando um corpo teórico sólido, elas têm enfrentando críticas na academia4.

No que concerne especificamente à China, a rejeição a essas escolas tem sido feita de maneira aberta. Essa evidência pode ser encontrada, quando Qianqian (2010, p.90), avaliando o comportamento da China no processo de integração asiático, afirma que Realismo, Liberalismo e Construtivismo, sozinhos, são inadequados para uma ampla compreensão sobre a China. No mesmo sentido, se reconhece que ¨Neither China nor Japan fit comfortably into

realism or liberalism. China is trying to avoid being treated as a threat to the status quo as its power rises, and the moves to develop a Chinese School of IR are focused on this problem¨ (Acharya e Buzan, 2010, p. 3). Como se observa,

há convergência entre autores quanto a identificação de falhas nas análises sobre a China, no sistema interestatal contemporâneo.

No que se refere ao Realismo e ao Liberalismo, optou-se por trabalhar com os autores que dedicaram maior atenção a refletir a China. Objetivando sintetizar o debate para não fugir ao raciocínio proposto, escolheram-se dois

4 Entre outras abordagens críticas, há o pensamento de Souza Santos (2007) e Argemiro

Procópio (2005 e 2010) sobre as Epistemologias do Sul, em que os autores assinalam nichos de exclusão na produção científica e defendem a reconfiguração de uma ecologia de saberes: uma linha abissal separa um Norte que define o significado de Ciência, de maneira excludente, enquanto um Sul é mal compreendido e marginalizado, sem meios de expressar sua percepção do que possa ser científico.

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745 autores que demonstram a maneira pela qual esses eixos de pensamento

refletem a China. Assim, a avaliação recai sobre o conteúdo das análises de John Mearsheimer e de John Ikenberry .

Os dois autores assumem pontos de vista bastante contundentes e discordantes. Se, para Mearsheimer, tanto no livro The tragedy of great power

politics (2001) quanto nos textos científicos em Mearsheimer (2006; 2010;

2013), a China tentará ser uma potência hegemônica regional, assumindo comportamentos violentos; para Ikenberry, principalmente por meio das ideias contidas no artigo The rise of China and the future of the West: can the Liberal

system survive? (2008), as instituições internacionais exercem controle sobre o

comportamento chinês.

Assim, ambos representam uma síntese das teorias a que se identificam. Não se deseja ignorar uma quantidade expressiva de autores que compartilham dessas abordagens teóricas e que têm sua maneira particular de interpretar a China: o objetivo é apontar, por meio de dois expoentes dessas correntes teóricas, Realismo e no Liberalismo, a existência de uma reflexão parcial sobre este país. O principal argumento que se pretende sublinhar é que, de acordo com o raciocínio dos autores, o comportamento da China ocorre segundo a mesma maneira de agir euro-americana: expressam observações que tentam compreender, por meio de abordagem etnocêntrica, o aumento da expressão chinesa no sistema interestatal.

Em uma abordagem mais específica sobre o envolvimento da China na América Latina há as pesquisas de Robert Evan Ellis. Sustentando suas análises sob a égide do Realismo, o autor tem recebido atenção do círculo acadêmico quando avalia os movimentos estratégicos da China na região. Demonstrando bastante perspicácia e habilidade com os silogismos realistas, Evan Ellis (2014), avalia a China como potencial ameaça aos interesses estadunidenses, já que a América Latina gravita na órbita imediata dos interesses de Washington.

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746 1.2 Interpretações sistêmicas

Em uma corrente menos polarizada, encontra-se o pensamento de uma gama de autores cuja vinculação teórica não se enquadra diretamente no Realismo ou no Liberalismo. Assim, trazendo contribuições importantes, mas concebendo posições heterogêneas, Henry Kissinger (2011), José Luis Fiori (2007; 2008), Herry Helber (2007) e Niall Ferguson (2012), Carlos Medeiros (1999; 2007) Medeiros e Nicholas Trebat (2015), Alice Amsden (2001), Fareed Zakaria (2008), entre outros, analisam a China de maneira bastante profícua, mas não contestam a influência etnocêntrica no pensamento científico sobre o sistema interestatal.

Uma interpretação estritamente endêmica das RI, nas análises sobre a China, é uma fissura nessa linha de pensamento. Embora seja muito coerente o reconhecimento de um ambiente de competição sistêmica, esses e outros autores aceitam uma dicotomia entre o Eu e o Outro. Isso enseja o insuficiente questionamento sobre o impacto dos matizes culturais que potencialmente influenciam ou guiam as decisões chinesas, interferindo na capacidade interpretativa desses autores.

1.3 Um viés interpretativo culturalista

Um terceiro eixo analítico confere maior importância a aspectos culturais que singularizam a China. Excetuando-se autores chineses, dos quais se falará adiante, há um restrito, porém crescente, número de pesquisadores que consideram aspectos da cultura ou da mentalidade chinesa em estudos de Política Internacional. Entre outros autores, sobressaem as análise de Lucian Pye (1985 e 1988) e Martin Jacques (2009), os quais expandem a densidade analítica ao estabelecerem argumentos que contemplam fatores culturais nos estudos sobre a China.

Para Pye (1988), há um conjunto de padrões culturais gerais que pode ser útil para compreender o comportamento popular chinês e que, por

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747 conseguinte, ajuda a compreender as decisões tomadas por seus líderes. Isso

permite que se possa compreender o raciocínio chinês com maior acurácia, aceitando nele a existência de uma mentalidade civilizacional, a qual possibilita identificar as características da cultura chinesa e da flexibilidade comportamental desse pragmatismo.

Por sua vez, a ideia-síntese de Jacques (2009) revela que a China não reproduz comportamento ou cultura política ocidental. O conceito de nação, vinculado à lógica Westfaliana, diferencia-se do conceito de Estado-Civilização, que caracteriza a tradicional abordagem política chinesa, baseada no confucionismo, nos estados tributários, na valorização dos aspectos culturais. Para o autor, a China é resultado de um processo contínuo de evolução sociocultural. Ao longo da história chinesa, observam-se coerência e continuidade em traços culturais que permaneceram até o presente.

2. HÁ UMA ESCOLA CHINESA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS?

Embora o crescente protagonismo chinês evoque a existência de uma ´Escola Chinesa de RI´, há o entendimento prevalecente de que ela ainda não existe como um corpo teórico com densidade própria. Ainda assim, tem-se debatido, amplamente, na academia, o surgimento de análises que sugerem a inevitável constituição dessa escola no futuro. Noesselt (2012) esclarece que já nos anos de 1990, difundem-se pesquisas usando a nomenclatura ´Escola Chinesa´, inspiradas no reconhecimento consagrado da Escola Inglesa das RI. Contudo, tanto para essa autora quanto para Kristensen & Nielsen (2013), Qin (2010a), entre outros, esta escola está em fase de gestação.

Alguns pesquisadores apontam o desenvolvimento de uma Escola Chinesa de RI como sendo parte de um projeto estatal. Em análise sobre a evolução histórica e institucional do esforço chinês para se compreender e para contribuir para uma teoria das RI autóctone, Cunha Leite & Máximo (2013) mencionam iniciativas governamentais nesse sentido. Os autores demonstram como esse esforço tem sido induzido pelo Estado e identificam uma

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748 segmentação de estudos em RI, em que as universidades de Fudan, Renmin e

Beijing constituem a espinha dorsal desses estudos. Esses argumentos convergem, em certo sentido, com a percepção de Kristensen & Nielsen (2013), para quem a emergência de uma Escola Chinesa de RI resulta da ascensão geopolítica da China, da crescente ambição política chinesa e do descontentamento com a hegemonia Ocidental.

No processo de escolha dos autores mais significativos para a formação desse pensamento de origem endógena, foram levados em consideração a consistência teórica, o reconhecimento da academia internacional e o grau de inovação. O esforço intelectual chinês, ainda que derive do pensamento ocidental em alguma medida, significa uma iniciativa para se romper a dominação do etnocentrismo euro-americano nos estudos internacionais. Empenhando-se nessa direção, embora discordantes em alguns aspectos, o pensamento de Yan Xuetong e de Qin Yaqing convergem quanto ao reconhecimento sobre a necessidade de inclusão do elemento cultural nos estudos sobre RI da China e na reflexão sobre o lugar da China no mundo.

A ênfase, portanto, recai sobre o momento por que passam os estudos internacionais, imersos no etnocentrismo euro-americano e sobre como a China se encontra em meio a isso. Segundo Scobell (2005, p. 1), ¨a significant

challenge confronts those scholars and analysts who believe that culture matters in International Relations (IR). A large number of IR theorists remain disdainful of the concept of culture and dismissive of area studies¨. Esse

descaso denunciado tem encontrado paulatina modificação, e a produção científica que acompanha o processo de formação de uma Escola Chinesa de RI é um exemplo disso.

É com base na impossibilidade de se reinterpretar o poder segundo a matriz de pensamento chinesa que se destaca a necessidade de se avaliar como os próprios chineses concebem a necessidade de teorias que contemplem abordagens endêmicas não tradicionalistas. Essa dimensão que tenciona descobrir a identidade política chinesa no plano externo pode ser observada por meio das ideias de Yan Xuetong e Qin Yaqing, o quais

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749 encontram sintonia no que afirma Acharya e Buzan (2010, p. 2): ¨Western IRT

[International Relations Theory] is both too narrow in its sources and too dominant in its influence¨. Assim, deixam pistas sobre a elaboração e o

desenvolvimento de novos aportes teóricos, por meio de uma contribuição chinesa.

Yan defende a existência de um realismo com características chinesas e discute a dificuldade de a China definir o lugar dela no mundo. Assim, sustenta que as RI precisam não somente desenvolver mais os valores universais, mas também abandonar o apego à cultura Ocidental, o que resultaria no aprofundamento de estudos que considerassem mais as culturas próprias de cada povo.

Para Yan, há três eixos temáticos que constituem a parte mais importante das RI, no que concerne a China. 1º) A relação entre os Estados Unidos e a China, em que há o pensamento de que é impossível que o crescimento da China resulte em guerra mundial. Para o autor, um dos principais motivos para essa impossibilidade é a dissuasão nuclear; 2º) O debate sobre se a China pode tornar-se uma superpotência pacífica. Na concepção de Yan, o perigo do uso da guerra como instrumento de ascensão é muito pequeno, pois a relação se assemelha mais a uma partida de futebol do que a um torneio de boxe (Yan e Qi, 2012); 3º) Refere-se ao debate sobre se a China seria um hegemon convencional, como os Estados Unidos, ou se exerceria um novo tipo de hegemonia (Yan, 2011).

A elaboração de uma teoria chinesa das RI não é viável para Xuetong. A diversidade da população e do pensamento chinês impossibilita essa propositura, pois não se concebe uma teoria que contemple a pluralidade do pensamento chinês. No entanto, o autor identifica que a história que precede a Dinastia Qin (221-206 a.C.) têm similaridades com o sistema contemporâneo. Para ele, há três milênios, a Dinastia Zhou (1122-256 a.C.) tinha o mesmo papel hegemônico que os EUA têm depois da Guerra Fria.

Para Qin Yaqing, a dominação do discurso ocidental sobre as RI e as Ciências Sociais é um grande desafio a ser superado. O autor considera que o

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750 debate mundial tem-se movido para uma interação mais pluralista, em que,

frequentemente, há o uso de abordagens diferentes, considerando muitas teorias, culturas, civilizações, ideias e um amplo conhecimento humano. Nesse contexto, ideias, culturas e narrativas chinesas podem contribuir para a construção de conhecimento mais amplo nas RI, especificamente, e nas Ciências Sociais em uma perspectiva mais ampla.

No seio da academia chinesa, esse debate também contempla se teorias sociais são universais - como acredita Yan (2011) - ou não universais. Para Qin, a teoria deve considerar que suas origens são locais, onde o elemento cultural é bastante forte. Ao se acompanhar o debate atual das RI, observam-se pesquisadores dedicados a temáticas mais pluralistas, mas, na pesquisa empírica, a dominação do discurso do Ocidente é muito forte. Contudo, diferentes comunidades, com diferentes narrativas, podem contribuir para novas abordagens teóricas nas RI, oferecendo caminho alternativo para compreensão empírica da realidade. A reflexão enseja que os seres humanos são iguais, mas, por serem de culturas diferentes, têm diferentes maneiras de pensar.

É nesse sentido que Qin Yaqing sustenta haver uma teoria relacional da política mundial. Qin (2018, p. 299) sustenta que "the worldview that sustains

the proposed relational theory of world politics is that the world is one of relations. It further presumes that the social world is one of human relations".

Isso possibilita reconhecer nas RI uma essência substancialmente relacional, porque o mundo social é formado por relações humanas. Assim sendo, o mundo pode ser visto por diferentes ângulos, sobretudo quando se considera uma tradição cultural e filosófica confuciana, a qual oferece uma nova compreensão sobre poder, cooperação e governança. Segundo afirma Qin (2018, p. xii):

Relationality comes from a different angle. Chinese tend to see the world as one composed of complex relations, relations among the heaven, the earth, and the human, relations among humans, and relations among all things under the sun... The relational theory takes "relation" as its central piece and conceives the world in general and

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751

the international relations world in particular as composed of dynamic relations.

Portanto, Qin acredita na importância do caráter relacional das RI. Para o autor, ignorar esse nexo relacional acaba sendo uma das falhas nos paradigmas dominantes no Ocidente, sobretudo Realismo, Liberalismo e Construtivismo. Essas escolas não discutem relações ao se fecharem no racionalismo e, portanto, não se aplicam a todos os casos. Qin (2010b) acredita que as teorias das RI precisam estar além do dualismo Leste-Oeste. O autor não vê lógica em um interesse chinês em derrubar o sistema internacional atual, pois isso geraria desordem, o que não é desejável. O autor argumenta, ainda, que aquilo o que chama de teoria chinesa das RI não é influente e nem está estabelecido. As ideias contidas nas meta-teorias desse projeto de Escola Chinesa em formação valem para incentivar um pensamento que supere a marginalização do discurso não-Ocidental.

No entanto, ainda que Qin (2010a) reconheça a inexistência de uma matriz teórica chinesa das RI, acredita em potenciais fontes para que ela possa emergir. O autor acredita que seja provável que a China desenvolva diferentes noções teóricas nas RI, durante o período de transformação por que passa o país. Nesse sentido, discute três fontes potenciais para uma teoria chinesa de RI: i) a ´Visão de mundo Tianxia e o sistema tributário´; ii) o ´Pensamento de modernização e as revoluções chinesas´ e iii) o ´Pensamento reformista e a integração no sistema internacional´. Cada uma dessas meta-teorias contempla a maneira pela qual a China interpreta a sua própria atuação no sistema interestatal.

3. AS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA.

A aproximação entre América do Sul e China ganha densidade na esteira do relacionamento da China com os Estados Unidos, nos anos de 1970. Embora exemplos históricos atestem relações entre China e América Latina, no século XIX, o contexto do anos 1970 favorece à adoção de ações pragmáticas, centradas na segurança energética e na criação de mercados para as

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752 empresas chinesas. Para Fujita (2014), a política Nixon-Kissinger proporcionou

a inserção de novo eixo de relações da China com a região.

É nesse contexto que Domingues (2006) identifica convergência política. Assim, China e América Latina encontram interesses mútuos no estreitamento de laços, independentemente do viés político5. Naquele momento, o adensamento de relações objetivava, por parte da China, sobretudo o enfraquecimento tanto do apoio à República da China (Taiwan) quanto do discurso diplomático que defendia a existência de duas Chinas.

A partir de então, a China encontra-se cada vez mais enraizada na dinâmica política América Latina. Entre outros exemplos de mecanismo de participação, a China incentiva a atividade de suas empresas multinacionais e engendra parcerias políticas estratégicas em formato bilateral ou coletivo. No primeiro caso, isso pode ser percebido por meio da diplomacia do petróleo com a Venezuela; no segundo, isso se verifica não só institucionalmente6, o que vem sendo empreendido por meio da Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos (CELAC)7, mas também por meio de arranjos temáticos conforme demonstram as parcerias com o Brasil por meio de

5 Domingues (2006) dá mais ênfase ao anseios da China em estreitar laços, mas há que se

considerar que o Brasil era um dos países que buscava diversificação de parcerias, o que, inclusive era argumento aventado na Operação Pan-America (1958), na Política Externa independente (PEI) e na política externa dos governos militares, após a administração Castelo Branco (GONÇALVES & MYAMOTO, 1993), que representou o passo fora da cadência, por meio da teoria dos Círculos Concêntricos (CERVO & BUENO, 2002).

6 Não se adota aqui a perspectiva de Ikenberry (2008), para quem, em uma lógica

euro-americana e etnocêntrica, as instituições servem como um limitador ao poder da China. O autor alega que isso faz sentido quando se pensa nas instituições multilaterais, como Nações Unidas e suas agências.

7 Segundo informa a página eletrônica do grupo, a CELAC foi criada em 2011 para funcionar

como mecanismo intergovernamental de diálogo permanente entre os 33 Estados da América Latina e do Caribe. Informação disponível em http://www.celacinternational.org .Acesso em 20 de janeiro de 2019.

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753 coalizões de geometria variável (BRICS8, BASIC9, G-20 financeiro10, G-20 da

OMC11).

No entanto, a China demonstra disposição para construir relações com a América Latina de maneira que não se contemple somente comércio e investimento. Assim, mais propensa a conexões de ordem pragmática do que outros aliados ou aspirantes a parceiros regionais, a China demonstra interesse na construção de uma cooperação científica com a região, onde Ciência, Tecnologia e Inovação seriam capazes de promover produção conjunta de conhecimento no grau de estado da arte12: nesse sentido, a cooperação sino-brasileira também pode ser concebida como um vetor empírico, haja vista os acordos entre os dois países nesse setor13. Dessa maneira, observa-se que esse é um comportamento que não se enquadra nas interpretações ocidentais sobre a China.

A capacidade tecnológica da China e o tipo de interesse em cooperação com a América Latina não encontram explicação nas interpretações que ignoram o que Jacques (2009) denomina ´mentalidade de um Estado-Civilização´. O notável desenvolvimento científico e tecnológico da China14, a

8 Formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o BRICS contempla o planejamento

de parcerias colaborativas em torno de temas globais e de questões sobre desenvolvimento.

9 Voltado para questões climáticas, o grupo formado por Brasil, África do Sul, Índia e China foi

lançado em 2009, durante a 15a Conferência das Partes (COP-15).

10 Lançado em 1999, em decorrências das crises financeiras dos anos 1990 (México, 1995;

Ásia, 1997; Rússia, 1998) o grupo incorpora membros do antigo G8 e países com representação geográfica e econômica, incluindo Brasil e China.

11 G20 foi criado em 2003, durante as reuniões preparatórias da Conferência Ministerial, da

OMC, em Cancún. O principal objetivo do grupo foi impedir que Estados Unidos e União Europeia continuassem deliberando sozinhos sobre o tema da agricultura, sem a participação dos países a quem mais interessava o tema.

12 Cunha (2017a) verifica a existência de cooperação tecnológica entre China e América Latina,

por intermédio do Fórum China-CELAC, em que sobressai a criação do Laboratório conjunto TD-LTE, no setor de telecomunicações.

13 Os acordos entre China e países da região mostram interesse conjunto de cooperar em

Ciência, Tecnologia e Inovação. Entre os elementos que demonstram essa direção, há os 35 atos bilaterais assinados entre China e Brasil em maio de 2015. A elaboração ampla e ousada desses acordos, inclui empresas públicas e privadas, em áreas estratégicas como sensoriamento remoto, nuclear, nanotecnologia e biotecnologia, tecnologia da informação, segurança cibernética, entre outros. Esses acordos podem ser consultados em

http://www.itamaraty.gov.br. Acesso em 9 de janeiro de 2019.

14 Guimarães (2013, p.132) chama a atenção para a formação de engenheiros

quantitativamente: supera a de qualquer outro país. De maneira complementar, por meio do documento sob o título 2014 Report to Congress of the US - China Economic and Security

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754 experiência do país como receptor de transferência de tecnologia e os saltos

tecnológicos realizados15 são elementos úteis para se investigar as potencialidades de uma parceria tecnológica por intermédio das relações entre China e América Latina. Além disso, e mais relevante, há o desenvolvimento de uma revolução tecnológica que está em curso16, na qual a participação da China é bastante significativa.

Angang Hu dimensiona o quanto a China participa nesta nova etapa tecno-científica e descreve a evolução esperada para o futuro próximo17. Para o autor, a China não somente representa o motor da economia, do comércio e do investimento mundial. A missão chinesa vai além, pois está próxima do que caracteriza como quatro revoluções que se retro-alimentam: ¨they are the four

mutually reinforcing revolutions: science and technology revolution, ICT [Information and Communication Technology] revolution, energy technology revolution, nano and biotechnology revolution ¨ (ANGANG, 2011, p.11). O autor

acredita que essas revoluções são fundamentais para realizar uma outra, a Revolução Verde18, que terá impacto no panorama socioeconômico mundial, como um todo.

4. UMA NOVA INTERPRETAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA.

A identificação de que os estudos sobre a China nas RI carecem de ajustes reforça a necessidade de reinterpretação das relações entre China e América Latina. A contestação das teorias racionalistas e o processo de Review Commission, os Estados Unidos reconhecem o desenvolvimento tecnológico da China

em grau de inovação.

15 A China é conhecida por sua experiência como receptora de transferência de tecnologia. Um

dos setores que obteve êxito foi o automotivo, conforme observa Gallagher (2006).

16 Uma nova geração de tecnologias tem alimentado o prenúncio de uma outra revolução

científica. Embora essa percepção seja amplamente aceita, não há uniformidade sobre a nomenclatura nem sobre as características dessa nova etapa no meio acadêmico. Algumas das classificações são: Quarta Revolução Científica (DREXLER, 2013, 39); Quarta Revolução Industrial (ANGANG, 2011, p.2); Indústria 4.0 (BLAU, 2014); uma nova onda de inovação (HEADRICK, 2014).

17 Ver Angang (2007; 2011; 2011a e 2014) e Angang et al (2014).

18 Essa percepção converge com o que Demailly & Verley (2013) denominam como o

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755 construção de uma Escola Chinesa de RI apontam para uma política

internacional mais ampla, posicionada em novo eixo epistemológico. Ainda que não exista essa Escola Chinesa, os esforços para que ela surja servem para fundamentar bases científicas construídas sob perspectiva endógena. É nesse sentido que a identificação de uma teoria relacional sobre a política mundial favorece a interpretações mais adequadas à cooperação entre China e América Latina.

Não se pode perder de vista que a América Latina não é prioridade para a China. Segundo Bergstein et al (2008, apud Gonçalves & Brito, 2011), China prioriza suas relações externas, de acordo com o seguinte grau de importância: EUA > vizinhos > países em desenvolvimento de outras regiões. Essa percepção foi confirmada pelo professor Yuan Peng, representante do CICIR (Sigla em inglês para do Instituto Chinês de Relações Internacionais Contemporâneas), para quem essa ordem de prioridade é bastante evidente19. Portanto, ainda que as relações entre China e América Latina estejam em um patamar secundário, elas devem ser compreendidas como parte de um projeto de poder em formação.

Nesse sentido, a aproximação entre China e América Latina é melhor percebida em um contexto estratégico apartado de uma leitura euro-americana, para a qual a China é uma ameaça. Essa noção é parte de uma interpretação etnocêntrica, pois, nesse caso, os interesses feridos são os daquela matriz de pensamento que está por ser relativizada. Esse raciocínio encontra coerência por meio do conceito de posição liminar de Bahar Rumelili (2012), que a autora define como uma não adequação a um discurso homogêneo nas RI. Portanto, a posição liminar está associada à adoção de uma posição política, cultural, filosófica ou identitária que destoa de categorias dominantes. Isso fornece meios para que se analisem os limites e as contradições na estrutura social

19 As opiniões do professor Yuan Peng foram expressas na conferência sob o título "A China e

sua inserção em uma ordem internacional em transformação", realizada no Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, em 29 de maio de 2014, na FUNAG - Fundação Alexandre de Gusmão. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=0N6Ipz8gqvs&t=372s . Acesso em 21 de janeiro de 2019.

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756 internacional, em que atores liminares nas RI são percebidos como instáveis e

vulneráveis à subversão.

O conceito de posição liminar, portanto, traz a ideia de transição entre duas margens. No caso da China - sobretudo da China pós-Guerra do Ópio (1842) - a posição liminar contemporânea representa uma transição da periferia ao centro, onde a América Latina tanto proporciona acesso a recursos estratégicos, como energia, alimentos, minérios, quanto possibilita explorar afinidades com atores estatais também preteridos pelo sistema.

Para os Estados latino-americanos, as relações com uma China vocacionada à posição liminar traz benefícios. Se, por um lado, até o momento, a oferta de commodities ou bens de baixo valor agregado têm sido a tônica das relações, o que cria preocupações em parte expressiva da intelligentsia latino-americana, por outro lado, há uma mobilização em curso, em que a China impulsiona o crescimento conjunto da região, por meio de cooperação em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), como se pode verificar por intermédio da criação do Laboratório TD-LTE20, no setor de telecomunicações, no âmbito do Fórum China-CELAC.

Esse tipo de cooperação científico-tecnológica tem acontecido na parceria entre Brasil e China. Ocupando a maior parte da o continente sul-americano e fazendo fronteira com todos esses Estados, exceto Chile e Equador, o Brasil tem sido um importante indutor da aproximação da China na região. Além de empreendimentos políticos, por meio de coalizões de geometria variável, a relação bilateral ganha proeminência quando elevam a cooperação a uma Parceria Estratégica Global21 e estabelecem o Diálogo Estratégico Global, em 201222. Nesse processo, a cooperação e a co-produção

20 Aldmour (2013) e Dong et al (2015) mencionam que a tecnologia TD-LTE contribui para

evolução do setor de TIC (Tecnologia de Informação e Comunicação), ensejando recursos mais eficientes nessa área. Ademais, Pereira e Silva (2010) analisam como o setor de TIC é valioso na geração de desenvolvimento.

21 Cunha (2017b) identifica que, como parte dessa Parceria Estratégica Global (2012), há

incentivos aos vetores tecnológico e produtivo, os quais mostram indícios de uma cooperação baseada em um modelo que difere da tradição de relações com os Estados Unidos e com os países europeus, já que contempla co-produção de Ciência, Tecnologia e Inovação.

22 O item 4 da Declaração conjunta de 17 de julho de 2014, no Brasil, por ocasião da Visita de

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757 em Ciência Tecnologia e Inovação, enfatizadas nos acordos de 201523,

contribuem para aprofundar a parceria sino-brasileira.

No que se refere à macrorregião latino-americana, embora a cooperação tecnológica ainda esteja em estágio embrionário, há uma sinalização pragmática nessa direção. Se as declarações no âmbito do Fórum China-CELAC24 sempre contemplaram o tema cooperação em CT&I, isso ganha maior ímpeto desde o Primeiro Fórum China-CELAC sobre Ciência Tecnologia e Inovação, realizado em setembro de 2015, em Quito. Nesta ocasião, a China anunciou formalmente o lançamento de uma Parceria China-CELAC em Ciência e Tecnologia25. Dessa maneira, estabeleceram-se as bases para um estreitamento de laços com a América Latina, de uma maneira inovadora: cria-se um modelo de relação que confere lastro ao compromisso sino-latino-americano para a construção de um novo paradigma que difere sobremaneira do que a história dos povos latino-americanos registra.

CONCLUSÃO

As teorias racionalistas das RI têm revelado imperfeições. Isso se verifica na interpretação sobre o comportamento da China no sistema interestatal contemporâneo, quando se observa que o universalismo presente no Realismo e no Liberalismo não contemplam respostas plenamente

http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/5712-declaracao-conjunta-entre-brasil-e-china-por-ocasiao-da-visita-de-estado-do-presidente-xi-jinping-brasilia-17-de-julho-de-2014. Acesso em 10 de janeiro de 2019.

23 Mesmo antes dos 35 acordos assinados, em maio de 2015, Brasil e China já tinham se

engajado em diversos empreendimentos de cooperação e co-produção em Ciência, Tecnologia e Inovação. Entre outros projetos, destacam-se o Centro Brasil-China de Pesquisa e Inovação em Nanotecnologia (2012), o Centro Brasil-China de Biotecnologia (2012), o Programa Sino-Brasileiro de Satélites de Recursos Terrestres (CBERS) (1988). Disponível em http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/9694-declaracao-conjunta-e-plano-de- acao-conjunta-visita-do-primeiro-ministro-do-conselho-de-estado-da-republica-popular-da-china-li-keqiang-brasilia-19-de-maio-de-2015 . Acesso em 22 de janeiro de 2019.

24 Conforme informação na página oficial do grupo, o Fórum China-CELAC foi criado na 2ª

reunião da CELAC, em Havana, em 2014. Disponível em http://www.chinacelacforum.org/eng/ .Acesso em 25 de janeiro de 2019.

25 Informação obtida na base de dados do Fórum China-CELAC, disponível em

http://www.chinacelacforum.org/eng/zyjz_1/zylyflt/kjcxlt/t1339155.htm. Acesso em 25 de janeiro de 2019.

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758 satisfatórias para a compreensão sobre a atuação da “super potência

assimétrica” (Zakaria, 2008). Alguns autores, entre eles Lucian Pye e Martin Jacques incentivam a ampliação do diálogo na Política Internacional, atraindo a atenção para o fato de que aspectos culturais são valiosos para se compreender a atuação chinesa.

Junto a esse processo, pesquisadores identificam a formação de uma Escola Chinesas de RI. Embora esta escola ainda não exista, o esforço de criação dela mostra que as teorias de matriz racionalistas não necessariamente representam a realidade, afinal, teorias são simplificações limitadas da realidade. Nesse sentido, o encaminhamento da construção dessa iniciativa não somente revela a insuficiência das teorias universalistas mas também enfatiza o caráter etnocêntrico delas. É nesse contexto que se pode refletir a oportunidade para uma renovação dos estudos sobre as relações sino-latino-americanas.

Portanto, o distanciamento das perspectivas racionalistas cria oportunidade para se reavaliarem as relações entre entre China e América Latina. A compreensão de que as RI podem ser analisadas por meio de uma lente relacional proporciona mais coerência à cooperação que vem sendo desenhada, o que pode ser verificado por meio do setor de CT&I. O conceito de posição liminar de Rumelili (2012) igualmente ajuda na identificação de uma estratégia chinesa de superação da condição periférica, o que possibilita compreender o estreitamento de laços com a América Latina. Embora haja considerável receio de comércio concentrado em bens primários e de definhamento na capacidade industrial da região latino-americana, a cooperação no setor de CT&I, sobretudo por meio da iniciativa lançada no Fórum China-CELAC, demonstra o caminho para um perfil de relações que não podem ser explicadas, de maneira satisfatória, pelas teorias racionalistas das RI.

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