• Nenhum resultado encontrado

Usucapião na ilha de Santa Catarina

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Usucapião na ilha de Santa Catarina"

Copied!
59
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO E SOCIAL

USUCAPIÃO NA ILHA DE SANTA CATARINA

Autor: VITOR CELSO DOMINGUES JUNIOR Orientador: Pro f. CARLOS ARAÚJO LEONETTI

(2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS HJRÍDICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO E SOCIAL

USUCAPIÃO NA ILHA DE SANTA CATARINA

VITOR CELSO DOMINGUES JUNIOR

Monot,-Tfafia elaborada e apresentada como requisito parcial à obtençào do título de Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.

(3)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO E SOCIAL

Os Membros da Banca Examinadora. abaixo assinados. aprovam a Monografia elaborada e apresentada por

Vitor Celso Domingues Junior

como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.

BANCA EXAMINADORA

Prof. CARLOS ARAÚJO LEONETTI

Prof. Dr. OT

Á

VIO ROBERTO PAMPLONA

Prof. ROQUE SILVA MACHADO

(4)

SUMÁRIO

INTRODlrçÃO ... 01

CAPÍTULO I: POSSE E PROPRIEDADE ... 03

l. A POSSE: CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES ... 03

2. PRINCIPAIS EFEITOS DA POSSE ... 05

3. POSSE AD USUCAP/ONEM ... 07

4. O INSTITUTO DA PROPRIEDADE E SUAS DISTINÇÕES DA POSSE, NA TEORIA E NA PRÁTICA ... 09

5. A PROPRIEDADE IMÓVEL ... l-l CAPÍTULO 11: O USUCAPIÃO ... 16

]. GÊNERO DA PALAVRA ·'USUCAPIÃO" ... 16

2. CONCEITO E PREVISÃO LEGAL ... 17

3. OBJETO DO USUCAPIÃO ... 19

4. FUNDAMENTO DO USUCAPIÃO: A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ... 20

(5)

IV

5.1. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO ... 26

5.2. USUCAPIÃO ORDINÁRIO ... 27

5.3. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO ... 28

5.4. USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL. ... 30

6. A SENTENÇA DE USUCAPIÃO ... 3 I CAPÍTULO IH: A ILHA DE SANTA CATARINA ... 33

1. SITUAÇÃO JURÍDICA DA ILHA DE SANTA CATARINA. ... 33

2. A MEIA-LÉGUA EM FORMA DE QUADRO ... 39

CAPÍTULO IV: ADMISSIBILIDADE DO USUCAPIÃO NA ILHA DE SANTA CATARINA ... -t I 1. A CONTROVÉRSIA QUANTO À COMPETENCIA PARA JULGAR A MATÉRIA ... ... -t I 2. POSSIBILIDADES DE USUCAPIÃO NA ILHA DE SANTA CAT ARINA ... ... -t-t CONCLUSÃO ... .... -t8 BIBLIOGRAFIA ... 50

(6)

INTRODUÇÃO

o

objetivo da presente monografia é realizar uma análise sobre a admissibilidade de utilização do instituto do usucapião para aquisição do direito de propriedade sobre bens imóveis situados na Ilha de Santa Catalina.

A polêmica acerca da natureza jmídica de nossa Ilha. e das suas conseqüências no âmbito do Direito das Coisas, nào é recente. Desde o ad\ento da Constituição de 1967, doutrina e jurisprudência vêm trazendo à discussão uma variedade de entendimentos cuja disparidade é tamanha que. ainda hoje. não se chegou a um consenso sobre o tema nem entre os nossos doutrinadores. nem em nossos tribunais.

o

que se pretende mostrar. com este trabalho. é que. independentemente de sua situaçào juridica, existe a possibilidade de aquisição da propriedade de imóveis na Ilha de Santa Catarina, mesmo sob a égide da atual Constituição.

(7)

.2

Para tanto, será feita, inicialmente, uma abordagem sintética sobre posse e propriedade. suas naturezas, conceitos e efeitos no ordenamento jurídico pátrio. bem como a distinção entre uma e outra. Seguir-se-á, no segundo capítulo, um estudo doutrinário sobre o instituto do usucapião, seu conceito, efeitos e o tratamento legal de cada uma de suas modalidades, com atenção especial para o usucapião de bens imóveis. Esta parte da pesquisa doutrinária não tem por objetivo fazer um estudo aprofundado. Trata-se somente de uma exposição dos conceitos gerais necessários ao desenvolvimento do ponto central.

o

terceiro capítulo trata especificamente da Ilha de Santa Catarina. sua situação jurídica frente à nossa Constituição Federal de 1967. com a Emenda n° I de 1969, e, à atual Constituição. Desenvolve-se uma abordagem critica dos textos legais. da doutrina e dos julgados referentes ao assunto. Traz-se, ainda. a questão da "meia-légua em forma de quadro".

Os temas destes três pnmelros capítulos. a posse e a propriedade. o usucapião e a natureza jurídica da Ilha de Santa Catarina. são expostos de fOllna a conduzir o raciocínio para o que se pretende mostrar no último capítulo. que é o ponto central deste estudo: a admissibilidade do usucapião na Ilha de Santa Catarina.

(8)

CAPÍTULO I

POSSE E PROPRIEDADE

I. A POSSE: CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES

o

Código Civil Brasileiro, ao tratar da Posse. no Livro II de sua Parte Especial, "Do Direito das Coisas", adotou, predominantemente. a teoria objeti\'a do jurista Rudolf Von Ihering, exigindo, para a caracterização da posse. tão somente o elemento objetivo, o corpus, ou seja a utilização econômica da cOIsa. independentemente do elemento subjetivo, o anil11l1s, que é a intenção. do titular. de ter a coisa, e que, no caso, se presume a partir do primeiro elemento. Assim é que. em seu art. 485, o Código conceitua a posse, indiretamente, ao prescrever que "considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno. ou não. de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade". E, conjugando este preceito com o alt, 524, que elenca os poderes do proprietário. pode-se conceituar a posse como a exteriorização dos efeitos da propriedade, isto é, a situação de fatol que.

I Embora haja na doutrina uma grande controyérsia a respeito da natureza jurídica da posse. ha\ I:ndo os llU": defendem ser a posse um direito ao contrário daqueles que a consideram mera situação de falO. o ..:ndosso dI:

(9)

independentemente de apreensão física sobre a COIsa, se constitui do exerClCIO de quaisquer dos poderes que o direito real da propriedade confere ao seu titular. a saber:

- o poder de usar, jus utendi, que se verifica no direito do titular de

empregar a coisa conforme a sua destinação material;

- o poder de gozar, jus fruendi, que é o direito de desfmtar. de colher os

frutos que a coisa venha a gerar;

- o poder de dispor, jus abulendi, constituído da capacidade do titular de

dar à coisa o destino que bem lhe aprouver; e

- o poder de reaver a coisa de quem injustamente a possua. decOITente do poder de seqüela inerente a todo direito real.

Das várias modalidades em que pode-se dividir a posse. somente imp0I1a ao presente estudo classificá-la quanto aos vícios objetivos e quanto à subjetividade. Pela primeira classificação, à luz do art. 489 do Código Civil. a posse se divide em posse justa e posse injusta. Diz-se justa a posse que não tem vícios e injusta quando. pela maneira aparente com que foi adqüirida, ela sugere ser ilegítima. por se revestir de algum dos vícios de natureza objetiva previstos no referido artigo:

- a violência. que se caracteriza pelo uso da força fisica ou da coaç<1o moral;

uma ou de outra linha de raeiocínio não influiria no objetivo do presente trabalho. De qualquer forma. optou-se pela corrente dos autores Silvio Rodrigues. Clóvis Beviláqua e José Carlos de Moraes Salles. entendendo ser esta a posição mais coerente. apesar de minoritária. com todo respeito às opiniões de Orlando Gomes. Washington de Barros Monteiro. Serpa Lopes. Pontes de Miranda. Caio Mário da Silva Pereira. :\laria Helena Diniz e Marco Aurélio S. Viana.

(10)

- a clandestinidade, quando, em razão das circunstàncias em que foi adqüirida, o legítimo possuidor não tomou conhecimento da violação de sua posse: e

- a precariedade, ou abuso de confiança, quando, sob mera detenção. a cOIsa deveria ser restituída ao legítimo possuidor e não o é, convertendo-se essa detenção em posse injusta. Segundo Washington de Barros Monteiro, a ljualtdl1de contrária a esse \'Ício é a Pllbltcidade, a posse de4í'utada na presença de lodos" .

Sendo, ou não, a posse viciada (injusta), pode-se. ainda. classificá-Ia. quanto à subjetividade, em posse de boa-fé e posse de má-fé. É de boa-fé a posse do adqüirente que desconhece a existência do vício, do impedimento à sua aquisiçüo. Tendo o possuidor ciência do impedimento. ou quando se presume que não o ignore. será de má-fé a sua posse.

Definida a posse em linhas geraIs, importa elencar os seus efeitos no universo jurídico.

2. PRINCIPAIS EFEITOS DA POSSE

Dentre os vários efeitos da posse. dois merecem especial atençÜl): a proteção possessória e a possibilidade de gerar usucapião.

Mesmo a posse injusta e de má-fé gera direito à proteção possessona. Porém. mesmo com relação a tal efeito, a lei confere tratamento diferenciado à posse. conforme o caráter do qual se reveste. quanto à extensão desse direito. Por ora ~

: MONTEIRO. Washington de Barros. Curso de Direito Ch·iL 3" Volume. Direito das Coisas. 29" .:d. S:1o Paulo: Sarai\a. 1991. ~~6 p. p.29.

(11)

suficiente esclarecer que enquanto à posse justa corresponde a proteção possessona plena, ao possuidor injusto é assegurada a proteção possessótia contra qualquer pessoa que ameace, perturbe ou esbulhe sua posse, exceto contra aquele de quem a coisa foi subtraída.

Sendo a posse injusta, se de boa-fé, terá o possuidor o direito de indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias, sendo-lhe assegurado o direito de retenção pelo valor destas, podendo levantar as voluptuátias. Já o possuidor de má-fé somente tem direito a receber indenização pelas benfeitorias necessárias. mas sem direito de retenção, não tendo direito à indenização quanto às úteis e sequer podendo levantar as voluptuárias.

No tocante ao usucapião, predomina na doutrina o entendimento que somente a posse justa gera direito à prescrição aquisitiva.

Além dos supra citados, a posse também gera outros efeitos. confonne ensma Clóvis Beviláqua, como a percepção dos frutos. a responsabilidade por deteriorações, a atribuição do ônus da prova àquele que a contesta e a posição processual mais favorável do possuidor. em atenção à propriedade. cuja defesa se completa pela posse-'. Porém. somente interessa ao presente estudo. dentre os efeitos da posse. o usucapião.

(12)

7

3. POSSE AD l/SUCAPIONhM

Para efeito de usucapião, a lei brasileira exige a posse no sentido dado pela teoria subjetivista de Savigny, em contraposição ao tratamento dado à posse com relação aos seus demais efeitos, quando, conforme já foi dito. o Código Civil adota a teoria objetivista.

Trata-se de uma posse qualificada pela pacificidade. pela continuidade e pelo elemento subjetivo. Da obra de Natal Nader pode-se extrair um conceito sintético. mas preciso, de posse ad llslIcapionem:

Posse 'ad usucapionem' é a que, além dos elementos indispensáveis à configuração da posse, preenche ainda os requisitos exigidos à aquisição da propriedade pelo usucapião Deve ser sem interrupção, sem oposição e exercida com intenção de dono. "animus d .. " 4

omml.

Portanto, em se tratando de posse ad lIslIcapiol1em. para a caracterização da posse não basta somente o elemento objetivo, que é a apreensão física da coisa pelo possuidor; é preciso também o elemento subjetivo, a intenção deste possuidor de ter a coisa como sua, isto é, que ele esteja agindo como se proprietário fosse.

Além disso, e ainda dentro das características objetivas da posse ad

lIslIcapionem, é necessário que a posse seja contínua ao longo do prazo necessário e que, neste decurso de tempo, não tenha havido oposição à tal situação de fato.

(13)

Importante frisar que, para a descaracterização da posse ad IIslICapiul1em.

entende-se como oposição o ato de terceiro, legalmente amparado. dirigido contra o possuidor, que tenha sm1ido o efeito de atribuir a este a obrigação de abrir mão de sua posse, sobre toda a coisa ou apenas sobre parte dela. ou, ainda que lhe seja pennitido manter-se na posse. que não mais o faça como se dono fosse. Ou seja. a oposição deverá importar na desconfiguração da posse ad llsucapionem. seja pela perda juridica

total ou parcial da posse, ou pela descaraterização do animus domini.

Também no que se refere a interrupção da posse. é necessário que o possuidor deixe, efetivamente, de exercer a sua posse, voluntária ou involuntatiamente (por força de lei ou decisão judicial). Não importará, juridicamente. na quebra· da continuidade. para fins de usucapião, o esbulho de outrém. ainda que seja o proprietário, eivado de ilicitude, desde que o possuidor tenha exercido com sucesso o seu direito de defesa, seja por desforço próprio, seja através do Poder Judiciário. Porém, neste caso, tendo o esbulho partido do proprietário, demonstrada essa condiçfio em juízo, embora não afete a continuidade da posse, certamente irá macular a sua pacificidade, afastando. conseqüentemente, a posse ad lIsucapiol1em. Nesse caso. para a descaracterização da posse ad uSllcapionem, é necessário que o proprietário tenha reclamado judicialmente para si a posse da coisa. fazendo uso da natureza dúplice das ações possessórias ou ajuizando, em tempo hábil, ação com esse objetivo.

(14)

4. O INSTITUTO DA PROPRIEDADE E SUAS DISTINÇÕES DA POSSE, NA TEORIA E NA PRÁTICA

o

direito de propriedade é, nas sábias palavras de Washington de BalTos Monteiro, o mais importante e o mais sólido de todos os direitos sll~jetil'os, o direito real por excelência, é o eixo em torno do qual grm'ita o direito das coisas'. Sobre a importância do instituto, Silvio Rodrigues relata, ainda. que. dentro do sistt!ma dt! apropriação de riqueza em que vivemos, a propriedade represel1la a espinha dorsal do direito privado, pois o conflito de il1leresses entre os homens, (Iue o ordenamel1fO jurídico procura disciplinar, se man~tésta, na quase generalidade dos casos. lia

disputa sobre bens6 •

Conceituar a propriedade é tarefa temida pelos mais festejados juristas. quanto mais por um acadêmico. Sem fugir do disposto no caput art. 514 do Código Civil. nem inovando os conceitos já formulados pela doutrina. pode-se definir o instituto da propriedade como o direito real que vincula um detenninado bem. corpóreo ou incorpóreo, ao seu titular conferindo-lhe os poderes de usá-lo. gozá-lo. dele dispor e reavê-lo de quem injustamente o possua. tudo dentro dos limites estabelecidos pela ordem jurídica.

Teoricamente, distingüe-se da posse por ser. incontestavelmente. um direito reaL embora boa parte da doutrina também considere a posse como um direito

, MONTEIRO. op. ciL. p. 88.

Ó RODRIGUES. Silvio. Direito Ciyil. 5" Volume. Direito das Coisas. 16" ed. São Paulo: Sarai, a. 19X7 -+ I () P

(15)

10

real. São, de qualquer fonna, institutos bem distintos e que recebem. da lei. tratamentos diversos. A posse, como já foi dito, é a exteriorização da propriedade. Porém, a existência de um instituto é completamente independente do outro. Pode-se ter a posse sem ter a propriedade e vice-versa, como também é possíveL obviamente. estarem reunidas nas mãos de um único titular.

Ao proprietário a lei confere uma série de vantagens além das que já são asseguradas ao possuidor.

Aliás. a proteção que a lei confere à posse tem por fundamento a presunção de que o possuidor é o proprietário, assim. protege-se a posse visando proteger a propriedade.

À luz da teoria de Ihering, adotada pelo nosso Código CiviL é que Silvio Rodrigues explica o fundamento da proteção possessória:

o

que o legislador almeja é conceder proteção ao proprietário, evitando que tenha ele de recorrer, cada vez que haja sido esbulhado, a um processo de reivindicação onde se veja

obrigado a provar a titularidade de seus direitos. Assim, para facilitar a defesa de seu dominio, a lei confere-lhe proteção desde que prove o estado de fato - isto é, 'lI/C l'S/U\'U ou es/ó na posse da coisa - e que foi esbulhado, ou está sendo perturbado. ou ameaçad07

Enumera-se. a seguir, apenas algumas diferenças entre o tratamento dado à posse e o dado à propriedade. tanto pela lei. como pela sociedade:

(16)

II

- a posse não pode ser levada a registro no Oficio de Imóveis. somente a propriedade e demais direitos reais reconhecidos em lei, por força do alt. 172. da Lei nO 6.015/73 (Lei de Registros Públicos);

- por não poder ir a registro. não pode o possuidor gravar o imóvel possuído como bem de família (art. 73, do Código Civil c/c art. 172. da Lei nO 6.015/73);

- não é possível ao possuidor dar seu bem em usufruto. apenas o proprietário pode realizar tal negócio jurídico (art. 713. do Código Civil):

- também não é possível ao possuidor dar seu bem em garantia reaL como a hipoteca. o penhor, a anticrese e a alienação fiduciária. que são faculdades exclusivas ao proprietário, e como conseqüência disso, o possuidor fica privado de celebrar os contratos onde tais garantias são exigidas (art. 756. do Código Civil e a1t. 66, da Lei nO 4.728/65;

- embora tenha ampla proteção legal de sua posse. ao possuidor a lei não confere legitimidade ativa para propor ação demarcatória. recurso posto à disposição exclusivamente do proplietário para dirimir judicialmente dúvidas quanto aos limites reais de seu imóvel (Código de Processo Civil. art.946. I e art. 950);

- ao proprietário que não esteja na posse de seu bem é assegurada ação reivindicatória para que o possuidor lhe restitua a coisa:

(17)

12

- como conseqüência das desvantagens aCIma enumeradas. o valor econômico da propriedade é bem superior ao da posse, tanto quanto aos imóveis. como aos bens móveis.

Note-se que nem mesmo perante o Direito Tributário a posse de imóveis apresenta alguma vantagem com relação à propriedade. Dos impostos que tributam a propriedade imóvel. os dois mais importantes, o IPTU - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, e o ITR - Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. apesar de suas denominações, incidem não só sobre a propriedade. mas igualmente sobre o domínio útil e sobre a posse de bem imóvel. É o que se extrai da leitura dos arts. 29 e 32 do Código Tributário Nacional. Somente quanto aos impostos de transmissão de bens inter vivos e causa mortis é que o possuidor levará vantagem sobre o proprietário, pois o fisco só pode exigí-Ios deste, ainda assim. são tributos que só incidem sobre a transmissão do bem, enquanto que o IPTU e o ITR são cobrados anualmente.

Não significa, contudo, que a posse não tenha a sua imp0l1ància. Mas. por mais que ela represente, será sempre a mera aparência de propIiedade. e é desta que decorrem todos os privilégios que ela confere ao seu titular.

Também não significa que a propIiedade seja um direito absoluto. Pelo contrário, hoje. mais do que nunca, o direito de propriedade está sujeito a um rol de limitações legais. como, por exemplo: a possibilidade de desapropriação pelo poder público, a utilização por autoridade na hipótese do art. 5°. XXV. da CF. a

(18)

possibilidade de tombamento como patrimônio histórico-culturaL as resttições militares em determinadas áreas, a sujeição aos códigos de posturas municipais. as restrições em respeito aos direitos de vizinhanças, o privilégio da União para a exploração de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica. conforme o art. 176, da CF, e, uma das mais importantes limitações. tt·azida pela Constituição de 1988, mas que infelizmente ainda não é devidamente observada na prática: a obrigação da propriedade de satisfazer a sua função social.

De qualquer forma, o volumoso numero de ações de usucapião que enchem as varas, câmaras e tunnas de nossos fóruns e ttibunais, no âmbito da justiça estadual como também na justiça federal, é a prova incontestável de que a sociedélde atribui uma importância muito maior à propriedade do que à posse. Por que contentar-se com a poscontentar-se, quando pode contentar-se ter a propriedade, ainda que a declaração da aquisiçüo desta pelo usucapião se dê através de um processo judicial moroso e. geralmente. com os ônus das custas processuais, dos honorários do advogado, com as publicações dos editais e. eventualmente, com os honorários de um engenheiro? Nem mesmo estes inconvenientes afastam do possuidor o desejo de tomar-se proprietário. E a quantidade de ações deste tipo só não é maior face ao desconhecimento da lei e às dificuldades de acesso ao judiciário, duas realidades que afligem parte considerável de nossa população.

(19)

l~

5. A PROPRIEDADE IMÓVEL

Quando disciplina a propriedade, o Código Civil Brasileiro dispensa uma atenção especial à propriedade imóvel, dedicando-lhe um capítulo exclusivo, com disposições específicas ao domínio de bens imóveis. Traz, em seu artigo 530. as formas de aquisição da propriedade imóvel, que pode se dar:

- pela transcrição (registro) do título de transferência no Registro de Imóveis, quando a transmissão da propriedade decorrer de negócio jurídico. de arrematações ou adjudicações. ou, ainda, de sentença judicial:

- pela acessão, que se constitui do aumento de volume. de utilidade ou de valor econômico de urna propriedade preexistente em razão de um acréscimo material decOlTente de fatores naturais ou da atividade humana:

- pelo direito hereditário. com a sucessão CGlIsa mor/is, por herança

legítima ou testamentária, ou por legado; e

- pelo usucapião. que será estudado em capítulo específico.

Deve-se. ainda. acrescentar aos modos de aquisição da propriedade imóvel. embora não conste da relação do art. 530. o casamento sob o regime da comunhão universal de bens, conforme o disposto nos alis. 262 e 266. copu/.

É importante esclarecer que. mesmo as outras fonnas de aquisiçüo da propriedade que não se dão pelo registro do título de transferência. exceto a acessüo.

(20)

15

deverão ser levadas a registro no Registro de Imóveis, conforme determina o caplll do art. 169, da Lei de Registros Públicos.

(21)

CAPÍTULO II

O USUCAPIÃO

1. GÊNERO DA PALAVRA ""USUCAPIÃO"

Importa inicialmente prestar um esclarecimento quanto ao emprego da palavra "usucapião" no gênero masculino, apesar de. por sua origem. tratar se de uma palavra feminina.

Embora os mais consagrados gramáticos da língua pOltuguesa. como. por exemplo, Aurélio Buarque de Holanda Ferreiras, ainda trazem-na. em suas obras. como um substantivo feminino, pela força do uso consagrou-se a sua utilização no gênero masculino e, atualmente, é quase uma unanimidade. na doutrina. na jurisprudência e até mesmo na lei, o tratamento da palavra "usucapião" como um substantivo masculino. Somente na Lei nO 6.969/81 o instituto é tratado como uma

x FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda. NOl'O Dicionário da Língua Portuguesa, 2" cd, Rio de JaneHo NO\aFronteira. \995, 1.838p, p, 1.744,

(22)

17

palavra feminina. Por isso, adotou-se, nesta monografia, o já sedimentado costume de referir-se ao instituto como "o usucapião".

2. CONCEITO E PREVISÃO LEGAL

Usucapião é o modo originári09 de aquisição da propriedade. ou de qualquer outro direito real, de bens móveis ou imóveis, que se dá pela prescliçào aquisitiva. ou seja. pelo decurso de um determinado lapso temporal. previsto em lei. e desde que cumpridos os demais requisitos dela, requisitos estes que Valiam confonne a modalidade de usucapião. É o mais importante efeito da posse.

Apesar de, na prática. o instituto ter sua aplicação quase que exclusivamente para aquisição da propriedade. é também possível. confonne Washington de Barros Monteiro. Caio Mário da Silva Pereira. Orlando Gomes e Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, a utilização do usucapião para a aquisição de outros direitos reais. como o domínio útil na enfiteuse. as servidões aparentes. o usufmto. o uso e a habitação10 .

O Direito Romano já tratava do usucapião na Lei das XII Tábuas. na Tábua 6~. inciso III, como um modo de aquisição do domínio de bens. móveis ou imóveis, pelo decurso de prazo previsto em lei no exercício da posse do referido bem.

-) Conforme SALLES (1991:29). um<l corrente minoritária da doutrina nacional defende a tese de que 0

usucapião é modo deri\ado de aquisição da propriedade. Caio l\1ário da Siha Pereira é um dos pom:os JUflSta~

de renome que adota este entendimento

I" apud SALLES. José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imówis e Mówis. São Paulo Re\ lsta cios

(23)

IX

Atualmente, no ordenamento jurídico pátrio, o usucapião encontra-se regulado em diversos dispositivos legais, a saber:

- no Código Civil, arts. 550 a 553 relativamente aos bens imóveis. e nos arts. 618 e 619 quanto aos móveis;

- na Constituição da República Federativa do Brasil. em seus al1s. 183. quanto ao usucapião especial urbano, e 191, referente ao usucapião especial rural:

- na Lei n° 6.969/81, que também disciplina o usucapião especial rural ou pro-labore;

- no Código de Processo Civil, nos arts. 941 a 945. quando trata do rito especial da ação de usucapião.

No que tange à localização do usucapião na lei processual. o Desembargador Francisco de Oliveira Filho)) assevera que. com o advento da Lei n" 8.951/94, que aboliu a audiencia preliminar de justificação de posse, que antel;onnente figurava no procedimento do usucapião. passou este processo a seguir exc1usi\·amente o rito ordinário. A audiencia preliminar é que constituía a fase especial desse procedimento, e, com a sua supressão, deixa de existir o motivo pelo qual o usucapião figurava dentre os procedimentos especiais. Hoje é mero procedimento ordinário. impropriamente localizado no Livro IV, do Código de Processo Civil.

II OLIVEIRA FILHO. Francisco de. Consignatória em Pagamento e Usucapião - Reflexões. Jurisprudência Catarinense. Vol. 75. Florianópolis. 1996. p. 08-09.

(24)

\<)

3. OBJETO DO USUCAPIÃO

Podem ser objeto de usucapião todos os bens, móveis ou imóveis. com exceção:

a) dos bens públicos;

b) dos bens insuscetíveis de apropriação, pela sua natureza ou em vÍItude de lei.

Como exemplo de bens insuscetíveis de apropriação por sua natureza. podemos citar o ar, a luz solar, as águas livres. Também não podem ser objeto de posse os direitos pessoais. Dentre os que não podem ser apropriados por força de lei estão as coisas fora do comércio. conforme o art. 69 do Código Civil.

Quanto aos bens públicos, de acordo com o art. 66 do Código Ci\il. estes se dividem em:

a) bens de uso comum do povo. como os mares. nos. estradas. ruas e praças:

b) os de uso especial. que são os aplicados a serviço ou estabelecimento federal. estadual ou municipal: e

c) os bens dominicais. ou patrimoniais. que são aqueles que nào se enquadram em nenhuma das espeCles anteriores, constituindo património da Lniào. dos Estados ou dos Municípios.

(25)

:!o

Os bens públicos tomaram-se legalmente inusucapíveis com o advento do nosso Código Civil de 1916. Porém, tal matéria suscitou dúvidas durante. ainda. muito tempo. A inusucapibilidade dos bens públicos somente se firmou com a edição da Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal. que pôs fim a controvérsia até então existente. esclarecendo que "desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais. como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião".

A Constituição de 1988, em seus arts. 183, § 3° e 191. parágrafo único. também frisou a inusucapibilidade de bens públicos.

Porém, observa Moraes Salles que. apesar da vedação da Súmula 340. tem predominado, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que é possível o usucapião do domínio útil nas enfiteuses quando se tratar de imóvel público aforado I ~ .

4. FUNDAMENTO DO USUCAPIÃO: A FUNÇÃO SOCIAL DA

PROPRIEDADE

José Carlos de Moraes Salles descreve muito bem o fundamento do instituto do usucapião:

Todo bem, móvel ou imóvel, deve ter uma função social. Vale dizer. deve ser usado pelo proprietário, direta ou indiretamente, de modo a gerar utilidades. Se o dono abandona esse bem; se se descuida no tocante à sua utilização. deixando-o sem uma destinação e se comportando desinteressadamente como se não fosse o proprietário. pode, com tal procedimento, proporcionar a outrém a oportunidade de se apossar da aludida coisa. Essa posse, mansa e pacifica, por detemlinado rempo prevIsto em lei. será hábil a gerar a aquisição da propriedade por quem seja seu exercitador. porque interessa à coletividade a transformação e a sedimentação de tal sirl/ordo de 1'1/0 em

situação de direito. À paz social interessa a solidificação daquela situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-a em situação de direito. evitando-se. assim. que a instabilidade do possuidor possa eternizar-se, gerando discórdias e conflitos que afetem l~ SALLES. op. cil.. p. 92-93.

(26)

:!l

perigosamente a hannonia da coletividade. Assim, o proprietário desidioso. que nào cuida do que é seu, que deixa seu bem em estado de abandono, ainda que nào tenha a intenção de abandoná-lo, perde sua propriedade em favor daquele que. havendo se apossado da coisa, mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-a como se sua fosse. 13

Conclui-se, então, que o fundamento do usucapião não é outro senão o princípio da função social da propriedade.

Com a Constituição de 1988, o princípio da função social da propriedade teve a sua importância reconhecida em vários dispositivos: no art. 5°. XXII. quando trata dos direitos e deveres individuais e coletivos: no art 170, 111. quando traz os princípios da ordem econômica e financeira; no art. 182, § 2°, quando disciplina a política de desenvolvimento urbano; e no art. 186. a respeito da função social da propriedade rural.

Muito se discute sobre o real significado da expressão "função social da propriedade". Alguns constitucionalistas chegam a expressar o temor da má aplicação do princípio, como a que lhe poderia ser dada por um regime fascista, colocando-o. nas mãos do Estado, como um instrumento de intervenção direta na liberdade econômica e social.

Em se tratando de um Estado Democrático de Direito. como é o nosso caso, é inconcebível que venha a se conferir ao princípio uma instrumentalidade diIigida a tais fins.

(27)

Em comentário a este princípio, Alcino Pinto Falcão ilustra bem esta impossibilidade:

Assim, para ficar mais claro: a lei não poderá, por exemplo, impor (a bem do zoneamento) ao proprietário de uma mansão, transformar esta, por estar próxima de uma praia de veraneio, em pensão para receber hóspedes. Ou aos donos de uma fábrica de doces enlatados mudar o gênero de indústria para frangos enlatados, por haver no mercado (em especial para fins de obter divisas com a exportação) maior solicitação destes e ser, economicamente, mais aconseU1ável tal gênero de indústria E, assim, por diante ... l-l

Contudo tal temor não afasta qualquer instrumentalidade do pnnClplO. Persiste aquela que lhe é conferida como fundamento do usucapião.

o

festejado constitucionalista Celso Ribeiro Bastos esboça um conceito do que seria a função social da propriedade:

A ftmção social visa coibir as defonnidades, o teratológico, os aleijões, digamos assim, da ordem jurídica. É o que cumpre examinar agora. Vale dizer, em que consistem aquelas destinações que poderão levar ao uso degenerado da propriedade a ponto de colocar o seu titular em conflito com as nonnas juridicas que a protegem

A chamada ftmção social da propriedade nada mais é do que o conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes até com medidas de grande gravidade Jundica. recolocar a propriedade na sua trilha nonnal.l~

Satisfaz sua função social a propriedade que recebe uma destinaçào. seJa para moradia. seja para estabelecimento econômico. recreativo. político. científico. cultural, histórico ou mesmo social. ou ainda para preservação ambiental. hipótese em que a propriedade estará cumprindo sua função pennanecendo inalterada. resguardando-se e protegendo o que estiver dentro de seus limites.

[1 FALCÃO. Alcino Pinto e outros. Comentários à Constituição. I" Volume. Rio de Janeiro: Frellas Bastos.

1990.506 p. p. 237.

(28)

, '

_.'

Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos, com relação a propliedade urbana:

A função social do solo urbano é cumprida pela sua utilização economica plena. o que pode ocorrer com ou sem edificação. Em outras palavras, é o critério economico o que predomina. Se o bem estiver se prestando a uma utilização economica plena. evidentemente levando-se em conta a sua adequação topográfica. localização etc.. nào será passível das medidas sancionatórias.16

Importante destacar que, por um lado, o usucapião nada mais é do que uma destas medidas sancionatólias do não cumprimento da função social da propriedade, pelo abandono da coisa. É pelo princípio da função social da propriedade que se justifica que um mero possuidor, pelo usucapião, adquira o direito de propriedade, face ao abandono. ao desleixo, ao desinteresse do proprietário que se verificam durante um lapso temporal considerável.

Diante disso. a pergunta que se faz é se existe alguma resnição à aplicação desse plincípio no que tange à propriedade dos bens dominicais: Qual selia o fundamento da propriedade destes bens para elidir qualquer preocupação quanto à função social que deveria ter se estivesse nas mãos de um patlicular'? .-\ inusucapibilidade dos bens dominicais não fere este princípio? Em síntese. o plincípio da função social da propliedade só se aplica aos imóveis de particulares: Por que os bens públicos patrimoniais não devem, também, se submeter ao princípio da função social da propriedade:

(29)

o

questionamento é específico aos bens publicos dominicais. e não aos de uso especial e de uso comum do povo, porque estes. por sua essencia. incontestavelmente, já preenchem uma função social.

Sob este aspecto, é o entendimento de Celso Ribeiro Bastos:

Destarte, é forçoso concluir-se que o acervo de medidas ao alcance do Estado. voltado ao descumprimento da função social da propriedade. só pode ter por objeto terras particulares, sejam urbanas ou rurais. 17

E no mesmo sentido é o entendimento de Eros Roberto Grau:

o

primeiro ponto a salientar, no tratamento da matéria, respeita ao fato de que. embora isso passe despercebido da generalidade dos que cogitam da jill1ç-'iio socw! da

propriedade, é seu pressuposto necessário a propriedade privada. Embora se possa referir da função social das empresas estatais, v.g. - quais as jimpJcs sociaiS por elas cumpridas como prestadoras de serviço público e como exploradores de atividade econômica em sentido estrito? - a idéia da jimção social como vínculo que atribuI à propriedade conteúdo específico, de sorte a moldar-lhe um novo conceito. só tem sentido e razão de ser quando referida à propriedade privada. A alusão à função SOCIal da propriedade eSfatal qualitativamente nada inova, visto ser ela dinamizada no exercício de uma jimção pública. E a referencia à função social da propnedw/e coletiva, como vinculo a tange-la, consubstanciaria um pleonasmo Não obstante. embora a afirmação da jimção social da propriedade compreenda, prévia - porém nào declarada, explicitamente - afirmação da propriedade privada, umas tantas vezes a primeira afirmação foi e permanece sendo, tida como "revolucionária". 18

Porém, em divergência com os ilustres entendimentos. não parece razoável que o Estado. por sua Constituição, assegure um princípio que se aplica a toda a coletividade, mas não a si próprio. E não só é possíveL como ocorre na prática. inclusive em nossa Ilha de Santa Catarina, casos em que a propliedade dominical encontra-se em completo estado de abandono, sem absolutamente nenhuma destinação.

I ' id. ibid .. op. cit.. p. 75.

I~ GRAU. Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica) 2" cd. Sjo Paulo: Revista dos Tribunais. 1991. 336 p. p. 2.J.J.

(30)

25

Se é a função social da propriedade o fundamento maior do usucapião de terras particulares, por que também não o é com relação ao usucapião de bens patrimoniais, sejam da União, do Estado ou do Município, quando estes não lhes dão uma destinação social?

Contudo, a vedação contida nos arts. 183, § 3° e 19 L parágrafo único. da Constituição Federal, como também na Súmula 340 do STF. de que os imówis públicos não serão adqüiridos por usucapião, exclui tais imóveis da aplicação do princípio da função social da propriedade.

Certamente a intenção do constituinte em confinnar tal vedação na Carta de 1988 não foi outra senão a de impor um limite indiscutível ao princípio da flmç<1o social da propriedade, visto que. em se tratando de um princípio amparado constitucionalmente, não surtiriam esse mesmo efeito as previsões da Súmula 340 e do Código Civil, por serem nOlmas infra-constitucionais.

Assim, com relação aos bens públicos, o princípo da função social da propriedade não tem a mesma instrumentalidade verificada em relação aos bens particulares. no sentido de fundamentar o usucapião destes.

De qualquer fonna. ainda que restrito à propriedade paIticular. e o princípio da função social que embasa o usucapiào. Sem ele. o instituto sena uma fonna de enriquecimento sem causa, o que nào poderia ser amparado pelo nosso direito.

(31)

26

5. MODALIDADES DE USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS

Relativamente aos bens imóveis, existem hoje quatro modalidades de usucapião em nosso ordenamento jurídico. O usucapião ordinário. o usucapião extraordinário, o usucapião especial rural ou pro-labore e o usucapião especial urbano.

Cada modalidade tem sua previsão legal e características específicas distintas das demais. Todas tem em comum a necessidade de o requerente se encontrar na posse pacífica e ininterrupta do imóvel, com animus domini, há um detenninado inter\'alo de

tempo. O procedimento processual também é um só para todas as espécies de usucapião, o rito ordinário (a partir da Lei 8.951/94), exceto com relação ao usucapião

pro-labore, que tem seu procedimento determinado pela Lei 6.969/81. As demais

especificidades de cada modalidade serão vistas a seguir.

5. I. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO

O usucapião extraordinário. de que trata o nosso Código Ci\'il no a11.

550. se dá após o transcurso do prazo de 20 (vinte) anos de posse ad lisucapiol1L'l1I.

Este é o maior dos prazos exigidos para a aquisição da propriedade por usucapião. Com 20 anos de posse pacífica e ininterrupta, o possuidor com anil11u.'i dOl11ini adqüire efeti\'amente o domínio do imóvel, independentemente de possuir título e de estar de boa ou má-fe. que são presumidos por força da lei.

(32)

'!.7

José Carlos de Moraes SaBes explica que na verdade, não há preslmc,'âo,

no caso; o que ocorre é a di.~pensa dos requisitos de justo título e boa fé. sá exigÍl'eis para o usucapião ordináriol9 •

Tanto para o usucapião extraordinário, como para o ordinário. que será estudado a seguir. pelmite o Código, em seu art. 552, que se somem as posses do atual possuidor e de seu antecessor, desde que ambas sejam contínuas e pacíficas.

5.2. USUCAPIÃO ORDINÁRIO

Nesta modalidade de usucapião, prevista no art. 551 do Código Civil. diferentemente do extraordinário, são requisitos o justo título e a boa-fé do possuidor.

Entende-se por justo título o documento aparentemente hábil a operar a transferência do imóvel. porém eivado de algum vício ou irregularidade intrínseca que tome impossível a efetivação desta transmissão.

Natal Nader esclarece mais e exemplifica:

Em outras palavras, é necessário que o título seja formalmente válido. não submetido a nenhuma nulidade absoluta e esteja transcrito (arts. 531, 532. 11 e

m,

e 533. do Codigo Civil), para ser considerado justo e hábil à aquisição do domínio, como uma carta de arrematação ou de adjudicação, um formal de partilha. uma escritura publica de compra e venda, ou de permuta, ou de doação, aparentando legitimidade.

É o caso. por exemplo, em que alguém adquire, "a non domino", um imóvel. recebe a respectiva escritura pública devidamente formalizada e a transcreve no registro imobiliário competente, entra na posse do mesmo com ânimo de dono, durante 10 ou 15 anos. contínua e íncontestavelmente. Concorrendo aínda a boa-fé. militará em seu favor o usucapião ordinário, eis que nessas condições, a imperfeição originária foi escollllada pelo lapso de tempo decorrido.20

19 SALLES. op. cit.. p. 56. 2" NADER. op. cit.. p. '!.5.

(33)

2X

o

intervalo de tempo necessário para o usucapião ordinário. confonne o

capu! do art. 551, é de 10 (dez) anos entre presentes. ou 15 (quinze) anos entre

ausentes. E, segundo o parágrafo único do mesmo artigo. "reputam-se presentes os moradores do mesmo município e ausentes os que habitam município diverso". Se no início da posse esta era entre presentes e durante o curso do prazo para usucapião o proprietário mudou-se para outro município, ou, na situação inversa. se morava em outro município e após o termo inicial do prazo para usucapião o proprietário veio a residir no mesmo município do imóvel usucapiendo. serão considerados proporcionalmente os tempos de posse entre presentes e entre ausentes. resultando-se em prazo supelior a 10 e inferior a 15 anos.

5.3. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO

A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer para o nosso ordenamento juridico mais uma modalidade de usucapião: o usucapião especial urbano. previsto em seu art. 183.

Esta espécie de usucapião tem algumas particularidades bem diversas das demais categorias de usucapião. além dos requisitos já exigidos por estas.

A primeira diz respeito ao prazo: é. juntamente com o usucapião pro-lahore. o mais curto. Para gerar direito ao usucapião são necessários apenas 5 (cinco) anos de posse.

(34)

29

Se por um lado a lei reduziu o prazo, por outro ela traz uma sene de limitações. A área do imóvel usucapiendo não poderá ultrapassar duzentos e cinqüenta metros quadrados (área do terreno). É necessário que o possuidor efetivamente uti Iize o imóvel para sua moradia ou de sua família. Exige ainda a lei que o requerente não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Também é vedado este direito a quem dele já se beneficiou uma vez.

Note-se que esta previsão do § 3°, de que não será concedido este usucapião ao mesmo possuidor mais de uma vez, embora pareça desnecessária em tàce da exigência do caplll, de que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel. não o é, uma vez que é perfeitamente possível que alguém adquira a propriedade de um imóvel por esta modalidade de usucapião, depois desfaça-se da mesma e venha a possuir outro imóvel, intentando, após cinco anos, novamente, ação idêntica. Nada obsta, todavia, que o usucapião especial urbano seja deferido ao requerente. que atualmente não seja proprietálio de outro imóveL mas que já tenha sido beneficiado, no passado, por outra ação de usucapião, desde que de modalidade diversa.

Somente são usucapíveis por esta modalidade os imóveis localizados em zona urbana. O caráter de urbano e rural, empregado tanto para esta categoria como para o usucapião especial rural. objeto do próximo ponto, leva em consideração tão somente a localização do imóvel, não tendo qualquer relevância se a sua destinação é urbana ou rural. como se depreende, com relação ao urbano, do capíhllo em que se insere. "Da Política Urbana"', e com relação ao usucapião ruraL não só pelo capítulo,

(35)

30

"Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária", mas também pela clareza do disposto no art. 191, quando prevê o usucapião de "área de terra, em zona rural".

Ainda pela redação dos arts. 183 e 19 L concluí-se que as modalidades de usucapião especial urbano e especial rural, por exigirem a moradia do possuidor ou de sua família, são exclusivas para pessoas fisicas. Às pessoas jmídicas é pennitido o usucapião somente nas modalidades ordinálio e extraordinário~1 .

5.4. USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL

o

usucapião especial rural, ou agrário, ou, ainda, pro-Iaho/'I!, foi criado pela Constituição de 1934. As Constituições de 1937 e 1946 mantiveram sua previsão, mas as Cartas de 1967 e 1969 foram omissas, embora o instituto tenha se mantido através do Estatuto da Terra, Lei 4.504/64, em seu art. 98 e, postelionnente, pela Lei n° 6.969/81. Agora, com o advento da Constituição de 1988. foi reinstituído consti tuci onalmente.

o

art. 191, da nossa Constituição. concede o direito ao usucapião pró-labore, após o lapso de 5 (cinco) anos. ao possuidor de área em zona rural. não superior a cinqüenta hectares. se tornou-a produtiva, pelo seu trabalho ou de sua família. tendo nela sua moradia. desde que não seja proprietário de outro imóvel. urbano ou rural.

(36)

.~ I

6. A SENTENÇA DE USUCAPIÃO

A sentença no processo de usucapião é meramente declaratória e não constitutiva22 . O fato é que a aquisição da propriedade se dá no momento em que o possuidor reúne todos os requisitos exigidos pela lei para usucapir. independentemente de qualquer outra providência. Prova disso é que o usucapião pode ser argüido pelo possuidor, como matéria de defesa, em ação possessória ou reivindicatória onde figurar como réu.

Porém há uma distinção importante quanto à sentença que declara a aquisição da propriedade em ação de usucapião e a proferida em ação diversa reconhecendo a aquisição da propriedade por usucapião alegado como matéria de defesa. É que somente a primeira poderá ser levada a registro no Registro de Imóveis. justamente porque no segundo caso. diferentemente do que ocorre nas ações de usucapião, qualquer que seja a modalidade, não houve as citações dos réus. assim considerados pela lei e, tampouco, a intimação do Município. do Estado e da União.

Justamente em razão do processo. onde toda a coletividade toma conhecimento da demanda. a sentença proferida em ação de usucapião declarando a aquisição da propriedade é, por si só, independentemente do registro. oponível erga omnes.

Porém, Moraes Salles observa que:

(37)

Não obstante, o registro da sentença (ou a transcrição, como diz o art. Q45 do CPC) tem inegável importância: 1°) porque dá publicidade à aquisição do imóvel, mediante usucapião, resguardando a boa fé de terceiros; 2°) assegura a continuidade do próprio registro; 3°) possibilita o exercício do direito de dispor da coisa (il/.\" disponcndi), por

d . 73

parte o

(38)

CAPÍTULO

IH

A ILHA DE SANTA CATARINA

1. SITUAÇÃO JURÍDICA DA ILHA DE SANTA CATARINA

A situação jurídica da Ilha de Santa Catalina. como também de outras ilhas em situação idêntica, que é o caso das ilhas de VitórialES. de São Luís/l\'lA. de Ilha BelalSP e outras, tomou-se objeto de polêmica a partir da Constituição de 1967.

Atualmente é quase pacífico o entendimento de que a Ilha de Santa Catarina, em sua maior parte. está sob a propriedade da União. mas esta posição só se firmou com o advento da Constituição de 1988, quando o legislador. no intuito de eliminar de uma vez por todas a polêmica que havia acerca da natureza jUlidica das ilhas que são capitais de Estados da Federação, como a Ilha de Santa Catarina. re-elaborou o artigo constitucional que regulamenta os bens cujo domínio peltencem à União. Pela Carta Magna vigente, na Ilha de Santa Catarina. somente não estão sob o

(39)

domínio da União os bens que, comprovadamente, são de propriedade do Estado. do Município de Florianópolis ou de terceiros.

Mas nem sempre foi assim. A Carta de 1969 trazia, em seu artigo 4°. os bens da União com a seguinte redação, mantendo o texto original da Constituição de

1967 nos incisos 11, IV e V:

Art. 4.0 Incluem-se entre os bens da União:

I - a porção de terras devolutas indispensável à segurança e ao desenvolvimento naCionaiS;

11 - os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio. ou que banhem mais de um Estado, constituam limite com outros paises ou se estendam a território estrangeiro; as ilhas oceânicas, assim como as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países;

III - a plataforma continental;

IV - as terras ocupadas pelos silvícolas;

v -

os que atualmente lhe pertencem; e VI - o mar territorial. (grifado)

A discussão que se travava antes do advento da atual Constituição girava em tomo do argumento de que, sendo a Ilha de Santa Catarina uma ilha costeira. não estaria ela incluída entre os bens da União, visto que destes só faziam parte as ilhas oceânicas. E levantava-se a distinção geográfica entre ilhas oceânicas e ilhas costeiras como se isto fosse relevante para excluir estas do patrimônio da União.

Legalmente, que diferença faria tal distinção? Que sentido tàz o legislador prever expressamente que o mar territorial é bem da União e as ilhas costeiras não, sendo que estas estão localizadas no mar territorial?

(40)

Cite-se, como exemplo desta interpretação restritiva. o entendimento do constitucionalista Marcelo Caetano, com relação à previsão da Constituição de 1969:

No terntono do Brasil há frações que estão atribuídas à jurisdição dos Estados-membros, e partes que ficam sob a jurisdição direta dos órgãos federais C.) A referência do art. 4° às ilhas oceânicas é pouco clara. Ilhas oceânicas são a rigor todas as que se encontram submetidas à soberania brasileira no Oceano Atlântico. Ora entre elas há a distinguir:

a) as ilhas próximas da costa maritima (ilhas costeiras) e por vezes a ela ligadas por pontes, como sucede. por exemplo, com as ilhas de São Luiz do Maranhão. e de Santa Catarina, onde por sinal se situam as capitais de Estados, de cujo território fazem parte e a cujo domínio pertencem. 2-l

Porém, já na época, o Mestre Hely Lopes Meirelles, em sua obra maior. mostrava que a distinção entre uma e outra era indiferente para caracterizar suas naturezas jurídicas:

As ilhas marítimas classificam-se em costeiras e oceânicas. As ilhas costeIras são as que resultam do relevo continental ou da platafonna submarina: ilhas OCl'ÔI1/CL7S são as

que se encontram afastadas da costa e nada têm a ver com o relevo continental Oll com

a platafonna submarina.

As ilhas costeiras, por se encontrarem no mar territorial, sempre foram consideradas dominio da União, porque este mar e tudo o que nele se encontra é bem federal ~,

Note-se, ainda. que o Poder Judiciário, por seu órgão máximo. acolheu a distinção entre ilhas oceânicas e ilhas costeiras para defender a propriedade dos Estados, municípios. ou terceiros, sobre estas, ignorando. simplesmente. a previsão feita no inciso VI, do mesmo artigo 4°. O Judiciário tinha. de alguma fonna. que corrigir a injustiça cometida pelo Legislativo. ainda que isto nitidamente implicasse em

:1 apl/i! AGUIAR. Ana Claudia Aguiar. Dissertação (Mestrado em Direito) - Natureza Jurídica da Ilha de

Santa Catarina. Uni\'ersidade Federal de Santa Catarina. 19l)~. I ~5 p. p. 6O-ú I.

:' MEIRELLES. Hcly Lopes. Direito Administrati\'o Brasileiro. Atualizada por Eurico de Andrade .ÁJ.c\cdo. Délcio Balestro Alcixo e José Emmanuc\ Burle Filho. 20" ed. São Paulo: Malheiros. 1995. 7~ 1 p. p. -+(,5

(41)

uma ilegalidade. Pois foi em Acórdão proferido em 6 de março de 1985. louvável. nào pela interpretação constitucional que trazia, mas pelo seu objetivo de fazer justiça. que o Supremo Tribunal Federal prolatou o seguinte entendimento:

ILHAS OCEÂNICAS. CF, art. 4°, 11.

Há de ser entendida esta expressão em seu sentido técnico e estrito. visto que o constituinte de 1967 por certo não pretendeu inscrever. abruptamente. no domínio da União, bens situados em centros urbanos, nas ilhas litorâneas. e integrantes do patrimônio de Estados, municípios e particulares.

Mérito da sentença singular e do acórdão do TFR.

Hipótese de não conhecimento do recurso extraordinário da União. 21>

Destaca-se, neste julgamento, que muito repercutiu entre os nossos juristas. o seguinte trecho do voto do Ministro Francisco Rezek:

Parece seguro que o constituinte de 1967, ao empregar o termo "iUlas oceânicas" no art. 4°, 11 do texto maior, fê-lo no exato sentido técnico e limitado que reconhecidamente ostenta a tanto tempo entre nós. A tese da União não é desarrazoada á consideração simples do texto constitucional, no preciso tópico em exame. Não seria correto. entretanto, enunciar pela metade os efeitos dessa tese. usando-a como obstáculo ao usucapião postulado por uma família que se instalou a cinqüenta anos num terreno de Ilha Bela, e escamoteando, no mesmo passo, tudo quanto de absurdo a referida tese importa consigo, sobretudo á vista das circunstâncias em que se produziu a Carta de 1967, e do fato de que a federação é ainda, embora tantos o ignorem, a forma do Estado brasileiro. A ler na expressão "ilhas oceânicas" o que lêem, neste momento. os patronos da fazenda federal, e dada a realidade elementar de que contra o comando constitucional não há direito adqüirido ou ato juridico perfeito que se contraponha. teremos que três Unidades federadas não menos que três Unidades federadas -perderam em 1967, suas capitais para o patrimônio da União. Em São Luiz do Maranhão, bem assim em Vitória e Florianópolis, o Estado e o município já nào deteriam mais seus bens dominicais, nem os de uso especial, nem os de uso comum do povo. Ter-se-ia extinto, igualmente, o patrimônio privado. Do palácio do governo á casa de família, da catedral ao clube recreativo, das lojas e fábricas á praça pública. tudo se haveria num repente convertido em patrimonio da União por obra do constituinte de 67, tomando este - e logo este - por um rompante de audácia que teria assombrado os legisladores da Rússia de 1918. Igual fenomeno ter-se-ia abatido sobre importantes centros urbanos do Estado de São Paulo. situados em ílhas costeiras. bem como sobre outras incontáveis cidades e povoações que se estendem pelo litoral atlântico. A modéstia, no entanto, terá levado os patronos da fazenda federal a silenciar sobre essas admiráveis conseqüências do seu conceito de "ilhas oceânicas", preferindo

:r. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n" IOI.037-SP. União c Espólio de Lincoln Feliciano da Sil\"a. Relator: Ministro Fracisco Rezek. 06 de março de 1985. RC"ista Trimestral de Jurisprudência. [Brasíliaj. \". 113. p. 1.279-1.288.

(42)

passagens:

37

enunciá-lo tão só em face do particular que reclama do Judiciário o reconhecimento da . - . . . 27

prescnçao aqUisitIva.

Mas, ainda deste Acórdão, pode se extrair de seu relatólio as seguintes

Veja-se, no entanto, que a Constituição não pode ser interpretada tão-só literalmente, com base em critérios técnicos ou científicos. Carta Política por essência que é, importa que se lhe dê, principalmente, exegese histórica e política.

(. .. )

Ora, se a Constituição preocupou-se em afirmar o dominio da União sobre a platafomla continental e o mar territorial - cuja largura logo a seguir foi estendida para 200 milhas marítimas. pelo Decreto-lei nO 1.098, de 25 de março de 1970, em atitude perfeitamente coerente com o óbvio propósito constitucional -, teria sentido entender-se que, no que tange às ilhas, que se situam sobre a plataforma continental e dentro do mar territorial. admitisse excluídas da propriedade federal, para só abranger algumas poucas,' ou sejam, aquelas consideradas oceànicas, na mais rigorosa acepção geográfica e geológica')

Não, porque tal racioc1l11O atenta contra a interpretação histórica da Carta Magna e conduz ao absurdo, que deve sempre ser repelido, em hermenêutica.

(.. )

Absurdo seria, ao contrário, que se pretendesse estar o dominio da União assegurado tão-só sobre a platafonna continental na qual se insere a ilha: o mar territorial que cerca a ilha: a faixa litorânea que circunda a ilha: mas, não, sobre a própria ilha que se situa no Oceano Atlântico - o principal bem apossado pela Constituição. a partir de 1967, do qual as ilhas, oceânicas ou não, são mera parte integrante -, tão-só por razões puramente semânticas.

( ... )

Em verdade, quer sob o prisma histórico, que em face da dicotomia adotada pela ConstitUição, quer à luz dos fatos econômicos, quer tendo em vista a inspiração política que bafejou o texto constitucional, resulta inegável que as ilhas oceânicas - continentais ou não - incluem-se, todas. entre os bens da união, desde o advento da Carta Politica de

196728

- BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso E:..traordimirio n° 10 1.037-SP. Uniào e Espolio de Lil1l.:o1n Feliciano da Silva. Relator: Ministro Fracisco Rezek. 06 de março de 1985. Rc\'ista Trimestral de Jurisprudência. IBrasílial. v. In. p. 1.279-1.288.

:~ BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso E:..traordinário n° 10 \'(U7-SP. Uniào e Espólio de Lincoln Feliciano da Silva. Relator: Ministro Fracisco Rezek. 06 de março de 1985. Rc\'ista Trimestral de Jurisllrudência. IBrasílial. v. In. p. 1.279-1.288.

(43)

o

fato é que já era, àquele tempo, uma interpretação forçosa para conigir uma injustiça cometida pelo legislador. Qualquer bacharel em direito sabe que um diploma legislativo deve ser interpretado em seu conjunto e não at1igo por at1igo isoladamente. No caso, estava se fazendo o absurdo de interpretar um inCISO

especificamente sem considerar os demais incisos do mesmo artigo. Era óbvio que o legislador estava abrangendo dentre as ilhas oceânicas as ilhas costeiras, e se, por desconhecimento do significado da expressão geográfica que estava utilizando, deixou a entender que não estaria incluindo as ilhas costeiras no inciso 11. de qualquer modo estas estavam abrangidas pelo inciso VI, o mar territorial. Coube ao Judiciário utilizar-se dos instrumentos que tinha para afastar a aplicação na prática da vontade. do legislador.

Hoje, a Constituição da República Federativa do BrasiL de 5 de outubro de 1988, disciplina a mesma matéria da seguinte maneira:

Art. 20. São bens da União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos:

11 - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambientaL definidas em lei:

III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu dominio. ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros paises. ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais:

IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países: as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas destas. as áreas refendas no art 26, lI;

V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva: VI - o mar territorial:

(44)

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; VIII - os potenciais de energia hidráulica;

IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos: XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios." (grifado)

E O inciso lI, do artigo 26, mencionado no inciso IV acima transcrito. traz

como bens dos Estados, "as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras. que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob o domínio da União, Municípios ou terceiros". (grifado)

Com isto, o Judiciário perdeu o principal argumento que tinha para fazer justiça, ante o objetivo insólito do legislador. Foram reconhecidas as conquistas até então realizadas. resguardando-se os direitos já adqüiridos, mas confirmou-se o objetivo de estabelecer. injustificadamente, uma situação absurda. impedindo. em definitivo, que se ampliassem as propriedades de particulares em tais ilhas.

2. A MEIA-LÉGUA EM FORMA DE QUADRO

Existe. na Ilha de Santa Catarina. uma área que está fora do domínio da União. por estar comprovadamente, por sua história. nas mãos de particulares ou do Município de Florianópolis. Trata-se da Meia-Légua em Quadro. uma sesmaria deferida à Municipalidade, terras doadas à então Câmara da Vila do DesteITo. 110

(45)

A pacificidade quanto à possibilidade de usucapião nesta área já decorre do art. 1°, alínea d, do Decreto-lei n° 9.760/46.

Como título legítimo, hábil a provar a dominialidade do Município de Florianópolis sobre a Meia Légua em Forma de Quadro, tem-se as provisões de 06 de abril de 1815 e de 26 de março de 1822.

Hoje, a meia légua em quadro, que. apesar do nome, distancia-se bastante da figura de um quadrilátero, abrange uma parte considerável do centro da Ilha. nela se incluíndo praticamente todo o Centro de Florianópolis e parte dos bairros Agronómica. Trindade, Itacombi, Saco Grande, Pantanal, Saco dos Limões, José Mendes e Prainha. conforme plantas nos anexos desta monografia. Quase a totalidade desta área foi cedida pelo Município a particulares e encontra-se. atualmente, sob o domínio Plivado.

(46)

CAPITULO IV

ADMISSIBILIDADE DO USUCAPIÃO NA ILHA DE SANTA

CATARINA

1. A CONTROVÉRSIA QUANTO À COMPETÊNCIA PARA JULGAR A

MATERIA

Ainda com o advento da Constituição Federal de 1988. pennanece a discussão na jurisprudência quanto à competência. se da Justiça Estadual ou da Justiça Federal.

o

Tribunal Regional Federal da 4a Região tem proferido reiteradamente

em seus acórdãos o seguinte entendimento:

Direito Constitucional. Processo Civil. Usucapião. Ilha costeira. Domínio da Uniào Competência. Agravo de Instmmento. CF, arts. 20, IVe 22. 11. CPC, arts. 111. 113 e 941.

J. A discussão sobre o domínio das ilhas costeiras, reaherta com a !1ova reda~'â(}

dada pelos artigos 20. IV e 22, II da Constituição Federal de 1 tJ88, Stl !)ode ,'t'r

decidida. em sentença de mérito. pelo ./uiz Federal. klcultando-se LI {!môo () dlrello de acompanhar a produção da prova perante a ./ustiça competcnte, quc e LI Fedcrul

2. A alegação de que o possuidor pode ter adquirido a propriedade. pela IJJa!1l1fel1~'â(} de posse em tempo anterior à redaç-'ão dada ao assunto pela C0!1S(lfIl1Ir'ÔO J.i:dero/ de

Referências

Documentos relacionados

A Lei nº 2/2007 de 15 de janeiro, na alínea c) do Artigo 10º e Artigo 15º consagram que constitui receita do Município o produto da cobrança das taxas

Os resultados indicaram que, em ambas as espécies, a seção transversal exerceu influência na propagação da onda de ultrassom e que a velocidade longitudinal foi fortemente afetada

Não haverá jamais maior dor que a de perda um ente querido, e a ele ter de dizer o defenitivo adeus, e não existem quaisquer palavras ou gestos que algo possam contra o sofrimento

Após a realização de todas as atividades teóricas e práticas de campo, pode-se concluir que não há grande erosão do conhecimento popular e tradicional de plantas medicinais, que

Após a implantação consistente da metodologia inicial do TPM que consiste em eliminar a condição básica dos equipamentos, a empresa conseguiu construir de forma

- Se o estagiário, ou alguém com contacto direto, tiver sintomas sugestivos de infeção respiratória (febre, tosse, expetoração e/ou falta de ar) NÃO DEVE frequentar

Após isso, com a aceleração não prevista de novos óbitos no país, em especial no estado de São Paulo, a média móvel observada (dados oficiais) descolou de nossa

A abordagem mais usual de fadiga, que utiliza a tensão nominal e a classificação de detalhes geométricos para previsão da vida em fadiga, não abrange conexões mais complexas e