ENTEROPTOSE
DISSERTAÇÃO INAUGURAL
APRESENTADA A
Escola Meûico-Cirargica dp Porto
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SOBRE A
ENTEROPTOSE
DISSERTAÇÃO INAUGURAL
Joaquim Urbano Cardoso e Silva
PORTO
TYPOGRAPHIA ELZEVIRIANA ANNEXA A L I V R A R I A C I V I L I S A Ç Ã O
4 — Rua de Santo Ildefonso —12
1889
DIRECTOR
CONSELHEIRO MANOEL MARIA DA COSTA LEITE
(VISCONDE DE OLIVEIRA)
SECRETARIO
RICARDO D'ALMEIDA JORGE
C O R P O C A T H E D R A T I C O LENTES CATHEDRATICOS
1.' Cadeira—Anatomia descriptiva
e geral João Pereira Dias Lebre. 2." Cadeira-Physiologia Vicente Urbino de Freitas. 3.' Cadeira—Historia natural dos
medicamentos e materia
medi-ca Dl". José Carlos Lopes. 4." Cadeira—Pathologia externa e
therapeutica externa Antonio Joaquim de Moraes Caldas. 5." Cadeira—Medicina operatória.. Pedro Augusto Dias.
6." Cadeira —Partos, doenças das mulheres de parto e dos
recem-nascidos Dr. Agostinho Antonio do Souto. 7." Cadeira — Pathologia interna e
therapeutica interna Antonio d'Oliveira Monteiro. 8." Cadeira—Clinica medica Antonio d'Azevedo Maia. 9." Cadeira—Clinica cirúrgica Eduardo Pereira Pimenta.
10.' Cadeira—Anatomia pathologica. Augusto Henrique d'Almeida Brandão. 11." Cadeira—Medicina legal,
hygie-ne privada e publica e
toxicolo-gia Manoel Rodrigues da Silva Pinto. lá.' Cadeira — Pathologia geral,
se-meiologia e historia medica.... Illidio Ayres Pereira do Valle. Pharmacia Isidoro d"a Fonseca Moura.
LENTES JUBILADOS
Secção medica j í °a? J?™/ ^'Oliveira Barros.
| José d Andrade Gramacho. Secção cirúrgica Visconde de Oliveira.
LENTES SUBSTITUTOS
Secção medica i ^"tonio Placido da Costa
I Maximiano A. d Oliveira Lemos Junior.
Secção cirúrgica ) ^ n d i d o Augusto Correia de Pinho.
* ) Ricardo d Almeida Jorge.
LENTE DEMONSTRADOR
DE MINHA TIA
D. MARIA DA CLORIA WERIEY E SILYA
#
A M E U P R I M O
O EX.n'° SR.
DR. ANTONIO CARDOSO E SILYA
MBRETISSIMO JUIZ DE DIREITO
B A S U A EX.l l , a F A M Í L I A
■petas -fone-zas wceA>ida-$.
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A EX.ma SR.a
p. Sojífôa Cardoso t %i\m de f ima leitoso
E A S E U E S P O S O O EX.m0 SR.
Jlntomo de poura doares iettafl
O EX. ° SB.
Antonio 0[aráoBo Casado fealdes
ILLUSTRE PROFESSOR DA ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO
E EM ESPECIAL AOS MAIS VELHOS
(Stqoù/inâo de QJottòa CJOÍÍ/O. (StztÂuï zTezeita z/Hano. Cia (aim tia <¥onòeca.
Qa$£>at Qjoaanim òafoão de z/f/effo. <oJoùé Qjit/io G.oiípafocò (Soe/no.
E PARTICULARMENTE A
(SÏMionio oJoaquim ùouçafoeù c/e cfiguehedo. (Stznafdo (Stnòefmo ®taò Cfuimaiãeò.
(£li<qifò/o Qjoòé de (Saófto.
G>dieau/o (Stuauù/o ëPezeita z?imen/a. efetttando (Sín/onto c/a. (Boùéa tdezzeiza. Qjetonijjiio Catfoò da GJ/'/va zy/íoteiía. Ojoão òonca/veò da (zoù/a.
çyjoãa <jot>e$ do Q/Tio.
Qjoaauint de z//íaqaf/íãeu creitevia e oíoi/ôa. (gjoòé Gandido zPi/tfo da @ZN*.
Q/U/W ^//íaxirfw do z/iauctnunfo WHIG o. ^J/íanoe/ Q/õcznaido Q/õitza-.
ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO
E E M E S P E C I A L
AOS E S . " '0 S SRS. DRS.
QWn/omb (Maaettm </e oJéelaeâ (ga/dao.
oJéfmoefzjtçoc/liwte) e/a (ÈÇ/i-iia dam/o.
AO DISTINCTO CLINICO
O E X .m o SK.
O ILL."10 E E X .m o SR.
Sendo o estômago e os intestinos os órgãos
encarregados não só de receber, mas ainda de
elaborar e d'absorver os alimentos necessários
á manutenção da nutrição do organismo, não
admira que se tenha procurado n'estes
ór-gãos, desde os tempos mais remotos, a
expli-cação d'um grande numero de doenças, todas
as vezes que fôr compromettida a sua
integri-dade anatómica e physiologica.
Já em Hippocrates encontramos este
apho-rismo : « O homem que digere mal, é
compará-vel a uma arvore fixa n'um solo estéril, que
acaba sempre por seccar e morrer.» E
Gale-no, dizia: « Ventriculus affectus facit dispneas,
Os medicos gregos consideravam a digestão
como uma verdadeira cocção; a palavra
dys-pepsia não queria dizer para elles senão uma
perturbação ou ausência d'esta cocção. E
as-sim se crearam um certo numero de graus e
divisões na doença, a que deram os nomes
di-versos cie bradypepsia, apepsia, etc.
Mais tarde estabeleceu-se uma immensa
va-riedade d'especies, de pequenas entidades
mór-bidas independentes, segundo o predomínio
de tal ou qual symptoma.
A palavra dyspepsia comprehendia um
grande numero de doenças, não se sabendo
dar uma precisão exacta a este termo tão
vago ainda boje.
Cullen em 1797 faz notar que os
différen-tes elementos da dyspepsia não são a
expres-são dum factor único ; a dyspepsia não é para
elle senão uma affecção secundaria,
sympto-matica ou sympathica.
No nosso século, em 1810, apparece
Brous-sais, que com as suas novas ideias veio fazer
uma verdadeira revolução na medicina,
substi-tuindo á dyspepsia a gastrite e a
gastro-ente-rite, das quaes fazia depender um grande
nu-mero de doenças. As ideias de Broussais
fo-ram pouco depois combatidas por Barras, e
em seguida por Dalmas, Andral e outros, para
quem a dyspepsia não era mais que uma
sim-ples névrose. É n'esta epocha que,
inspiran-do-se nos dados physiologicos modernos e
nos resultados da chimica biológica, se começa
a estudar, d'uni modo até certo ponto
experi-mental, a influencia do systema nervoso nos
phenomenos digestivos. Esta concepção
ele-mentarissima para o nosso tempo, abriu uma
epocha nova d'estudos clinicos em que as
con-cepções clássicas até esse tempo soffreram
uma profunda remodelação. E assim
appare-ceram os trabalhos de Beau, Chomel, Nonat,
etc., e recentemente os de Raymond, Leven,
Germain Sée, Dujarclin-Beaumetz, e os de
Leube e Arndt na Allemanha.
Beau, preoccupado apenas com o estudo
clinico dos symptomas como. Chomel e
No-nat, considera a dyspepsia não como uma
le-são anatómica, mas como uma lele-são
funccio-nal. Para elle ha dyspepsia quando houver
perturbação do acto digestivo, qualquer que
seja a causa. Os alimentos mal preparados no
estômago vão produzir alterações do sangue
e uma multidão d'outras lesões, quer
funccio-naes, quer orgânicas, d'uma maneira
idiopa-thica, symptomatica e sympaidiopa-thica, d'onde
nascem a serie nevropathica (cephalalgias,
pal-pitações, dyspnea, etc.) e a série hemopathica
(anemias) com as suas consequências flnaes, a
chlorose, a phthisica, etc.
Germain-Sée e Raymond, na sua these de
aggregaçâo, dão uma theoria chimica e
physio-logica da dyspepsia, não a considerando como
uma doença primitiva e puramente local. Para
G. See a dyspepsia é a consequência de
per-turbações chimicas gástricas, intestinaes,
gas-tro-intestinaes e de perturbações
nervo-moto-ras secundarias.
Leven, no seu recente trabalho, considera a
dyspepsia como Broussais, resultante d'uma
verdadeira irritação da mucosa, podendo
affe-ctar as diversas membranas do ventrículo.
Dujardin-Beaumetz põe a questão ao mesmo
tempo no campo clinico e therapeutico,
reu-nindo n'um mesmo capitulo a dyspepsia
irrita-tiva com a inflammação da mucosa estomacal.
Muito recentemente Leube na Allemanha
designa sob o nome de dyspepsia nervosa um
estado pathologico, cujos symptomas não são
senão os que recentemente Bouchard attribue
á dilatação do estômago; e Arndt de Leipzig
dá o nome de neurasthenia a um estado
pa-thologico de causas muito variadas e cuja
prin-cipal predisposição encontra-se na
constitui-ção chlorotica nervosa (1). De modo que, com
esta definição tão vaga, este termo era logo
applicado a qualquer doença chronica,
acom-panhada de perturbações digestivas e
nervo-sas.
D'esté exposto, muito summario e muito
incompleto, vemos que apesar das conquistas
da chimica e da physiologia, estamos quasi
tão avançados como Hippocrates sobre a
pa-thogenia do que devemos entender por
dys-pepsia. Reina a mais absoluta confusão na
classificação das dyspepsias. Consultando os
auctores, vemos em cada um, uma
classifica-ção nova repousando sobre concepções
hypo-theticas ou sobre caracteres arbitrariamente
escolhidos e oppostos, que em logar de vir
es-clarecer a sciencia n'este assumpto, vem
tor-nal-a ainda mais obscura.
Bouchard, retomando as ideias dos seus
an-tecessores e principalmente de Beau, que
fa-zia depender da dyspepsia um grande numero
de doenças, veio introduzir um elemento novo
na historia d'esta doença, — a dilatação do
es-tômago. Para elle, diferentemente de Beau, é
(1) Arndt, Die neurasthénie, ihr wesen, irhe Ledeutung und Behanr dlung, 1885, Leipzig.
a dilatação do estômago que a maior parte
das vezes é a causa da dyspepsia, da
neuras-thenia, etc. ; é a gastrectasia que é a origem
d'um grande numero de doenças, e explica
todos os symptomas, por um lado, pela
auto-intoxicação proveniente da absorpção de
pro-ductos tóxicos produzidos pelas fermentações
anormaes a que dá logar a stase dos
alimen-tos no estômago dilatado, por outro lado, pelo
enfraquecimento e predisposição para novas
doenças do organismo dos indivíduos n'estas
condições, em virtude da sua má nutrição.
Comparando as ideias de Beau e de
Bou-chard, Bóréol exprime-se assim na Sociedade
Medica dos Hospitaes, ern novembro de 1888:
«Ainsi que l'a déjà fait remarquer
Dujar-din-Beaumetz à la Société des hôpitaux, on
peut dire que M. Bouchard s'est quelque peu
inspiré des idées de Beau sur la dyspepsie.
Rien d'étonnant à cela: le patrimone des
gran-des questions de pathologie générale
appar-tient à tous; c'est le fond commum sur lequel
chacun laboure et sème, et il est d'ailleurs
assez limité, mais tout le monde n'y récolte
pas ; ceux-là seuls moissonnent qui ont su
ra-jeunir les procédés et les méthodes de leurs
aïeux. Or, il est incontestable que M.
Bou-chard a singulièrement rajeuni et fait siennes
les doctrines du passé auquel il s'attache; et
il les a faites siennes non-seulement parce
qu'il leur a apporté l'important contingent de
progrès considérables qu'ont faits les sciences
dites autrefois accessoires de la médecine,
dé-signées aujourd'hui plus justement du nom
de sciences auxiliaires de la médecine, mais
parce qu'il a, dans sa systématisation,
renou-velé le point de depart, et modifié l'ordre et
l'enchainement des idées. C'est ainsi que, pour
Beau, la dyspepsie, trouble fonctionnel assez
vague, indéterminé non-seulement dans son
essence, mais variable dans son processus,
était antérieure à la dilatation stomacale et
constituait le primum movens d'un grand
nom-bre de maladies qui se développaient à la suite
comme des conséquences éloignées et
tardi-ves, à la façon des symptômes tertiaires de
la syphilis. M. Bouchard, au contraire,
obéis-sant à la tendance moderne qui cherche à
trouver une localisation et une alteration
or-ganique au début de toute évolution
pathologi-que, fait de la dilatation stomacale le point de
départ le plus habituel de la dyspepsie, en
sorte que, s'il se rattache à Beau par la
con-ception générale de la dyspepsie comme cause
au moins déterminante d'un grand nombre de
maladies, il se separe de lui par la façon dont
il entend la genèse et la nature même de la
dyspepsie. »
Para Bouchard, o que até ahi se chamava
dyspepsia nervosa, neurasthenia, palavras
va-gas e sem significação precisa, não eram mais
do que os symptomas d'uma verdadeira
doen-ça, perfeitamente localisada, — a dilatação do
estômago.
É fora de duvida que a dilatação do
estô-mago existe como doença primitiva, que a sua
pathogenia se confunde com a de todos os
músculos ocos que se deixam relaxar quando
forçados. Mas a dilatação do estômago,
affec-ção primitiva, não tem a frequência, nem é a
origem de tantos estados mórbidos como quer
Bouchard, pois que nós vemos doentes que
apresentam symptomas dos dilatados de
Bou-chard, onde a dilatação, quando existe, é
cla-ramente secundaria. Não se podendo então
ex-plicar estes symptomas, attribuiam-se ao
sys-tema nervoso, pronunciava-se a palavra
obs-cura e vaga da tal entidade mórbida, a
neuras-thenia, e julgava-se dito tudo.
Foi Glénard que, dedicando-se ao estudo da
dyspepsia, observou a influencia que podem
ter sobre as funcções digestivas e sobre a
saúde em geral, as perturbações da estática
in-testinal, e nos veio dar a explicação d'estes
symptomas que a theoria de Bouchard não
explicava, dizendo-nos que eram devidos a
uma nova doença, á enteroptose.
O medico de Leão chegou, pelos seus
estu-dos sobre a dyspepsia e com a applicação do
methodo natural, a concluir que havia uma
dys-pepsia pura, idiopathica, a dysdys-pepsia nervosa,
caracterisada pela reunião d'estes três
caracte-res: 1.° ausência de todo o signal objectivo,
de toda a localisação; 2.° apparição dos
sym-ptomas somente depois das refeições; 3.° bem
estar em jejum; doença bem definida, cujo
cy-clo completo, desenrolando-se em vários
an-nos, comprehendia três períodos: 1." período
chomeliano puro; 2."período chomeliano e
me-sogastrico; 3.° período mesogastrico e
neuras-thenico; caracterisados, o primeiro, por
fla-tulência, dor e acidez (symptomas de
Cho-mel), tendo o estômago por séde e que se
en-contram sempre ou quasi sempre associados ;
o segundo, principalmente pelas sensações
ex-perimentadas pelos doentes entre o estômago e
o ventre, no mesogastrio, plenitude, peso,
cons-tricção, vasio, etc. ; o terceiro, pelo
cimento dos symptomas do primeiro período
e o apparecimento d'outros novos, consistindo
em perturbações nervosas, circulatórias,
res-piratórias e outras.
Mas a clinica mostrou-lhe que este cyclo é
raras vezes completo; o terceiro período falta
a maior parte das vezes ; a doença pôde
come-çar pelo segundo e limitar-se a isso, ou passar
ao terceiro; mas nunca começar pelo terceiro
ou passar immediatamente do primeiro ao
ter-ceiro período. Observou por outro lado, que
os symptomas mesogastricos de um
dyspe-ptico que até ahi não tinha apresentado senão
symptomas chomelianos, podiam mostrar-se
de repente, em seguida a um traumatismo, a
um parto, n'um individuo até ahi de boa saúde.
Viu mais que no segundo período o tratamento
próprio da dyspepsia era efftóâz para os
sym-ptomas chomelianos e nenhuma influencia
ti-nha sobre os mesogastricos que só eram
sub-jugados por uma therapeutica propria e
espe-cial, a prothèse do abdomen; e considerando
en-tão a estática abdominal no estado normal e
no estado pathologico concluiu: «qu'il s'agit
d'une affection étrangère à la dyspepsie,
affe-ction sans doute préparée, dans ce cas, par la
dyspepsie, mais qui une fois greffée sur elle
devient une entité, vit par elle-même, envahit
le syndrome et réagit de telle sorte sur la
dyspepsie, reléguée au second plan, que celle-ci
ne peut plus se guérir si on ne traite pas en
même temps la maladie nouvelle.» (1)
Esta doença é a enteroptose, a doença de
Glé-nard.
A enteroptose não é pois uma dyspepsia,
ainda que possa ser produzida ou seguida por
ella; é uma doença á parte, uma entidade
mór-bida, com uma symptomatologia propria, que
tem um logar nosographico á parte na
patho-logia no grupo das esplanchnoptoses das quaes
a enteroptose é a mais frequente e a mais
grave.
Podemos definil-a—uma doença produzida
pelos obstáculos que uma suspensão viciosa
do tubo digestivo cria á progressão dos ingesta,
e caracterisada pelos symptomas
mesogastri-cos da dyspepsia nervosa. É d'ella que nos
va-mos occupar.
* * *
Dividimos o nosso trabalho em três partes :
na primeira descrevemos a anatomia normal
topographica do tubo digestivo, debaixo do
ponto de vista physiologico, isto é, a sua sede
e meios de fixação, encarados como agentes
de suspensão podendo desempenhar um papel
na sua funcção, conhecimento este
absoluta-mente indispensável ao nosso estudo; na
se-gunda apresentamos o quadro completo da
doença, a sua symptomatologia, com os
sym-ptomas da esplancbnoptose que
frequente-mente se observam, e em seguida as
observa-ções dos casos clínicos da enteroptose nas
en-fermarias de clinica medica no anno lectivo
de 1888-1889; finalmente na ultima, que
di-vidimos em dous capitulos, occupamo-nos das
outras secções que constituem o estudo
com-pleto de qualquer doença, estudando no
pri-meiro a etiologia e pathogenia, a anatomia
pathologica, e no segundo o diagnostico e
prognostico e o tratamento.
A nossa incompetência é demais
reconhe-cida; mas a lei obrigando-nos a apresentar
para conclusão do nosso curso um trabalho
qualquer escripto, decidimo-nos por este que,
pela sua novidade e importância, nos
desper-tou a attenção este anno nas enfermarias de
clinica medica.
Excusado será dizer que cousa alguma
ac-crescentamos de novo á sciencia; se algum
valor este nosso trabalho tivesse, consistiria
apenas em ter compendiado o muito pouco
que ha escripto a respeito d'esté assumpto e
chamar a attenção para elle.
A benevolência do dignissimo jury
implo-ramos para este nosso pobre estudo sobre a
enteroptose.
Relações e meios de fixação normaes do tubo digestivo
0 tubo digestivo, estendido da bocca ao anus, tem de comprimento dez a quinze vezes a distancia que separa as duas extremidades e figura dous pon-tos de interrogação, em continuação um com o outro pelas extremidades dos colchetes: um superior, in-vertido, cuja cauda representa o esophago e o col-chete o estômago e o duodeno; outro inferior, di-reito, cujo colchete representa a continuação do tubo digestivo até á cauda que forma o recto. Estes dous pontos d'interrogaçâo, cujo ponto de reunião corres-ponde, como veremos, á parte mais fixa do appare-lho digestivo, ainda representam os dous segmentos physiologieos do tubo digestivo; o superior é princi-palmente o que segrega, o inferior é o que sobre-tudo absorve e excreta.
Esta disposição do canal digestivo é fixada pelo peritonei! em seis pontos, chamados por Glénard
ângulos de sustentação ou orifícios digestivos, porque
cm cada um d'elles o annel intestinal correspondente não representa mais do que um orifício, fazendo communicar duas ansas digestivas contíguas, orificio que pôde soffrer, n'um dado momento, uma certa mo-dificação, susceptível de causar um obstáculo á pro-gressão dos ingesta o das secreções.
Este estudo das relações e fixação normaes do canal alimentar é, como se vê, muito importante e indispensável para a boa comprchensão do assumpto que serve de titulo á nossa these; teremos, pois, a descrever primeiramente a direcção das amas
diges-tivas e as suas relações com os órgãos visinhos, e em
seguida a posição e meios de fixação dos seus
orifí-cios de communicação, demorando-nos especialmente
nos pontos que tenham mais intima relação com o nosso assumpto.
ANSAS DIGESTIVAS
Em numero de seis, estas ansas tomam o nome da parte ou das partes do canal alimentar que as terminam, são : a ansa gástrica, a ansa duodenal, a ansa ileo-colica, a ansa costo-infra-pylorica, a ansa
Como já dissemos, é nas suas extremidades que existem os pontos de sustentação, mas em geral es-tas ansas são sustentadas na sua concavidade por meios de suspensão que impedem até certo ponto que a permeabilidade do canal alimentar seja com-promettida, como aconteceria, sem duvida, se ellas não fossem suspensas senão pelas suas extremidades.
Ansa gástrica. — Formada pelo estômago, tem
uma direcção obliqua de cima para baixo e da es-querda para a direita, estcndendo-sc da oitava á duodécima vertebras dorsaes; pela sua concavidade está ligada ao ligado por meio do epiploon gastro-hepatico.
Ansa duodenal.—Da forma d'uni U ou d'um Y,
alojando na sua concavidade a cabeça do pancreas, a ansa duodenal parte da gástrica ao nivel da pri-meira vertebra lombar, vac curvar-se por baixo da vesicula biliar c applicar-se á direita da colnmna vertebral, formando a chamada porção horisontal su-perior a que nós com Jonnesco (1), reunindo esta porção o o angulo que se lhe segue, daremos o nome de curvatura ou angulo superior do duodeno, tendo cm vista a grande differença no comprimento da pri-meira porção clássica do duodeno e das outras, e n'uni
(1) Anatomie topographique du duodénum. Progrés médical — 1889, n.° 10 e seguintes.
certo numero d'individuos tendo-nos parecido quasi desprezível o comprimento da primeira. Em seguida desce deitada sobre o rim e a veia cava até á quarta vertebra lombar, porção descendente, e então dirigé-se ou transversalmente para o flanco esquerdo, porção
preaortica, para depois subir deitada sobre a face
anterior do rim esquerdo e custeando a aorta abdomi-nal até á primeira lombar, porção ascendente,—typo em U, ou directamente para esta primeira vertebra lombar cruzando a aorta abdominal, de modo que a porção preaortica falta,—typo em V.
A ansa duodenal não é sustentada pela sua con-cavidade. Apenas pela sua convexidade podemos dizer que tem uma superfície do sustentação muito movei, formada pelo folheto do peritonou proveniente da sua reflexão ao nivel da parede abdominal para formar o folheto inferior do mesocolon transverso (Glénard).
Segundo Jonnesco (1) a porção descendente adhere por vezes muito fortemente á face anterior do rim direito. Mais abaixo, no ponto cm que o colon ascen-dente e o angulo eólico direito cruzam o rim, o con-tacto entre o duodeno e este ultimo torna-se algu-mas vezes muito intimo; isto succède quando o meso-colon ascendente falta e então vê-se a união perfeita
dos très órgãos: colon, porção descendente do duo-deno e rim direito (I).
A ansa ileo-colka, formada pelo resto do intestino delgado (porção descendente da ansa) e pelo colon ascendente (porção ascendente), parte do angulo duodeno-jejunal ao nivel da primeira vertebra lom-bar e termina á mesma altura ao nivel da decima costella direita.
Esta ansa é sustentada na sua parte descendente pelo mesenterio e na sua parte ascendente por uma curta prega peritoneal adhérente á parede
abdomi-nal posterior. ,,
Amas transversas. —O colon transverso
esten-dido, como o seu nomo indica, da direita para a es-querda entre as decimas costcllas, cruzando a aorta adiante da qual forma uma bolsa gazosa do volume d'um punho, é dividido por baixo do pyloro em duas ansas por meio d'um ligamento, ligamento suspensor do colon, ligamento pybri-colico, sobre o qual Glé-narcl foi o primeiro que chamou a attenção, e que desempenha um papel muito importante na funeção d'aquelle órgão.
(i) Não é fora de propósito fazer notar aqui a sede do rim normal. O
rim está alojado profundamente no hypochondrio ao lado da columna ver-tebral. A sua face posterior, um pouco acima do hilo, é applicada contra a duodécima costella, que a sua extremidade inferior excede. Tirando uma vertical passando pelo meio da arcada de Fallopia, o rim encontraa dons dedos abaixo do rebordo costal. É protegido atraz pela massa sacro-lom-bar, adeante pelos músculos e as viceras abdominaes.
A concavidade da ansa direita é fracamente sustentada pelo mesocolon transverso, cujo folheto inferior é laxamente adhérente á parede lombar; a da esquerda é mais solidamente sustentada, pelo mesmo folheto do mesocolon e pela decima costella esquerda, á qual se fixa por meio de pregas perito-neaes.
A ansa cólo-sigmoidál é formada pelo colon des-cendente até ao recto'c dirigida de cima. para baixo e da esquerda para a direita, desde a decima cos-tella esquerda até ao angulo sacro-vertebral. Pela sua concavidade está ligada sl^idamcnte á parede abdominal pelo mesonterio.
\
ANGUDQE DE SUSTENTAÇÃO OU OBIFICIOS DIGESTIVOS
O estudo c o conhecimento perfeito d'estes ângu-los e nomeadamente d'alguns, é d'uma importância maxima porque, comprehendc-se bem, estes pontos sendo fixos, se um peso bastante forte se exerce so-bro duas ansas visinhas, o orifício de communicação poderá ser obliterado mais ou menos c o curso das matérias impedido ; e quanto mais solidamente fixo fôr o ponto do intestino sobre o qual a tracção se fizer, maior perigo haverá de obstrucção.
Os orifícios digestivos são em numero de seis: o orifício f/astro-duoãenal, o áuodeno-jejunal, o eólico
infra-costal direito, o eólico infra-pykrko, o eólico infra-costal esquerdo e o sigmoidorectal.
Orifício gastrp-duodenal—SitusÂo entre o
estô-mago c o duodeno, atraz da extremidade da nona costella direita, este orifício não corresponde ao py-loro que está situado um pouco antes d'elle. E sus-tentado pelo bordo winslowiano do epiploon gastro-hepatico que vac inserir-se ao sulco transverso do fígado, e que é reforçado pelo ligamento duodeno-hepatico e pelos vasos que elle contém, —veia porta, ramo hepático da artéria hepato-gastro-duodenal, ca-nal clioledoco e espessas bainha's fibro-nervosas que os cercam.
As laminas fibro-nervosas, contidas na espessura da prega serosa duodeno-cystica, serveça também para tornar solidários o angulo duodenal e o figado. O an-gulo duodenal superior é pois fixo porque está ligado ao fígado, órgão preso á parede abdominal posterior, e ao diaphragma pelas numerosas veias supra-hepa-ticas que se implantam ,na veia cava inferior, adhé-rente áquella parede por um espesso tecido cellular.
Orifício duodenojejunal- FJ o mais fixo do tubo
digestivo e situado quasi ao mesmo nivcl que a ori-gem do duodeno*, entre a aorta atraz c a artéria mc-senterica superior adeante, logo abaixo da sua ori-gem. É solidamente fixo: por um verdadeiro feixe fi-bro-muscular, musculo de Treitz, que o prende á
rede abdominal posterior por meio do pilar esquerdo do diaphragma onde elle se insere muito proximo da aorta; cm alguns casos, pela penetração d'esté angulo na espessura da raiz do mesocolon transverso; por uma prega triangular, do bordo livre falciforme, se-mi-lunar, que forma o peritonei! contornando em baixo a origem do jejunum c que faz parte da fos-seta de Huschkc o de Luschka.
Glénard, fallando da deformação maior ou menor que este angulo é capaz do soffrer pela tracção dos seus lados, diz que elle ainda pôde ser compromet-ido d'uma outra maneira. Refcrc-se a um ligamento, — ligamento suspensor do mesenterio:
«Nous avons vu que l'orifice duodenojejunal était placé entre l'aorte en arrière et l'artère mésentéri-que supérieure en avant au moment où, peu après sa naissance de la face antérieure de l'aorte, elle quite la face postérieure du pancréas; or, il est facile de se rendre compte que cette artère, dans son trajet préintestinal est accompagnée de solides faisceaux fibreux que descendent parallèlement à elle jusqu'au mésentère, pour s'y épanouir, et viennent, en même temps qu'elle, de la colonne vertébrale et du tissu adventitiel très dense de l'aorte.
Le faisceau fibreux qui descend avec la mêsenté-rique supérieure au devant do duodénum est le vrai ligament suspenseur de l'intestin grêle.
Que, chez un sujet dont le grêle est vide de gaz et forme une quinzaine de petites anses superposées en zigzag dont les liquides augmentent le poids et la déclivité (de chaque anse) et dont la masse (le grêle, vidé, pèse 500 gr.) est en partie prolabée dans le petit bassin; que, chez ce sujet, on soulève le mé-sentère au niveau de la partie moyenne de son in-sertion, on verra que ce mésentère donne la sensa-tion d'une corde qui tirée de bas en haut soulève le mésentère et le paquet de l'intestin grêle et, tirée de haut en bas, fait saillie en avant du duodénum et abaisse le diaphragme et par lui le foie, tellement est solide son insertion supérieure au-dessus du duo-dénum.
Il en résulte, de toute évidence, que chez ce su-jet, c'est-à-dire lorsque le grêle est vide, l'orifice duo-denojejunal est écrasé contre la colonne par un liga-ment soutenant un poids minimum de 500 gr. et que, dans ces conditions, sur le vivant, lorsque le
grêle est vicie de gaz et prolabé, le duodénum, pour chasser son contenu dans le jéjunum, devra soulever un poids minimum d'un demi-kilogramme.» (1)
Uma confirmação anatomo-clinica das ideas de Grlénard nos é apresentada n'uma observação de Le-groux, communicada á Sociedade Medica dos
Hospi-(1) Lyon médical, mars, 1883. 4
taes em 1885 e publicada na Bévue de chirurgie do mesmo anno. Tratava-so d'um rapaz de 18 annos que tinha morrido com o conjuncto dos signaes de uma obstrucção intestinal. Na autopsia não se encon-trou occlusão; mas o estômago estava extraordinaria-mente dilatado, abaixado por uma corda cpiploica inserida á parte inferior da parede abdominal; o in-testino delgado formava uma massa violácea ennove-lada, não contendo nem gazes nem matérias, e es-tendendo como uma corda a artéria mesenterica que trilhava o duodeno, onde não havia ulceração nem causa que se podesse invocar para explicar a obs-trucção.
Orifício eólico infra-costal direito. — Situado entre
as ansas ileo-colica c costo-infra-pylorica, este an-gulo tem uma fraca sustentação ; cm cima é preso á parede costal por moio d'uma prega peritoneal do fo-lheto superior do mesocolon transverso, e inferior-mente assenta sobre o folheto inferior que, como sa-bemos, é d'uma grande mobilidade.
Orifício eólico infra-pylorico.—Como já dissemos,
este orifício divide o colon transverso em duas ansas, e é sustentado pelo ligamento suspensor do colon
transverso.
Eis a formação d'esté ligamento. — A partir do angulo direito do colon os dous folhetos do mesoco-lon dirigem-se para traz para a parede costal,
qua-drado dos lombos, rim direito, até ao angulo superior do duodeno onde se separam: o folheto anterior con-tinua-se directamente para a grande curvatura do estômago; o posterior dirije-se obliquamente para a parte superior da porção ascendente do duodeno, con-tornando o jejunum, adherindo á fosseta duodenoje-junal de Huschke, onde vae unir-se ao outro folheto
que vem da grande curvatura e vão terminar no an-gulo esquerdo do colon.
Pareceria á primeira vista que o colon transverso deveria estar suspenso a toda a grande curvatura do estômago: mas em cima, entre o fígado e o duodeno, o folheto anterior do mesocolon introduz-se por um orifício estreito, hiato de Winslow, n'uma vasta ca-vidade, cavidade dos epiploons, que pende adeante do intestino, de modo que o transverso n'esta região vem apenas a ser suspenso pelo folheto posterior.
O bordo direito d'esta cavidade, descendo obliqua-mente para baixo e para a esquerda entre os dous folhetos do mesocolon, e cruzando diagonalmente a grande curvatura do estômago á distancia de cerca de quatro centímetros do pyloro, repelle para doante do intestino o folheto anterior do mesocolon.
Resulta d'esta disposição que, em virtude do fo-lheto anterior adquirir para além d'estes quatro cen-tímetros um grande comprimento por causa da cavi-dade dos epiploons, emquanto que para áquem
con-serva apenas a distancia exacta entre o estômago e o intestino, o colon está suspenso ao estômago ao ni-vel dos quatro primeiros centímetros da grande cur-vatura a partir do pyloro, e pelo estômago ao epi-ploon gastro-hepático e ao fígado.
Podemos pois dizer que a chave da estática phy-siologica do tubo digestivo encontra-se na proposição seguinte: «O duodeno deve sêr comparado a um frasco de duas tubuladuras na sua extremidade superior; uma, a gastroduodenal, regulada pelo colon trans-verso; outra, a duodenojejunal, regulada pelo intes-tino delgado.»
Orifício eólico infra-costal esquerdo. —
Intermediá-rio aos colons transverso e descendente e situado ao mesmo nivel que o orifício direito, é sustentado mais solidamente que este por meio d'uma prega perito-neal reforçada por um ligamento solido que o liga á decima costella, prega que também serve até certo ponto de apoio ao baço.
O orifício sigmoido-rectal está, como o seu nome indica, situado entre o S iliaco e o recto, ao nivel da symphyse sacro-iliaca, e é fixo por uma curta prega peritoneal formada pela reflexão, a este nivel, do folheto esquerdo do mesorecto.
Quadro syniptomatico da enteroptose N'esta parte do nosso trabalho estudaremos pro-priamente os symptomas da enteroptose e das suas complicações frequentes d'esplanctmoptose; e, dizendo propriamente, queremos tornar bem frisante que, ha-vendo em toda e qualquer doença graus diversos e formas variadas, não fazendo a enteroptose excepção á regra, os symptomas que muitas vezes se obser-vam anteriores ao descobrimento d'esta doença, que á primeira vista e pela sua frequência pareceriam .pertencer-lhe, não são a consequência mas sim a causa determinante do apparecimento da enteroptose e portanto não lhe pertencem. Taes são, por exem-plo, os symptomas da dyspepsia pura, nervosa, causa frequente da enteroptose. D'elles não temos, pois, a occupar-nos.
Os symptoraas apresentados pelos doentes podem classificar-se em dous grupos: symptomas subjectivos e symptomas objectivos.
SYMPTOMAS SUBJECTIVOS
E n'este grupo que estão incluídos os symptomas outr'ora attribuidos a um grande numero d'estados mórbidos complexos que não pareciam corresponder a nenhuma lesão orgânica, impossíveis de compre, hender e de curar, designados com os nomos de neu-rasthenia, estados novropathicos, cachexia cerebro-espinhal, etc.
Gí-lénard foi levado pela clinica a considerar três períodos principaes na evolução da enteroptose, pe-ríodos cujos «septenarios» se medem por semestres e annos, designados, segundo a sua ordem de succès* são e segundo a predominância dos symptomas sub-jectivos, pelos -nomes de gástrico, mesogastrico,
neu-rasthenico, correspondendo-lhes debaixo do ponto de
vista anatomo-pathologico, a atonia gástrica por en-teroptose, a gastroptose, a entorostonoso, não diffe-rindo uns dos outros, senão por uma maior ou menor intensidade dos mesmos symptomas fundamentaes, em relação com a phase do processo pathogenico da doença.
enfartamento, oppressão, fraqueza, bocejos; depois dores, acidez e vómitos.
Os symptomas mosogastricos, são: sensação d'ar-rancamento, de peso, de falsa fome.
Os symptomas nevrosiformes são d'apparencia ce-rebral, espinhal, sympathica, pbysicos ou psychicos:— insomnia, arripios, suores, irritabilidade, hypochon-dria, impotência, vertigens, zumbidos, tosse, palpita-ções, polyuria, nevralgias, crises nervosas, e dores infra-hepaticas ao nivel do angulo direito do colon.
O enteroptosico, typo, no seu período d'estado, apresenta os seguintes symptomas:
Apparelho digestivo.—O doente tem, por assim
dizer, consciência da sua funcção digestiva, de que elle percebe cada uma das phases; é principalmente duas a quatro horas depois da ingestão dos alimen-tos que elle sente no hypogastrio sensações doloro-sas, acidez, vómitos, um mal estar insupportavel acompanhado de vapores, suores muito penosos e mudança de physionomia; elle reduz a sua alimenta-ção ao minimo, deixa-se morrer de fome para esca-par á sensação d'esté «peso», apesar de ter uma ne-cessidade constante d'ingerir, pela grande fraqueza que sente principalmente em jejum. A lingua
apre-senta-se pastosa, coberta d'um leve induto amarel-lado, bocca amarga, flatulência, etc. Estas sensações renovam-se a cada refeição, mas sobretudo depois da primeira.
Os alimentos mais indigestos são os corpos gor-dos, os farináceos, os legumes; a ingestão de vinho ou de leite augmenta a acidez c apressa o vomito; de modo que ha doentes aos quaes os seus sympto-mas têm obrigado a um regimen tal como à priori lhes aconselharia um medico.
A prisão de ventre é tal que, apesar de clysteres quotidianos, não ha senão uma ou duas vezes por semana, uma dejecção de fezes delgadas ou scybali-cas, duras, cinzentas, pouco ricas em bile e doloro-sas á expulsão. A diarrhea é rara.
Perturbações nervosas. — O doente desperta pelas
duas horas da manhã, despertar que lhe produz in-somnia e um estado irritável, hypochondriaco d'algu-mas horas, com uma sensação glacial á superficie cu-tanea, com dores que a ingestão d'alimentos e a po-sição horisontal ou assentada acalmam, e tanto mais quanto as refeições forem mais copiosas.
Ao mesmo tempo o doente queixa-se de cephalal-gias, por vezes de nevralgias intercostaes, cólicas he-páticas, dores lombares e no ventre, vertigens, debi-lidade geral e em particular do systema nervoso, sensação constante de fraqueza.
O doente, ao principio d'aspecto regular, soffre um emmagrecimente rápido, torna-se anemico. O ven-tre parece-lhe que augmenta de peso e de volume desde o momento que comece a andar, produzindo-lhe fadiga acompanhada de suores, cephalalgia, ver-tigens e mal de rins; a marcha ou mesmo a posição em pé aggravam os seus males, augmenta m os vómi-tos, principalmente depois das refeições, de modo que se vê obrigado a deitar-se.
Por ultimo observam-se perturbações circulatórias,
respiratórias e secretorias: pulso e respiração lentos
no decúbito dorsal, aos quaes se attribue a insom-nia; parece ao doente que a sua respiração parava se elle não accordasse; intcrmittencias de pulso; cardiopathias durante a digestão, diminuição de to-das as secreções a não ser a da urina que raramente é perturbada.
Entre todos estes signaes ha dous aos quaes Fé-réol (1) diz que convém ligar uma importância par-ticular: 1.° a intolerância para o leite que é mal di-gerido, ainda que ao doente não lhe repugne; 2." uma espécie particular d'insomnia: o doente ador-mece socegado, mas entre as duas c as quatro horas da manhã, é despertado por um mal estar variável na sua expressão, mas que não lhe permitte
cer, a não ser duas ou três horas mais tarde. Quando estes dous signaes existem no meio dos outros, po-demos quasi ao certo diagnosticar a enteroptose.
SYMPTOMAS OBJECTIVOS
O doente apresenta um aspecto hypochondriaco, pallido, magro, sub-icterico na occasião dos seus en-commodos dyspepticos, três horas depois das refei-ções; a pelle é secca e molle.
A lingua é pastosa, levemente coberta d'um in-duto
amarellado-O pulso é pequeno, regular, ás vezes muito lento; em alguns doentes uma simples mudança de posição, faz-lhes soffrer uma variação de dez a vinte pulsa-ções.
E sobretudo o exame completo de abdomen que maior importância nos offerece. E elle por assim di-zer que individualisa esta nova entidade.
É o methodo d'exploraçao abdominal de Glénard. O doente deve sêr examinado em decúbito dorsal, sem flexão das pernas, única posição em que os mús-culos estão todos relaxados, perind ac cadaver, o que para nós tem toda a importância porque os múscu-los e a sua contracção são aqui o inimigo. O exame methodico do abdomen comprehende:
a) Exame anterior do abdomen.—Logo á sim-ples inspecção observa-se a deformação do abdomen; elle apresenta uma forma deprimida, ou em batel, ou em ampulheta com uma depressão transversal pas-sando pelo umbigo, ou em alforge.
Á palpação geral o abdomen é flaccido, e á per-cussão observa-se uma sonoridade surda, salvo no flanco direito, na parte anterior do hypochondrio di-reito e no epigastrio.
Pelos movimentos do tronco, ou ainda pela suc-cussão bilateral brusca da região epigastrica, obser-va-se o ruido de dapotage, ruido que coincide muitas vezes com os limites apontados por Bouchard (1) como indicando uma dilatação do estômago. Glénard demonstra á evidencia que dapotage não é synonimo de dilatação, como quer Bouchard, fazendo vêr que a fixação do estômago é realisada por intermédio do epiploon gastro-hepatico e dos órgãos que elle con-tém que o suspendem ao fígado; e que se uma trac-ção enérgica é operada sobre o estômago, os seus meios do suspensão podem tomar um comprimento tal que o estômago adquire uma certa mobilidade e pôde encontrar-se fora do seu logar sem que a sua capacidade augmente (gastroptose).
(1) Para Bouchard todas as vezes que com o ruido de dapotage se observa que a grande curvatura do estômago excede á esquerda uma linha indo do umbigo ás falsas costellas esquerdas, ha gastrectasia.—Leçons sur
A presença de gazes e líquidos n'uni estômago flaccido, condição essencial de clapotage, pôde ainda sêr demonstrada por um meio mais sensível que este, por meio do gorgolejo gástrico á pressão que se obtém comprimindo o epigastrio, no fim d'uma inspiração, transversalmente e um pouco para a esquerda, e abai-xando durante a expiração a linha de compressão, de sorte que os gazes e os liquidos gástricos sobem e produzem o gorgolejo.
Observa-se muitas vezes pela palpação abdominal anterior especial, a dous centímetros acima e á es-querda do umbigo, sobre um comprimento que pôde variar de dous a cinco centímetros no trajecto da aorta da qual depende, a existência da pulsação
epi-gastrica de que o doente tem muitas vezes
consciên-cia, mas que raramente é visível. Este accesso fácil da aorta permitte já suppor que o órgão que no ho-mem são separa a aorta da parede abdominal e im-pede de lhe tomar o pulso, não existe no seu logar.
E com effeito, explorando anteriormente o abdo-men, quer com o bordo cubital da mão, quer com a extremidade dos dedos sobre uma linha transversal collocada a dous centímetros acima do umbigo, e fa-zendo abaixar a linha de compressão, encontramos um cordão cheio, movei, da largura de cerca de dous centímetros, de renitência pastosa, deitado trans-versalmente sobre a columna. Depois d'uma
excur-são de dous centímetros ao mesmo tempo que o doente faz uma expiração, elle escapa por baixo da mão e sobe rapidamente para a sua primitiva posi-ção, sensação que o próprio doente experimenta. Este cordão estreito é o corda cólica transversa que não é senão o colon transverso em «ptôse» e «este-nose». Em geral a pressão sobre esta corda provoca um allivio aos doentes.
Muitas vezes podemos seguir esta corda para a direita e vemol-a confundir-se com o colon ascendente e o cecum, ou para a esquerda com o colon descen-dente e o S iliaco.
Estes outros segmentos do intestino grosso são muitas vezes por si sós muito distinctes: assim, com-primindo com a extremidade dos quatro últimos de-dos juxtapostos o flanco esquerdo na direcção d'uma linha parallela á arcada de Fallopia, e deslocando esta linha de compressão, três a quatro centímetros para cima e parallelamente a ella mesma, podemos sentir e fazer rolar por baixo dos dedos um cordão estreito, duro, do diâmetro d'uma pollegada; este cordão é o
cordão sigmoidal, geralmente mais fácil de sentir que
o corda cólica transversa.
Emfim, fazendo a mesma exploração no flanco direito, sentimos algumas vezes o cecum dando a sen-sação d'um chouriço, chouriço cecal, de quatro a cinco centímetros de diâmetro, inclinado para dentro,
re-nitente, sensível (ovaria, segundo alguns) c cora um fino gorgolejo á pressão.
b) Exame lateral do abdomen.—É por este exa-me que chegamos ao conheciexa-mento da «ptôse» d'or-gãos, como o rim, o fígado, o baço, que por vozes acompanham, alguns muito frequentemente (1), a enteroptose e que servem algumas vezes de guia ou de confirmação ao seu diagnostico.
N'este exame comprehendemos apenas a palpação lateral especialisada, porque é só ella que nos for-nece conhecimentos novos que a palpação anterior, quer simples, quer especial, não pôde dar, em virtude de duas causas apontadas por Gdénard: a primeira, é a ausência na região lombar d'um plano resistente sobre o qual a pressão anterior possa aceusar qual-quer anomalia de situação ou de volume dos órgãos sub-jacentes; a segunda, é a situação intrathoracica da parte superior dos hypochondrios, que nos impede de conhecer essas anomalias, por causa do refugio que os órgãos ahi encontram quando apalpados. Ora, pela palpação lateral especialisada, estas duas cau-sas são destruídas: a primeira, pela formação, com a mão do observador, d'uma parede posterior
resis-(I) Glénarcl observou a nephroptose (frequente na mulher em quem passa muitas vezes desapercebida) complicada d'enteroptose da primeira ansa transversa 19 vezes em 22 casos.
tente; a segunda, explorando em seguida os hypo-condrios durante uma profunda inspiração.
D'aqui nascem dous processos de palpação late-ral: a palpação bimanual simples, e a palpação de-signada por Glénard sob o nome de nephroleptka, porque é só por meio d'ella que podemos fazer um rigoroso exame e um confirmado diagnostico ao ór-gão da região mais profundamente situado, o rim, e portanto a todos os outros órgãos, os quaes devem ser attingidos antes d'elle.
A palpação bimanual simples consiste em appli-car os quatro últimos dedos d'uma das mãos, tão aci-ma e tão solidamente quanto possivel, no angulo cos-to-vertebral, e o pollegar c a outra mão na parede anterior correspondente, sendo aquelle encarregado sobretudo de apalpar c esta sobretudo de comprimir. Pela palpação bimanual observa-se em geral uma
depressão anormal dos hypochondrias; as paredes
an-terior e posan-terior tocam-se como que se achasse vasio o espaço que medeia entre cilas. Esta palpação ainda nos pôde fazer conhecer o rim movei vulgar e o rim fluctuante que se podem obter pela simples palpa-ção abdominal anterior, nephroptoses (1) do 3.° e 4." graus de que adeante fallaremos; mas estes casos
(J) O termo ncpltroptose ó preferível ao de rim movei e fluctuante, porque implica ao mesmo tempo a etiologia e pathogenia da ectopia mo-vei do rim, de accordo com a clinica e a anatomia.
importa ainda, para o rigor do diagnostico, confir-mal-os. Esta confirmação, o diagnostico entre os pro-lapsos dos diversos órgãos da região, assim como os prolapsos dos 1.° e 2." graus do rim só podem ob-tcr-sc pela:
Palpação nepliroleptica.— Este processo
comprc-hcnde três tempos, designados pelos nomes caracte-rísticos de: 1.° espera; 2.° captura; 3.° escape, verda-deira cynegetica do rim em «ptose».
1." Tempo.—Espera — Assim designado porque o
medico, collocadas as mãos como na palpação bima-nual, o apertadas fortemente formando um annel es-treito com a columna vertebral e de modo que a an-terior vigie que nenhum corpo seja desviado para a linha mediana, espera que ao fazer o doente uma profunda inspiração alguma cousa lhe venha ter aos dedos. Por este processo não se sente o rim no es-tado normal; mas se n'uma forte inspiração sentimos um corpo liso. duro, do volume d'uma nóz, que ao tentar agarrar-sc entre os dedos escapa-sc, por assim
dizer, como se fosse uma pequena porção de mercú-rio, este corpo é o pólo inferior do rim, é a nephro-ptose do 1.° grau (1).
3." Tempo.—Captura—Mas se no momento de
(1) Não se referem senão a nephroptoses do 1." grau, ou apontas de nephroptoses por analogia com as pontas de hernia, as observações em que Israel (Berl. klin. "Woch., J889) diz ter chegado a apalpar o rim são.
profunda inspiração, os dedos applicados fortemente contra o rebordo costal, o rim pódc sêr retido pelos medio atraz o o pollegar da mesma mão adeante, te-mos a nephroptose do 2.° grau. Outras vezes pode-mos ainda, approxiuiando solidamente o pollegar c o medio, formar um sulco acima do rim e agarral-o pelos tecidos logo acima d'elle; é a nephroptose do 3.° grau.
3.° Tempo.—Escape—Este tempo tem por fim
apreciar os diferentes caracteres de forma, de mo-bilidade, de sede, de consistência, de volume, de sen-sibilidade do órgão em prolapso. O rim captivo dei-xa-se escapar afastando levemente os dons dedos que o prendiam, c exercendo uma certa compressão de baixo para cima c de dentro para fora com a mão collocada adeante. Se a nephroptose é do 1.°, do 2.°, ou mesmo do 3.° graus, o rim salta rapidamente para o seu logar normal, salto de que o doente tem co-nhecimento ; no caso d'uni rim fluctuante reconhecido pela simples palpação abdominal anterior, nephro-ptose do 4." grau, o rim escorrega pela compressão para a sua loja lombar, mas apenas levantada a com-pressão, o doente ao menor movimento sente-o voltar para o seu logar anormal.
E o prolapso do rim direito aquelle cuja explora-ção é mais difflcil e necessária, porque quando o
pro-lapso do rira esquerdo (1) começa a tornar-se perce-ptível, já o d'aquelle é muito pronunciado. E conce-be-se que, quando chegamos a explorar o rim, já de-vemos ter encontrado, qualquer prolapso existente do fígado ou do baço, órgãos mais accessiveis. É po-rém de notar que o prolapso d'estes órgãos é mais raro que o do rim.
Glénard cm Vichy, onde os doentes soffrem na maior parte d'affeeçoes directas ou indirectas do apparelho digestivo, observou a seguinte estatística n'um total de 1:310 doentes, dos quaes 647 eram ho-mens e 663 mulheres:—148 casos de nephroptose que comprehendiam 17 homens e 131 mulheres. Nos 17 homens, 15 nephroptoses eram do primeiro c segundo graus e 2 do terceiro; em 16 casos a nephroptose era direita, cm 1 era dupla c em 2 casos havia tam-bém hepatoptose. Nas 131 mulheres, 47 nephroptoses eram do primeiro c segundo graus, 79 do terceiro, e 3 do quarto grau; apenas cm 3 casos existia a ne-phroptose esquerda; cm 18 casos havia uma nephro-ptose dupla c nos 110 restantes a nephronephro-ptose era direita; em 30 casos havia ao mesmo tempo prolapso do fígado e simultaneamente esplenoptose em 2 ca-sos.
(I) Os simples casos de nephroptose esquerda são muito raros e, quando existem, o syndroma que os acompanha reveSte caracteres dis-tjnctos.
A esplenoptosc, como acabamos de vêr, é rara; suppõe uma deslocação extremamente pronunciada das outras vísceras, e reconliece-se pelo mesmo me-thodo que a nephroptosc.
A exploração do fígado faz-se pela palpação ne-phrolcptica modificada, pelo «processo do pollegar». Os três tempos, são: 1.° O medico colloca-se á es-querda do doente, os dedos da mão eses-querda como acima indicamos, a outra mão comprimindo de baixo para cima o flanco direito, voltados os dedos para fora. 2.° Faz-se subir, ao longo do flanco direito e de dentro para fora, o pollegar esquerdo até ao rebordo costal, onde com a polpa voltada para cima deprime a face inferior do figado. 3." Durante uma profunda inspiração o bordo do figado passa pelo pollegar e assim se observa o seu grau de abaixamento, de den-sidade, de sensibilidade, etc.
Por estes meios d'exploraçao podemos chegar a fazer o diagnostico d'uma «ptoses múltipla, prolapso do figado, da vesicula, do rim, ao mesmo tempo que o da primeira ansa transversa, quando esta é a sede de matérias estercoraes ; mas algumas vezes é difficil e até mesmo impossivel distinguir a origem renal ou hepática da ptose.
I
Enteroptose puerperal e traumatica com nephroptose e prolapso do ligado
A. R., 30 annos, casada, jornaleira, natural de Paredes, entrou para o hospital de Santo Antonio, enfermaria de clinica medica, mulheres, a 15 de ja-neiro de 1889.
Nada de interessante nos antecedentes hereditá-rios, a não ser que a mãe suecumbiu ao rheumatismo.
Nos antecedentes pathologicos encontramos: tem-peramento lymphatico; soffre desde a idade de 18 annos de rheumatismo articular gottoso com perío-dos d'exacerbaçao. Teve sete partos, os cinco primei-ros naturaes, o sexto muito laborioso, do qual ficou a padecer mais ou menos, sentindo mal-estar geral, fraqueza, dores de cabeça, appetite irregular,
inso-mnia, prisão de ventre frequente e dores vagas no abdomen; menstruação irregular. Em janeiro de 1888 teve o ultimo parto, gemellar, accidental e bastante difficil, nascendo um dos filhos morto; e três mezes depois deu uma queda d'um muro abaixo.
Desde então as perturbações existentes accentua-ram-se cada vez mais, obrigando-a a entrar para o hospital. Apresentava os symptomas seguintes: aspe-cto regular, fácies melancholico, olhos um pouco en-covados, pallidez; anorexia, vómitos, prisão de ven-tre constante; dores lombares intensas, dôr abdomi-nal localisada no fundo do ventre, com maior intensi-dade do lado direito e irradiando para todo o abdo-men, particularmente para o hypochondrio direito, região umbilical, fossa iliaca esquerda e ainda para a coxa direita, com fortes exacerbações á pressão; nevralgias, palpitações e dyspnea apoz qualquer es-forço; insomnia, que principia por um despertar brusco e afflictivo das 2 para as 4 horas da manhã, prolongando-se bastante tempo. Todas estas pertur-bações soffrem exacerpertur-bações acompanhadas de suores, arripios e febre, coincidindo ultimamente com as epo-chas mcnstruaes.
O exame do abdomen revela: a parede abdomi-nal muito flaccida; a palpação é bastante dolorosa nas regiões hypogastrica, iliaca e hypochondrica di-reitas, e região umbilical, observando-se ao nivel
(Testa um corpo arredondado, flexível, que se dirige do hypockondrio esquerdo para a região iliaca di-reita, corda cólica. Á palpação, segundo o processo d'exploração de Glénard, observa-se no hypochondrio direito, mandando tossir a doente, que o polo inferior do rim direito vem bater contra a mão. O som baço hepático estende-se até cerca de três centímetros abaixo do rebordo das falsas costellas, onde se sente uma massa movei, não dolorosa, que é o fígado. Som tympanico gástrico extenso.
Comprimindo e ropellindo para cima o hypogas-tric com as duas mãos, estando a doente em decú-bito dorsal, vemos que ella experimenta bruscamente um allivio nas dores abdominaes.
O exame dos pulmões nada revela de anormal. No coração palpitações por vezes ; na base o primeiro ruído ligeiramente áspero e extenso. O toque vagi-nal revela o utero em anteflexão; leucorrhea muito abundante e menstruação rara depois do ultimo parto.
Tratamento.—No dia 26 de janeiro, calomelanos
(3 grammas) e bicarbonato de soda (15 decigram-mas); n'este mesmo dia, depois de feita conveniente-mente a reducção no hypogastrio, foi-lhe applicada a almofada contentiva. A doente declara que quando tira a almofada volta ao mal estar anterior.
D'ahi em deante foram-lhe prescriptos clysteres simples e dieta (caldos e um litro de leite por dia).
No dia 4 de fevereiro, a pedido da doente, foi-lhc retirado o leite, não que lho repugnasse, mas affrontava-a c vomitava-o por vezes, e substituído por uma ração de gallinha, ovos mornos e pão. A 19 do fevereiro sobreveio-lhe um ataque de rheumatis-nio articular gottoso que cedeu do prompto ao saly-cilato de soda. Como a prisão de ventre continuava, prescreveu-se-llie, clyster de fel de boi de três em três dias, o todas as manhãs uma colher de sopa de Sedlitz.
Irrigações vaginaes como tratamento da leucor-rhea. Em 20 de março, novo ataque de rheumatismo; combatido como o primeiro. Em seguida a doente pede para se levantar e a 2 de abril pediu alta. O seu novo aspecto indicava as suas melhoras; o en-torpecimento e a prostração substituídos por um es-tado geral bom; a leucorrhea quasi nulla, as noites passadas bem, e as perturbações dyspepticas dimi-nuídas consideravelmente (1).
II
Enteronephroptose traumatica
S. J. N., 34 annos, casado, jornaleiro, natural de Paredes, entrou no dia 6 de fevereiro de 1889 para
o hospital do Santo Antonio, enfermaria n.° 3, clini-ca mediclini-ca.
O pae morreu de idade avançada, hydropico. A mãe é viva, de temperamento nervoso.
Além do sarampo (pie teve aos oito annos e das febres intermittentes durante seis mezes, aos 16, tem sido saudável. Temperamento lymphatico o constituição regular. Alimentação defeituosa desde creança.
Attribue a origem dos seus padecimentos a uma grande quantidade d'agua fria que lia perto de dous annos bebera estando muito suado; pouco tempo de-pois deu uma queda d'uma grande altura.
Estado actual.—Fraqueza extrema, de modo a
não poder segurar-se em pé; allivio sensivel no de-cúbito. Tosse e por vezes dyspnea. O primeiro ruido cardíaco enfraquecido; pulso regular.
Observa-se uma pequena depressão no lado di-reito da região lombar e uma tumefacção no epigas-trio; o abdomen é extremamente flaccido; á palpação ha dôr forte no flanco direito, paroxistica, irradiando para o epigastric Examinando o abdomen, segundo o processo de Grlénard, encontra-se facilmente na re-gião lateral direita um corpo duro, liso, um pouco doloroso á pressão, extremamente movei, c apalpando profundamente abaixo do umbigo, sente-se a corda cólica atravessando obliquamente o abdomen.
Glapo-tage e gorgolejo gástricos accentuados; prisão de
ven-tre; urina normal.
Tratamento.—Reducção e contenção pelo cinto
abdominal dos órgãos deslocados, e regimen especial. No dia seguinte ao da entrada, purgante de séne. Dia 9. Agua purgativa de Loëches. As dejec-ções tornam-se regulares.—Grânulos de sulfato d'es-trychnina (seis por dia).
Dia 2—março.—Lavagem do estômago. Melho-ras sensíveis nos phenomenos digestivos.
Dia 23. O doente pede alta, sentindo-se curado. Dous mezes depois encontramos o doente que nos disse ter, nos meiados de maio, deixado de fazer uso do cinto, voltando ao estado anterior e tencio-nando entrar de novo para o Hospital (1).
III
Enteroptose pura; dyspepsia
M. de S., 40 annos, casado, pedreiro, natural de Penafiel. Entrou no dia 1 de maio de 1889 para o hospital de Santo Antonio, enfermaria de clinica me-dica.
Dos antecedentes hereditários apenas sabe que
a mãe morreu d'uma doença nervosa e um irmão de doença de peito e intestinos.
Este individuo gosou boa saúde até aos 30 annos, occupando-so sempre no trabalho pesado de pedreiro, com má alimentação. É desde este tempo que datam os seus padecimentos; attribuia ao estô-mago o seu mal estar em virtude das perturbações digestivas, dos vómitos, que lhe produziam anorexia, depressão das forças e pouca vontade de trabalhar. Aos 36 annos foi tratar-se com um medico, por es-paço d'um anuo, na terra da sua naturalidade o me-lhorou um pouco. Ultimamente o seu estado peorou, de modo que viu-sc obrigado a entrar para o Hos-pital.
O doente attrahe a attenção para os symptomas digestivos dos quaes, diz elle, dependem os outros, ainda que actualmente os vómitos são raros, talvez devido á menor quantidade d'aliinento que o doente ingere, pelo temor dos encommodos que experimenta uma hora depois das comidas e que consistem em acidez, vertigens, arripios, sensação do peso e mal estar no epigastrio e ao nivcl dos lombos, sendo obrigado a deitar-se depois de comer. Dorme mal, accorda por vezos de noite sobresaltado pelo seu mal estar e pelas dores, que particularmente se locali-sam no hypochondrio direito e nos rins. Tolera mal o leite. As dejecções são irregulares.
O aspecto é regular, algum tanto pallido, ema-ciado; perda considerável das forças, não podendo sustentar durante muito tempo a posição em pé. O doente diz que andava muitas vezes apertado com uma faixa porque se sentia assim mais alliviado.
A parede abdominal anterior é molle, flaccida. Apalpando com a extremidade dos dedos a região umbilical observa-se, adeante da columna vertebral, um cordão cheio, estendido transversalmente que, quando o doente respira profundamente, sente-se subir por baixo dos dedos e passar alternadamente para baixo e para cima. A palpação nephroleptica dos hypochondrios nada revelava.
O doente é submettido ao tratamento de: bicar-bonato de soda, agua purgativa de Loëches, cinto kypogastrico apoz a reducção do colon, e logo as melhoras se mostraram. A 28 de maio pede para sahir, levando o cinto.
VI
Enteroptose traumatica
A. P., 35 annos, casado, jornaleiro, natural de Canavczes, entrou a 1 de maio de 1889 para o hos-pital de Santo Antonio, enfermaria n.° 3, clinica me-dica.
Nada de interessante nos seus antecedentes here-ditários.
Nos antecedentes pessoaes: aos treze annos teve sezões; aos vinte começou a soffrer do estômago, di-gestão difíicil e por vezes vómitos; aos vinte e seis annos caiu d'uma arvore, de barriga para baixo, e d'ahi em deante começou a queixar-se de dores opi-gastricas, gastralgicas.
Em dezembro de 1888 deu uma queda d'uma fi-gueira alta, fracturando uma clavícula e luxando a articulação escapulo-humeral. Esteve por isso de cama; os padecimentos anteriores aggravaram-se-lhe consideravelmente.
Estado actual. — Aspecto e gordura regulares;
prisão de ventre rebelde; acidez, flatulência, dôr epi-gastrica, sensação de peso kypogastrico e vómitos que lhe abrandam as dores depois de comer; bem estar em jejum; leite e vinho principalmente muito mal tolerados; insomnia particular. O despertar pro-duz-lhe um estado irritativo, não podendo então des-cançar na cama em nenhuma posição; tem lembran-ças de suicidio.
O ventre escavado tem a forma d'ampulheta; a parede abdominal é flaccida. Ha um ponto levemente doloroso ao nivel da fossa iliaca direita, onde se sente o chouriço cecal que se continua com a corda
cólica. O clapotage e o gorgolejo ouvom-se até abaixo do umbigo.
Tratamento.—Lavagem do estômago, cinto
abdo-minal, Sedlitz, bicarbonato de soda e dieta propria. No dia 28 de maio, julgando-se curado, pediu alta.
C A P I T U L O I
Etioloyiu e pathogenia; anatomia pathologica
ETIOLOGIA E PATHOGENIA.—Fazendo a analyse dos signaes objectivos do quadro symptomatologico da enteroptosc, vemos a possibilidade de agrupar al-guns que têm uma significação análoga. Assim a deformação do abdomen, a fiaccidcz abdominal e a depressão dos hypocbondrios, mostram claramente uma modalidade geral do abdomen que justifica a coexistência d'estes três signaes, que agruparemos sob o nome de diminuição de tensão, hypotase ab-dominal.
A corda cólica, o chouriço cecal, o cordão sigmoi-dal, tendo por caracter commum a diminuição de calibre do intestino, designal-os-hemos pelo termo de enterostcnose,
E cmfim agrupamos o clapotage c o gorgolejo gás-tricos, a mobilidade do rim, a pulsação epigastrica e o prolapso do intestino, por serem todos signaes de esplanchnoptose.
Glénard mostrou á evidencia a etiologia, a pa-thogenia c a subordinação d'estes très caracteres, que explicam claramente todo o quadro symptoma-tico da doença.
Vejamos a pathogenia da enteroptose.
A enteroptose, muito frequente no sexo femi-nino, 157 mulheres cm 200 casos, pódc sêr
primi-tiva ou consecuprimi-tiva.
E primitiva, quando sobrevem no estado de saú-de, cm virtude d'uni parto ou d'uni traumatismo, esforço, queda, etc., coincidindo muitas vezes com um rim fluctuante ou com um abaixamento hepático, uterino, csplanchnoptoses nascidas ao mesmo tempo pelo facto de causas predisponentes. Estas causas são: a puerperalidade (o parto, com effeito, pela brusca diminuição de tensão abdominal que é a sua consequência, é uma causa predisponente capital); o uso do espartilho, dos cintos que prendem as saias da mulher e que favorecem a transposição para bai-xo da massa intestinal e sobretudo do colon trans-verso. Conccbe-se, com effeito que, se é preciso na ausência de predisposição uma causa determinante enérgica para produzir um prolapso, em
compensa-ção, quanto mais accentuadas forem as causas pre-disponentes, menos o devem ser as determinantes, esforço, queda, etc.
A enteroptose é consecutiva, á atonia gástrica nos dyspopticos, a uma atresia por adkerencias pa-thologicas dos colons ascendente e transverso, pro-vocando a ruptura da estática intestinal, em certas affecções agudas e chronicas, febre typhoide, dysen-teria, perityphlite, péritonite generalisada ou local, lithiase biliar, etc. ,
O estudo das considerações anatómicas do tubo digestivo, debaixo do ponto de vista que nós aqui o fizemos, isto é, da sua fixação, dos seus modos de suspensão e das suas relações com as vísceras abdo-minaes, fazem-nos já vêr a influencia que poderão ter sobre a digestão e sobre a saúde em geral, as perturbações, por uma causa qualquer, no estado normal da estática intestinal.
Estas perturbações exercem necessariamente pe-las atresias, que são a sua consequência, uma influen-cia considerável sobre as funcções do tubo digestivo; a origem mais frequente d'estas perturbações d'esta-tica reside necessariamente na deslocação do ponto mais frágil do tubo digestivo, o angulo direito do colon transverso. Abaixado este angulo, elle arrasta o colon transverso que se colloca como uma corda transversal sobre o abdomen; em seguida o