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As representações culturais das crianças e o papel do Educador Social

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Academic year: 2021

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Palavras-chave:educação intercultural; representações cultu-rais; análise do desenho infantil.

Resumo

Vivendo numa sociedade pluricultural, é pertinente analisar até que ponto existe aceitação na relação com o Outro. Desta forma, é importante reflectir acerca de conceitos como representações e estereótipos, pois estes são construções interpessoais, que se manifestam e transformam ao longo da interacção entre grupos socio-culturais.

Propomos, neste estudo, diversos tipos de técnicas de recolha de dados de representações, nomeadamente: os inquéritos, as entrevistas, a análise conversacional e a análise de desenhos. No entanto, vamos centrar a nossa atenção na abordagem tematizada de Vasseur (2001), analisando as representações culturais que as crianças do ATL de Santo Ildefonso têm no que respeita aos diver-sos povos, suas características e os locais onde estes habi-tam.

Centramos também a nossa atenção no papel do educa-dor social, sendo este aquele que deve inventariar de que forma as crianças representam o Outro, procurando sempre eliminar as representações discriminatórias e estereotipadas e cultivando as representações que favo-recem o relacionamento e comunicação com o outro.

Introdução

Sendo a nossa sociedade pluricultural e plurilingue, é per-tinente analisar até que ponto existe ou não aceitação na relação com o Outro e de que forma se manifestam estas relações delimitadas pela diferença, sentidas através da

representação que se faz do Outro, povo, cultura e própria situação comunicativa.

Desta forma, neste estudo, iremos centrar a nossa atenção nas representações culturais das crianças em ATL, de forma a inventariar possibilidades de análise das repre-sentações que têm de outras etnias, países, povo ou grupo. Neste sentido, vamos reflectir acerca das competências que o Educador Social terá de adquirir, no sentido de promover relações interculturais entre crianças de ATL, tentando perceber de que forma a formação intercultu-ral se torna numa peça fundamental na integração social das crianças de diversas culturas.

Por uma pedagogia intercultural

No nosso país, o princípio da igualdade está contem-plado desde 1976 na Constituição da República Portu-guesa (Art.13), e é reforçado ao nível escolar com a promoção da educação multicultural na LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo), dirigida ao seguintes gru-pos de crianças e jovens: as crianças ditas “especiais”, ou seja, “indivíduos com deficiências físicas e mentais” (Art.17º e 18º) e os jovens filhos de ex-emigrantes por-tugueses, a quem “devem ser criadas condições que faci-litem […] a sua integração no sistema educativo” (Art. 63, nº4) (Souta, 1995, pp. 55).

Também na Declaração sobre Raça e Preconceitos Raciais está

contemplado o direito que todos os grupos têm à sua identidade cultural: “direito de todos os grupos huma-nos à identidade cultural e ao desenvolvimento da sua própria vida cultural no contexto nacional e internacio-nal.” (UNESCO, 1978). Posto isto, podemos referir que há um reconhecimento da diversidade cultural como algo enriquecedor, contudo há também que ir mais além da multiculturalidade, promovendo a interculturali-dade, como Demétrio (1994:81-82) refere:

As representações culturais das crianças e o papel do

Educador Social

Mário Cruz, Elsa Alves, Márcia Oliveira, Orlanda Bastos, Sandra Mateus Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti

marioruicruz@esepf.pt · s2001043@esepf.pt s2001286@esepf.pt · s2001101@esepf.pt s2001154@esepf.pt

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“Na realidade tudo o que se faz referência à multietnicidade e à multicul-turalidade não requer um projecto educativo, porque ela é intrínseca nas fenomenologias históricas, nos processos de imigração irreversíveis que vivemos hoje e que temos sempre vivido. Todavia, no momento em que pensamos na interculturalidade na escola, nas praças, nos bairros e nas cidades, emerge a dimensão projectual. Se a nossa atitude é apenas multi-cultural, de tolerância em relação aos outros nichos, é pouco demais. Trata-se de ir além da tolerância como valor. Trata-se de caminhar em direcção a uma perspectiva de interculturalidade viva e inevitavelmente projectual.”

Sendo assim, podemos referir que o educador na elabo-ração de projectos deve procurar trabalhar com base numa pedagogia intercultural, ou seja, promover a inte-gração e relação entre pessoas de culturas diferentes, tendo em conta não apenas uma coabitação de diferen-ças culturais, mas um enriquecimento mútuo construído nas relações baseadas nas diferenças culturais e linguís-ticas. Como Aguado (2003:1) refere:

“La Pedagogia Intercultural situa las variables culturales en el centro de toda reflexión sobre la educación. Asume un enfoque diferencial que cues-tiona visiones restrictivas y marginalizadoras en la definición de grupos e indivíduos en función de sus características culturales. Se propone ayudar a “deconstruir” las visiones esencialistas de la identidad y de la cultura, a luchar contra la “etnización” forzada del outro que lleva a encerrarle en una visón caricaturesca”.

Para os educadores, a interculturalidade pode ser vista como um modo do grupo social ver e interagir com a realidade. Este pode promover a interculturalidade de modo a que o grupo possa compreender a realidade e ter diferentes pontos de vista sobre a mesma, como por exemplo, procurar promover a opinião individual de cada um fazendo com que estes não se deixem influen-ciar pelas opiniões que os outros têm acerca das mino-rias étnicas. Esta influência exercida sobre as crianças parte normalmente dos colegas, que por sua vez estão

influenciados pelos seus pais que representam as crian-ças de minorias étnicas como sendo problemáticas, (cf. Nicolau, 2004).

A interculturalidade torna-se mais importante na medida em que esta não se resume à relação entre culturas. Esta refere-se à relação entre pessoas de diferentes culturas. Isto acontece porque cada pessoa contribui para a criação da cultura, que não existe por si só, pois as culturas são saberes de grupos históricos, dos quais jamais podem ser separadas (Fleuri, 2001:53), daí que possamos dizer que os Educadores devem dar atenção à cultura de cada um. Contudo, deve-se também dar especial atenção à relação que é estabelecida entre as pessoas. Esta relação entre as pessoas de diferentes etnias, fomenta, assim, o cresci-mento do sujeito em relação ao conhecicresci-mento do mundo, uma vez que este está em contacto com culturas que têm valores, costumes e crenças diferentes da sua cultura. Esta interacção cultural pode levar a “[…] uma oportuni-dade de crescimento da cultura pessoal de cada um, assim como de mudança das relações sociais, na pers-pectiva de mudar tudo aquilo que impede a construção de uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária” (Nanni, 1998:55).

Para que isto aconteça é preciso que surjam pelo menos três mudanças no sistema educativo. Desta forma, a pri-meira mudança refere-se à realização do princípio da igualdade de oportunidades, ou seja que as pessoas não sejam tratadas de modo desigual só pelo simples facto de pertencerem a uma outra cultura. A segunda mudança está relacionada com a reelaboração do material didác-tico, ou seja, acabar com o carácter monocultural dos recursos que mobilizamos para educar (cf. Nanni, 1998:51-55). Por último, tem que se fazer sentir uma mudança ao nível da formação e requalificação dos cadores, isto é, pretende-se alterar a forma como os edu-cadores têm vindo a actuar até agora: ”(…) o que está em jogo na formação dos educadores é a superação da pers-pectiva monocultural e etnocêntrica que configura os

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modos tradicionais e consolidados a educar, a mentali-dade pessoal, os modos de se relacionar com os outros, de actuar nas situações concretas” (Nanni, 1998:51-55). Podemos referir ainda que, uma vez que há uma interacção entre as pessoas e as culturas, os educadores podem traba-lhar no sentido de promover os valores, costumes, crenças das outras culturas, promovendo ainda o desenvolvimento cultural das crianças e até mesmo da sociedade.

Para além disto, pode-se ainda proporcionar às crianças instrumentos que mostrem as diferentes realidades socioculturais, incentivando-os assim a combater o pre-conceito e estereótipo para que estas tenham uma ati-tude mais positiva face as minorias étnicas (cf. Nicolau, 2004). Centremos, agora, a nossa atenção no processo de construção de representações por parte da criança.

Representações culturais das crianças

A infância é uma etapa de introdução da criança na vida social. Assim sendo, o grupo que a rodeia, a família e todo o meio envolvente são para ela o real e o motor que confi-gura os seus comportamentos. Estando o real interiorizado na mente da criança, esta começa a fazer a distinção entre o real e o imaginário

O imaginário pode ser definido como tudo aquilo que a criança capta do real, alvo das suas próprias construções e modificações, ou seja, a forma como ela projecta o real, de acordo com os próprios desejos e receios, ou seja, o imaginário é o trajecto no qual a representação do objecto se deixa assimilar e modelar pelos imperativos sociais do sujeito (cf. Virel, 1977). Podemos, então,

refe-rir que o imaginário é a forma que a criança encontra para fazer a junção do emotivo ao real, ajudando-a na sua própria adaptação ao meio.

Na perspectiva de Ribot (1900), a imaginação surge como função psicológica, sendo esta associada a

proces-sos afectivos (desejos e emoções) de forma análoga e metafórica. As motivações da imaginação encontram-se na “necessidade irresistível que o homem sente de reflec-tir e reproduzir a sua natureza no mundo”: por um lado, temos o imaginário e a forma como eu o expresso no desenrolar do quotidiano, através de acções, atitudes e mesmo em pensamentos que dão origem a certos com-portamentos; por outro lado, temos o próprio conheci-mento objectivo que faz parte do real.

Concluindo, pode-se mesmo dizer que o imaginário se revela através das atitudes e comportamentos, manifes-tando as representações aparentemente inconscientes de um dado sujeito face ao real. Convém agora reflectirmos acerca do conceito de representação, que pode ser defi-nido como um mecanismo psicossociológico de grande importância, pois funciona como instrumento de per-cepção, socialização e mesmo de comunicação. A repre-sentação, proveniente do nosso imaginário, contribui para as relações que cada indivíduo estabelece com as diversas etnias, países, povos ou grupos.

As representações, como construções interpessoais, não podem ser consideradas objectos isolados e estáveis, pois manifestam-se e podem transformar-se ao longo da inte-racção entre diversos grupos socio-culturais: “les repré-sentations, (...) émergent se manifestent et peuvent se transformer au cours des interactions dans des dialogues qui les révèlent” (Vasseur, 2001: 135).

Neste sentido, pode-se falar em pré-representações, ou seja, ideias já formadas e inalteráveis, e co-representa-ções (cf. Gajo, 2000), ideias estas que vão mudando com as novas aprendizagens e com a comunicação e interacção com os outros. A auto-representação de cada indivíduo, ao nível da linguagem, da cultura e da socie-dade é muito importante na comunicação com indiví-duos de outros grupos, pois é através desta interacção, que os outros constroem as suas representações (cf. Cruz & Melo, 2004).

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Metodologias de análise das

representações das crianças

Para se observar o tipo de representações que as crianças têm, de modo a perceber qual a aceitação da diversidade, poderão ser usadas diversas técnicas de recolha de dados, entre outras os inquéritos, as entrevistas, a análise conversacional e a análise de desenhos.

Uma das técnisas usadas é a observação de interacções, ou seja, situações conversacionais, nas quais se faz sentir um posicionamento dos indivíduos face tanto ao tópico conversacional, como à cultura e/ou língua do Outro. Numa perspectiva Sociolinguística, esta construção dia-lógica de representações é resultado de tensões constan-tes entre pré-representações e co-representações. A isto chamamos de imaginário dialógico, que é marcado pelo conjunto de ideias que cada indivíduo tem manifes-tando-se de forma espontânea e intuitiva na relação com o Outro, já que ambos vão influenciar, construir e reconstruir as suas representações iniciais e assim desen-volver a sua forma própria de olhar o mundo e todo o meio envolvente.

Assim, a criança, na relação activa com o meio envolvente, atribui significações às suas descobertas e é nas suas inte-racções com o Outro que vai comunicando e desenvol-vendo a sua personalidade. Deste modo, a representação é encarada hoje como mediador entre as interacções do psí-quico e social no desenvolvimento da criança.

São vários os autores que se debruçam sobre o papel da representação na interacção da criança com o meio, entre eles encontra-se Pierre Tap (citado por Chombart de Lauwe, et al., 1989:324), autor contemporâneo, que

defende que as representações intervêm desde muito cedo no desenvolvimento da criança, referindo ainda que “a especificidade dos fenómenos psíquicos está cen-trada na interioridade, logo, a representação define o dentro da experiência” (Widlocher, citado por Chom-bart de Lauwe, et al., 1989:325).

Outra das formas de análise das representações das crianças face ao Outro é o desenho infantil, que é uma metodologia mais ligada à Psicologia social. A criança, ao ser confrontada com as informações provenientes do meio, forma uma imagem mental que “n’est pas la récep-tion et la perceprécep-tion (...), mais la trace mnémonique qui subsiste et l’intériorisation des représentations offertes par les adultes” (Chombart de Lauwe, 1986:107). Desta forma, o desenho infantil é bastante relevante nesta investigação pois “longe de constituir meio de expressão original não passa de uma escrita que repete um aconte-cimento que já lá se encontra” (F.Olivier, 1974, citado por Bruno Duborgel 1992:179), ilustrando e retratando deste modo representações que as crianças têm, neste caso em relação à diversidade cultural.

Vasseur (2001) propõe dois tipos de metodologias para proceder à análise das representações das crianças em desenho: a abordagem tematizada e a abordagem não tematizada. A abordagem tematizada privilegia o conteúdo,

considerando os desenhos e os seus aspectos expressivos como um valor absoluto que permite explicar as compe-tências próprias, analisando as representações com a fina-lidade de compreender o sistema de organização do mundo representativo das crianças, influenciado pelos conheci-mentos escolares ou as suas experiências familiares e sociais. O tipo de abordagem não tematizadatem objectivos um

pouco diferentes, estando patente o interesse pela heterogeneidade e complexidade das interacções, ou seja: centra --se nos efeitos dos desenhos que as crianças produzem, procura perceber a natureza dinâmica das representações e tem em vista a esquematização de actividades educativas destinadas a favorecer um trabalho de reconstrução destas mesmas imagens.

Ao analisar-se desenhos de crianças compreende-se as percepções que as crianças têm de estatutos e funções do Outro. Para além disso, as imagens problematizam e dão a observar não apenas a relação entre as crianças estran-geiras, mas também entre eles próprios e a sua própria

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identidade, uma vez que as imagens dos outros são cons-titutivas dos nossos processos de identidade.

As imagens destinam-se não a inventar, a produzir, a transformar e a criar, mas sim, a imitar, descrever e a decalcar uma realidade relacionando sempre três con-ceitos: a observação, a realidade e a descrição. Desta forma, são consideradas reproduções daquilo que somos e do mundo em que vivemos, tornando-se desta forma a sua análise bastante importante, já que, através destas, as crianças irão descrever atitudes e comportamentos que poderão traduzir o afastamento ou a proximidade entre crianças de outras culturas, que poderão mesmo resultar em obstáculos à comunicação intercultural. Vejamos quais são estas representações através dum estudo de caso com crianças em ATL.

As representações culturais das crianças

em ATL: um estudo com crianças do

ATL de Santo Ildefonso

O estudo de caso que aqui expomos foi desenvolvido com um grupo de crianças, de ambos os sexos e com ida-des compreendidas entre os 8 e os 11 anos, que frequen-tam o ATL de Santo Ildefonso. A pertinência da escolha desta instituição deveu-se ao facto de ser notória a exis-tência de uma diversidade de culturas, já que temos pre-sentes crianças de nacionalidades portuguesa, brasileira, indiana e cabo-verdiana. Para além do referido anterior-mente, também tivemos o conhecimento prévio da anterior implementação de um projecto de intervenção, por Educadores Sociais, nesta mesma área, sendo este muito bem aceite pelos educadores, pelos familiares e principalmente pelas crianças. Desta forma, não houve qualquer obstáculo à realização desta investigação. Posto isto, através do desenho procurámos inventariar as representações culturais existentes ao nível individual,

fazendo assim uma pequena reflexão sobre as caracterís-ticas evidenciadas pelas crianças no que respeita às cul-tura(s) brasileira(s), indiana(s) e africana(s), ou seja, centrámos a nossa atenção na abordagem tematizada de Vasseur (2001). Desta forma, pedimos ao grupo de crianças que elaborassem um desenho individual tendo em conta as seguintes instruções:

1. Faz um desenho onde nos mostres como vive o povo de África;

2. Imagina que vais ao Brasil. Faz um desenho sobre aquilo que tu pensas que vais encontrar;

3. Pensa que és um menino indiano e faz um desenho. Após a elaboração dos mesmos, detectamos logo à par-tida algumas representações por parte das crianças. Seleccionámos aqui três ilustrações que nos parecem interessantes do ponto de vista de análise.

Relativamente à ilustração 1, verificamos que o desenho aqui retratado coloca em evidência algumas representa-ções sobre o povo africano, que talvez sejam fruto de imagens televisivas, desenhos animados ou então histó-rias ouvidas pela criança, que influenciam a maneira como vêem os outros.

Parece-nos que esta criança faz uma associação do povo africano a tribos, desconhecendo as semelhanças entre eles e nós. O seu desenho é bas-tante claro e coloca em evi-dência a sobrevivência do povo através da caça de ani-mais, utilizando objectos sim-ples, nada inovadores para a época na qual vivemos, como a lança com cabo e ponta afiada.

Ilustração 1: Desenho de uma criança com 11 anos sobre o modo como vive o povo africano

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Também no que se refere às roupas utilizadas, parece -nos que a criança representa África como um local com tem-peraturas elevadas e, desta forma, para ela o ser humano usa apenas uma tanga e não usa qualquer tipo de calçado. O facto de a criança ter desenhado o cabelo curto e encaracolado não é algo admirável pois o cabelo grisalho, tipo “carapinha”, é uma das características generalizadas e estereotipadas do povo africano pelo povo português. É de realçar também a ausência de cor no desenho, fac-tor que nos dá a entendere que há alguma alienação por parte da criança para com a cultura africana.

No que se refere às representações culturais do Brasil, estas também são estereotipadas, como percebemos pela ilustra-ção 2. Em relailustra-ção a este desenho, podemos dizer que a criança possivelmente imagina o Brasil como um local onde predomina o sol, o calor e a praia. Pensamos que estas representações sejam fruto das telenovelas e ima-gens transmitidas pela televisão ou mesmo influência de revistas que divulguem o que o país tem de atractivo para desenvolver o turismo. Por este motivo, talvez seja justi-ficada a tendência desta criança para direccionar unica-mente o Brasil para a praia e para o clima tropical.

Ilustração 2: Desenho de uma criança com 9 anos sobre aquilo que pensa que vai encontrar no Brasil

Ilustração 3: Desenho de uma criança com 9 anos sobre aquilo que pensa que vai encontrar no Brasil

Contudo, na ilustração 3, temos outro tipo de percep-ções, pois detectamos uma mudança nas representações que as crianças têm em relação ao Brasil. Nesta ilustra-ção, a criança já demonstra um maior interesse pela flo-resta, destacando a Amazónia para demonstrar aquilo que pensava que poderia encontrar no Brasil, colocando em evidência uma grande extensão de verdura e grandes montes com pássaros a voar. O facto da criança não ter representado a praia, não foi percepcionado por nós como uma falta de conhecimento, mas sim o despertar de interesses pelo outro lado do Brasil, tendo gosto em nos revelar o que sabe para além daquilo que é constan-temente falado acerca do país.

Quanto à última questão, as crianças desenharam um menino indiano representando-o como uma criança de pele vermelha, uma vez que os contornos do corpo foram feitos a vermelho, ou talvez as cores utilizadas queiram demonstrar a vivacidade da vida dos meninos indianos, a alegria deste povo (ilustração 4). O contraste das cores utilizadas, vermelho e cor-de-rosa, também nos podem induzir para uma ligação com o Oriente, com o uso de cores fortes. Contudo, podemos pensar que a criança confunde o conceito de indiano com índio.

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O desenho efectuado não foi realizado com nenhum contexto específico, visto que, como podemos analisar, a criança indiana está sozinha. Esta atitude por parte de desenhador pode demonstrar um desconhecimento do meio ou a ideia de que estes vivem um pouco afastados do nosso meio social (considerado talvez pela criança mais desenvolvido em comparação com a Índia).

Ilustração 4: Desenho de uma criança com 9 anos sobre aquilo que pensa sobre os meninos indianos

Tendo analisado estas ilustrações, estamos em condições de fazer o balanço deste estudo, realçando o papel do educador social perante estas imagens estereotipadas do Outro.

Considerações finais

Vimos aqui que a educação intercultural pode ser entendida como um processo multidimensional, de interacção entre sujeitos de identidades culturais dife-rentes, que, através do encontro intercultural, vivem uma experiência profunda e complexa de conflito/aco-lhimento.

Concluímos, então, que a educação intercultural ultra --passa a educação multicultural na medida em que reco-nhece o valor de cada cultura e “[…] corresponde a uma política, a uma pedagogia, a uma atitude, a uma constru-ção a edificar para uma escola mais democrática e para uma sociedade da não uniformização do cidadão como moeda única (…)” (Vieira, 1995:145).

Desta forma, cabe ao Educador Social organizar e gerir um processo que promova o desenvolvimento de compe-tências interculturais nas crianças, procurando: reforçar o valor da diversidade cultural; eliminar os preconceitos e a discriminação face aos grupos minoritários; favorecer a igualdade de oportunidades e de justiça social para todos; valorizar as características do grupo de pertença de todas as crianças (normas de convivência, relações entre os membros, costumes, valores, língua, religião, etc.); criar actividades de grupo, baseadas num comportamento construtivo, responsável e solidário; promover o inter-câmbio com alunos/jovens de outras comunidades, cul-turas, religiões, etnias ou países, nomeadamente dos países europeus, que possibilite o conhecimento recí-proco da respectiva história e património histórico-cul-tural e linguístico; e, por último, desenvolver o espírito crítico das crianças relativamente às injustiças sociais. Sendo assim, é importante perceber de que forma as crianças representam o Outro, procurando sempre eli-minar as representações discriminatórias e estereotipa-das e cultivando as representações que favorecem o relacionamento e comunicação com o outro.

Esta formação do Educador Social visa o desenvolvi-mento constante de uma atitude de investigação que leva à aquisição de diferentes conteúdos e também à aquisição de um conhecimento e de práticas de métodos de pesquisa, baseados na investigação-acção, uma vez que esta favorece o desenvolvimento do Educador ao nível da interrogação e da análise critica face à realidade, mas também a nível da intervenção face aos problemas que vão surgindo na realidade em que este se insere.

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Referências Bibliográficas

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Imagem

Ilustração 2: Desenho de uma criança com 9 anos sobre aquilo que pensa que vai encontrar no Brasil
Ilustração 4: Desenho de uma criança com 9 anos sobre aquilo que pensa sobre os meninos indianos

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