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Concepções de enfermeiros de um centro de atenção psicossocial sobre o cuidar a adultos com transtornos mentais graves- relato de experiência

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Revista de Divulgação Científica Sena Aires 2015 Jul-Dez; 4(2): 86-95.

CONCEPÇÕES DE ENFERMEIROS DE UM CENTRO DE ATENÇÃO

PSICOSSOCIAL SOBRE O CUIDAR A ADULTOS COM

TRANSTORNOS MENTAIS GRAVES- RELATO DE EXPERIÊNCIA

CONCEPTIONS OF NURSES WORKING IN A PSYCHOSOCIAL CARE

CENTER ABOUT THE CARING FOR ADULTS WITH GRAVE MENTAL

DISORDERS- EXPERIENCE REPORT

Iel Marciano de Moraes Filho1, Osmar Pereira dos Santos2, Keila Cristina Félis3, Sandra Rosa de Souza Caetano4

Como citar:

Moraes Filho IM, Santos OP, Félis KC, Caetano SRS. Concepções de enfermeiros de um centro de atenção psicossocial sobre o cuidar a adultos com transtornos mentais graves- relato de experiência. REVISA. 2015; 4(2): 86-95.

RESUMO

O objeto dessa pesquisa foi identificar as concepções dos enfermeiros de um centro de atenção psicossocial de Goiânia(Brasil) sobre os cuidados por eles prestados aos adultos portadores de transtornos mentais graves. Trata-se de um relato de experiência com abordagem qualitativa, cuja produção de dados ocorreu de agosto a dezembro de 2013 com dois enfermeiros por meio entrevistas semiestruturadas. Posteriormente, realizou-se transcrição literal das entrevistas e análise de conteúdo de Bardin. Esse projeto foi aprovado sob parecer CEP/SGC 1840/2011. Após análise das entrevistas, encontraram-se 4 categorias temáticas, a ser: Atividades de Campo realizadas pelo Enfermeiro; Atividades de Núcleo realizadas pelo Enfermeiro; Dificuldades na atuação dos enfermeiros do CAPS; e Barreiras à atuação relacionadas à rede de saúde mental local. O papel fundamental da Enfermagem no CAPS está voltado ao direcionamento da assistência integral e sob o enfoque do autocuidado de maneira holística. Todavia, a formação na graduação ainda segue o modelo biologicista e a educação permanente tem sido recurso pouco utilizado.

Descritores: Enfermagem; Psiquiatria Comunitária; Serviços

Comunitários de Saúde Mental; Enfermagem Psiquiátrica.

ABSTRACT

We aimed to identify the conceptions of nurses attending in a psychosocial care center located in Goiania (Brazil) about the caring for adults with grave mental disorders. This is an experience report with qualitative approach, whose data production was held from August to December 2013 with two nurses trough semi-structured interviews. Then, we literally transcribed the interviews and assessed them through the Bardin’s content analysis. This project was approved under the protocol number CEP/SGC 1840/2011. After assessing interviews, we found four thematic categories, as follows: Field activities performed for nurses; Core the activities performed for nurses; Difficulties in nursing acting at CAPS; and Barriers to professional acting related to the local mental health services network. The main nursing role at CAPS is centered on targeting the integral healthcare and on the premise of a self-care under a holist perspective. However, the nursing training in undergraduate level still follows the biologist model and the permanent education has been an underused resource.

Keywords: Nursing; Community Psychiatry; Mental Health

Services; Psychiatric Nursing.

OR

IGI

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Revista de Divulgação Científica Sena Aires 2015 Jul-Dez; 4(2): 86-95. 87

INTRODUÇÃO

A assistência em saúde mental no Brasil atualmente é orientada pela Lei 10.2016 de 6 de abril de 2001 que dispõe sobre os direitos e a proteção de pessoas em situação de sofrimento psíquico1. Essa lei segue os princípios da

Reforma Psiquiátrica os quais objetivam o cuidado com base territorial e o distanciamento do modelo manicomial e segregador que, por muitas décadas, foi a forma predominante de tratamento psiquiátrico no país2. Um dos frutos

desta Reforma e das mudanças na forma de cuidado às pessoas em sofrimento psíquico grave foi a criação de diferentes serviços/equipamentos3, tais como: os

Serviços Residenciais Terapêuticos; os Centros de Convivência; e o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

Atualmente, os Centros de Atenção Psicossocial integram a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e destinam-se ao atendimento - multiprofissional e em perspectiva interdisciplinar- às pessoas com transtornos mentais graves e com necessidades advindas do uso/abuso de álcool e outras drogas. Eles têm como finalidade oferecer atividades em espaços coletivos e em articulação com outros pontos de atenção em saúde nos quais o usuário será atendido de forma integral, com base na referencia e contra-referência entre os serviços da rede4.

A legislação4 delimita a existência de seis diferentes modalidades de

CAPS, a saber: (a) CAPS I para municípios com mais de 20 mil habitantes; (b) CAPS II para municípios com mais de 70 mil habitantes; (c) CAPS III, com funcionamento 24 horas/dias, para municípios com mais de 200 mil habitantes; (d) CAPS ad para adultos, adolescentes e crianças com necessidades advindas do uso de substâncias; (e) CAPS ad III, aberto 24 horas/dia, para municípios com mais de 200 mil habitantes, com oferta de cuidado a adultos, adolescentes e crianças cujas necessidades advêm do uso/abuso de substâncias psicoativas; e (f) CAPSI para municípios com mais de 150 mil habitantes, onde são atendidas crianças e adolescentes com transtornos mentais ou demandas relacionadas ao uso de substâncias psicoativas. Em 2014, dados oficiais apontaram a existência de 2209 CAPS em todo o país, sendo 1069 CAPS I, 476 CAPS II, 85 CAPS III, 201 CAPSi, 309 CAPS ad e 69 CAPS ad III5. Frente a expansão dos diferentes tipos de CAPS, o enfermeiro tem

se destacado como profissional que compõem a equipe multidisciplinar nestes serviços3.

Nesse contexto, o enfermeiro desenvolve atividades comuns aos profissionais da equipe (Realização de acolhimento, estabelecimento de vínculo com usuário, participação em assembleias e reuniões de equipe) e desempenha atividades específicas de sua formação (supervisão dos técnicos de enfermagem e elaboração da escala de enfermagem)6-7.

A ruptura de práticas, como a supermedicalização, a contenção de pacientes de modo indiscriminado com objetivo punitivo e a manutenção da disciplina, apoiadas nos novos ares advindos do movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira e das experiências de atenção extra-hospitalar, fizeram- se necessárias para que a enfermagem encontrasse novos horizontes assistenciais10. Dessa forma, a Reforma Psiquiátrica Brasileira impulsionou a

Enfermagem a mudar a sua prática assistencial de custodial para uma assistência onde o enfermeiro se coloca como profissional capaz para ajudar o paciente com transtornos psíquicos de forma terapêutica, auxiliando na recuperação de sua qualidade de vida10. Na mesma perspectiva, a prática da

interdisciplinaridade, a atuação junto às equipes multiprofissionais e a concepção do indivíduo/paciente como um ser único, capaz de exercer autonomia e integrar-se nos espaços sociais passa a ser mais necessária na formação de novos profissionais de enfermagem10.

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Revista de Divulgação Científica Sena Aires 2015 Jul-Dez; 4(2): 86-95. 88 Todavia, as grades curriculares dos cursos de enfermagem, muitas vezes,

estão fora do escopo correto das políticas de saúde mental e, assim, reproduzem a forma tradicional de pensar e cuidar os pacientes com transtorno mental, fortalecendo o estereótipo da loucura que ainda não deixou de fazer parte do imaginário desses profissionais10. Portanto, não está claro se o cuidar do

enfermeiro sobre as necessidades do indivíduo com transtornos mentais graves segue a atual política pós-reforma

Nesse sentido, esse estudo objetivou identificar as concepções dos enfermeiros atuantes em um Centro de Atenção Psicossocial de Goiânia sobre os cuidados prestados por eles aos usuários portadores de transtorno mental grave.

MÉTODO

Trata-se de um relato de experiência, com abordagem qualitativa, realizado junto aos enfermeiros de um Centro de Atenção Psicossocial II do município de Goiânia (Goiás). Foram incluídos os profissionais de nível superior e que trabalhavam no CAPS há pelo menos seis meses da data da coleta. Profissionais em licença de qualquer natureza foram excluídos do estudo. Assim, dois enfermeiros que compunham e atenderam os critérios de elegibilidade compuseram a população desse estudo.

A produção de dados ocorreu no período de agosto a dezembro de 2013 a por meio de entrevista (Gravada em áudio) com roteiro semiestruturado em sala reservada do próprio serviço de saúde, em dia e horário escolhidos pelos enfermeiros. O roteiro investigou as atividades desenvolvidas pelo profissional no CAPS por meio de questões abertas que abordaram suas experiências diárias dentro do serviço, bem como suas percepções da efetividade de seu trabalho frente aos usuários e em conjunto à equipe multiprofissional.

Após a produção de dados, as entrevistas foram transcritas e analisadas segundo a análise de conteúdo proposta por Bardin.12 Utilizou-se essa técnica,

pois os procedimentos envolvidos são estruturados de forma a promover a organização dos dados através de etapas que levam a um resultado estruturalmente organizado do seu conteúdo.12 Além disso, assegurou-se o

anonimato dos participantes, os quais foram codificados pela letra inicial E, referente à palavra “ENTREVISTADO”, seguida de um algarismo numérico para diferenciá-los entre si, o qual se referia ao número da entrevista respondida pelo profissional. Destaca-se que, por serem somente dois enfermeiros, os dados de caracterização não serão apresentados para preservar suas identidades12.

Esse estudo está vinculado a um projeto de pesquisa de maior amplitude intitulado saúde mental na rede pública de Goiânia: concepções sobre o cuidado prestado segundo usuários, familiares e profissionais de um centro de atenção psicossocial. Esse foi autorizado pela Secretaria Municipal de Saúde local em agosto 2011 e aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de Goiás em setembro de 2011 (Parecer CEP/SGC 1840/2011). Em respeito a Resolução CNS nº. 196/96 e aos princípios éticos da Declaração de Helsinki (2000), foi entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assinado em duas vias, uma para o pesquisador e outra para o sujeito de pesquisa.

RESULTADOS

A análise das entrevistas permitiu a formação das seguintes categorias temáticas: Atividades de Campo realizadas pelo Enfermeiro; Atividades de

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Revista de Divulgação Científica Sena Aires 2015 Jul-Dez; 4(2): 86-95. 89 Núcleo realizadas pelo Enfermeiro; Dificuldades na atuação dos enfermeiros do

CAPES; e Barreiras à atuação relacionadas à rede de saúde mental local.

Atividades de Campo realizadas pelo Enfermeiro

Dentre as atividades mencionadas pelos entrevistados, encontram-se aquelas realizadas também por outras categorias profissionais (de campo), tais como visita domiciliar e reunião de família:

A gente faz a visita domiciliar, mas eu penso que a troca no grupo é muito importante, porque o que uma família já vivenciou, já experienciou, ela pode passar para uma outra né. Então enriquece muito. A gente aprende muito com a família, e a família aprende muito com a gente, e uns com os outros... (E1); O trecho acima destaca, ainda, a preocupação com as famílias, que também devem ser alvo de cuidado dos CAPS. Outras atividades realizadas pela equipe são o grupo de acolhimento (para usuários recém-chegados ao CAPS), reunião de equipe e elaboração de projeto terapêutico singular:

Projeto Terapêutico, PT que a gente fala, e aí a gente coloca essa pessoa nas atividades, nas outras atividades né? Que são executadas pelo musicoterapeuta, psicólogo, e ai vai, enfermeiro, assistente social constroem o Projeto Terapêutico ...Então, ele tem, a gente vê primeiro as atividades que são melhor para ele, mais adequadas, com objetivo né, mais voltado para ele, ai, a partir dai, a gente vê, quem que, quem que é, quem faz esse grupo... (E2). Atividades de Núcleo realizadas pelo Enfermeiro

Dentre as atividades de competência específica do enfermeiro no CAPS, foram mencionadas as AVD (Necessidades humanas básicas):

Agente identificava quem tinha dificuldade com AVD e higiene. A gente fazia a visita, orientava a pessoa, até acompanhava banho, um monte de coisas (E2). Além disso, foram citadas atividades de cunho administrativo (coordenação dos técnicos de enfermagem e responsabilidade pela escala), supervisão da administração da medicação e cuidado direto ao usuário:

O enfermeiro que responde pelos técnicos, tanto que até alguma medicação, qualquer coisa que eles fizeram, eu respondo por eles (...). Outra coisa que é muito da enfermagem é o cuidado mesmo com o paciente, igual a gente observa um machucado ali, um curativo... um cuidado, alguma doença, por exemplo, alguma hanseníase... (E2);

Por fim, a coordenação de grupos de enfermagem sobre higiene e uso de medicamentos foram observados nas falas dos sujeitos.

É um grupo fechado, que tem começo, meio e fim. E são 8 encontros. As técnicas de enfermagem também vão participar desses grupos, e ele vai acontecer no momento específico onde a gente vai fazer atividades teóricas e praticas, e depois as visitas na casa dos usuários. (E1).

Dificuldades na atuação dos enfermeiros do CAPES

Apesar das diversas atividades desempenhadas pelo enfermeiro no CAPS, seu papel não fica exatamente claro ou bem delimitado segundo as entrevistadas:

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Revista de Divulgação Científica Sena Aires 2015 Jul-Dez; 4(2): 86-95. 90 (...) papel do enfermeiro, a gente tem algumas atribuições... mas ainda não

são muito específicos (E 2).

Além disso, uma outra dificuldade é a manutenção da higiene no ambiente de trabalho, uma habilidade atribuída à formação do enfermeiro, mas não tão consistente na formação dos demais profissionais da equipe.

Na minha formação como enfermeira, a gente tem um olhar muito voltado para higienização do ambiente de trabalho, sabe?! Um ambiente saudável, como menos riscos possíveis de qualquer tipo de infecção ou infestação. E acho que aqui é um grande problema e isso me incomoda muito. ... E às vezes o próprio gestor tem dificuldade de fazer cumprir essas rotinas porque o funcionário não tem muita preocupação, às vezes ele confunde também como se isso aqui fosse a casa dele... (E1).

Outra dificuldade refere-se à falta de preparo do enfermeiro para atividades grupais, dificuldade que também é vinculada à formação desses profissionais:

Porque ele [enfermeiro] é muito, assim, treinado para a prática [assistencial de enfermagem], aí chega aqui e não tem muita prática, aqui é mais grupo, é mais é conversa mesmo, é mais aquela coisa do papel também [evolução em prontuário], então não tem muita... (E2).

Além disso, observa-se abaixo a necessidade de educação permanente para os profissionais mais recentemente contratados para as equipes do CAPS, seja com relação aos riscos ambientais no serviço de saúde, seja com relação aos princípios da Reforma Psiquiátrica:

E eu sinto falta da capacitação permanente de recursos humanos, porque esses funcionários já entraram há algum tempo... porque eu acho que eles precisam de mais capacitação no que diz respeito aos princípios da reforma psiquiátrica. De postura, de relação inter-pessoal, de saber lidar com o usuário né, de saber que assim, que aqui todos nós temos um papel importante no relacionamento terapêutico, mas promover um ambiente terapêutico também, e isso as vezes é confundido, esses papeis... (E1).

A necessidade de ampliação do contato com as famílias também aparece como uma dificuldade na atuação dos enfermeiros do CAPES. Foram mencionadas a necessidade de reuniões de família, que anteriormente ocorriam no CAPS, e a ampliação do número de visitas domiciliares:

Acho que a gente precisa retomar a reunião de família... (E1);

Tem as visitas domiciliares...: Uma situação de um conflito ali; ou que a pessoa se recusa a vir ao CAPS; ela não adere ao tratamento e a gente precisa resgatar isso; ela trás queixas de violência doméstica; ou ela não toma medicação, ela não aceita medicação e a gente vai ver como é esse contexto lá e faz uma mediação. Mas muitas vezes é tudo isso... (E1).

A equipe do CAPS era organizada a partir do critério de miniequipe(ME) de referência, o que causava desconforto por se tratarem de quatro miniequipes e atuarem apenas dois enfermeiros no CAPS, prejudicando a possibilidade de que cada uma delas tivesse profissionais de diferentes formações atuando conjuntamente:

Não vejo que tem aquela articulação assim, que eu acho que seria muito legal se pudesse ter, um enfermeiro em cada ME, uma psicóloga em cada ME, uma

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Revista de Divulgação Científica Sena Aires 2015 Jul-Dez; 4(2): 86-95. 91 Terapeuta ocupacional, uma assistente social né, e assim, outros profissionais...

(E1).

Barreiras à atuação relacionado à rede de saúde mental local

Além das dificuldades para atuação do Enfermeiro na equipe, outros destaques referem-se à rede de saúde mental local. Esta foi apontada como necessitando de melhor estruturação, com ampliação do número de serviços e criação de CAPS III, para funcionamento 24hs, e despreparo das equipes de saúde da família para o cuidado em saúde mental:

Inclusive nós temos um número insuficiente de CAPS. Nós não temos o CAPS 24 horas, porque quando ele entra em crise não tem para onde encaminhar, a não ser para o hospital psiquiátrico... (E1).

As equipes da Saúde da Família solicitam uma capacitação na área de Saúde Mental porque eles enfrentam, encontram muitos problemas, mas eles não estão preparados para atender essa demanda. É papel do CAPS também dar esse apoio que a gente chama de apoio matricial. (E1).

DISCUSSÃO

Atividades denominadas como campo são aquelas desenvolvidas em um espaço de limites imprecisos no qual as profissões e disciplinas se interinfluenciam para uma ajudar e apoiar a outra, ou seja, são de responsabilidade de todos os integrantes da equipe13. No CAPS, muitas são

atividades de campo, como o acolhimento, a coordenação de reuniões de família ou de grupos/oficinas. Um exemplo mencionado nas entrevistas foi a elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS), ferramenta que deve ser elaborada pela equipe multiprofissional, em parceria com usuário e família, sendo compatível às necessidades do usuário6,14. O PTS é, portanto, uma ferramenta para o

cuidado integral e singular, com contribuições técnicas dos integrantes de sua equipe, iniciativas locais de familiares e usuários e articulações intersetoriais que potencializem suas ações15. Esse Projeto, para a equipe, representa um

mecanismo de atuação de modo integrado, que valoriza todas as características da pessoa em tratamento, não apenas o diagnóstico psiquiátrico e os medicamentos prescritos para o tratamento dos usuários16. Com o engajamento

das equipes na elaboração de projetos terapêuticos e a percepção da necessidade de mudança de concepção da pessoa em sofrimento psíquico e dos familiares como corresponsáveis pelo cuidado, o serviço ganha em qualidade. Do contrário, a assistência se cristalizará e contrariará o enfoque da Reforma Psiquiátrica6.

As práticas grupais são importantes no modus operacionais da atenção psicossocial, pois possibilitam a promoção da reabilitação psicossocial dos usuários, o encontro desses com seus familiares e diminuem o distanciamento entre os profissionais e o usuário6. Nos resultados, a coordenação de grupos

pelo profissional de Enfermagem e a dificuldade em assumir esse papel (dada a formação pouco enfatizar essa possibilidade) foram constatadas.

As atividades de núcleo de conhecimento são os saberes específicos de uma determinada categoria profissional, dominados com exclusividade ou predominância na produção de atos de saúde específicos. Para o profissional Enfermeiro, elas estão claramente descritas a partir de sua função, conforme Lei nº 7.498/86, de 25 de junho de 1986 no Art. 117. Essa se baseia na direção

de todo o corpo de enfermagem, da estrutura básica da instituição de saúde e chefia de serviços e da unidade de enfermagem; planejamento, organização,

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Revista de Divulgação Científica Sena Aires 2015 Jul-Dez; 4(2): 86-95. 92 coordenação, execução e avaliação dos serviços da assistência de enfermagem;

organização e direção dos serviços de enfermagem e de suas atividades técnicas e auxiliares nas empresas prestadoras desses7.

Nesse sentido, a função do enfermeiro dentro de um CAPS está alinhada às mudanças preconizadas na política de atenção em saúde mental. Portanto, ele precisa ter noções de acolhimento, elaboração de planos terapêuticos singulares e coordenação de grupos, o que exige do enfermeiro uma expansão dos seus papeis no cuidado em saúde mentalpara além dos núcleos da sua competência profissional17. Isso deixa evidente a problemática da graduação,

que, muitas vezes, foca o campo das psicopatologias com ênfase em aspectos biologicistas e não na atenção psicossocial18.

Nesse sentido, a falta clareza na compreensão das necessidades dos usuários, conforme discursos analisados, pode ter origem na formação em enfermagem. Uma vez que a formação do enfermeiro tem enfoque no ambiente de trabalho, o que direciona o olhar desse profissional seja no CAPS ou qualquer outro serviço de saúde. No CAPS, outros profissionais não dão ênfase a esses aspectos, centrando-se nas ações de assistência direta ao usuário. Já o enfermeiro, recebe formação para atenção relacionada à higiene no local de trabalho diferentemente dos demais membros da equipe.

Destaca-se ainda a necessidade de estudo da história das políticas de saúde mental e a configuração dos novos serviços18. No entanto, os princípios

da Reforma Psiquiátrica e o trabalho em equipe multiprofissional no CAPS não devem ser debatidos apenas na graduação ou na pós-graduação lato ou stricto sensu. Na rotina dos serviços, o espaço para a Educação Permanenteprecisa ser construído19.

Deve-se destacar que a formação dos enfermeiros no Brasil não os capacita para a prática de atendimentos grupais. Munari e Rodrigues em seu estudo já destacavam que a maior parte das publicações feitas pela as enfermagens brasileiras não abordam o atendimento em grupo como uma prática profissional. Isso deixa uma lacuna na formação e na atuação profissional desta categoria21.

Alguns aspectos nos processos de ensino e aprendizagem em saúde mental ultrapassam os conhecimentos do ensino formal, exigindo dos profissionais um despertar para o contato com a pessoa em situação de sofrimento psíquico. Neste sentido, destaca-se a importância da educação permanente como ferramenta no âmbito do Sistema Único de Saúde, mas, na prática, pouco experienciada pelas equipes22-23.

Além da formação de recursos humanos especializados para atuar em saúde mental no SUS22-24, as entrevistas analisadas novamente chamam

atenção à necessidade de investimento na formação de profissionais de enfermagem para a assistência psicossocial. Ao final do curso, esses profissionais deverão ser capazes de elaborar, executar e avaliar os projetos terapêuticos dos usuários dentro das equipes, sem o qual, não se conduz um tratamento eficaz.

CONCLUSÃO

As atividades de campoestão presentes na jornada do Enfermeiro no CAPS e são importantes na medida em que se busca discutir os casos com a contribuição de diferentes categorias profissionais em busca do cuidado integral à pessoa em sofrimento psíquico grave. Deste modo, ao longo da graduação e durante os processos de educação permanente, é preciso que se discutam não apenas as atividades específicas do enfermeiro, mas também aquelas de responsabilidade de todos os profissionais (de núcleo), que auxiliem no

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Revista de Divulgação Científica Sena Aires 2015 Jul-Dez; 4(2): 86-95. 93 desenvolvimento da capacidade de trabalhar de forma multi e interdisciplinar

em uma perspectiva psicossocial.

Não há uma cartela pronta de cuidados ofertados em um CAPS, pois isso depende das necessidades dos usuários e da capacidade criativa de sua equipe. Para isso, é preciso produzir um modo de lidar com o usuário que não é apenas a “soma” do conhecimento das diferentes profissões que compõem o quadro de funcionários do CAPS, mas a produção de uma forma de cuidar do usuário a partir da contribuição de todos, e, portanto, interdisciplinar na prática. Essa compreensão proporcionará a melhora dos atendimentos, possibilitando uma visão multifocal do usuário com transtorno mental.

Assim, de forma geral, pode-se afirmar que o papel fundamental da Enfermagem no CAPS está voltado ao direcionamento da assistência integral e sob o enfoque do autocuidado de maneira holística. Todavia, a formação na graduação ainda segue o modelo biologicista e a educação permanente tem sido recurso pouco utilizado.

Como limitação desse estudo, destaca-se o número de sujeitos entrevistados, porém esse é o único serviço de referência em saúde mental até o momento e os enfermeiros que perfazem a equipe multiprofissional são apenas dois um para cada turno. Por isso, sugere-se a realização de estudos com envolvendo mais número de CAPES e em outras regiões do Brasil. Ainda, é preciso que futuras investigações que analisem a formação em Enfermagem no campo da saúde mental visto o aumento do número de serviços da rede de saúde mental nos últimos anos. Por fim, necessita-se de um maior incentivo e investimento nos processos de educação permanente que, embora tenham avançado em diferentes municípios do país, ainda não são satisfatórios.

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Referências

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