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A Constitucionalidade da Uber à luz dos princípios e fundamentos da ordem econômica brasileira

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DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO

JENNIFER LARA DA PENHA ANDRADE

A CONSTITUCIONALIDADE DA UBER À LUZ DOS PRINCÍPIOS E

FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA

NATAL / RN

2017

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A CONSTITUCIONALIDADE DA UBER À LUZ DOS PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA

Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de Pós-graduação em Direito Administrativo sob a orientação do Professor Me. Ricardo César Ferreira Duarte Junior como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Direito Administrativo, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientador: Me. Ricardo César Ferreira Duarte Junior.

Natal / RN 2017

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A CONSTITUCIONALIDADE DA UBER À LUZ DOS PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Especialista em Direito Administrativo.

Orientador: Ricardo César Ferreira Duarte Junior.

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Sistema de Bibliotecas - SISBI.

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do CCSA. Andrade, Jennifer Lara da Penha.

A Constitucionalidade da Uber à luz dos princípios e fundamentos da ordem econômica brasileira/ Jennifer Lara da Penha Andrade. - 2017.

51f.: il.

Monografia (Especialização em Direito Administrativo) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2017.

Orientador: Prof. Me. Ricardo César Ferreira Duarte Júnior.

1. Livre concorrência - Monografia. 2. Uber - Serviço de táxi – Monografia. 3. Livre exercício - Profissão - Monografia. I. Duarte Júnior, Ricardo César Ferreira. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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2 O SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL E O TRANSPORTE INDIVIDUAL DE

PASSAGEIROS ... 11

2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO ... 13

2.2 PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO ... 17

2.3 CONCESSÃO, PERMISSÃO E AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO ... 21

3 A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA ... 26

3.1 CONCEITO DE ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO ESTRITO ... 27

3.2 SERVIÇOS DE INTERESSE ECONÔMICO COLETIVO ... 28

3.3 OS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA ... 29

3.4 PRINCÍPIO DA LIVRE-INICIATIVA ... 30

3.4.1 Princípio da Subsidiariedade ... 32

3.5 PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA ... 33

4 DA LEGALIDADE E REGULAMENTAÇÃO DA UBER ... 36

4.1 NATUREZA JURÍDICA DO UBER E DO TÁXI ... 37

4.2 COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR O TRANSPORTE INDIVIDUAL PRIVADO DE PASSAGEIROS ... 42

4.3 A UBER E A LIVRE CONCORRÊNCIA ... 46

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Deus, por me dar a oportunidade de poder estudar;

Aos meus pais, por todo apoio emocional e financeiro durante toda vida, assim, como todos os conhecimentos repassados, afinal, uma boa educação começa em casa, com uma excelente base familiar;

Ao meu irmão, por ser um exemplo de ser humano e excelente profissional em sua área, alguém que me inspira pela inteligência e capacidade, e, além disso, por ter sido muitas vezes, meu professor na época do ensino fundamental e médio;

Ao meu orientador, Ricardo César Ferreira Duarte Junior, que desde da graduação me influenciou por ser um exemplo na vida acadêmica e um profissional de grande competência;

A todos os professores do curso de Pós-graduação em Direito Administrativo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN);

À Victor, meu namorado, por todo seu amor, compreensão e motivação;

Às minhas amigas que conheci durante o curso, em especial à Bárbara Borges e Natália Vasconcelos, por terem sido as melhores amigas neste ano, também, à Sammara Guerra, Giselle Draeger, Marcela Jácome e Carolina Bonelli, pela amizade, conversas e conhecimentos compartilhados quando realizávamos reuniões para discutir os trabalhos em grupo;

Enfim, a todos os meus amigos e colegas da turma de Direito Administrativo, composta por pessoas extremamente qualificadas e diferenciadas, que contribuíram, direta ou indiretamente, para a realização desse trabalho, que, sem dúvida, é a realização de um sonho.

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RESUMO

O presente trabalho tem como intuito analisar a problemática surgida com a introdução do aplicativo Uber no Brasil que acabou gerando protestos, críticas, agressões, discussões no legislativo, e, até mesmo, pressão política para eliminar a atuação da empresa no país, dando início a um grande debate a respeito da legalidade do serviço, bem como da necessidade, ou não, da regulamentação de sua atividade. Dessa forma, com base nos princípios constitucionais da livre concorrência e da livre inciativa tem-se como objetivo principal verificar a Constitucionalidade do serviço prestado pela Uber. Além disso, investigar em qual categoria o serviço da Uber e dos táxis se enquadra. Averiguar, se a atividade prestada pelos taxistas e motoristas da Uber é serviço público, atividade de relevante interesse coletivo ou atividade econômica stricto sensu. No tocante a competência legislativa com relação à matéria de regulação do trânsito, verificar a competência da União, dos Estados, Distrito Federal ou Municípios em legislar o transporte privado individual de passageiros, e, por fim, discorrer acerca dos pontos contrastados da concorrência desleal.

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ABSTRACT

This paper aims to analyze the problems that arose with the introduction of the Uber application in Brazil, which led to protests, criticisms, aggressions, discussions in the legislature, and even political pressure to eliminate the company's operations in Brazil. a great debate about the legality of the service, as well as the necessity, or not, of the regulation of its activity. Thus, based on the constitutional principles of free competition and free initiative, the main objective is to verify the constitutionality of the service provided by Uber. Also, investigate in which category the service of Uber and the taxis fits. Find out if the activity provided by taxi drivers and Uber is public service, activity of relevant collective interest or economic activity stricto sensu. Regarding the legislative competence regarding the matter of traffic regulation, verify the competence of the Union, the States, Federal District or Municipalities to legislate individual private passenger transport, and finally, to discuss the contrasted points of unfair competition.

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1 INTRODUÇÃO

A Uber como a principal ofertante do serviço de transporte individual mundial, foi lançada em 20091 nos Estados Unidos e encontra-se no Brasil desde maio de 2014, disponibilizando através de uma plataforma simples, um meio inovador de transporte individual de passageiros, o qual indica através da geolocalização os carros da empresa que se encontram na região, conectando motoristas particulares e clientes previamente cadastrados, interessados em se locomover pelas cidades.

Diante da crise de mobilidade urbana, a Uber – atualmente com 13 milhões de usuários no Brasil2 – 99POP, Cabify e os demais aplicativos alternativos de transporte individual de passageiros, surgiram justamente com o intuito de criar formas possíveis de melhorar o sistema de transporte, tendo se mostrado um modelo muito eficiente, conquistando um enorme número de usuários em todo o mundo, principalmente em razão do preço acessível, a segurança e ao conforto.

Todavia, em alguns países, mais especificamente, no Brasil, essa solução tecnológica acabou gerando protestos, críticas, agressões, discussões no legislativo, e, até mesmo, pressão política para eliminar a sua atuação no país. Dessa forma, as atividades da Uber e dos seus motoristas vêm sofrendo contestações judiciais e extrajudiciais, oriundas de pessoas, entidades ou forças políticas ligadas aos taxistas e aos proprietários de frotas de táxi, dando início a um grande debate a respeito da legalidade do serviço, bem como da necessidade, ou não, de sua regulamentação.

Os taxistas alegam que as atividades da Uber seriam ilegais, uma vez que, são voltadas à prestação de serviço de transporte público individual de passageiros, e, que, por não seguirem a legislação que disciplina a atividade dos taxistas, estariam praticando concorrência desleal, por estabelecer preços inferiores e não haver previsão de pagamento de qualquer taxa para seu exercício, isto é, os taxistas sentem-se prejudicados, pois consideram que a Uber estaria praticando atividade de transporte público individual de forma “clandestina”3.

1 LINS, Elaine Braga Martins Ribeiro. A intervenção estatal no domínio econômico e o aplicativo Uber no

brasil (state intervention in the economic field and the uber app in brazil). Revista Jurídica. vol. 04, n°. 45, Curitiba, 2016. pp.832-864 DOI: 10.6084/m9.figshare.4659416. p. 834.

2 Uber tem 13 milhões de usuários no Brasil. Estadão. Disponível em:

<http://link.estadao.com.br/noticias/geral,uber-tem-13-milhoes-de-usuarios-no-brasil,70001726602>. Acesso em: 10 nov. 2017.

3 SARMENTO, Daniel. Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte Individual de

Passageiros: O “caso Uber”. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em:

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Por outro lado, a Uber relata que seus motoristas são empreendedores individuais que utilizam a plataforma em um sistema de economia compartilhada, sendo um serviço de transporte individual privado de passageiros, diferente do serviço prestado pelos taxistas, que se enquadra no serviço de transporte público individual de passageiros sujeito a regulamentação estatal, e, que, o serviço não é aberto ao público, como o táxi, afinal, há autonomia da vontade do motorista para recursa da corrida, tratando-se de uma atividade regida pela livre iniciativa e pela livre concorrência.

Acerca do impasse em questão, pretende-se abordar os serviços públicos e os seus meios de prestações da concessão, permissão e autorização, logo em seguida, o conceito de atividade econômica stricto sensu, as atividades de interesse coletivo e os princípios da ordem econômica. Após a noção desses aspectos, analisar-se-á a legalidade da Uber no Brasil, a sua natureza jurídica – transporte público ou individual de passageiros – e, averiguar, se, a atividade prestada por cada um é serviço público, atividade de relevante interesse coletivo ou atividade econômica stricto sensu.

Além do mais, verificar-se-á a respeito da necessidade, ou não, de regulamentação, assim como, da legalidade, da atividade realizada pelos motoristas da empresa Uber. Ao final, no tocante a competência legislativa quanto matéria de regulação de trânsito, demostrar-se-á se é competência da União, dos Estados, Distrito Federal ou Municípios legislar a respeito do da atividade realizada pelos aplicativos de transporte individual, e, discorrer acerca dos pontos contrastados da concorrência desleal.

Em síntese, busca-se realizar um estudo jurídico, de modo a definir pressupostos basilares para o entendimento da matéria, todavia, não com o intuito de esgotar o tema com precisão, haja vista, a complexidade do conteúdo. Por fim, para a elaboração do trabalho, utilizou-se o método indutivo, com procedimento monográfico, além da técnica de pesquisa por documentação indireta, por meio de consulta bibliográfica, pesquisa jurisprudencial e legislativa.

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2 O SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL E O TRANSPORTE INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS

Os serviços públicos são atividades que podem variar, conforme o tempo e o lugar. Conforme Dinorá Grotti, em sua monografia sobre serviço público: “Cada povo diz o que é serviço público em seu sistema jurídico. A qualificação de uma dada atividade como serviço público remete ao plano da concepção do Estado sobre seu papel”, e, acrescenta ainda, que, “É o plano da escolha política, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos costumes vigentes em um dado tempo histórico”4.

Na maioria dos países, o serviço público é previsto através da legislação, todavia, no Brasil, essa referência encontra-se presente na Constituição. De um modo geral, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, os serviços públicos serão realizados por entidades públicas que terão por objetivo satisfazer a população, porém, não há obrigação estatal de prestá-los diretamente5, podendo simplesmente atribuir a prestação a terceiros, seja através da concessão ou permissão, ou, ainda, autorização6.

Na Constituição de 1988, estão prescritas duas espécies de serviços públicos que só podem ser prestados exclusivamente pelo Estado, são os de serviço postal e correio aéreo nacional (art. 21, X da CF/88). Quanto aos serviços elencados no art. 217, incisos XI e XII (letras “a” a “f”), a Constituição permite que a União explore o serviço diretamente ou mediante autorização, diferentemente, do inciso X8.

Há, ainda, uma espécie na qual o Estado é obrigado a prestar por si ou por outrem, seja através da concessão, permissão ou autorização: são os serviços de radiodifusão sonora (rádio) ou de sons e imagens (televisão), de acordo com o princípio da complementariedade

4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de apud GROTTI, Dinorá. Curso de direito administrativo. – 29. ed. rev.

e atual. até a emenda Constitucional 68 de 21.12.2011 – São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 687.

5 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,

sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 702.

7 Art. 21. Compete à União: X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; XI - explorar, diretamente ou

mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:) XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95); b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;

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dos sistemas privado, público e estatal (art. 223, caput, da CF/88). Dessa forma, o Estado não pode se omitir de atuar diretamente nesses setores, nem deixar de concedê-los, sob pena de faltar um dos elementos do trinômio constitucional supramencionado9.

Por fim, existem cinco espécies de serviço que o Estado tem a obrigação de prestar, mas sem exclusividade, podendo ser através de concessão, autorização, permissão ou por meio da iniciativa privada, são eles: educação, saúde, previdência social e rádio difusão sonora de sons e imagens10. Em síntese, de com a Constituição, todos os demais serviços

públicos, previstos no art. 21, XI e XII, podem ser prestados mediante administração direta ou indireta ou podem ser transferidos a entidade privada, através da concessão ou permissão, exceto, àquele estabelecido no inciso X.

Ressalte-se, que para doutrina majoritária, a lei pode, assim como, a Constituição, caracterizar uma atividade como serviço público por meio do que se denomina de publicatio ou publicização. Dessa forma, a iniciativa privada, para realizar serviço postal e correio aéreo nacional (art. 21, X da CF/88), por exemplo, precisaria de expressa determinação legal. Não há “reserva de Constituição” para a criação de serviços públicos, embora existam limites constitucionais intransponíveis a esta atividade do legislador11.

Para a posição minoritária, uma lei infraconstitucional que estabeleça serviço público pode acabar restringindo a livre iniciativa e a livre concorrência, ofendendo a supremacia da Constituição. Assim, com relação à corrente majoritária, é necessária bastante cautela, uma vez que, possibilita o legislador infraconstitucional criar leis que instituam monopólios públicos, porque, além de ofender os princípios da ordem econômica, podem acabar suprimindo espaço relevante da iniciativa privada12.

Quanto aos transportes, percebe-se, portanto, que não há, na Constituição Federal, nenhuma referência de que o transporte individual de passageiros seria um serviço público, apenas que o transporte coletivo é serviço público, de interesse local, de competência legislativa do município, conforme o art. 30, inciso V da CF/88, é evidente que o transporte coletivo de passageiros constitui serviço público, não só por expressa determinação constitucional, como também pelo caráter essencial para a coletividade13. No entanto,

indaga-se: “o mesmo pode ser dito do transporte individual de passageiros? Será que o poder público

9 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 702. 10 Ibidem, p. 702.

11 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 18.

12 SAMICO JUNIOR, Paulo. O aplicativo Uber: Um estudo de caso baseado nos princípios e fundamentos

da ordem econômica na Constituição Federal de 1988. Revista de Direito da Administração Pública Law Journal of Public of Administration. Ano nº 2 - vol. 1 - Edição nº 2 – jul/dez (2016). Niterói, 2016. ISSN 2447-2042. p. 137.

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tem obrigação de assegurar acesso a carro com motorista para o transporte individual de cada cidadão?” 14.

Há divergências, porém, adianta-se desde já que o transporte individual, na realidade, segundo doutrina majoritária, seria uma atividade econômica privada, pautada pelos princípios da ordem constitucional econômica, que impõem verdadeiros limites à vontade do legislador de atribuir esta atividade como serviço público15, dessa forma, o Poder Público não tem obrigação de assegurar o serviço à todos. Nesse sentido, ressalte-se, ainda, importante decisão do STF, que se manifestou no sentido de que o transporte fluvial de cargas não é serviço público, por não atender a qualquer necessidade coletiva essencial (RE 220.999-7).

2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO

Definir serviço público constitui uma tarefa árdua, afinal, sua compreensão sofreu diversas modificações no tempo e no espaço16. No período do Estado Liberal, na França, a Escola de Serviço Público liderada por Leon Duguit, desenvolveu as primeiras acepções em sentido amplo do serviço público abrangendo todas as funções do Estado, chegando ao ponto de substituir a noção de soberania pela de serviço público17. Assim, conforme Dinorá Grotti, a base do conceito de serviço público encontra-se no direito francês, com a Escola de Serviço Público, e, o primeiro a utilizar a expressão, teria sido Rousseau, no Contrato Social:

[...] de um lado, trata-se de atividades destinadas ao serviço público, isto é, ações através das quais se assegura aos cidadãos a satisfação de uma necessidade sentida coletivamente, sem que cada um tenha de atendê-la pessoalmente; de outro, concebe-se como uma atividade estatal que sucede ao serviço do Rei, porque se operou uma substituição na titularidade da soberania18.

Atualmente, há autores que adotam o conceito amplo, enquanto, outros, optam por um conceito restrito. No entanto, nas duas hipóteses, combinam-se, em geral, três elementos para sua definição: o material (considera o serviço público como atividade de interesse coletivo), o subjetivo (o serviço público seria aquele prestado pelo Estado) e o formal (o serviço público seria exercido sob o regime de direito público)19.

14 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 18. 15 SAMICO JUNIOR, Paulo. op. cit., p. 138.

16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 27. ed. – São Paulo: Atlas, 2014. p. 102. 17 Ibidem, p. 102.

18 GROTTI apud DI PIETRO, op. cit., p. 100.

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Porém, ocorreram ao menos duas dissociações quanto aos três elementos. Primeiro, o Estado se afastou dos princípios do liberalismo20, passando para o Estado interventivo, ampliando o rol de atividades próprias que anteriormente eram reservadas somente à iniciativa privada (serviços comerciais e industriais do Estado). O elemento material, parece ser o único unânime entre os doutrinadores, independentemente se adotam o conceito amplo ou o conceito mais restrito21.

O elemento subjetivo, por exemplo, foi afetado, tendo em vista que, as pessoas jurídicas privadas podem prestar serviço público através da delegação do Poder Público. Segundo Daniel Sarmento, “o critério subjetivo tornou-se inviável, seja em razão da prestação de serviços públicos também por particulares, seja pela exploração direta da atividade econômica em sentido estrito pelo Estado”22.

Houve, também, modificação quanto elemento formal, uma vez que, o serviço público pode ser prestado sob o regime jurídico público ou privado, inclusive, há doutrinadores que defendem a teoria de que esse elemento é essencial para a caracterização do serviço público, como por exemplo, Celso Antônio Bandeira de Mello23. Nas palavras do autor, o “elemento formal, isso é, a submissão a um regime de Direito Público, o regime jurídico-administrativo, é o que confere caráter jurídico à noção de serviço público”.

Nessa mesma acepção, para Marçal Justen Filho, “configura-se o serviço público pela aplicação do regime jurídico de direito público” e “rigorosamente, serviço público sob regime de direito privado é uma contradição em termos” 24. Dessa forma, para autores como Celso Antônio Bandeira de Mello e Marçal Justen Filho, o serviço público sempre será prestado sob o regime de direito público.

Diferentemente, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, entende que há casos em que o serviço público será submetido ao regime de direito privado, porém, concorrendo com o direito público, sendo, portanto, híbrido, admitindo situações em que se aplicará o direito privado aos serviços públicos, mas nunca de forma integral25. Nesse sentido, ainda, para

Odete Medauar, existe a possibilidade da aplicação de direito privado em serviços públicos

20 SUNDFELD, Carlos Ari et al. Direito administrativo econômico. – 1. ed., 3. tiragem – São Paulo: Malheiros

Editores, 2006. p. 42.

21 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. – 16. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2012. p. 359.

22 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 18. 23 Ibidem, p. 18.

24 JUSTEN FILHO, Marçal apud SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 19. 25 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2014, p. 108.

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realizado por particulares (que em tese são sujeitos às regras de direito privado), concorrendo juntamente com o direito público26.

No entanto, conforme Daniel Sarmento, “o foco exclusivo no regime jurídico para a caracterização do serviço público provocaria uma subversão hierárquica, em detrimento dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência”. Se fosse permitido que o legislador estabelecesse o regime jurídico do serviço público, consequentemente, autorizar-se-ia que fossem suprimidos espaços da livre inicautorizar-se-iativa e a liberação de monopólios públicos, como por exemplo, a permissão de comercialização de perfumes, cerveja ou de automóveis, o que seria um caso de manifesta inconstitucionalidade27.

Em síntese, pelo fato do serviço público nem sempre ser prestado pelo Estado, e, nem sempre submeter-se ao regime jurídico inteiramente público, surgiu a chamada “crise da noção do serviço público”28, em meados do século XX, na qual, levou a alteração parcial do conceito de serviço público, devido ao Estado delegar a execução a particulares por meio dos contratos de concessão ou por meio de pessoas jurídicas de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista)29.

Isto é, os três elementos normalmente considerados pela doutrina para conceituar o serviço público não são mais essenciais, chegando a faltar um, ou até mesmo dois dos elementos30. Por influência da Escola de Serviço Público, alguns doutrinadores ainda adotam o conceito amplo de serviço público que abrange as atividades dos Poderes Legislativo e Judiciário, porém, para Odete Medauar31, se esta fosse a acepção adequada, todo o direito administrativo conteria um único capítulo, denominado “serviço público” no qual todas as atividades da Administração se incluiriam nele.

Acrescenta ainda que, o serviço público, como um capítulo do direito administrativo, refere-se à atividade realizada pela Administração inserida no Executivo, no que tange à atividade prestacional, em que o poder público propicia algo necessário à vida coletiva, como por exemplo, água, energia elétrica, transporte urbano. Não se incluindo na acepção técnica do serviço público as atividades-meio, como a arrecadação de tributos, serviços de arquivo, limpeza de repartições, vigilância de repartições32.

26 MEDAUAR, Odete. op. cit., p. 347. 27 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 20.

28 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 28 ed. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 110. 29 Ibidem, p. 105.

30 SUNDFELD, Carlos Ari et al, op. cit., p. 43. 31 MEDAUAR, Odete. op. cit., p. 347.

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Os conceitos restritos, como o de Celso Antônio Bandeira de Mello, confinam o serviço público entre as atividades exercidas pela Administração Pública, com exclusão das funções legislativa e jurisdicional; e, além disso, consideram o serviço público como uma das atividades administrativas, distinta do poder de polícia do Estado. O autor segue o mesmo entendimento de Gaston Jèze, isto é, considera que é o Estado que define, através do Poder Legislativo, qual atividade deverá ser exercida pelo serviço público, desde que respeitados os limites constitucionais33.

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estrado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo34.

O autor considera o substrato material, referente à prestação de utilidade ou comodidade fruível diretamente pelos administrados e o substrato formal que lhe dar caráter de noção jurídica em um regime jurídico de direito público. Para Maria Sylvia, o conceito acaba restringindo a expressão “utilidade ou comodidade material fruível”, sendo considerado pelo autor apenas àqueles fruíveis diretamente pelos administrados, como, água, transportes, energia elétrica. Há outras espécies de serviços considerados públicos não usufruíveis diretamente pela coletividade, à exemplo, dos trabalhos de pesquisa científica que beneficiam a indiretamente a sociedade35.

Conclui-se, que houve uma ampliação na abrangência da noção de serviço público para incluir atividades de natureza comercial, industrial e social, isto é, o conceito não permaneceu estático no tempo e no espaço, sendo o Estado, por meio de lei, que possui a função de definir quais as atividades serão consideradas serviço público. Assim, no direito brasileiro, é a própria Constituição que estabelece essa indicação nos artigos 21, incisos X, XI, XII, XV, XXIII, e 25, parágrafo 2º, alterados, respectivamente, pelas Emendas Constitucionais 8 e 5, de 1995.

Além disso, não se pode dizer que há um conceito mais correto que outro; pode-se graduar, de forma decrescente, os vários conceitos: os que incluem todas as atividades do Estado (legislação, jurisdição e execução); os que consideram apenas as atividades administrativas, excluindo jurisdição e legislação, sem distinguir o serviço público do poder de polícia, fomento e intervenção; e, os que preferem restringir mais para distinguir o serviço

33 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2015, p. 104. 34 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 687. 35 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2015, p. 104.

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público das outras atividades da administração Pública. No direito positivo, a expressão pode ser utilizada ora em sentido amplo, ora em sentido estrito36.

No art. 37, § 6ª da CF/88, por exemplo, que trata da responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, a noção de serviço público é utilizada em seu sentido mais amplo, abrangendo todas as atividades do Estado, sem distinguir a administrativa, a judicial e a legislativa, e sem discernir o serviço público, em sentido estrito da atividade de polícia, do fomento e da intervenção. Entretanto, no art. 175 da CF/88, que atribui ao poder público a prestação de serviço público, mediante concessão ou permissão, a expressão manifesta-se em seu sentido mais estrito37.

2.2 PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO

No positivismo jurídico de Norberto Bobbio, os princípios eram entendidos como mandamento nuclear do sistema, tendo como função fundamentar normas e atuar nos espaços deixados pelas regras, no entanto, atualmente, os princípios tornaram-se espécies de normas jurídicas, assim como as regras. Dessa forma, é extremamente importante a observância dos princípios jurídicos, justamente por prescreverem valores, possibilitando a adaptação, isto é, mutação da Constituição às mudanças ocorridas na sociedade a partir da hermenêutica constitucional38.

Quanto aos princípios inerentes ao regime jurídico dos serviços públicos, os autores divergem quanto ao nome, número, conteúdo, ou valor jurídico, que muitas vezes se desdobram nos mesmos preceitos39. A legislação e a doutrina têm acrescentado outros princípios, como o da regularidade, generalidade, obrigatoriedade de prestação, neutralidade, etc. Porém, para a doutrina francesa existem três princípios que são inerentes ao regime jurídico dos serviços públicos, denominados, também, de “leis do serviço público”, e, eventualmente, “leis de Rolland”, quais sejam: o princípio da mutabilidade, da continuidade e da igualdade40.

36 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2014, p. 107. 37 Ibidem, p. 107.

38 DUARTE, Ricardo. Os princípios na ordem econômica da Constituição Federal de 1988. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/51897/os-principios-na-ordem-economica-da-constituicao-federal-de-1988>. Acesso em: 01 set. 2017.

39 SUNDFELD, Carlos Ari et al. op. cit., p. 48. 40 MELLO, Celso Antônio Bandeira, op. cit., p. 693.

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Segundo Marçal Justen Filho, o princípio da mutabilidade ou da adaptabilidade, significa a adaptação do serviço público e a alteração dos possíveis modos de sua solução conforme a variação das necessidades. A Administração tem o dever de atualizar a prestação do serviço, as modificações técnicas, jurídicas e econômicas. Isso significa a ausência de direito adquirido dos prestadores do serviço e dos usuários à manutenção das condições anteriores ou originais41.

Para Maria Sylvia, da mesma forma, o princípio da mutabilidade do regime jurídico autoriza mudanças no regime de execução do serviço para adaptá-lo ao interesse público, que é sempre variável no tempo. Assim, os servidores públicos, usuários dos serviços públicos e contratados pela administração, por exemplo, não possuem direito adquirido à manutenção de determinado regime jurídico, desse modo, o estatuto dos funcionários pode ser alterado, assim como os contratos, que podem até mesmo serem rescindidos unilateralmente para atender ao interesse público42.

Muitas das prerrogativas que a Administração possui sobre o serviço, justificam-se devido ao princípio da mutabilidade, em especial a da modificação unilateral, legitimando a incidência de medidas sobre os usuários, que podem ser atingidos no desfrute de seus direitos, seja, na modificação de tarifas, das condições de organizações, funcionamento e modo de prestações43. Em suma, “o princípio da mutabilidade reconhece para o Estado o poder de fixar e alterar de modo unilateral as regras que devem incidir nos serviços públicos, para adaptá-los às necessidades coletivas44”.

Já o princípio da continuidade, para Marçal Justen Filho, indica que a atividade do serviço público deverá desenvolver-se regulamente, isto é, sem interrupções, diante disso, desdobram-se várias consequências jurídicas, como a impossibilidade de suspensão dos serviços por parte da Administração ou do delegatário e a responsabilização civil do prestador do serviço em caso de falha. Nesse mesmo sentido, conforme Celso Antônio, a continuidade remete à impossibilidade da interrupção, e, ainda, ao pleno direito dos administrados que o serviço não seja suspenso ou interrompido45.

Diante disso, o Código Brasileiro do Consumidor, em seu art. 22, consagra a obrigatoriedade do funcionamento continuo dos serviços essenciais. A Lei federal nº

41 MOREAU, JACQUES apud JUSTEN FILHO, op. cit., p. 610. 42 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 2014, p. 114. 43 SUNDFELD, Carlos Ari et al. op. cit., p. 57.

44 MELLO apud FRANÇA, Vladimir da Rocha. Reflexões sobre a prestação de serviços público por entidades

do terceiro setor. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, Bahia, n. 6, jun/jul/ago 2006. p. 05.

(20)

8.987/95, também, faz alusão à continuidade do serviço público como um dos requisitos para que o serviço seja considerado adequado e determina as hipóteses em que o concessionário pode licitamente paralisar ou interromper a execução do serviço sem sofrer as consequências do inadimplemento, diante disso, de acordo com art. 6º, parágrafo 3º: “Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após aviso prévio, quando: I- motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações;” e, II – “por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade”46.

A primeira hipótese por motivos de ordem técnica ou de segurança refere-se à substituição de tecnologia, recuperação ou manutenção das instalações materiais e das condições satisfatórias do serviço e em caso de emergência, quando houver risco de danos a pessoas ou bens. Há emergência quando não for possível o prévio aviso aos usuários diante de uma a situação de perigo que possa ocasionar dano ou comprometer a segurança das pessoas, bens ou do próprio serviço. No entanto, se não houver emergência, existe a necessidade de realização de comunicação prévia47.

A segunda hipótese tem natureza sancionatória e refere-se à possibilidade de interrupção na prestação por inadimplência do usuário do serviço público, desde que respeitado o interesse da coletividade, fixado pelas normas de funcionamento do serviço. Há divergências quando a isso, há acórdãos, por exemplo, determinando a inadmissibilidade do corte de energia elétrica, por ser um bem essencial a população e serviço público indispensável. Por outro lado, há acórdãos considerando a legalidade, seja particular ou ente público, não caracterizando violação do princípio da continuidade do serviço público (art. 22 do CDC)48.

Ainda, segundo Maria Sylvia, do princípio da continuidade decorrem diversas consequências, como a proibição de greve nos serviços públicos, a necessidade de institutos como a suplência, a delegação e a substituição para preencher as funções públicas temporariamente vagas; a impossibilidade, para quem contrata com a Administração, de invocar a exceptio non adimpleti contractus nos contratos que tenham por objeto a execução de serviço público; a faculdade que se reconhece à Administração de utilizar os equipamentos e instalações da empresa que com ela contrata, para assegurar a continuidade do serviço; e, a possibilidade de encampação da concessão de serviço público49.

46 SUNDFELD, Carlos Ari et al. op. cit., p. 53. 47 Ibidem, p. 51.

48 Ibidem, p. 51.

(21)

Todavia, com relação ao contrato não cumprido, em regra, a Administração não tem o dever de cumprir suas obrigações antes que o particular o faça. O contrato determina, ainda, que a Administração adimplirá suas prestações posteriormente. Porém, a Lei nº 8.666/1993, outorga ao particular modalidades semelhantes à exceção do contrato não cumprido50, nesse sentido, entende o Superior Tribunal de Justiça que o contratado poderá suspender a execução do contrato, caso a Administração Pública deixe de efetuar os devidos pagamentos por mais de 90 (noventa dias)51:

4. Com o advento da Lei 8.666/93, não tem mais sentido a discussão doutrinária sobre o cabimento ou não da inoponibilidade da exceptio non adimpleti contractus contra a Administração, ante o teor do art. 78, XV, do referido diploma legal. Por isso, despicienda a análise da questão sob o prisma do princípio da continuidade do serviço público.

5. Se a Administração Pública deixou de efetuar os pagamentos devidos por mais de 90 (noventa) dias, pode o contratado, licitamente, suspender a execução do contrato, sendo desnecessária, nessa hipótese, a tutela jurisdicional porque o art. 78, XV, da Lei 8.666/93 lhe garante tal direito. (sem grifos no original).

Assim, verifica-se que a continuidade dos serviços públicos não possui caráter absoluto. Há situações específicas que excepcionam o princípio, permitindo a paralisação temporária da atividade, como por exemplo, na necessidade de proceder reparos técnicos ou realizar obras. Por outro lado, alguns serviços, geralmente prestados por concessionários e permissionários, remunerados por tarifa, admitem suspensão no caso de inadimplemento da tarifa pelo usuário, devendo ser restabelecido tão logo seja quitado o débito, como por exemplo, nos serviços de energia elétrica52.

Com relação ao princípio da igualdade dos usuários perante o serviço público, previsto no art. 5º, caput, da CF/88, o usuário possui o direito à prestação do serviço sem qualquer distinção de caráter pessoal, desde que satisfaça às condições legais. A Lei de concessões de serviços públicos (Lei nº 8.987/95) prevê a possibilidade de estabelecerem tarifas diferenciadas “em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuário”; vg. a isenção da tarifa para idosos ou tarifas reduzidas para os usuários de menor poder aquisitivo; aplicando-se o princípio da razoabilidade53.

Nesse sentindo, a prestação do serviço será igual para os usuários em situações semelhantes. Qualquer discriminação deverá ser fundamentada, de acordo com a condição ou

50 JUSTEN FILHO, Marçal Justen. op. cit., p. 559.

51 REsp 910.802/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, j. 03.06.2008, DJe 06.08.2008.

52 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. – 28 ed. rev., ampl. e atual. São

Paulo: Atlas, 2015. p. 37.

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situação em que se encontra cada usuário, no entanto, o motivo da distinção deverá ser razoável, bem como a proporcionalidade das medidas através das quais se execute a distinção de tratamento. Dessa forma, considera-se válida, conforme supramencionado, a fixação de tarifas diferenciadas em razão da situação financeira de determinados usuários ou de outras circunstâncias devidamente justificadas54.

Ademais, a doutrina aponta, ainda, princípios, como o da regularidade, obrigatoriedade de prestação, legalidade, isonomia, eficiência, transparência, segurança, modicidade nas tarifas, da supremacia do interesse público, etc. Destaque-se, o princípio da eficiência, conexo ao princípio da continuidade, no qual, o Estado deve prestar seus serviços com a maior eficiência possível e se atualizar com os novos processos tecnológicos, de modo que a execução seja mais eficiente possível. Por fim, o princípio da modicidade, significa que os serviços devem ser remunerados a preços módicos, devendo o Poder Público avaliar o poder aquisitivo do usuário55.

2.3 CONCESSÃO, PERMISSÃO E AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO

Com passar do tempo, o Estado percebeu que não dispunha de organização adequada e capacidade de desempenhar tantas atividades, delegando constantemente a outras pessoas a prestação dos serviços. A concessão de serviço público surgiu e foi utilizada desde o século XIX na Europa, principalmente na França, sendo, portanto, a primeira forma que o Poder Público utilizou para transferir a terceiros a execução de serviço público56, recaindo principalmente sobre transporte ferroviário, fornecimento de água, gás, eletricidade e transporte coletivo urbano57.

A partir da terceira década do século XX, registrou-se declínio das concessões, em razão da instabilidade econômica, das guerras mundiais e das tendências estatizantes. Dessa forma, muitas atividades concedidas foram sendo nacionalizadas através da criação das empresas estatais surgindo as outorgas para entes da Administração indireta, ao invés do setor privado. No entanto, o interesse ressurgiu a partir da década de 80 com as privatizações das estatais, utilizando as mesmas justificativas: a execução de serviços públicos sem ônus financeiro para União58.

54 MACHO, Luis Miguez apud GROTTI, Dinorá; SUNDFELD, Carlos Ari. p. 54. 55 CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 348.

56 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. p. 304. 57 MEDAUAR, Odete, op. cit., p. 352. 58 Ibidem, p. 352.

(23)

Desde a Constituição de 1934, já havia previsão no art. 137, que a lei federal regulasse a fiscalização e revisão de serviços concedidos; por sua vez, as Constituições de 1946 e 1947 e a Emenda Constitucional 1/69 previam a edição de lei sobre o regime das concessionárias de serviços públicos, porém, nunca foi promulgada. Apesar das Constituições anteriores terem feito referência às concessões, somente a Constituição de 1988, em seu art. 175, o qual determina que “incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”, fazendo expressa menção às permissões, colocando-as, como forma específica de prestação indireta de serviços públicos59.

Classicamente, através da permissão e concessão, a Administração transfere a execução de serviços públicos a particulares, com remuneração assegurada pela tarifa que os usuários pagam. Tradicionalmente, tinham como diferencial a natureza jurídica, ou seja, enquanto a concessão classificava-se como contrato administrativo, a permissão enquadrava-se como ato administrativo60. Para Maria Sylvia a diferença está na forma de constituição, a concessão decorre de acordo de vontade, ao passo que, a permissão, de ato unilateral; e, ainda, que existe precariedade na permissão, quando na concessão não há. Nesse sentido, para Celso Antônio Bandeira de Mello:

A permissão é ato unilateral pelo qual a Administração faculta precariedade a alguém a prestação de um serviço público ou defere a utilização especial de um bem público. No primeiro caso, serve de exemplo a permissão para desempenho do serviço de transporte coletivo, facultada precariamente por esta via, ao invés de outorgada pelo ato convencional denominado concessão. Exemplo da segunda hipótese tem-se no ato de facultar a instalação de banca de jornais em logradouro público, ou de quiosque para venda de produtos de tabacaria etc61.

Foi com advento da Lei nº 8.987/1995, que ficou quase impossível identificar qualquer diferença entre os institutos da concessão e da permissão, que em seu art. 4062, atribuiu à permissão o caráter de contrato de adesão, precário, e revogável unilateralmente pelo poder concedente. Destaque-se que ao invés de falar de “revogação”, que se refere a atos unilaterais, legislador deveria ter mencionado “rescisão”, que se refere a contratos; demostrando as incertezas quanto a natureza da permissão63. De fato, a lei foi peremptória quanto à natureza

59 CARVALHO, José dos Santos. op. cit., p. 387. 60 MEDAUAR, Odete. op. cit., p. 361.

61 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 443.

62 Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os

termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente. Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto nesta Lei.

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jurídica da permissão, de modo que, não há como deixar de considerar a permissão de caráter contratual.

No entanto, a incoerência da lei, assim como, do art. 175, parágrafo único, da CF/88, foi tão flagrante que dividiu o próprio Supremo Tribunal Federal. Na ação direta de inconstitucionalidade nº 1.491-DF (julg. em 1º.7.1998; vide Informativo STF nº 117, jul. 1998), de Relatoria de Ministro Carlos Velloso, na qual se discutiu a questão relativa à forma de delegação do serviço móvel celular, prevista na Lei nº 9.295/1996, a Corte decidiu, pela apertada maioria de seis a cinco, que o art. 175, parágrafo único, da CF/88, afastou qualquer distinção conceitual entre permissão e concessão, ao conferir à permissão o caráter contratual próprio64.

Apesar de inúmeras vozes discordantes dentro do próprio Tribunal, a maioria do STF considerou que atualmente a concessão e a permissão de serviços públicos têm a mesma natureza jurídica: contrato administrativo, portanto, ambos possuem características muito parecidas: são formalizados por contratos administrativos; têm como objeto a prestação de serviços públicos; representam a mesma forma de descentralização, resultam de delegação negocial; não dispensam licitação prévia; recebem, de forma idêntica, a incidência de várias particularidades desse tipo de delegação, como supremacia do Estado, mutabilidade contratual, remuneração tarifária, etc65.

Dessa forma, a diferença entre concessão e permissão de serviço público, diante da Lei 8.987/95, segundo Odete Medauar, situa-se em dois aspectos: a concessão é atribuída a pessoa jurídica ou consorcio de empresas, enquanto a permissão é somente atribuída a pessoa física ou jurídica (art. 2º, II e IV); e, a concessão destinar-se-ia a serviços de longa duração, inclusive para propiciar retorno de altos investimentos da concessionária; a permissão supõe média ou curta duração66. Maria Sylvia acrescenta ainda, que a lei no inciso IV do art. 2º, ao definir a permissão, não fez referência à concorrência como modalidade de licitação obrigatória, ao contrário do que ocorre no inciso II, relativo à concessão67.

Com relação à autorização, o art. 175 da Constituição, não fez nenhuma referência, isto porque, os denominados “serviços públicos autorizados” não são prestados a terceiros, mas em benefício dos próprios particulares autorizatários. Nessa acepção, alguns autores intitulam as atividades autorizadas de “serviços públicos”, devido à sua atribuição ser de titularidade exclusiva do Estado, que pode, discricionariamente, conferir a sua execução ao

64 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 438. 65 Ibidem, p. 438.

66 MEDAUAR, Odete, op. cit., p. 362.

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particular que queira prestá-lo, não como a intenção principal de atender à coletividade, mas as suas próprias necessidades do autorizado, conforme as hipóteses do art. 21, incisos XI e XII68.

Assim, Maria Sylvia, define autorização de serviço público como “ato unilateral, discricionário e precário, pelo qual o poder público delega a execução de um serviço público de sua titularidade, para que o particular o execute predominantemente em seu próprio benefício”. Para José dos Santos, na realidade, não há autorização para a prestação de “serviço público”, serviço público somente é objeto de concessão ou de permissão, a autorização é ato administrativo discricionário e precário pelo qual a Administração consente que o indivíduo desempenhe “atividade de seu exclusivo ou predominante interesse, não se caracterizando a atividade como serviço público” 69.

Normalmente, remetem ao art. 21, XII, da CF/8870, para justificar a autorização de serviço público, que estabelece competência à União Federal para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, atividades, como por exemplo, os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens, navegação, transportes etc. Entretanto, são atividades que nem sempre são típicos serviços públicos, sendo exercidas diversas vezes por particulares em interesse próprio, ou seja, sem qualquer benefício para qualquer grupo social71.

Diante disso, para a menção às três espécies de consentimento, reside em que a concessão e a permissão são os institutos próprios para a prestação de serviços públicos, e a autorização o adequado para o desempenho da atividade do próprio interesse do autorizatário. Além disso, o art. 175 da CF/88, ao referir-se à prestação indireta de serviços públicos, fez menção apenas à concessão e à permissão, determinando que: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”, por isso a autorização não pode consentir o desempenho de serviços públicos72.

Na prática, existem certas atividades que encerram alguma dúvida sobre se devem ser consideradas serviços de utilidade pública ou atividades de mero interesse privado, dada a

68 Ibidem, p. 350.

69 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 350.

70 Art. 21. Compete à União: XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a)

os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;

71 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 466. 72 Ibidem, p. 466.

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dificuldade em se apontar a linha demarcatória entre ambos. Até mesmo atividades que nascem como de interesse privado e, ao desenvolver-se, passam a caracterizar-se como serviços públicos73.

A atividade de transporte de passageiros, por exemplo, às vezes suscita dúvida, porque há serviços públicos e serviços privados de transporte de pessoas, como o caso das vans que conduzem moradores para residências situadas em local de mais difícil acesso em morros, ou, ainda, o serviço de táxis que se tratam de atividades privadas, e, por isso mesmo, suscetíveis de autorização, sendo assim, não será realmente serviço público, já que este se configura como objeto de permissão74.

Por fim, acrescenta-se, que a autorização não depende de licitação, em virtude do serviço prestado ser interesse exclusivo ou predominantemente do beneficiário, sendo assim, não há viabilidade de competição. O serviço é executado em nome do autorizatários, por sua conta e risco, submetido à fiscalização pelo poder público. Trata-se de um ato precário, revogável a qualquer tempo, em razão de interesse público, sem ensejar direito a indenização. A outorga, em regra, sem prazo, porém, doutrinariamente, há quem admita a possibilidade de prazo75.

73 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., 350. 74 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 467. 75 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 350.

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3 A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

As constituições brasileiras do século XIX, dispuseram de forma escassa acerca da ordem econômica, haviam aspectos ao direito de propriedade, liberdade de indústria e comércio, liberdade de profissão, contratual, entretanto, não em um capitulo específico de forma sistêmica e organizada. Somente a partir da Constituição de 1934, sob inspiração das experiências constitucionais mexicana, em 1917, e alemã, em 1919, passaram a prevê um capítulo tratando da Ordem Econômica e Social76.

Na Constituição Federal de 1988, a ordem econômica possui seu embasamento nos dispositivos do art. 170, e, além disso, “fundamentalmente nos preceitos inscritos nos seus artigos 1º, 3º, 7º a 11, 201, 202 e 218 e 219 – entre outros, como os do art. 5º, LXXI, do art. 24, I, do art. 37, XIX e XX, dos § 2º do art. 103, do art. 149, do art. 225”77. De acordo com o

art. 170, a ordem econômica tem como fundamento a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, com o objetivo de assegurar a existência digna aos cidadãos (dignidade da pessoa humana), conforme os ditames da justiça social, observados os princípios estabelecidos nos seus incisos78.

Todavia, a atividade econômica a que se refere o parágrafo único, bem como aos princípios do art. 170, é a atividade econômica em sentido estrito, isto é, a atividade sob o domínio dos particulares (conforme item a seguir), que não se confunde com a prestação de serviços públicos que, embora seja uma espécie do gênero atividade econômica (sentido amplo), é de domínio do Estado, regida pelo art. 175 da CF/88, na qual, serão observados os princípios da continuidade do serviço público, da regularidade, da generalidade ou universalidade, modicidade, segurança, atualidade, adaptabilidade ou mutabilidade e eficiência79.

76 GRAU. Comentário ao artigo 170.In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.;

STRECK, Lenio L. (Coords.). apud SILVA, Jonas Sales Fernandes da. Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte Individual de Passageiros: O “caso Uber”. Disponível em: <https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/1195>. Acesso em: 17 mar. 2017. p. 10.

77 DUARTE, Ricardo. Os princípios na ordem econômica da Constituição Federal de 1988. Disponível em: <

https://jus.com.br/artigos/51897/os-principios-na-ordem-economica-da-constituicao-federal-de-1988/2>. Acesso em: 16 jul. 2017.

78 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

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3.1 CONCEITO DE ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO ESTRITO

A Constituição diferencia o serviço público e a atividade econômica propriamente dita, subordinando-os as regras diversas. A diferenciação entre um e outro começa quando no serviço público o particular não tem a liberdade de iniciar suas atividades. A atividade econômica em sentido estrito se sujeita aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, e, tem como regra, a liberdade do particular. A intervenção direta do Estado na atividade econômica em sentido estrito, deve ser excepcional, sendo cabível somente quando necessária para a segurança nacional ou em caso de interesse coletivo, de acordo com art. 173 da CF/8880.

Há hipóteses previstas nos artigos 176 e 177 em que Constituição comtempla um elenco de situações em que o Estado exercerá atividade econômica, como por exemplo, pesquisar, refinar e transportar (no modo marítimo) o petróleo. O desempenho direto pelo Estado no domínio econômico quando não previstas na Constituição, depende de autorização legislativa. Normalmente, essa autorização legislativa está na própria lei que autoriza a criação de uma entidade administrativa dotada de personalidade jurídica de direito privado, pode ser através de sociedades de economia mista, empresas públicas, ou até mesmo, através de participações em empresas privadas81.

Enfim, o Estado deve observar as normas constitucionais que regem a atividade econômica, assim como, os princípios da proporcionalidade, legalidade e igualdade, respeitando, a liberdade do particular para atuar no mercado, conforme o regime capitalista vigente no Brasil. O transporte individual é uma atividade livre, estando sujeita, apenas regulações prévias e restrição de órgãos públicos, portanto, não há logica em atribuí-lo a natureza de serviço público, justamente, por não se enquadrar como um serviço essencial como o transporte público, saúde ou educação82.

80 SAMICO JUNIOR, Paulo. O aplicativo Uber: Um estudo de caso baseado nos princípios e fundamentos

da ordem econômica na Constituição Federal de 1988. Revista de Direito da Administração Pública Law Journal of Public of Administration. Ano nº 2 - vol. 1 - Edição nº 2 – jul/dez (2016). Niterói, 2016. ISSN 2447-2042. p. 136.

81 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. – 4. ed. rev. e atual.- São Paulo: Saraiva, 2009. p.

695.

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3.2 SERVIÇOS DE INTERESSE ECONÔMICO COLETIVO

Pode-se dizer que os serviços de interesse coletivo, apesar de não previstos formalmente na Constituição, são como uma terceira espécie de atividade econômica, sendo um intermediário entre serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Engloba atividades que apresentam características peculiares a ambos os conceitos e cujo regime jurídico não é exclusivamente de direito público, nem de direito privado. Integram os serviços de interesse coletivo as atividades que, anteriormente, configuravam-se como serviços públicos, e, outras, originalmente privadas, que acabaram adquirindo relevância para fins coletivos83.

Dessa forma, o regime jurídico aplicável a essas atividades é o de direito privado, no entanto, não há a pura e simples submissão ao direito privado, as competências fiscalizatórias estatais exercem-se de modo intenso, impondo limites mínimos de qualidade, garantias de desempenho, fiscalização em defesa dos usuários, etc. Antigamente, utilizava-se a expressão serviço público virtual para indicar algumas atividades que se destinavam à satisfação de necessidades coletivas essenciais, mas que permaneciam fora da esfera estatal, como padarias, açougues, farmácias84.

Posteriormente, outras atividades privadas foram submetidas a uma regulação intensa, alguns serviços foram despublicizados, passando-se a aludir a serviços públicos sob regime de direito privado – expressão que, rigorosamente, é uma contradição em termos. Um exemplo é a telefonia móvel celular. Destaque-se, que, somente podem ser submetidas ao regime intermediário algumas atividades, aquelas que possam ser desempenhadas por meio da livre iniciativa sem risco de comprometimento dos direitos fundamentais85.

Há setores que exigem a manutenção do regime de direito público ao menos em uma parcela significativa de sua prestação, como as hipóteses previstas no art. 21, XI e XII86, da CF/88, cuja exploração (direta ou mediante concessão, permissão ou autorização) incumbe à

83 JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., p. 576. 84 Ibidem, p. 576.

85 Ibidem, p. 576.

86 Art. 21. Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os

serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres.

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União. A referência a autorização indica a possibilidade de sua exploração sob forma de atividade econômica privada, mas a atribuição da competência à União impõe a manutenção de uma estrutura de serviço público87.

O modelo de competição entre serviço público e atividade econômica privada foi consagrado pela própria Constituição, de atividades absolutamente essenciais, atividades de assistência à saúde, à previdência social, à assistência social e à educação. Em outras áreas, a Constituição impõe a existência de serviços públicos, mas faculta a sua exploração concomitantemente como atividade econômica por parte da livre iniciativa88. Ao final do

trabalho (item 4.3), será verificado em qual categoria a atividade dos taxistas e dos motoristas se classificam.

3.3 OS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA

Com o decorrer dos últimos anos, os princípios passaram de simples instrumentos de preenchimento de lacunas nas leis – anteriormente utilizados somente após a analogia e os costumes, deixados como subsidiários pelo legislador – para o centro da interpretação constitucional, devido a sua carga valorativa, representando, assim, uma necessária reaproximação entre a ética e o direito89. Nas palavras de Sarmento, “os princípios da Constituição são normas jurídicas extremamente importantes, verdadeiros pilares do ordenamento, e não meras exortações ao legislador, desprovidas de efeitos concretos”90.

Os princípios constitucionais estabelecem limites para o legislador infraconstitucional e para a Administração, e caso sejam inobservados, geram a invalidade das normas e dos atos que os contravenham. Refletem, ainda, nas relações sociais, estabelecendo comportamentos positivos e negativos ao Estado e a particulares, operando como verdadeiras bússolas, guiando a interpretação de regras constitucionais mais específicas e da legislação infraconstitucional, conhecida como eficácia interpretativa dos princípios constitucionais, de acordo com Luís Roberto Barroso91.

87 JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., 576. 88 JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., 576.

89 SILVA, Jonas Sales Fernandes da. Uber é constitucionalmente compatível com a Ordem

Econômica Brasileira e benéfico ao consumidor. Disponível em:

<https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/1195>. Acesso em: 17 mar. 2017. p. 02.

90 SARMENTO, Daniel. Ordem Constitucional Econômica, Liberdade e Transporte Individual de

Passageiros: O “caso Uber”. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em:

<https://pt.scribd.com/document/273284827/O-Caso-Uber-Daniel-Sarmento>. Acesso em: 18 mar. 2017. p. 04.

(31)

Com relação aos transportes, o próprio constituinte inserido a disciplina (art. 178, CF92) no capítulo da Carta intitulado “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica” (Capítulo I do Título VII), sendo que, muitos princípios estão espalhados pela carta constitucional, como a liberdade de oficio ou profissão (art. 5º, XIII); a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); a propriedade privada (art. 5º, XIII), no entanto, dentre os princípios que regem a ordem econômica brasileira dois são extremamente importantes: a livre iniciativa (art. 1°, IV e 170, caput, CF) e a livre concorrência (art. 170, IV, CF), que serão desenvolvidos a seguir93.

3.4 PRINCÍPIO DA LIVRE-INICIATIVA

Em conformidade com a dimensão atingida pela doutrina da livre iniciativa no final do século XX, o constituinte brasileiro de 1988 tratou-a como princípio constitucional e, mais do que isso, como fundamento da República Federativa do Brasil, ao lado da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho e pluralismo político, no inc. IV do art. 1º da Constituição, dispondo que: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem com fundamentos: (...) IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” 94.

Dessa forma, a livre iniciativa, é a liberdade de trabalhar num determinado campo ou de se associar para trabalhar numa determinada atividade, estando previsto, também, no caput do art. 170 da CF/88, como um dos princípios fundamentais da ordem econômico-social, juntamente com a valorização do trabalho humano. O enquadramento dúplice da livre iniciativa pela Constituição acaba por enfatizar ainda mais a relevância do princípio no ordenamento constitucional brasileiro95. O princípio mantém, ainda, íntima correlação com a liberdade profissional (art. 5º, inciso XIII, da CF/88), com a liberdade de empresa (art. 170, Parágrafo único, CF), a proteção da propriedade privada (art. 5º, XXII e 170, II, CF) – inclusive dos meios de produção – e a autonomia negocial96.

92 Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à

ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.

93 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 05.

94 TAVARES, André Ramos. Parecer jurídico. Disponível em:

<http://www.parceirosbsb.com/uploads/5/4/7/6/54769587/kit_doc_01.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2017. p. 234.

95 Ibidem, p. 234.

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