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O relacionamento entre as gerações na sociedade contemporânea

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Academic year: 2021

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Editorial

O relacionamento entre as gerações

na sociedade contemporânea

Por José Carlos Ferrigno

té o final da Idade Média, não havia uma noção precisa de geração. Com o surgimento da Modernidade, o ciclo vital passou a ser pensado com uma sucessão de fases, ou seja, de gerações. Normas de conduta e expectativas de comportamento para a infância, adolescência, adultícia e velhice, tornaram-se mais explícitas, mais detalhadas. Recentemente, a partir da primeira metade do século passado, com Karl Mannheim, Wilhelm Pinder e Wilhelm Dilthey o conceito geracional, ou seja, o significado do termo geração, de um ponto de vista sociológico, passou por uma maior elaboração. Estudos sistemáticos sobre as diversas etapas de nossa existência, assim como os chamados Programas Intergeracionais – propostas de aproximação, convivência, cuidados, coeducação e atuação conjunta em prol da coletividade – são ainda mais novos, seu desenvolvimento na Europa e nas Américas assumiu expressão a partir dos anos 90 do século passado.

As políticas de integração e de participação das pessoas idosas empreendidas por organismos internacionais como as Nações Unidas, a União Europeia, além de governos de vários países, deram um importante impulso a essas iniciativas. Slogans como Envelhecimento Ativo e Uma Sociedade para Todas as Idades e projetos como Cidade Amiga do Idoso têm sido utilizados para sensibilizar as populações na perspectiva de um convívio pacífico e produtivo entre jovens e adultos.

Mas, a que se deve a multiplicação de programas intergeracionais nos últimos anos? Por que esse esforço em estimular contatos entre jovens e velhos? Se partirmos da premissa de que tais ações visam estimular o bom convívio entre maiores e menores, podemos supor que as relações entre as gerações não andam bem. E por quê? Segundo vários estudiosos, e de acordo com observações que podemos fazer de nosso cotidiano, porque as atuais formas

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de organização social não favorecem o estabelecimento e o fortalecimento de laços afetivos. Ao contrário, valores que estimulam o individualismo, a competição e o consumismo, marcas registradas de nosso tempo, tendem a distanciar as pessoas.

De fato, é fácil perceber, sobretudo nas grandes cidades, como o relacionamento com amigos, parentes e vizinhos se escasseou, ocasionando enfraquecimento dos esquemas de ajuda e cooperação. Daí a necessidade de ações que promovam a paz e a amizade entre as gerações.

Para abordar essas questões, recebi o honroso convite da Revista Portal de Divulgação, do Portal do Envelhecimento para coordenar a presente edição especial com a temática da intergeracionalidade. Por isso, convidei os colegas que comigo participaram do Curso de Gestão de Programas Intergeracionais promovido pela Universidade de Granada e, afortunadamente, quase todos puderam colaborar. Ei-los: Celina Bragança, consultora na área de educação, Cláudia Soares, gestora do Instituto Prosseguindo de empreendedorismo social; Clotilde Maia, do Departamento Nacional do SESC; Gláucia Santos, educadora do SESC de Minas Gerais; Kátia Saraiva, docente da PUC de Minas Gerais; e Beltrina Côrte, da PUC de São Paulo. Além desses profissionais, contei com a colaboração dos docentes que promoveram o referido curso, Mariano Sánchez da Universidade de Granada, em artigo escrito com Pilar Díaz Conde, da mesma universidade, e Juan Sáez da Universidade de Múrcia, Espanha, que aqui escreveu em parceria com a professora Margarita Campillo Díaz, também da Universidade de Múrcia.

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É importante dizer que esse grupo, do qual com muita alegria fiz parte, construiu uma relação produtiva e afetiva, uma comunidade de aprendizagem que, mesmo à distância, se mantém graças às recordações dos bons momentos vividos. Contei ainda com a colaboração de Paulo de Salles Oliveira, professor da Universidade de São Paulo; Cristina Lima, educadora do SESC São Paulo; Divina de Fátima dos Santos, Ceneide Maria de Oliveira Cerveny e Nadia Dumara Ruiz Silveira da PUC de São Paulo; Johannes Doll da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Lida Blanc e Sylvia Korotky, ambas docentes da Universidade Católica do Uruguai.

A seguir, a título de apresentação, faço um breve comentário a respeito dos artigos aqui reunidos.

Juan Sáez e Margarita Campillo em “Los profesionales en los programas intergeneracionales. Algunas reflexiones de fondo”, nos convidam a refletir sobre a importância de mantermos os “pés no chão”, ao analisarmos as ações intergeracionais e, sobretudo, a figura do profissional dessa área, considerando a singularidade de sua experiência. Em outras palavras, devemos pensar as relações entre gerações na concretude desse encontro, preservando todo o espaço possível para a emergência do desconhecido, do incerto, do inusitado, do surpreendente. Juan e Margarita também perguntam sobre o que há de singular nos programas intergeracionais que os diferenciam das ações no campo do trabalho social e como são ou como deveriam ser os profissionais dessa área.

O viés ideológico que há por trás do binômio envelhecimento ativo e solidariedade intergeracional, adotado pela União Europeia é objeto de análise crítica de Mariano Sánchez Martinez e Pilar Díaz Conde no artigo “Sobre Envejecimiento Activo e Intergeneracionalidad. Reflexiones pensando en los profesionales sociales”. A ideia de que quanto mais envelhecimento ativo houver, mais solidariedade entre gerações teremos é falsa, segundo os autores. A imposição do modelo envelhecimento ativo como um receituário, uma prescrição exclui, de modo autoritário, outras possibilidades de escolha de modos de vida. Os autores nos propõem, então, repensarmos o conceito de geração e de relações intergeracionais para, assim, sem medo, podermos inventar novas formas de viver.

“Quando diferentes gerações se encontram: a Universidade Aberta à Terceira Idade da USP” é o artigo de Paulo de Salles Oliveira. A original experiência intergeracional da Universidade de São Paulo é aqui descrita. Original porque, em geral, os cursos para idosos disponibilizados por instituições de ensino superior se caracterizam por espaços exclusivos a pessoas dessa faixa etária. Na USP, ao contrário, velhos e jovens convivem nas salas de aula. Ao exaltar os benefícios que tal relação propicia às gerações envolvidas, o autor reflete sobre a dialética que há entre o necessário repasse das tradições por parte dos mais velhos e a saudável emergência do novo trazido pelos moços, durante a convivência em sala de aula.

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Lida Blanc e Sylvia Korotky com o artigo "Relaciones intergeneracionales como eje de intervención" apresentam sua experiência com o Programa da Universidade Católica do Uruguai “Abuelos por Elección”, em funcionamento há 18 anos naquele país. Nele interagem idosos na condição de “avós amigos” e crianças institucionalizadas. Além da educação e do cuidado das crianças, o propósito é estimular o desenvolvimento de uma relação que enriqueça ambas as gerações envolvidas. Para isso, as autoras enfatizam a importância de se ter como eixo do trabalho intergeracional, a força do prefixo inter, ou seja, de potencializar ao máximo a relação entre pessoas de diferentes idades.

Com o artigo “Gerações – um olhar para o ‘Problema das Gerações’ de Karl Mannheim”, Johannes Doll, educador alemão radicado no Brasil e familiarizado com a teoria desse eminente pensador, nos brinda com uma aguçada análise do conceito de geração construído por Mannheim, um dos principais nomes da chamada sociologia do conhecimento. Dada sua força conceitual, as ideias de Mannheim conservam seu viço até nossos dias, constituindo-se como uma referência sempre presente nos estudos da intergeracionalidade.

Tecendo suas reflexões com os fios da sensibilidade, da experiência profissional e da capacidade em desconstruir e reconstruir conceitos a partir de uma apurada percepção da realidade, Celina Bragança, em “Projetos e iniciativas Intergeracionais – raízes para uma geografia de reciprocidades” nos chama a atenção para aspectos essenciais das relações humanas. Ingredientes muitas vezes pouco considerados pela ciência tradicional na construção de projetos socioeducativos, como desejo, confiança, alteridade, compromisso e reciprocidade, são por ela aqui oportunamente enfatizados. A partir de suas vivências, como professora de metodologia de pesquisa, Beltrina Côrte descreve as diferentes formas com as quais podemos mirar a realidade e, portanto, fazer ciência. Em “Desafios metodológicos dos programas intergeracionais”, defendendo uma visão holística em que o objeto de estudo pode ser percebido em seu contexto, Beltrina se apoia sobre as reflexões de pensadores da intergeracionalidade como Mariano Sánchez e Juan Sáez. A autora nos traz, então, uma nova abordagem científica, mais adequada ao momento histórico em que vivemos: o pensamento relacional, proposta de superação de uma cultura do sujeito para uma cultura das relações.

O que significa conviver? Qual é o sentido e a possibilidade de convivência em uma época atravessada pelo individualismo e pragmatismo? Essas são questões formuladas por Cláudia Soares de Oliveira com o artigo “Empreendedorismo Social Intergeracional: alavanca do desenvolvimento socioeconômico local”. Nele, a autora defende as propostas do empreendedorismo social, concebido como ferramenta para a emancipação e a conquista da cidadania de jovens e velhos e para o desenvolvimento da solidariedade entre as gerações.

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possibilidades de uma coeducação de gerações. Clotilde analisa os efeitos positivos que tais encontros promovem para idosos e crianças neles envolvidos por meio de suas observações decorrentes do acompanhamento de programas intergeracionais nos centros de atendimento SESC em vários estados brasileiros.

A fragilidade dos laços sociais na sociedade contemporânea é objeto de reflexão de Kátia Saraiva em “Projeto de Lazer Intergeracional ‘Sacudindo a Memória’: promovendo encontros intergeracionais na universidade”. A autora constata que a atual conjuntura cultural e econômica em que vivemos empobrece sobremaneira a troca de experiências entre as gerações. Como contraponto, descreve as atividades culturais e de lazer, junto a idosos e estudantes de psicologia que vem coordenando. Entre outros resultados positivos alcançados, destaca-se a criação, nas dependências da universidade, de um espaço que enseja a emergência de relações criativas, produtivas e marcadas pela amizade.

Em “Programas Intergeracionais: a experiência do SESC Minas Gerais”, Gláucia Santos destaca a importância do trabalho em grupo pelos efeitos positivos sobre os participantes, decorrentes do desenvolvimento da capacidade de cada um respeitar as diferenças dos outros. A autora relata uma experiência vivida por ela no SESC em que idosos frequentadores da instituição desenvolveram atividades manuais junto a jovens infratoras internas do Centro de Reeducação São Jerônimo em Belo Horizonte, que cumprem medidas socioeducativas em regime fechado.

“A cooperação como estratégia em práticas intergeracionais” é a contribuição de Cristina Lima. Baseada em sua pesquisa para dissertação de mestrado, ela reflete sobre a importância do incentivo ao bom convívio e da cooperação entre as gerações, na perspectiva de uma sociedade para todas as idades. O caminho por ela escolhido tem sido as atividades culturais e de lazer no âmbito da educação não formal, promovidas pelo SESC São Paulo.

Divina de Fátima dos Santos; Ceneide Maria de Oliveira Cerveny; Nadia Dumara Ruiz Silveira em “Vivendo, escrevendo e reescrevendo a vida: encontros intergeracionais” descrevem uma rica experiência de troca de cartas entre idosos e crianças. As pesquisadoras analisam os vários benefícios propiciados às gerações envolvidas por essa atividade. Numa era de comunicações rápidas e de contatos superficiais como a que vivemos, certa lentificação no preparo do que se quer dizer ao outro, pode ensejar um momento de reflexão sobre si e sobre o destinatário de nossa mensagem, tornando nossas relações mais responsáveis, conscientes e profundas.

Essas são as ricas contribuições que aqui reunimos. Quero expressar minha alegria em reunir um grupo tão especial de pensadores e atores do universo das relações intergeracionais. Como sabemos, trata-se de um campo novo de conhecimento na área das relações humanas, portanto, pouco explorado e,

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creio, muito promissor para o desenvolvimento de ferramentas de ações junto à família e a outras comunidades, como escola, trabalho e vizinhança.

Por fim, um lembrete sobre nossa responsabilidade. Nós, adultos, temos de enfrentar corajosamente o desafio de transmitir nosso legado cultural aos jovens para que eles prossigam a construção do mundo. Mas, ao fazê-lo, devemos ter o cuidado de não restringirmos a capacidade que tem as novas gerações de trazer a novidade e a esperança de dias melhores para a vida humana e para todas as demais formas de vida que conosco compartilham este planeta, que, aliás, deve ser igualmente bem tratado, pois também é um ser vivo.

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José Carlos Ferrigno é Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Especialista em Programas Intergeracionais pela Universidade de Granada. Professor convidado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, do Instituto Sedes Sapientiae, do Centro Universitário São Camilo e da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Autor do livro Coeducação entre Gerações (Edições SESC SP). E-mail:

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