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Comportamento de dominância e as interações sociais no cão

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Academic year: 2021

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Comportamento de Dominância e as

Interações Sociais no Cão

Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Vânia Cristina Ferreira da Costa

Orientadora: Professora Doutora Rita Payan Carreira Coorientadora: Doutora Mónica Roriz

Vila Real, 2015

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Comportamento de Dominância e as

Interações Sociais no Cão

Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Vânia Cristina Ferreira da Costa

Orientadora: Professora Doutora Rita Payan Carreira Coorientadora: Doutora Mónica Roriz

Composição do Júri: Professora Doutora Cristina MariaTeixeira Saraiva Professora Doutora Justina Maria Prada Oliveira

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“As doutrinas apresentadas no presente trabalho são da responsabilidade exclusiva do autor.”

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Dedicatória e Agradecimentos

À Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro por todos os recursos que me forneceu durante cinco anos de estudo e durante o período de estágio, em especial à Professora Doutora Rita Payan Carreira, que aceitou orientar a elaboração da presente dissertação de mestrado, mesmo que o tema não seja dentro da sua área de estudo.

Um grande obrigado à Doutora Mónica Roriz por aceitar coorientar esta dissertação e por se demonstrar sempre disponível para ajudar.

Ao Doutor Carlos Sousa e a toda a equipa do Hospital Veterinário da Póvoa. Às médicas veterinárias Renata Pinto, Sandra Araújo e Daniela Cardoso, ao médico veterinário Paulo Carvalho, e às auxiliares Fátima Silva, Liliana Aguiar e Cláudia Dias, o meu eterno agradecimento por uns dez meses de estágio inesquecíveis que irão marcar para sempre a minha vida profissional e que fizeram de mim uma pessoa e veterinária melhor. Obrigada por todos os ensinamentos, pela paciência, pelas gargalhadas, pelo apoio e pelos conselhos.

À Joana Silva, Céu Marques e Joana Ferreira, por serem o reflexo da verdadeira amizade, por estarem sempre lá, seja longe ou perto, e por estarem sempre prontas para umas boas rizadas, como nos velhos tempos. À Rute Oliveira, por ser o que faltava no meu percurso académico, ainda que nenhuma de nós soubesse.

A todos os meus amigos de curso, a viagem começou e acaba com a vossa companhia.

Aos meus pais, Alice Costa e Carlos Costa, por permitirem o início desta viagem, por sempre acreditarem e mim e no meu futuro, e por sempre me apoiarem mesmo sabendo que voarei para longe.

Ao meu namorado Tiago Lourenço, por trazer à superfície o melhor de mim. Por lutar por nós e continuar a meu lado depois de tudo o que passamos. Por ser o meu terceiro orientador e aturar os meus momentos de loucura quando apenas lhe deveria agradecer. Obrigada por tudo. Está quase.

A todos os animais que marcaram ou apenas passaram pela minha vida, em especial aos melhores amigos do Homem, os Cães. Ao Ruca, Becas, Ága e Moka, por me fazerem lembrar todos os dias o porquê da escolha deste caminho.

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“Dogs have a way of finding the people who need them, filling an emptiness we don't even know we have” - Thom Jones

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Resumo

Embora já existam evidências que apontem o contrário, os cães continuam a ser vistos como animais de matilha que se agrupam em hierarquias sociais estritas e que respondem a treinos baseados na dominância-submissão. A teoria da matilha, como método de treino canino, viu a sua difusão crescer e ganhar seguidores nas últimas décadas do século vinte. Esta teoria realçou que o cão é um animal dominante que constantemente tentará disputar a posição de “líder da matilha” com o seu proprietário. Assim, quase todos os comportamentos indesejados do cão que vão contra a vontade do proprietário, como a agressividade, são associados à dominância e a uma hierarquia incorreta dentro de casa.

Porém, foram surgindo recentemente opiniões e trabalhos que contestam a veracidade de tal teoria. Alguns profissionais questionaram os benefícios do uso do conceito de dominância no diagnóstico e tratamento de cães que manifestaram agressividade, baseando-me nos seguintes pressupostos: a dominância é uma característica da relação entre dois indivíduos, e não um traço da sua personalidade, pelo que não devemos catalogar um individuo como dominante; a teoria da matilha encontra o seu fundamento em estudos desatualizados de lobos, e parte também do pressuposto que o comportamento dos lobos foi pouco alterado com a domesticação; a dominância não deve ser vista como algo que irá determinar a relação que temos com os nossos cães. Os comportamentos mais desejáveis são facilmente alcançados e moldados através do reforço positivo e da aprendizagem associativa, não sendo necessário estabelecer hierarquias ou forçar o animal à submissão. Uma fixação com o conceito de dominância pode acarretar consequências negativas para a relação entre o proprietário e o seu cão.

A análise das respostas obtidas num questionário realizado a 310 proprietários de cães, permitiu concluir que teoria da matilha e o conceito de líder da matilha são bastante difundidos e colocados em prática. A televisão foi o meio que mais contribuiu para divulgar esta informação entre os proprietários, embora os médicos veterinários também tenham contribuído significativamente. A maioria dos inquiridos concordou com os fundamentos e regras da matilha mas, os métodos mais agressivos como o “alpha-roll” foram os menos aplicados. Felizmente, a frequência de inquiridos que associou a dominância à agressividade foi inferior à esperada, e do total de inquiridos que afirmaram conhecer a teoria da matilha, uma percentagem significativa não concordou ou duvidou da mesma. O reforço positivo tem vindo a ganhar popularidade, e foi um método de treino com uma aceitação maioritária, embora não tenha sido a escolha de eleição da maioria dos proprietários face a comportamentos agressivos do seu animal.

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Os casos mais comuns de agressividade foram associados a aproximação de cães e pessoas desconhecidas, situações que beneficiavam do uso do reforço positivo, mas nas quais predominou a punição verbal. Com este estudo notou-se que a grande maioria dos inquiridos não soube identificar os sinais caninos indicativos de ansiedade ou stresse, sendo estes aqueles que antecedem um possível comportamento agonístico e que deveriam gerar uma mudança de atitude por parte dos proprietários.

Palavras-chave: comportamento canino; dominância; agressividade; teoria da matilha;

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Abstract

Although there are opposing evidences, dogs continue to be seen as pack animals, grouped in social strict hierarchies, and responding to training based on dominance-submission. In the last decades of the twentieth century, the Theory of the pack, a method of canine training, has grown and gained followers. This theory emphasized the dog as a dominant animal that constantly attempts to dispute the position of "leader of the pack" with its owner. Consequently, the majority of unwanted dog behaviours that go against the will of the owner, such as aggression, are associated with dominance and a erroneous hierarchy within the house.

However, reviews and essays disputing the veracity of this theory have recently emerged, questioning the benefits for the use of the dominance concept in the diagnosis and treatment of dogs that express aggression, based on the following assumptions: the dominance is a characteristic issued from a relationship among two individuals and not a trace of their personality, so it is wrong to catalogue an individual as dominant; Pack theory emerge from out-dated studies in wolves as well as in the assumption that wolf behaviour was retained throughout domestication; the dominance should not be regarded as determinant of the relationship to be established with dogs. The most desirable behaviours are easily reached and shaped through positive reinforcement and associative learning, thus making unnecessary to establish hierarchies or forcing the animal into submission. A fixation on the dominance concept may lead to negative consequences to the owner-dog relationship.

The answers obtained through a questionnaire passed to 310 owners of dogs, showed that the Pack theory and the concept of leader of the pack are widely spread and used in practice. Television was the medium that most provides that information to owners, despite veterinarians also contribute significantly to it. The majority of respondents agreed with the pack fundamentals and rules, but more aggressive methods such as the "alpha roll" are still the less used. Fortunately, the rate of respondents who associate dominance with aggression was lower than the expected, and from the total number of respondents who know the Theory of the pack, a significant percentage did not agree or doubted it. The positive reinforcement has steadily gaining popularity, and became a training method with a large number of adepts, although not the choice of the majority of owners when existing pet aggressive behaviours. The most common causes for aggression were associated with the approach between dogs and people, situations that would benefit from the use of positive reinforcement when, contrasting, more frequently predominated the verbal punishment. With this study it was also verified that the majority

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of respondents didn’t know how to identify the signs of canine anxiety or stress, which precede a possible agonistic behaviour and should generate a change of attitude from the owners.

Keywords: canine behaviour; dominance; aggression; Theory of the Pack; Wolf; positive

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Índice Geral

DEDICATÓRIA E AGRADECIMENTOS RESUMO ………... ABSTRACT ……….. ÍNDICE GERAL ……… ÍNDICE DE FIGURAS ….……… ÍNDICE DE TABELAS ……… ÍNDICE DE GRÁFICOS ……….. LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS, SÍMBOLOS E ACRÓNIMOS …………... 1. Introdução ……….. 2. Revisão da Literatura ………..

2.1 Teoria da matilha ……… 2.2 Conceito de dominância ……… 2.2.1 Dominância e a agressividade ……… 2.2.2 A dominância aplicada às relações ……… 2.3 O Lobo (Canis lupus) ………... 2.3.1 Bases comportamentais no lobo ……… 2.3.2 Dominância e submissão entre membros da matilha ………. 2.3.3 Comparação comportamental entre o lobo e o cão .……….. 2.4 O cão doméstico (Canis familiaris) ………...

2.4.1 Uma espécie distinta? ……….

2.4.2 Grupos e relações sociais nos cães ……….. 2.4.2.1 Cãe vadios ...……….…………. 2.4.2.2 Cães de companhia .………. 2.4.3 Estratégias de comunicação canina .………. 2.5 Teoria da matilha – O Fim .………. 2.6 Condicionamento Operante (Instrumental) ………

3. Componente Prática ………... 3.1 Objetivos .………... 3.2 Material e Métodos .……… 3.2.1 Análise Estatística ………... 3.3 Resultados e Discussão ……… 3.3.1 Caraterização da população ……….. 3.3.2 Socialização ………. 3.3.3 Dominância ………... 3.3.4 Teoria da matilha ………..……… III V VII IX XI XI XII XIII 1 3 3 7 7 11 15 16 19 20 23 23 24 24 27 31 39 43 45 45 47 48 49 49 51 53 55

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x 3.3.5 Reforço Positivo ……… 3.3.6 Sinais de apaziguamento ……… 3.3.7 Agressividade ………... 4. Considerações Finais ………. Bibliografia ………...……… Webliografia ………..………..… Anexos ……….. 63 65 67 73 75 80 83

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Índice de Figuras

Figura 1: “The Ladder of Agression” – Como um cão reage ao stresse ou a

uma ameaça ……….. 33

Figura 2: Posturas caninas ………... 37

Índice de Tabelas

Tabela 1: Perfil dos inquiridos ……… 49

Tabela 2: Perfil dos cães abrangidos pelo questionário ……… 50

Tabela 3: Frequência de cães com doença diagnosticada pelo médico

veterinário no último ano ……….. 51

Tabela 4: Idade com que os cães dos inquiridos foram adquiridos (em

semanas) ……… 51

Tabela 5: Frequência de respostas à questão “O seu animal foi

corretamente socializado entre a 3ª e a 12ª semana de vida?” ….. 52

Tabela 6: Idade com que os cães não socializados foram adquiridos ……… 52

Tabela 7: Frequência de inquiridos que afirmam terem testemunhado comportamento dominante no seu cão e frequência de inquiridos

que associam a dominância à agressividade ……… 53

Tabela 8: Associação pelo proprietário entre a dominância e agressividade e efeito desta associação na expressão de comportamento

dominante pelo seu cão ..………. 54

Tabela 9: Influência do sexo do animal na manifestação de comportamento

dominante ……….………. 54

Tabela 10: Frequência de inquiridos que têm conhecimento da existência da

“Teoria da matilha” ou do conceito “ Líder da matilha” usados no

treino canino ……….. 55

Tabela 11: Frequência de inquiridos que sabem quais são os princípios ou

regras da matilha ………...…… 57

Tabela 12: Frequência de inquiridos que concordam com a veracidade e

aplicabilidade das regras da matilha ……….. 58

Tabela 13: Frequência de inquiridos que aplicam alguma(s) da(s) regra(s) da

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Tabela 14: Frequência de inquiridos que concordam com os conceitos da

matilha, dentro dos inquiridos que aplicam algumas das regras … 60

Tabela 15: Frequência de inquiridos que afirmam que o comportamento do

cão melhorou após aplicarem algumas regras da matilha

(excluindo os casos em que os proprietários procuravam apenas

um bom relacionamento com o seu cão) ……… 62

Tabela 16: Frequência de inquiridos que conhecem, acreditam e aplicam o

reforço positivo ………..……… 63

Tabela 17: Frequência de inquiridos que afirmam saber reconhecer os sinais

indicativos de ansiedade ou stresse no cão ……….. 65

Tabela 18: Identificação dos sinais indicativos de ansiedade ou stresse no

cão ………... 65

Tabela 19: Frequência de cães que manifestam agressividade ……… 68

Tabela 20: Frequência de inquiridos que recorreram a consultas especializadas de comportamento nos casos de agressividade, e frequência de cães que morderam em algum dos cenários de

agressividade ………. 69

Tabela 21: Frequência de inquiridos que recorreram a consultas

especializadas de comportamento após situações de mordedura 69

Tabela 22: Influência do peso do cão na manifestação de comportamentos

agressivos ……….………. 72

Índice de Gráficos

Gráfico 1: Fontes de divulgação da “Teoria da matilha” ou do conceito “

Líder da matilha” ……… 56

Gráfico 2: Regras da matilha mais conhecidas ………... 57

Gráfico 3: Regras da matilha mais aplicadas ……… 59

Gráfico 4: Entidades que aconselharam os inquiridos na aplicação das

regras da matilha ……… 61

Gráfico 5: Motivos que levaram os inquiridos a aplicarem as regras da

matilha ……… 61

Gráfico 6: Fontes de divulgação do treino canino com reforço positivo ……. 64

Gráfico 7: Frequência dos cenários de agressividade mais comuns …..……. 68

Gráfico 8: Frequência das atitudes dos inquiridos face a manifestações de

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Lista de abreviaturas, siglas, símbolos ou acrónimos

RRP “Rank Reduction Programns” ESS “Evolutionarily Stable Strategy”

AVSAB “American Veterinary Society of Animal Behavior” R+ Reforço Positivo

R- Reforço Negativo

C+/P+ Castigo/Punição positivos C-/P- Castigo/Punição negativos

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1. I

NTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos anos o interesse pelo comportamento e atitudes caninas tem aumentado, em paralelo com a crescente procura dos cães como animal de companhia e da necessidade de melhor nos relacionarmos com esta espécie. Foram surgindo teorias que, por intermédio de diferentes técnicas e métodos, preconizam estratégias essenciais à educação e interação entre humanos e cães. Algumas destas, como é o caso da teoria da matilha, tornaram-se populares, embora sempre acompanhadas por uma divisão de opinião quer na comunidade científica, quer do público geral. A teoria da matilha baseia-se no conceito de dominância, e pressupõe que o proprietário deve disputar a sua posição social hierárquica dentro do grupo que forma com os cães coabitantes.

Parte da comunidade veterinária questiona a existência de dominância nas interações entre o Homem e o Cão, enquanto outra defende a sua importância. Nem toda a informação disponível referente à conduta desta espécie apresenta validação científica, para além de se encontrar frequentemente dispersa e desatualizada, gerando dúvidas nos proprietários quanto às técnicas que melhor permitem interagir e educar o seu animal. Temos atualmente ao dispor técnicas de treino que permitem moldar o comportamento dos nossos cães, sem que tenhamos de considerar a existência de hierarquias, pelo que me interrogo se os modelos baseados no reforço de posições de dominância serão na realidade proveitosos ou até válidos. Será o conceito de dominância útil para o treino e educação dos cães domésticos?

Com esta dissertação pretendo explorar algumas definições de dominância frequentemente mencionadas na literatura, e analisar a sua aplicabilidade e utilidade na compreensão do comportamento do cão doméstico. Adicionalmente, foram distribuídos questionários a proprietários de cães, com o objetivo de se determinar o grau de difusão e aceitação da teoria da matilha e do reforço positivo, assim como avaliar a forma como os proprietários interpretam e reagem a dados comportamentos e atitudes agressivas dos seus canídeos.

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2. R

EVISÃO DA

L

ITERATURA

2.1 Teoria da matilha

Nos últimos anos as teorias sobre dominância social e sobre o comportamento social do lobo direcionaram os métodos de treino canino para o uso de técnicas opressivas que punem os maus comportamentos (Yin, 2007).

A teoria da matilha e/ou da dominância é frequentemente usada como método de referência de treino, e defende que os cães domésticos formam hierarquias estáveis com os cães coabitantes e com os proprietários (Mertens, 2004). Esta teoria realça que todo o agregado familiar se assume como uma matilha para o cão, organizada numa hierarquia linear caraterizada por posições sociais distintas, em que o grau superior equivale ao líder da matilha, o individuo mais dominante, e que o grau de submissão vai aumentando à medida que descemos na escala hierárquica. À luz desta teoria, o cão deve ser subordinado e os problemas de desobediência e agressividade são interpretados como uma incorreta consolidação da hierarquia, pois os conceitos de dominância e agressividade são usados como sinónimos (Mertens, 2004; Rowles, 2009; Milan, 2007; Rossi, 2002; Fogle 1990). Este modelo apresenta como solução a necessidade de o proprietário reforçar a sua posição de líder da matilha, demonstrando consistentemente ao cão que este é submisso através de várias diretrizes. Baseia-se no pressuposto de que uma matilha de lobos é um agrupamento de animais que lutam constantemente por uma posição social elevada, e que devem ser dominados por um macho e/ou uma fêmea alfa para que o ambiente seja harmonioso. Esta dinâmica social foi transposta para o cão doméstico, já que este é visto como descendente do lobo (van Kerkhove, 2004) mudando a forma como as pessoas viam a relação que tinham com os cães domésticos e tornando-a mais competitiva e tensa (Rowles, 2009).

Uma das personalidades mais conhecidas no treino canino, Cesar Millan, afirma que “ A mentalidade de matilha do seu cão é uma das grandes forças naturais que condicionam o seu comportamento. A matilha de um cão é o seu instinto natural. O instinto de matilha é o seu instinto primordial.” (cf. Millan, 2007, p.125). Millan (2007) defende que nas relações sociais dos cães não existem meios-termos, pelo que existem apenas dois papéis possíveis: liderar ou seguir, ser dominante ou submisso. Assim, o proprietário deverá manter sempre o papel de líder para que possa controlar o seu cão, porque quando não estiver apto a fazê-lo, o cão disputará essa posição apresentando comportamentos agressivos. Vários defensores desta teoria referem que os cães domésticos são animais de matilha, que a hierarquia entre cães é obrigatória e que cada cão sabe exatamente qual é a sua posição dentro do grupo (Fogle, 1990; Rossi, 2002;

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Appelbaum; 2005) Os mesmo referem várias formas de manter a posição de líder e apoiam-se em estudos de matilhas de lobos realizados no século XX, principalmente nos de Schenkel (1947) e nos de Zimen (1975) (Viselé-Jonkman, 2010). Este conceito de treino tornou-se então popular nas últimas duas décadas do século passado, e ainda hoje é usado por alguns profissionais e proprietários. A posição de líder é conseguida e mantida através de um conjunto de regras e métodos que, alegadamente, se assemelham aos que um lobo alfa executaria para manter a sua posição (Case, L., 2008). Essas mesmas são usadas como forma de treino e também no âmbito de Programas de Redução de Estatuto Social – “Rank Reduction Programs (RRP)” (Eaton, 2010). As regras da matilha variam consoante os seus seguidores, mas as mais difundidas são as seguintes:

 Os cães preservaram o seu instinto de matilha e se não forem líderes têm de ser seguidores. Se não nos afirmarmos como líderes (“pack leader”), os cães irão responder com comportamento dominante e instável (Eaton, 2010; Millan, 2007; Rowles, 2009; Viselé-Jonkman, 2010; Pageat, 1998);

 O cão só irá respeitar o proprietário se este for o líder da matilha (Millan, 2007; Rowles, 2009; Viselé-Jonkman, 2010; Rossi, 2002);

 É possível tornar-se líder de um cão dominante em qualquer fase da sua vida, e essa posição tem de ser constantemente implementada (Eaton, 2010; Millan, 2007; Rowles, 2009; Viselé-Jonkman, 2010; Rossi, 2002);

 O líder alimenta-se primeiro, portanto o cão deve ser o último a comer e esperar sempre pelo alimento (Eaton, 2010; Millan, 2007; Rowles, 2009; Viselé-Jonkman, 2010; Rossi, 2002; Appelbaum, 2005);

 O líder aponta e lidera sempre o caminho, por isso o cão deve passar por portas e entradas/saídas sempre atrás do proprietário. Da mesma forma, o líder é aquele que decide o caminho e a direção de um passeio, portanto o cão nunca pode puxar a trela e ir na frente, devendo ir atrás do proprietário como os lobos subordinados vão atrás do lobo alfa (Eaton, 2010; Millan, 2007; Rowles, 2009; Viselé-Jonkman, 2010; Rossi, 2002

);

 O proprietário não deve partilhar mobília com o cão (sofás, camas, cadeiras), principalmente quando este fica sozinho em casa, pois estaria a elevar o animal à mesma posição social que a sua (Eaton, 2010; Millan, 2007; Rowles, 2009; Viselé-Jonkman, 2010; Appelbaum, 2005; Pageat, 1998);

 As atividades diárias do cão só devem começar quando o proprietário o permitir (Eaton, 2010; Millan, 2007; Rowles, 2009; Viselé-Jonkman, 2010; Rossi, 2002);

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 O cão não deve saltar para cima das pessoas nem rosnar, pois esses são sinais de dominância (Eaton, 2010; Millan, 2007; Rowles, 2009; Viselé-Jonkman, 2010);  O cão deve obedecer a todos os comandos, porque quando não obedece está a

desafiar a dominância do proprietário (Eaton, 2010; Millan, 2007; Rowles, 2009; Viselé-Jonkman, 2010; Rossi, 2002);

 O proprietário deve ganhar todos os jogos e disputas: durante um jogo de puxar a corda, o cão não deve ganhar nem reclamar a mesma (Eaton, 2010; Millan, 2007; Rowles, 2009; Viselé-Jonkman, 2010; Rossi, 2002; Pageat, 1998);

 O proprietário poderá ter de obrigar o seu cão a submeter-se, forçando-o a ficar deitado no chão e a expor o abdómen: o membro dominante força os restantes a permanecerem deitados no chão até que estes demonstrem sinais de submissão, porque esta é a forma de um líder manter a ordem. Esta técnica denomina-se “alpha-roll” (Eaton, 2010; Millan, 2007; Rowles, 2009; Viselé-Jonkman, 2010; Fogle; 1990; Pageat, 1998);

Existem ainda outros métodos como aquele em que um cão é pendurado pela trela ou coleira, como se estivesse a ser enforcado, até que demonstre sinais de desistência (Rowles, 2009). Felizmente, nem todos os seguidores da teoria da matilha defendem os métodos mais agressivos. Alexandre Rossi (2002) e Steven Appelbaum (2005) afirmam que o líder raramente inicia lutas ou interações de carater violento com os restantes membros da matilha, e que portanto o proprietário também não o deve fazer.

A maioria da comunidade científica e da população em geral aceitou, durante vários anos, que uma matilha de lobos é uma organização social hierarquizada, cuja posição superior é ocupada por dado macho e/ou fêmea denominados de alfa. Atualmente, e face às novas investigações sobre o comportamento social dos lobos, o termo alfa apenas surge na bibliografia para se demonstrar o quão desatualizado está (Mech, 2008; Shelbourne, 2012). O conceito surgiu devido à má interpretação da organização social de lobos, porque os primeiros estudos neste campo foram realizados em matilhas artificiais de cativeiro, formadas por animais de diferentes origens e sem qualquer ligação familiar. Os etologistas interessados na espécie (Schenkel 1947; Rabb et al. 1967; Zimen 1975, 1982) acreditavam que as matilhas selvagens eram agrupamentos aleatórios de indivíduos, e que estes aproximavam-se no inverno de forma a facilitar a caça de presas maiores. Portanto, juntaram animais de locais diferentes e formaram colónias de cativeiro para iniciarem as suas investigações (Mech, 1999). No final das mesmas, uma matilha de lobos ficou vista como um grupo de animais que continha um macho e possivelmente uma fêmea alfa, e afirmou-se que estes alcançavam uma posição social superior através da força e comportamentos agressivos, visto que os

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outros membros do grupo tentariam disputar essa posição. No entanto, a forma como estes animais foram agrupados é completamente díspar da realidade em natureza, visto que os mesmos indivíduos dificilmente escolheriam juntar-se para formarem uma matilha. Assim, entende-se que em cativeiro haja uma maior manifestação de comportamentos agressivos face à impossibilidade dos animais poderem-se dispersar e evitarar (Mech, 1999; Mech, 2008; Schilder et al., 2014). Nestas condições é apropriado que se use o termo alfa para descrever os indivíduos que se encontram no topo da hierarquia, porque eles competem e lutam para alcançarem essa posição (Mech, 2008). Em cativeiro, os lobos veem-se obrigados a competir pelo direito de se reproduzirem (Shelbourne, 2012) e formam-se hierarquias caraterizadas pela presença de animais alfa, beta, ómega, e assim sucessivamente (Mech, 1999, Coren, 2010). O comportamento demonstrado por estes lobos cativos não é igual ao que pode ser observado em matilhas selvagens (Rowles, 2009). Lockwood (1979) também trabalhou com matilhas artificiais de lobos e analisou as interações entre indivíduos, tendo recolhido dados suficientes que lhe permitiram afirmar que as manifestações de comportamento agonístico e de apaziguamento não apresentaram correlação direta com a dominância. Questiona-se então se um animal torna-se dominante através da agressividade e da força (Bradshaw et al., 2009).

Após ter acompanhado uma matilha de lobos selvagens durante treze verões no Canadá, e de ter documentado as interações entre progenitores e crias, David Mech decidiu corrigir o desentendimento até à data gerado, e em 1999 publicou o artigo “Alpha status, Dominance, and Division of Labor in Wolf Packs”. O investigador salientou que o termo alfa era biologicamente incorreto e que não captava de forma justa o papel social dos animais. Os dados recolhidos nos estudos de matilhas de cativeiro não demonstram portanto a verdadeira natureza social dos lobos. No seu habitat natural os recursos são mais escassos e os animais podem passar dias sem alimento, sendo indispensável a cooperação de todos os membros da matilha. Tentar entender a dinâmica social de uma matilha de lobos avaliando indivíduos desconhecidos que não escolheram agrupar-se, é como avaliar o comportamento humano estudando indivíduos em campos de refugiados ou em instituições prisionais. Em cativeiro, os animais são obrigados a permanecer juntos por vários anos, levando ao aumento de conflitos (Mech, 1999; Mech, 2008; Eaton, 2010). As interpretações recentes do comportamento dos lobos realçam que a estabilidade natural das matilhas é garantida pelos comportamentos de coesão entre indivíduos, e não pela agressividade (Bradshaw et al., 2009).

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2.2 Conceito de dominância

Não existe uma definição do conceito de dominância que seja universalmente aceite, o que por si só gera confusão e dá espaço a grandes diferenças de opinião aquando a discussão do termo (Eaton, 2010). De acordo com Roger Abrantes (2011), o conceito de dominância encontra-se frequentemente descrito de várias formas diferentes, impossibilitando o seu uso e aplicação direta nas ciências comportamentais - defende também que o termo necessita ser definido de forma mais precisa, tendo em conta que uma definição no contexto do comportamento animal poderá ser diferente de uma definição no contexto social das interações humanas. Algumas vertentes defendem que a dominância não pode ser aplicada à espécie canina (Semyonova, 2003), mas poderá ser o cão uma exceção a um conceito comportamental de interesse global?

O termo dominância tem sido aplicado, de forma geral, em quatro configurações distintas (Bradshaw et al., 2009):

 Perante os resultados de encontros agressivos repetidos entre dois indivíduos, em que o animal dominante será aquele que ganha a disputa (Drews, 1993);

 No sentido funcional no qual um individuo é dominante se tiver acesso prévio a recursos fundamentais (Drews, 1993);

 Enquadrado em situações de hierarquias, nas quais animais subordinados inibem os seus comportamentos agonistas devido ao medo que sentem pelos dominantes (Drews, 1993);

 Enquadrado em relações sociais nas quais as disputas, ou a sua maioria, são resolvidas através de sinais e posturas ritualizadas em vez de agressividade, existindo um individuo que constantemente cede perante outro, sendo-lhe submisso (Drews, 1993).

2.2.1 Dominância e a agressividade

O conceito de dominância tem sido frequentemente utilizado na literatura académica e popular, sendo muitas vezes utilizado no contexto da agressividade canina (Bradshaw et al., 2009). No Dicionário Universal da Língua Portuguesa (2005), excluindo as definições referentes à dominância alélica/genética do âmbito da Biologia, podem ser encontradas as seguintes definições:

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“Dominar (do Lat *dominare por dominari), v. tr. mandar soberanamente, ter poder

absoluto em, exercer domínio sobre; ser senhor de; reprimir, refrear, vencer; subjugar; prevalecer em, sobre; preponderar; estar sobranceiro a, estar ou elevar-se acima de; v. int exercer domínio, ter grande influência, preponderar.

Na mesma fonte, agressividade define-se por uma disposição para agredir e por combatividade, sendo que agredir define-se como “(…) bater em; ir contra; acometer; atacar.”

Portanto, é relevante perceber se a dominância está ou não associada a comportamentos agressivos ou a confronto físico direto, isto é, se a agressividade é uma caraterística das relações de dominância-submissão. Barry Eaton (2010) relaciona o conceito de dominância nas relações humanas com os termos “governar”, “ controlo”, “ autoridade” e “ascendência”, e afirma que pode ser interpretado de diferentes formas, desde uma simples subida de posição social no local de trabalho, até um regime de ditadura. Nota-se que as situações são muito distintas e utilizam métodos diferentes para obtenção de poder.

A noção mais comummente encontrada em definições de dominância é a exerção de maior influência e controlo (O’Heare 2008). A doutora Sophia Yin diferenciou os termos “dominância” e “liderança”, afirmando que o primeiro diz respeito a uma relação entre dois indivíduos estabelecida pela força e agressão, de forma a se obter acesso a determinados recursos como alimento e parceiros sexuais. Definiu “liderança” como a capacidade de influenciar outros a apresentarem determinados comportamentos que não seriam apresentados sem este estímulo. A liderança pode ser obtida através da força, falando então em dominância, ou através de estímulos e recompensas para o comportamento desejado (Yin, 2009). Por outro lado, Roger Abrantes (2011) descreve a dominância como um comportamento quantitativo demonstrado por um individuo, com a finalidade de obter ou manter o acesso temporário a determinado recurso numa determinada ocasião, em oposição a outro indivíduo. Não associa ataques físicos ou lesões a esta situação, defendendo que quando um dos indivíduos sofre ferimentos, estamos perante um comportamento de agressividade e não de dominância. Os recursos podem ser alimentos, parceiros sexuais, território, ou outros bens ou domínios fundamentais para a sobrevivência dos animais. No entanto, aquilo que um animal vê como necessário para a sua sobrevivência difere consoante a espécie e a sua personalidade (Abrantes, 2011).

O conceito de dominância social (“social dominance”) foi desenvolvido para ajudar a descrever as relações entre animais de uma sociedade organizada, e para ajudar a

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compreender porque se relatam poucos danos infligidos por agressão entre predadores sociais. A dominância social é usada para descrever os padrões comportamentais observados nas relações sociais, que permitem que certos indivíduos compitam por recursos reduzidos, enquanto minimizam os riscos associados a surtos de agressão e confrontos diretos (O’Heare 2008). O conceito de dominância de Roger Abrantes aproxima-se do conceito de dominância social, que parece funcionar como um mecanismo de resolução de conflitos que regula comportamentos de agressividade (Abrantes, 2011). A minimização dos riscos associados à agressividade é obtida através da exibição de comportamentos padronizados (O’Heare, 2008), exibições que se caraterizam por sinais visuais, auditivos, olfativos e táteis que demonstram qual o individuo dominante, e qual o submisso. Estes rituais são importantes para a cooperação entre animais de espécies sociais que têm de coabitar, e permitem evitar confrontos diretos, poupando reservas de energia e maximizando as hipóteses de sobrevivência (Abrantes, 2011). Os comportamentos agonísticos são todos aqueles que visam eliminação de concorrência, mas a agressividade propriamente dita é a fase de confronto físico que um encontro agonístico pode gerar (King, 1973). A definição de agressividade também levanta muitos problemas porque alguns investigadores consideram uma simples aproximação ou intimidação como agressividade, enquanto outros apenas consideram os ataques físicos e o contato físico que geram ferimentos. Enquanto este termo não for definido de forma clara para todos, torna-se difícil entender o seu contributo ou função nas organizações sociais (Semyonova, 2003).

As organizações de dominância foram primariamente reconhecidas em abelhas por Pierre Huber em 1802, e a sua aplicação em vertebrados foi posteriormente proposta por Schejelderupp-Ebbe’s, que realizou estudos em galinhas (O’Heare 2008, Drews, 1993). No ramo da etologia, a dominância é normalmente definida como “ um atributo do padrão de interações agonísticas repetidas entre dois indivíduos, caraterizadas por um resultado consistente a favor do mesmo membro da díade, e uma resposta condescendente padronizada do seu oponente em vez de subida dos níveis de agressividade. A posição social do vencedor consistente é a de dominante e a do perdedor é a de subordinado” ¹ (cf. Drews, 1993, p. 308).

¹ “an attribute of the pattern of repeated, agonistic interactions between two individuals, characterized by a consistent outcome in favor of the same dyad member and a default yielding response of its opponent rather than escalation. The status of the consistent winner is dominant and that of the loser subordinate’’

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O “status” de dominância refere-se à posição social de um individuo numa díade, podendo ser dominante ou subordinado de acordo com os resultados de interações passadas e do peso estatístico desses mesmos resultados. O “rank” refere-se à posição social que dado individuo ocupa numa hierarquia (Drews, 1993). As condições e circunstâncias nas quais os animais se encontram é que determinam o tipo de relação que estes partilham, e as relações que se baseiam na deferência são flexíveis, permitindo que o “status” de cada individuo possa variar consoante o contexto (Overall, 2012; Eaton, 2010). Quando um grupo social consiste em mais do que dois indivíduos, pode ser possível organizar as diferentes relações de pares de animais numa hierarquia transitiva, na qual todas as relações são reduzidas a um “rank” único – o individuo A domina o B, e o B domina o C, portanto A domina C. Podem também surgir hierarquias não-transitivas ou circulares (hierarquias não lineares) – A domina B e B domina C, mas C pode dominar A (O’Heare 2008; Bradshaw et al., 2009). É importante sublinhar que as relações de dominância e submissão não se traduzem sempre em hierarquias, nem implicam a pré-existência destas para surgirem (Drews, 1993). Embora estas manifestações comportamentais sejam necessárias para se resolverem conflitos sociais inevitáveis, as relações não são construídas apenas com base em dominância ou em hierarquias (Abrantes, 2011).

O conceito de dominância surgiu na tentativa de se descrever um conjunto de comportamentos para os quais ainda não existia uma definição ou termo. Portanto, o termo dominância não deveria ser visto como sinónimo de agressividade. Embora a dominância possa depender do potencial agressivo de um animal, ela não se correlaciona necessariamente com a agressividade (Drews, 1993). A agressividade é a tendência de cada individuo para aumentar os níveis de confronto físico numa disputa independentemente do seu potencial para vencer um confrontou ou da sua motivação, e é uma caraterística de personalidade persistente (Hurd, 2006). Para reduzirem o risco nas suas interações, os indivíduos participantes avaliam os benefícios de procurarem ganhar o confronto face ao custo associado ao mesmo. A agressividade pode ser útil em situações de conflito de interesses, mas os intervenientes devem analisar a situação e decidir se escalar para agressividade é justificável para a obtenção do recurso (Schilder et al., 2014). Os animais que vivem em grupos sociais têm de desenvolver formas de ultrapassar as suas divergências não pondo em causa a união do grupo. As manifestações comportamentais e posturas ritualizadas durante as interações não deixam de poder ter um carater agressivo, pelo que é importante frisar que não são completamente seguras para os intervenientes e que não geram sempre os mesmos

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resultados (Abrantes, 2011). Da mesma forma, a existência de hierarquias não implica uma ausência de comportamentos agressivos (Rowell, 2004).

Karen Overall defende que as manifestações de dominância apenas geram lesões e ataques físicos quando os comportamentos ritualizados falham e nenhum dos animais se submete, razão pela qual se afirma que o comportamento dos indivíduos mais submissos é o que mais contribui para as distintas organizações hierárquicas e “ranks”. Estes últimos dependem dos diferentes contextos nos quais as interações sociais ocorrem (Overall, 2012). A dominância não é definida pela agressividade manifestada pelo membro dominante, mas sim pela deferência e afastamento do membro subordinado (Schilder et al., 2014), portanto talvez uma hierarquia de submissão ou subordinação faça mais sentido do que uma de dominância (Rowell, 2004).

2.2.2 A dominância aplicada às relações

As relações sociais são reconhecidas quando dois ou mais indivíduos interagem de forma regular durante um relativo período de tempo, reconhecendo-se um ao outro e recordando os resultados de encontros passados (Hand, 1986 citado por O’Heare 2008). Esses encontros passados influenciam o comportamento e decisões de interações futuras, pois existe uma componente de aprendizagem associada às relações sociais. Animais que vivem em sociedade são menos agressivos uns com os outros do que para com indivíduos intrusos que invadem os seus territórios (O’Heare, 2008), pois a agressão de indivíduos coabitantes acarreta mais desvantagens que vantagens – gastos desnecessários de energia e instabilidade social (Abrantes, 2011). A dominância social não é um traço da personalidade de um individuo, mas sim um conceito que se refere à relação entre dois animais que se conhecem, ou seja, uma propriedade das relações ou interações entre indivíduos (O’Heare, 2008; Bradshaw et al., 2009; Bernstein, 1981). A dominância não é hereditária porque não é uma propriedade do animal (Bernstein, 1981; O’Heare 2008; Drews, 1993). Um animal que possui um “rank” superior dentro de um grupo de indivíduos, não ocupa, necessariamente, a mesma posição hierárquica se for deslocado para outro grupo. Num ambiente doméstico onde coabitam vários cães, um pode ser mais dominante relativamente ao alimento, enquanto outro é mais dominante relativamente a brinquedos (Eaton 2010). É importante ter em conta a duração das interações ou relações, pois as relações de dominância são algumas vezes temporárias, surgindo apenas quando é necessário disputar um determinado recurso. Em casos de grupos sociais, as relações de dominância podem manterem-se imutáveis nas mais variadas situações, ou variar

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consoante o contexto (Bradshaw et al., 2009). Alguns indivíduos apresentam mais tendência para demonstrarem comportamento dominante enquanto outros optam mais vezes pela submissão. Nenhum animal se comporta sempre de forma submissa ou dominante porque esses comportamentos são afetados pelo valor do recurso a ser disputado, pelos custos associados, pelas caraterísticas do adversário, pelas experiências passadas e pelo ambiente (Abrantes, 2011). Existe o pressuposto de que os indivíduos de um grupo social competem regularmente por “status”, que após obtido lhes dá acesso a todos os recursos, mas em grupos sociais estáveis essa acaba por ser a exceção, e não a regra. (Yin, 2009).

Não existem evidências de que a dominância seja uma caraterística de personalidade que acompanha um animal toda a sua vida (Bradshaw et al., 2009). Todavia, a herança genética de um indivíduo pode influenciar as suas relações diádicas, pois diversos traços do animal podem contribuir de forma diferente para as relações sociais, visto que são considerados no momento em que cada individuo avalia os custos-benefícios da sua participação em confrontos, como já foi referido (O’Heare, 2008). Um individuo pode ser dominante de várias formas, e estas incluem o controlo de recursos, o controlo do movimento e ações de outros, e a obtenção de atenção. No entanto, os animais dominantes não são, impreterivelmente, os que acasalam mais ou têm melhor acesso a recursos, porque a dominância pode ser interpretada e manifestada de formas diferentes consoante a espécie. A dominância permite que um individuo dominante possa escolher como e com quem partilha os seus recursos, e um animal mais subordinado pode acasalar e controlar as ações de outros quando se encontra numa situação distinta (Bekoff, 2012; Rowell, 2004).

As relações de dominância-submissão funcionam como estratégias evolutivas estáveis (Evolutionarily Stable Strategy – ESS) e estas permitem que os conflitos sejam resolvidos sem que seja necessário recorrer a lutas que irão desabilitar os animais. Elas funcionam graças às assimetrias que existem entre os indivíduos e não graças aos resultados obtidos por confrontos diretos. Da mesma forma, a dominância e a posição hierárquica de dado individuo são maioritariamente o reflexo de assimetrias históricas e sociais geradas por encontros e interações passadas. Os resultados obtidos em disputas anteriores geram assimetrias que podem ser usadas para a resolução convencional de conflitos futuros, e esta estratégia permite a formação de hierarquias transitivas ou outras estruturas sociais (van Doorn et al., 2003).

Ainda que o conceito de dominância possa ser corretamente usado para descrever relações, este tende a ser interpretado como uma motivação para interações sociais,

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em vez de uma qualidade da relação. Nos últimos anos foi difundido que um cão tenta ser dominante sobre os restantes membros da habitação, pois necessita de uma estrutura hierárquica bem definida na qual ocupa a posição social superior. Más interpretações como a anterior, levam às conclusões erróneas de que o desejo de dominar e ser dominante pode impelir o comportamento de agressividade em cães, e de que os mesmos são altamente motivados a estabelecer relações hierárquicas com outros membros da família com que convivem, sejam eles outros cães ou humanos. (Bradshaw et al., 2009).

Schilder et al. (2014) defendem que a dominância é caraterizada pelos mesmos resultados em todas as situações, ou seja, o animal dominante ganha sempre a disputa seja esta referente a alimentos, parceiros sexuais ou territórios. Além disso, referem que as relações de dominância mantêm-se imutáveis por bastante tempo. Estas afirmações são contraditórias com parte do que já foi discutido, pois Abrantes (2011), Drews (1993) e Eaton (2010) aceitam que o “status” pode mudar consoante o contexto. Uma definição limitada e restrita do conceito de dominância pode não ser aplicável de forma correta a espécies diferentes, ou mesmo entre a mesma espécie em contextos discrepantes (Bekoff, 2012).

Alguns estudos e experiências realizadas com cachorros defendem que estes formam hierarquias, mas Karen Overall argumenta que essas hierarquias resultam das condições experimentais impostas e não de comportamentos específicos. O modelo das experiências pode ter seduzido os autores a pensar que se formavam hierarquias, quando estas na verdade não existiam. (Overall, 2012). Todas as declarações científicas e a forma como os testes são realizados, são dependentes das caraterísticas e história do observador, tornando a comparação de resultados de autores diferentes confusa e difícil (Semyonova, 2003). Como os parâmetros usados nos testes do comportamento canino não são consensuais entre as experiências realizadas por diferentes investigadores, Diederich e Giffroy (2006) afirmam que deveria existir uma estandardização dos métodos e materiais usados nas investigações. Tornar os estudos mais consistentes, gerando metodologias mais corretas, e providenciando mais dados e melhor informação para que a dominância possa ser finalmente compreendida, pode não ser verdadeiramente importante. Westgarth (2015) defende que a discussão sobre a validade do conceito “dominância”, quando aplicado às interações caninas, nunca irá ver uma conclusão, e que mais importante do que validar um termo, é realçar a importância do uso de métodos de treino amigáveis e seguros.

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2.3 O Lobo (Canis Lupus)

As evidências genéticas, morfológicas e comportamentais apontam que o parente mais próximo do cão doméstico (Canis familiaris) é o lobo cinzento (Canis lupus) (Vilà et al., 1997). A diferença genética entre ambos é menor que 0,04%, o que significa que partilham quase todos os seus genes (Abrantes, 2011; Shelbourne, 2012). Não se pode afirmar que o lobo cinzento atual é o antecessor direto do cão doméstico, mas sim especular que ambos partilham o mesmo ancestral (Horowitz, 2010; Coppinger e Coppinger, 2002). Os estudos de ADN mitocondrial sugerem que o cão e lobo cinzento divergiram do seu ancestral há 135 mil anos (Vilà et al, 1997), mas os estudos arqueológicos defendem o período de domesticação deverá coincidir com a época para o qual há evidências de convivência próxima entre humanos e cães (Coppinger e Coppinger, 2002; Udell e Wynne, 2008). As primeiras descobertas arqueológicas remontam para uma data entre os 12 e os 14 mil anos atrás, momento no qual os humanos começaram a enterrar os canídeos com os quais partilhavam uma relação diferentes de todas as outras. (Coppinger e Coppinger, 2002; Case, L., 2008, Morey, 2006). Há 135 mil anos atrás encontrávamo-nos na era do Homo neanderthalensis, e é difícil associar a domesticação do cão a este período, dado que o Homem ainda não possuía as capacidades cognitivas necessárias. (Coppinger e Coppinger, 2002; Horowitz, 2010). A domesticação do cão pode ser facilmente colocada na mesma linha de tempo de quando o humano começou a abandonar os costumes nómadas e de caçador, começando a abraçar a agricultura – período mesolítico e neolítico. Leonard e Fisher (2005) analisaram o material genético recolhido de amostras arqueológicas caninas recolhidas na América Latina, e demonstraram que os cães não eram relacionados ou rastreados de volta ao lobo americano, tendo-se separado do seu ancestral no continente europeu ou asiático (Case, L., 2008). Savolainen et al., (2002) também sugerem que o cão doméstico teve a sua origem no este asiático.

A versão mais popular sobre o surgimento do cão defende que o mesmo foi obtido através do treino de lobos - a população mesolítica recolhia crias de lobo das tocas e tentava amansá-las para posteriormente treiná-las. Os espécimes mais mansos e relaxados eram então cruzados e após várias gerações obtidas por seleção artificial os lobos domesticados evoluíram para cães (Coppinger e Coppinger, 2002; Case L., 2008). Raymond Coppinger e Lorna Coppinger contrariam esta hipótese e defendem que o processo que pode ter originado o cão doméstico é, na verdade, o da seleção natural. À medida que os humanos começaram a criar aldeias e grupos habitacionais maiores, os resíduos e restos alimentares foram-se também juntando, dando origem a lixeiras. Essas lixeiras tornaram-se um atrativo para os lobos que eram geneticamente menos

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temerosos e mais tolerantes, e estes por sua vez ganharam vantagem seletiva nesse ambiente sobre os mais desconfiados (Coppinger e Coppinger, 2002; Yin, 2007). Os ancestrais caninos eram animais oportunistas por natureza e aprenderam que podiam viver da lixeira. Ser manso tornou-se uma adaptação necessária para comer, visto que a proximidade com os humanos era inevitável. Os animais que toleravam melhor a aproximação do Homem tinham mais oportunidades para se alimentarem porque permaneciam na lixeira mais tempo e fugiam com menos frequência. (Case, L., 2008). Após inúmeras gerações estes canídeos evoluíram para um população isolada reprodutivamente, geneticamente mansa e mais adaptada à proximidade humana (Yin, 2007). Não se pode amansar um lobo e esperar que a sua descendência o seja também, mas um lobo geneticamente menos nervoso e aflitivo consegue passar essas caraterísticas à próxima geração. As populações instaladas sofreram alterações morfológicas que as permitiram explorar e aproveitar melhor o local, como a diminuição do tamanho do crânio, dos dentes, e do corpo no geral. Portanto, o cão é um ser geneticamente adaptado especificamente para o novo nicho e fontes alimentares – os animais mais pequenos e calmos são os preferencialmente selecionados (Coppinger e Coppinger, 2002)

Os lobos são na verdade excelentes candidatos para a seleção natural, pois este fenómeno favorece os animais com comportamento mais flexível e capacidade de ajuste face a situações distintas (Horowitz, 2010). As diferentes caraterísticas de pelagem, orelhas e caudas podem ter surgido enquanto a seleção natural se encarregava de preservar os membros mais calmos. Espontaneamente, foram surgindo mais alterações morfológicas, não necessárias à sobrevivência, mas ainda assim presentes. Este fenómeno é provado pelas experiências de Dmitry Belyaev – enquanto o investigador tentava obter raposas mais calmas através da seleção artificial, foram surgindo animais com caraterísticas semelhantes a cães, traços que não foram voluntariamente selecionados. A seleção natural gerou animais mais pequenos, mas as restantes alterações morfológicas surgem devido a “saltos” genéticos que se precipitaram devido à rápida evolução do comportamento, ou devido a eventos que eliminam parte da população (como doenças ou catástrofes) (Coppinger e Coppinger, 2002; Bidau, 2009).

2.3.1 Bases comportamentais no lobo

As matilhas de lobos são simplesmente grupos familiares formados de forma semelhante que as famílias humanas. Os machos e fêmeas de matilhas distintas abandonam os progenitores quando atingem a maturidade e dispersam em busca de

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parceiros sexuais (Mech, 2008). O acasalamento dos lobos ocorre apenas uma vez no ano, permitindo que as crias nasçam num período com melhores condições climatéricas e abundância de recursos, e garantindo também que consigam adquirir uma boa pelagem até ao início do inverno (Shelbourne, 2012). O novo par de progenitores educa as crias enquanto cuida da sua alimentação e proteção, e ao longo do seu desenvolvimento os filhotes obedecem naturalmente aos pais, começando a acompanha-los para fora da toca para circularem pelo território. Nesta altura, os progenitores ocupam a posição de líderes da matilha, guiando-a quando esta sai para caçar, marcando o território, afastando potenciais ameaças e protegendo a sua descendência de outras matilhas que possam encontrar (Mech, 2008). É importante realçar que esta posição de líder não envolve qualquer tipo de agressividade ou lutas por parte dos animais, pois os mais novos seguem e confiam nos mais velhos. A competição por dominância raramente é documentada (Bradshaw et al., 2009) porque os progenitores preservam naturalmente a sua autoridade (Shelbourne, 2012). Os progenitores produzem uma segunda ninhada quando a primeira tem cerca de um ano, e este novos membros ficam ao cuidado também dos irmãos mais velhos. Continuam sem se registar disputas agressivas por uma posição hierárquica superior entre os membros da matilha. Os pais mantêm a sua posição de líderes, e os filhotes seguem os seus semelhantes mais velhos. Os jovens lobos começam a dispersar por volta dos nove meses de idade (Mech, 1999), embora alguns só abandonem a matilha com um ou dois anos e outros permaneçam até aos três. Eventualmente todos acabam por abandonar a matilha original para procurarem parceiros sexuais e iniciarem as suas próprias famílias (Mech, 2008).Os lobos arriscam ambientes desconhecidos e perigosos para perpetuarem os seus genes, porque na matilha original as possibilidades de acasalamento são escassas (Eaton, 2010). Uma matilha pode ser constituída pela descendência dos últimos quatro anos, e costuma ter menos de quarenta e dois indivíduos (Mech e Boitani, 2003). Um lobo que já dispersou pode voltar à sua matilha original na altura do inverno, período no qual as condições climatéricas obrigam à cooperação de vários indivíduos para que a caça seja bem-sucedida (Shelbourne, 2012).

Essencialmente, uma matilha selvagem é uma família que inclui um par reprodutor e a sua descendência, ainda que mais do que uma família se possa juntar. Face a esta análise da estrutura social do lobo, o termo alfa caiu em desuso, e agora são empregues termos como “pais”, “par reprodutor” e “macho e fêmeas reprodutores” - “male and female breeders”. Foram documentadas algumas exceções a esta unidade familiar – um lobo desconhecido ou um lobo relacionado com um dos progenitores pode ser aceite e

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um progenitor morto pode ser substituído por um novo membro (Mech, 1999). A matilha pode também variar em situações nas quais há abundância de recursos – os jovens abandonam o grupo mais tarde, gerando matilhas com mais elementos nas quais é possível que algumas fêmeas amadurecidas procriem na mesma altura que a sua progenitora. Isto resulta num aumento de competitividade entre fêmeas, e nestas condições é provavelmente apropriado que a matriarca original seja vista como a fêmea alfa, e as suas filhas como as fêmeas beta (Mech, 2008). O cruzamento de uma dessas fêmeas tende a ocorrer com um macho desconhecido que se juntou à matilha temporariamente (Shelbourne, 2012). Nas situações em que existem várias fêmeas reprodutoras, pode ocorrer infanticídio, levando à sobrevivência de apenas uma ninhada. Em matilhas constituídas por indivíduos sem relação familiar, ou matilhas cujo par reprodutor morreu, os comportamentos agressivos são mais frequentes e quando ocorrem parecem ser mais lábeis do que os esperados de uma família estável. Estes comportamentos variam consoante fatores como a idade, estado reprodutivo, condição corporal, experiencias passadas aversivas e recursos a disputar (Mech e Boitani, 2003).

Termos como alfa não devem ser empregues porque implicam a existência de uma hierarquia de dominância rígida e baseada em confrontos agressivos (Mech, 1999; Coren, 2010). O termo não confere qualquer informação adicional sobre o “rank” do animal, porque qualquer progenitor é dominante perante a sua descendência (Mech, 1999). Alguns estudos tentaram provar que o “rank” é inato, de forma que alguns lobos são destinados a liderar a matilha. Essa conceção é errada porque qualquer lobo amadurecido é um potencial progenitor, e quando acasala torna-se automaticamente no líder de uma matilha (Mech, 1999; van Kerkhove, 2004). Quase todos os lobos acabam por dispersar da matilha original, portanto todos conseguem acasalar se viverem tempo suficiente e se não apresentarem problemas reprodutivos. Os lobos de cativeiro também aproveitam todas as hipóteses de acasalamento, reforçando a ideia de que a superioridade não é inata (Mech, 1999). O líder é aquele elemento que controla, governa e direciona o comportamento dos restantes, assegurando um bom ambiente familiar. Torna-se natural que um ou ambos os indivíduos progenitores ocupem essa posição (Mech, 2000). Nem todos os lobos agrupam-se em famílias, porque o comportamento de matilha desenvolve-se durante o período de socialização das crias, e surge como uma resposta a um dado ambiente. O comportamento social é afetado de forma diferente consoante as circunstâncias envolventes (Coppinger e Coppinger, 2002).

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2.3.2 Dominância e submissão entre membros da matilha

Numa matilha natural as regras de dominância não apresentam semelhanças com as de uma hierarquia na qual os indivíduos competem por uma posição social elevada (Mech, 1999). A dominância não serve para elevar a condição social, mas sim para impedir conflitos e auxiliar nas disputas de recursos (van Kerkhove, 2004). Durante interações com outros indivíduos, os lobos dominantes assumem uma postura de estação com cauda elevada, enquanto os submissos tendem a baixarem-se ou a deitarem-se. Um animal pode demonstrar submissão ativa ou passiva. Na submissão ativa o lobo apresenta uma postura baixa e orelhas retraídas para trás, evita contato visual e lambe a boca ou focinho do animal dominante. Este é o tipo mais frequente de submissão, e ocorre associada a “food-begging behaviour”, situação na qual um lobo submisso pede alimento a um dominante, o qual poderá então regurgitar ou largar a presa que possui. A submissão passiva ocorre quando o animal se deita de abdómen para cima com a cauda entre os membros posteriores, enquanto lambe os próprios lábios e nariz. Nesta ultima situação, o lobo dominante cheira e lambe a área genital do submisso (Mech, 1999). Como já foi referido, estas são caraterísticas de dominância social, usada para que a convivência entre indivíduos seja harmoniosa e os gastos de energia sejam diminuídos (Abrantes, 2011; Mech, 1999).

O comportamento de submissão ou de apaziguamento é demonstrado pelos membros mais novos perante o par reprodutor, e ocasionalmente pela fêmea reprodutora ao macho, sendo frequentemente uma manifestação espontânea e não uma resposta à agressividade de outro individuo (Bradshaw et al, 2009). As manifestações de dominância ou de submissão envolvem uma disposição de indivíduos com base na idade, sendo tão naturais e automáticas que raramente são contestadas. No entanto, por vezes existem perseguições a membros que insistem em permanecer, seguir ou juntar-se à matilha, quando não desejados (Mech e Cluff, 2010). Os indivíduos nunca possuem um “status” social intrínseco, mesmo nos casos de matilhas cativas, pois a estrutura social do grupo pode variar, e os diferentes membros podem ver a sua posição hierárquica ser elevada ou reduzida consoante as diferentes situações (Eaton, 2010).

Durante os treze anos que passou no Canadá, David Mech não testemunhou competições por dominância nas matilhas observadas, mas sim demonstrações constantes de “rank” através de diferentes posturas durante interações sociais (van Kerkhove, 2004). Não costuma existir fonte de competição sexual dentro da matilha porque na altura da maturidade sexual a maioria dos lobos dispersa para acasalar com lobos de matilhas diferentes (Mech, 1999).

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Os progenitores partilham a liderança do grupo através de um sistema de divisão de tarefas (Mech, 2000). O macho predomina em atividades relacionadas com a provisão de alimentos e a deslocação da matilha, enquanto a fêmea é mais responsável por proteger e cuidar da descendência. Existe apenas uma situação na qual o macho atua de forma submissa perante a fêmea, e esta ocorre no período entre o nascimento das crias e o momento em que estas emergem da toca pela primeira vez. Durante as primeiras três semanas de vida da ninhada, a fêmea fica responsável pelas crias e mantém afastados quaisquer lobos que se tentem aproximar (Mech, 1999). À medida que as crias crescem, o macho responsabiliza-se mais pela sua alimentação, possivelmente para permitir que a fêmea recupere a sua condição corporal e nutricional para uma nova ninhada (Mech, 2000).

Os comportamentos agressivos são raros, pois as disputas que possam surgir são resolvidas com base em comportamentos e atitudes ritualizadas de forma evitar-se desconexão na matilha. (Mech, 1999). Esses comportamentos incluem um repertório de linguagem corporal, assim como sinais vocais que não costumam envolver contato físico (van Kerkhove, 2004). Um animal que use a agressividade para controlar os restantes não mantém uma posição superior ou a liderança durante muito tempo (Rowles, 2009; Mech 2008). As investigações sobre o comportamento social dos lobos continuam, vários fatores podem afetar a dinâmica de uma matilha, e diferentes espécies de lobos podem comportar-se de maneira distinta (Shelbourne, 2012; Viselé-Jonkman, 2010). As relações hierárquicas dos lobos ainda não se encontram totalmente bem qualificadas, e não se conhece realmente tudo referente ao comportamento social dos mesmos no que diz respeito a dominância social (Mech, 1999).

2.3.3 Comparação comportamental entre o lobo e o cão

O período crítico de socialização de ambos os canídeos tem uma duração semelhante, mas o dos lobos inicia-se duas semanas mais cedo, embora essas crias não tenham ainda desenvolvidos todos os sentidos. Isto implica que durante parte deste período, os lobos sejam cegos e surdos, gerando indivíduos mais desconfiados e cautelosos na vida adulta (Udell et al, 2014). Por outro lado, este fenómeno permite que o período de socialização do cão gere mais oportunidades para os cachorros se habituarem e aceitarem qualquer animal que interaja com eles nesse intervalo, visto estarem acostumados a usar todos os sentidos desde que iniciam a descoberta do ambiente (Horowitz, 2010). Os lobos não são tão propensos a socializar com todos os humanos como os cães, e são sempre mais prudentes relativamente a experiências e interações

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novas (Udell et al, 2012, 2014). Consequentemente ao seu comportamento desconfiado, tentam afastar rapidamente qualquer outro que não pertença à sua matilha, se este se tentar aproximar e não for desejado. No entanto, os cães são mais recetivos a interações sociais com desconhecidos, assim como a investigar novas situações (Shelbourne, 2012). Um lobo concentra-se maioritariamente em sobreviver e em reproduzir-se, enquanto os interesses de um cão variam consoante o ambiente e o quanto pode ser recompensado. Um cão doméstico não tem a necessidade de adquirir perícias de caça como os lobos, resultando isso numa mudança no padrão motor predatório ao longo da evolução da espécie (Coppinger e Coppinger, 2002). Essa mudança fez com que o cão doméstico tenha alguma dificuldade em sobreviver sozinho na natureza (Eaton, 2010). O comportamento social e de matilha difere muito entre lobos e cães, e tal assunto será falado em pormenor nos capítulos seguintes.

Os cães demonstram predisposição genética para olharem para a postura e expressão de um humano, podendo este ser um dos fenómenos que permitiu uma convivência melhor entre as duas espécies. Os estudos de Hare et al (2002), Kubinyi et al (2007) e Miklósi et al (2003) concluem que a principal diferença entre o comportamento de lobos e cães, é a capacidade dos segundos terem uma maior tendência de olharem para as expressões faciais e posturas humanas, permitindo uma comunicação e compreensão que não pode ser obtida com lobos socializados. As raças de cães de trabalho como os Sheperds e os Huskies interpretam as indicações humanas melhor do que raças como os Poodles ou os Basenji, porque foram criadas e selecionadas para cooperarem e responderem naturalmente aos sinais de comunicação (Wobber et al, 2009). No entanto, quer cães domésticos quer lobos têm capacidades cognitivas que os permitem interagir socialmente com os humanos, e ambos podem também falhar em interpreta-los se não forem convenientemente estimulados pelo ambiente e interações (Udell et al, 2012, 2014).

Todos os lobos agarram o focinho uns dos outros para se cumprimentarem, se bem que também o façam para criar laços e durante situações de disciplina (Shelbourne, 2012). Os cães também manifestam este comportamento, o “muzzle grab”, e o mesmo funciona como forma de assegurar uma relação, não estando propriamente relacionado com disputas (Abrantes, 2012). A linguagem corporal dos lobos é semelhante, e até mais fácil de entender que a dos cães - enviam sinais subtis na tentativa de acalmar determinadas situações e indivíduos (Shelbourne, 2012). Os cães passam por menos fases de crescimento e retêm muitas caraterísticas juvenis, possuindo assim um repertório de expressões faciais e linguagem corporal inferior ao dos lobos. A este fenómeno evolutivo que permite que um cão adulto se assemelhe a um ancestral numa

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Figura 1: “The  Ladder  of  Agression” – Como um cão reage ao stresse ou a uma ameaça
Figura  2:  Posturas  caninas.  Da  esquerda  para  a  direta:  Posição  neutra  de  relaxamento;
Tabela 4: Idade com que os cães dos inquiridos foram adquiridos (em semanas)
Tabela 5: Frequências de respostas à questão “O seu animal foi corretamente socializado entre  a 3ª e a 12ª semana de vida?”
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Referências

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