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A literatura como rede de saberes: fios e nós no enlace de conhecimentos

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

RUDIÃO RAFAEL WISNIEWSKI

A LITERATURA COMO REDE DE SABERES: FIOS E NÓS NO ENLACE DE CONHECIMENTOS

IJUÍ - RS 2019

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RUDIÃO RAFAEL WISNIEWSKI

A LITERATURA COMO REDE DE SABERES: FIOS E NÓS NO ENLACE DE CONHECIMENTOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Doutorado em Educação nas Ciências, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação nas Ciências.

Orientadora: Doutora Helena Copetti Callai

IJUÍ - RS 2019

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Catalogação na Publicação

Eunice Passos Flores Schwaste CRB10/2276

W815l

Wisniewski, Rudião Rafael.

A literatura como rede de saberes: fios e nós no enlace de conhecimentos / Rudião Rafael Wisniewski,. – Ijuí, 2019.

197 f. : il. ; 30 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Educação nas Ciências.

“Orientadora: Helena Copetti Callai.”

1. Complexidade. 2. Desautomatização. 3. Inter-trans-multidisciplinaridade. 4. Literatura e educação. 5. Rede de saberes.

I. Callai, Helena Copetti. II. Título.

CDU: 82:37

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DEDICATÓRIA

Aos que abraçam a natureza humana, em toda a sua complexidade, e acreditam na educação como meio para uma sociedade melhor, como uma grande rede, onde todos têm lugar.

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AGRADECIMENTOS

Às professoras Noemia Mower, a primeira; Juselha Barbosa Dias, a alfabetizadora; Cleni Pit Venzo; que ensinou a bem usar a Língua Portuguesa; Sandra Colbek, que abriu as portas para a literatura; Maria Eloisa Zanchet Sroczynski, que ensinou ir além das fronteiras.

Aos amigos Jorge Alberto Fonseca, Ana da Silva Lemes, Aglaé Panosso, Nilse Strobel, Isabel Brettas Duarte e tantos outros, que foram o porto seguro e a alegria nos momentos de festa e de dor.

À minha irmã Rayne, meu pai João e demais familiares, especialmente minha mãe Claide e outros que já não estão presentes fisicamente, pelo amor incondicional, incentivo e energia para a jornada.

Às orientadoras, Doutora Lenir Basso Zanon, que me recebeu e apresentou à Educação nas Ciências; Doutora Maria de Lourdes Dionísio, pelo conhecimento compartilhado, suporte e amizade durante o Doutorado Sanduíche em Portugal; Doutora Helena Copetti Callai, pela abertura e inclusão em sua magnífica rede de saberes, da qual sou profundamente grato e lisonjeado por fazer parte.

Às Professoras Doutoras Maria Aparecida Camargo, Maria de Lourdes Dionísio, Maristela Maria de Moraes e Lenir Basso Zanon, pelo aceite em participar da banca examinadora – Cátia Maria Nehring, da qualificação – e pelas contribuições para melhor comunicar uma ideia de propulsão de conhecimentos na educação, pela literatura.

À Unijuí e ao PPG em Educação nas Ciências, pelas aprendizagens e experiências compartilhadas.

Ao Instituto de Educação da Universidade do Minho, pela oportunidade de expandir meus estudos em uma universidade europeia, com qualidade e reconhecimento.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, pela bolsa concedida por meio do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior - PDSE, que viabilizou meu tempo de estudo em Portugal.

Aos colegas de trabalho e às instituições de ensino onde atuei e atuo, principalmente ao Instituto Federal Farroupilha, pelo apoio e oportunidades, na luta por um ensino público, gratuito e de qualidade.

Ao meu espírito prosaico e poético, que me faz continuar com leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência, até a derradeira leitura de um texto literário, o cerrar da cortina do teatro da vida.

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Encontrar o próprio passo, o próprio peso e a própria leveza, a breve e fugaz medida dos átomos, as circunferências e as páginas escritas ou ainda em branco. Sair de si, do que se é, do que se sabe: o idêntico a si mesmo só traz idiotia e peso morto. Ir-se ao mundo: às tumbas dos poetas, aos céus próximos, ao passado menos recente, à duração do frágil, aos gestos ainda estão imóveis. Educar como apartar-se, afastar-se de casa, longe de todo ponto de partida. Educar como respirar: nada se aprende da asfixia. Educar como escapar: da apatia, da tirania, da voz paralisante. Educar como voltar ao lugar onde nunca estivemos antes.

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RESUMO

A literatura é mais que uma disciplina curricular, é uma rede de saberes, pois articula vários conhecimentos para sua constituição. Ela pode transformar fios de informação em nós de conhecimento, para alcançar a rede de saberes necessária à aprendizagem, possibilitando uma educação mais aberta, não fragmentada, mais condizente com a vida humana. Esta tese se propõe, a partir do texto literário, a pensar uma alternativa para a atual crise da educação, por meio da desautomatização dos processos educativos, complexificar o ensino, ampliar o pensamento, na formação de um ser humano mais ético, fraterno, sensível, arguto, crítico e criativo, interdisciplinarmente, e construir uma Educação nas Ciências – que também é o nome do Programa de Pós-Graduação no qual a tese foi desenvolvida, na Linha de Pesquisa: Currículo e formação de professores –, sendo cada disciplina uma parte-todo fundamental. A meparte-todologia conta com estudos bibliográficos, guiados principalmente pelo pensamento complexo, conforme Morin (1997, 2002, 2003, 2005, 2011, 2012 e 2013), as propostas para este milênio, de Calvino (2015) e a defesa do atrito literário (LOPES, 2003). Ao campo teórico, articulam-se entrevista, Grupo Focal, contos e peças teatrais, que compõem o campo empírico da tese. Os sujeitos da pesquisa são alunos dos Cursos de Química do IFFar-PB. Sustenta o procedimento metodológico do material produzido, a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016). Constata-se que a literatura pode contribuir à educação brasileira, sem precisar de uma reorganização curricular, o que permite defender a tese de que ela auxilia na propulsão de conhecimentos necessários à aprendizagem, tendo em vista que, pelo contato frequente com o texto literário, mesmo que alguns minutos por aula, permite a constituição de mentes mais disponíveis a aprender, alargando a imaginação, ampliando a visão, a sensibilidade, a intelectualidade. Pela leitura e discussão de contos, poesias, romances, peças teatrais, pode-se dar leveza aos processos educativos, na contraposição à dureza instituída tradicionalmente nas instituições de ensino, diante de uma geração que supervaloriza as redes sociais, possibilitando o enlace de nós de conhecimentos, frente a milhões de fios-informações que recebem na rapidez da era digital. Isso permite contribuir para que alunos e professores possam lidar com a incerteza e a exatidão das Ciências, agora e na visibilidade do porvir. Do mesmo modo, com a multiplicidade de formas de se ensinar e aprender conhecimentos pertinentes, inter-trans-multidisciplinarmente, para se alcançar a rede de saberes imprescindível à consistência de uma formação integral e humana.

Palavras-chave: Complexidade. Desautomatização. Inter-trans-multidisciplinaridade.

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ABSTRACT

Literature is more than a curricular discipline, it is a knowledge network, because it articulates several understandings for its constitution. It can transform information wires into understanding nodes to reach the knowledge network necessary for learning, enabling a more open, non-fragmented education, more in keeping with human life. This thesis proposes, starting from literary texts, to think an alternative to the current education crisis, through the de-automation of educational processes, as well as to make teaching more complex, to broaden thinking, to the formation of a more ethical, fraternal, sensitive, quick-witted, critical and creative human being, interdisciplinarily, and to build an Education in Sciences – by the way, this is the name of the Post-Graduation Program in which this thesis was developed, in Research Line: Curriculum and teachers formation –, each discipline being a fundamental whole-part. The methodology relies on bibliographical studies, guided mainly by the Complex Thought, according to Morin (1997, 2002, 2003, 2005, 2011, 2012 and 2013), Calvino’s memos for this millennium (2015) and the defense of literary clash (LOPES, 2003). The theoretical field is integrated to an interview, Focus Group, short stories and theatre plays, which make up the empirical field of the thesis. The research subjects are IFFar-PB Chemistry Courses students. Content Analysis (BARDIN, 2016) supports the methodological procedure of the material produced. Literature can contribute to Brazilian education without the need for a curricular reorganization, what allows to defend the thesis that it assists in the propulsion of understandings necessary for learning, given that, through frequent contact with literary texts, even if a few minutes per lesson, allows the constitution of minds more available to learn, enlarging the imagination, broadening the vision, the sensitivity, the intellectuality. By reading and discussing short stories, poetry, novels, plays, we can give lightness to educational processes, as opposed to the hardness traditionally instituted in educational institutions, before a generation that overvalues social networks, making it possible to link understanding nodes, in the face of millions of information wires they receive from the Digital Age quickness. This allows students and teachers to cope with the uncertainty and exactitude of science, now and in the visibility of the future. Likewise, with the multiplicity of ways of teaching and learning pertinent knowledge, inter-trans-multidisciplinarily, in order to reach the knowledge network essential for the consistency of an integral and human formation.

Keywords: Complexity. De-automation. Inter-trans-multidisciplinarity. Literature and education. Knowledge network.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Redes de saberes didáticos e pedagógicos ... 19

Figura 2 – Diferença entre 3G e 4G ... 34

Figura 3 – Angelus Novus, Paul Klee, 1920 ... 43

Figura 4 – Ciência, imaginação e arte ... 57

Figura 5 – Imagens do livro Poá ... 83

Figura 6 – Tirinhas de Grant Snider ... 85

Figura 7 – Capa do livro Contos negreiros ... 99

Figura 8 – Ego x eco ... 105

Figura 9 – Final de Pinóquio, em inglês ... 169

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior EA – Escola de Arquitetura

Enade – Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes HQ – História em quadrinhos

IA – Inteligência artificial

Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IFFar: – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha

Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira MEC – Ministério da Educação

PB – Campus Panambi

Pibid – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PPG – Programa de Pós-Graduação

PPI – Prática Profissional Integrada T3 – Turma 3

T4 – Turma 4

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TV – Televisão

UFPE – Universidade Federal de Pernambuco UM – Universidade do Minho

Unijuí – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

URI-FW – Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões- Campus Frederico Westphalen

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SUMÁRIO

1 LEVEZA: INTRODUÇÃO ... 12

1.1 O texto literário na contribuição ao ensino e à aprendizagem ... 15

1.2 Rede de saberes e nós de conhecimento ... 18

2 RAPIDEZ: EDUCAÇÃO, LITERATURA E A ERA DIGITAL ... 32

2.1 A era digital ... 34

2.2 Educação, literatura e o porvir ... 48

3 EXATIDÃO: CIÊNCIA E CONSCIÊNCIA... 54

3.1 Inteligência e consciência ... 61

3.1.2 Ciência e o inconsciente ... 62

3.3 Pensar fora da caixa (e do país) ... 70

4 VISIBILIDADE: LITERATURA E DESAUTOMATIZAÇÃO ... 80

4.1 Leitura, literatura e educação ... 87

4.2 Leitor cosmopolita ... 90

4.3 Literatura e complexidade ... 95

4.4 Literatura, defesa do atrito ... 100

5 MULTIPLICIDADE: LITERATURA E PROPULSÃO DE CONHECIMENTOS .... 104

5.1 Literatura e rede de saberes no Curso de Química ... 109

5.2 Literatura e interdisciplinaridade ... 125

5.3 Desenvolvimento além da Química ... 129

5.3.1 Caracterização do grupo e o processo ... 130

5.3.2 Os encontros do Grupo Focal ... 131

5.3.3 Análise e interpretação: o que dizem os alunos... 134

5.3.3.1 A literatura como processo da aprendizagem ... 135

5.3.3.2 Os conteúdos específicos contextualizados no universal ... 139

5.3.3.3 Motivos e necessidades de aprender ... 146

5.4 Literatura, intelecto e emoção ... 148

6 CON(SISTÊNCIA)CLUSÃO ... 151

REFERÊNCIAS ... 159

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1 LEVEZA: INTRODUÇÃO

O que o vento não levou No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo um carinho no momento preciso o folhear de um livro de poemas o cheiro que tinha um dia o próprio vento... Mario Quintana (2009, p. 37) A magia, o poder, a sabedoria, o prazer da literatura parecem algo inquestionável. O ganho intelectual proporcionado por essa arte remonta a tempos imemoriais, quando as histórias ficcionais ainda eram transmitidas oralmente. Mas o que acontece quando se entra em contato com a literatura? Como ela pode ajudar a educação1 atual, principalmente no desinteresse dos alunos pelos conteúdos específicos? Por que não se utilizam as tecnologias para a leitura de tais textos, se hoje estão literalmente na palma da mão – nos smartphones? Essas são algumas das perguntas que pretendo trazer para pensarmos juntos nesta tese.

Para a tessitura do texto uso a metáfora da rede. É necessário entender que fio será usado como sendo a informação, transmissão/recepção de dados via leitura; nó (laço) representará o conhecimento, ou seja, a informação interpretada, que faz sentido, não apenas assimilada; e rede são os saberes, um conjunto de conhecimentos que permite agir, compreender a complexidade de um conteúdo (alguns nós), um componente curricular (muitos nós), uma área (inúmeros nós) e assim sucessivamente.

A presente tese defende que a literatura2 é propulsora da formação dos conhecimentos que faltam para a rede de saberes da educação atual deixar de ser apenas acúmulo de informações. O contato frequente com o texto literário ajuda na constituição de mentes mais disponíveis a aprender, mais sensíveis, mais argutas, mais criativas. A metáfora da rede será uma constante durante o texto, pois, mesmo que não percebamos, tudo está interligado por redes. Temos as redes sociais, as

1 Por “educação”, compreenda-se a Educação nas Ciências, com a visão de comunidades argumentativas nas quais os sujeitos entendem-se entre si, por meio de compartilhamento de uma linguagem universal, a exemplo da Química, Geografia, Matemática, Filosofia, Música, Literatura, entre outras (MARQUES, 2002).

2 Literatura stricto sensu, ou seja, no sentido de arte literária, não como conjunto de textos escritos, conforme a palavra é utilizada por áreas que não a de Letras.

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redes neurais, redes de proteção, rede de computadores, rede de ensino, entre tantos outros possíveis exemplos de redes e sub-redes da grande teia global.

Neste texto, que trata sobre as complexas redes de saberes, com conhecimentos-nós formados por fios de informação, o interesse principal são as possibilidades de ampliar os conhecimentos. A intenção é investigar a situação atual da educação para, sem precisar mudar o espaço físico das instituições de ensino, sem carecer de uma reorganização curricular, propor atividades para que o ensino permita e encaminhe um conhecimento pertinente3.

Na atualidade, há grande preocupação com o insuficiente aprendizado dos alunos nas instituições de ensino, desde os Anos Iniciais até a Educação Superior. Algumas mudanças foram feitas, por vezes, devido a obrigações legais e políticas públicas, por exemplo, a mudança de séries para anos, no Ensino Fundamental, iniciando a alfabetização aos 6 anos; ou a possibilidade de melhorar os índices da educação a partir de indicativos como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia do Ministério da Educação (MEC) (BRASIL, 2018).

No entanto, muitas das mudanças foram infrutíferas para a ampliação do conhecimento ou interesse nas aulas, por conseguinte, com desempenho aquém do desejado pelos profissionais da Educação. As políticas públicas e as propostas de reformas são, muitas vezes, de gabinete, enquanto o cotidiano da escola é diferente, tendo outras demandas voltadas ao ensino e à aprendizagem do aluno. A precariedade da formação dos professores dificulta a eles encontrar alternativas visando realizar um ensino que atenda às demandas.

Acresça-se a isso que a escola – como está configurada na atualidade – e o fascínio com a tecnologia parecem incompatíveis, haja visto que esta vence a mesmice, o “peso”, a “lerdeza” da sala de aula. Enquanto os professores ainda se detêm à leitura simples do texto, a internet é hipertextual4. Alguns professores pensam

3 Segundo Morin (2013, p. 91), “É a contextualização que sempre torna possível o conhecimento pertinente. [...] Temos, portanto, a necessidade de ensinar a pertinência, ou seja, um conhecimento simultaneamente analítico e sintético das partes religadas ao todo e do todo religado às partes. [...] podemos apreender totalidades relativamente restritas, a começar pela realidade do nosso próprio planeta, levando cada vez mais em conta que nele há, cada vez mais, problemas transversais que recobrem as diferentes disciplinas”.

4 A maioria dos textos disponibilizados na internet são hipertexto, uma vez que permitem acessar outros textos, mesmo não verbais, a partir do inicial. Conforme Lévy (2010, p. 25-26), as características básicas ou “princípios abstratos”, dos hipertextos são: “1. Princípio de metamorfose: A rede hipertextual

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que trocar livros pelo Data Show é bem tecnológico, ficando dependentes dessa forma de transmitir conhecimento, quando, na verdade, o que se pode fazer é revolucionar a maneira como se ensina e se aprende, não apenas mudar o suporte com que, erroneamente se transmite, como se o aluno só precisasse receber as informações e acrescentar às que já possui.

É evidente que a tecnologia tem influenciado nesse desinteresse pelas salas de aula, porém, mesmo instituições de ensino aparelhadas com os últimos lançamentos tecnológicos para apoio e incentivo da aprendizagem não têm conseguido o resultado esperado. O problema é que a forma como muitos professores entendem o ensino e a aprendizagem não acompanhou o desenvolvimento tecnológico dos últimos tempos. O pensamento na educação pode ser mais hipertextual, mesmo sem internet. A formação disciplinar e fechada da Modernidade Sólida (BAUMAN, 2001) fez os professores pensarem que se ensina na Educação Básica como se aprende na Graduação e Pós-Graduação, quando, mesmo nesses níveis de ensino não devia ser assim, pois os reflexos do descompasso entre as novas tecnologias e as velhas formas de ensino estão prejudicando também a aprendizagem nos Cursos Superiores.

Não estou generalizando, nem propondo mudanças drásticas. Há que se entender a abertura para o conhecimento proporcionada pela internet. Com o “www” (world wide web, ou rede de alcance mundial) é possível que um aluno possua em mãos mais conhecimento que um professor com a mais alta especialização. O que fazer então? Proibir o uso para não diminuir o prestígiodo professor? Valer-se desse recurso para dinamizar as aulas? Independentemente da resposta, nada mudará se o conteúdo do quadro for apenas transferido para a tela, se não for aberto para a

encontra-se em constante construção e renegociação. Sua extensão, composição e desenho estão sempre em mutação, conforme o trabalho dos atores envolvidos, sejam eles humanos, palavras, sons, imagens, etc. 2. Princípio de heterogeneidade: Os nós de uma rede hipertextual são heterogêneos; podem ser compostos de imagens, sons, palavras, etc. E o processo sociotécnico colocará em jogo pessoas, grupos, artefatos, com todos os tipos de associações que pudermos imaginar entre eles. 3. Princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas: O hipertexto é fractal, ou seja, qualquer nó ou conexão, quando acessado, pode revelar-se como sendo composto por toda uma rede de nós e conexões, e assim, indefinidamente. 4. Princípio de exterioridade: A rede não possui unidade orgânica, nem motor interno. Seu crescimento e diminuição, composição e recomposição dependem de um exterior indeterminado, como adição de novos elementos, conexões com outras redes, etc. 5. Princípio de topologia: No hipertexto, tudo funciona por proximidade e vizinhança. O curso dos acontecimentos é uma questão de topologia, de caminhos. A rede não está no espaço, ela é o espaço. 6. Princípio de mobilidade dos centros: A rede possui não um, mas diversos centros, que são perpetuamente móveis, saltando de um nó a outro, trazendo ao redor de si uma ramificação infinita de pequenas raízes, rizomas, perfazendo mapas e desenhando adiante outras paisagens".

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interpretação, se não se ouvir o que o conteúdo disse para o aluno, não apenas uma forma de leitura possível em um meio de reprodução mais tecnológico.

Podem existir outras possibilidades que, levando em consideração essas premissas e tomando-as como aliadas, permitam construir alternativas interessantes para uma mudança significativa na aprendizagem, podendo iniciar hoje. Minha proposta é o investimento na literatura, seja no papel, seja na tela, ou qualquer outro suporte. Com apenas alguns minutos da aula dedicados à leitura de um conto ou poesia, trecho de um romance5 ou peça teatral, levando os alunos a pensarem sobre seu significado, sobre os possíveis sentidos do texto para eles, ao invés de tentarem achar a verdade do autor, podemos fazer a diferença.

Todos os tipos de texto carecem de interpretação e todos eles precisam se ligar a conhecimentos pré-existentes para fazerem sentido e serem aprendidos, caso contrário, serão apenas mais informações, mais fios soltos. No entanto, além do ganho vocabular, imaginativo, criativo e mesmo afetivo da leitura de um texto literário, seu estatuto abertamente ficcional não obriga saber o que o autor quis dizer, portanto, o aluno aprende a interpretar, a descobrir o que o texto diz para ele. Por isso, esse tipo de texto poderia ser utilizado em todos os componentes curriculares, não apenas Língua Portuguesa e Literatura.

1.1 O texto literário na contribuição ao ensino e à aprendizagem

Mais que um componente curricular, a literatura constitui uma rede de saberes, pois mobiliza vários conhecimentos, trabalha com e ajuda a criar mais nós para sua rede, a partir de redes de outras áreas do conhecimento, sempre utilizando a linguagem, as palavras, nossa principal forma de comunicação. Não há como escrever um bom livro ficcional, um conto, um poema, sem mobilizar diversos conhecimentos. Isso é verdadeiro com qualquer conteúdo disciplinar, pois todos eles, de alguma maneira, utilizarão conceitos válidos para outros componentes curriculares.

Todavia, a literatura permite a abertura dos e para os saberes a serem articulados nas Ciências Naturais, Humanas, Linguagens ou Matemática, com suas

5 Romances são livros com narrativa ficcional, maiores que os contos, os quais aparecem organizados juntos para constituir um livro, enquanto o romance é o livro, independente do tema. Não precisa ser uma história de amor, um romance romântico, pode ser um romance policial, histórico, romance de ficção científica, etc.

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respectivas tecnologias. Ela é inter-trans-multidisciplinar. A literatura é complexa por natureza, tal qual a educação. O estranhamento6 causado pelo texto literário é um processo/efeito que pode contribuir com o ensino e a aprendizagem por nos colocar em perspectiva, lendo o texto, imersos nele, mas fora dele. Tira-nos do “lugar comum” e nos permite um olhar de fora, pari passu ao envolvimento por estarmos dentro do ambiente escolar. Esse não é apenas um bom meio para o conhecimento, mas também para o autoconhecimento. “Se não sais de ti, não chegas a saber quem és”, já disse Saramago (1998, p. 40). Enquanto, muitas vezes, parece aos alunos que os conteúdos escolares não têm nada a ver com eles, fazendo-os desfrutar apenas das matérias que têm facilidade, o texto literário sempre tem a ver com eles, pois será interpretado à sua maneira, articulando suas vivências, suas leituras, suas emoções para que façam sentido.

Desde minhas primeiras experiências como professor – há 16 anos –, tanto dos conteúdos do currículo dos Anos Iniciais quanto de Inglês, em todos os anos da Educação Básica, percebi a diferença das aulas em que utilizava textos literários. Como meu contrato era de 20h/aula e o currículo da escola municipal contava com apenas 7h/aula de Inglês nos Anos Finais do Ensino Fundamental, atuei em todas as disciplinas que não tivessem professor disponível na escola. Os únicos componentes curriculares em que não atuei foram Matemática e Ensino Religioso. Trabalhei inclusive na modalidade Educação de Jovens e Adultos.

Em todos os componentes curriculares e em todas as turmas, a literatura foi uma excelente forma de introdução, de desenvolvimento ou retomada dos conteúdos ensinados. No decorrer dos anos, como professor também de Língua Portuguesa e, posteriormente, em minha atuação como docente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha - Campus Panambi (IFFar-PB), não foi diferente: o texto literário continuou auxiliando na aprendizagem e no desenvolvimento da sensibilidade e criatividade discente.

Felizmente, não sou o único a utilizar e identificar os resultados positivos do uso do texto literário no cotidiano da sala de aula. Conforme o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Flávio Brayner (2015, p. 115), “são muitos os artigos lançados nestes últimos anos em revistas especializadas em

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educação que nos dão mostra de um interesse crescente dos educadores por uma aproximação entre literatura e educação”.

Professores têm percebido os benefícios de se utilizar o texto literário em suas práticas didático-pedagógicas. Apenas para exemplificar, cito um trecho da entrevista do professor Juan Nápoles Valdez7, concedida à revista Ciência Hoje On-line, na qual ele fala a respeito de sua experiência em formação de professores:

Ciência Hoje On-line: O senhor parece ser crítico aos estudantes dos dias de hoje. É uma impressão correta?

Juan Nápoles Valdez: Os meus alunos chegam ao curso de análise matemática não apenas com sérias deficiências de conhecimento matemático, mas também com déficit na formação sociocultural. Estas não são falhas irreparáveis, mas precisam ser corrigidas para que eles melhor desenvolvam sua profissão futura.

É aí que entra a literatura?

Sim. Apesar de todos os esforços para melhorar a apresentação do tema da minha matéria, ela continuou conservando a aura de ser uma disciplina difícil, árida e inacessível para a maior parte dos alunos.

Em um momento de calmaria, fui juntando os diferentes recursos que existem na literatura e ajudam a apresentar o conteúdo da aula. Criei um plano de aula que forma duplamente, tanto pelo viés literário quanto pelo matemático (CAMELO, 2012).

Sua experiência em sala de aula corrobora minhas constatações a respeito da importância do texto literário na Educação Básica e Superior. Urge uma mudança no sentindo de melhorar a capacidade do aluno de desenvolver e ampliar seus conhecimentos para poder relacionar com os conhecimentos específicos dos componentes curriculares, podendo, assim, compreender a complexidade dos saberes escolares e sua relação com a vida, não apenas acumulando mais informações junto com as tantas já tiradas das redes socias às quais os alunos passam a maior parte do dia conectados. Nós, professores, podemos trabalhar para que os alunos, como diria Edgar Morin (2002), tenham uma cabeça bem-feita, não uma cabeça bem cheia.

Pitadas diárias de literatura podem ajudar nessa tarefa de bem-fazer as cabeças, diferentemente de apenas enchê-las, como ocorre com a maioria das informações veiculadas nas redes sociais e mesmo com os conteúdos escolares, quando não fazem sentido para os alunos. Com os saberes específicos e os integrados aos textos literários em sua escrita, a literatura é uma representação da

7 Professor de Matemática, cubano, radicado na Argentina, atuou como docente nos dois países e também no Brasil.

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vida, da história, do imaginário de determinado tempo e lugar, mesmo assim, sua ampliação do desenvolvimento cognitivo e de vocabulário, é atemporal.

O aluno conhece palavras que não veria e ouviria em seu dia a dia e reconhece palavras cotidianas usadas com novos sentidos, ensinando-o o caminho da aprendizagem: amarrar o desconhecido ao conhecido, depois aprofundar e ampliar os conhecimentos, ou seja, criar mais nós para sua rede de saberes. A cada nova palavra redescoberta o aluno entra em contato com os saberes já adquiridos, aprofundados e ampliados pela humanidade, seja em língua portuguesa ou traduzidos. O leitor agrega à sua rede mais um nó, reforçando seu dicionário pessoal. Com a poesia, conto, peça de teatro, romance entre outras formas de texto literário lidos e interpretados, amplia sua biblioteca pessoal e abre espaço para nela acrescentar e ampliar conhecimentos específicos das disciplinas.

Na atualidade, em que os alunos estão mais conectados à rede de computadores do que ao mundo real, os conhecimentos cotidianos necessários que se mobilizem para chegar ao saber estão cada vez mais reduzidos. O dia a dia é o que permite começar o diálogo, construir sentidos. Se algo não faz sentido para nossa vida, que sentido fará para outra coisa? O problema é quando não conseguimos ler nossa realidade como inserida em um contexto maior. Cada vez mais as pessoas pensam que sua forma de ver o mundo é a única verdadeira, o que demonstra falta de leitura de mundo.

A interpretação da realidade que nos cerca é fundamental para a aprendizagem. Se não há ou está reduzido o conhecimento de mundo, é muito difícil que o indivíduo possa agir em uma atividade em contexto, ou seja, que ele chegue ao saber. Sem os sentidos, não consegue alcançar os significados necessários para as compreensões dos conceitos das disciplinas. Dar sentido (subjetivo) não é ressignificar, é compreender a partir de sua interpretação dos significados (do coletivo, da produção humana) estabelecidos pelos saberes construídos pela humanidade.

1.2 Rede de saberes e nós de conhecimento

O saber, de acordo com Gauthier e Martineau (2001, p. 59), “para o teórico da didática, é pensado, entre outras coisas, a partir dos conceitos de representação, de

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obstáculo à compreensão do conceito e de transposição didática”8, conforme representados sobre a cabeça dos dois sujeitos da Figura 1, enquanto “para o pedagogo, o saber não pode ser considerado na ausência da variável de gestão de classe; o pedagogo não pode ensinar um conteúdo sem pensar automaticamente na gestão do grupo” (GAUTHIER; MARTINEAU, 2001, p. 59). Este é representado pela relação entre todos os indivíduos da Figura 1. Ambos os saberes são partes da complexa rede escolar; duas redes que se complementam no processo de ensino e aprendizagem.

Figura 1: Redes de saberes didáticos e pedagógicos

Fonte: Wisniewski (2018 – adaptado de imagens de domínio público).

8 Segundo Leite (2007, p. 48), “No Brasil, Lopes (1999b) propôs o conceito de mediação didática em substituição à nomenclatura ‘transposição didática’, por avaliar que esta se remete mais facilmente à ideia de reprodução, ‘movimento de transportar de um lugar a outro, sem alterações’ (p. 208). Para essa autora, a expressão mediação didática, concebida em um sentido dialético, favoreceria o entendimento desse processo de transformação do conhecimento como ‘um processo de constituição de uma realidade a partir de mediações contraditórias, de relações complexas, não imediatas’ (p. 209). Sem discordar das possíveis associações apontadas por Lopes, ressalvo que o próprio autor [Chevallard] buscou esclarecer acerca da origem da escolha da palavra ‘transposição’ para nomear o processo em questão. Refere-se ao sentido musical do termo, que designaria a passagem de formas melódicas de um tom para outro, ou seja, um processo de ‘transposição adaptativa’ a um novo contexto (Chevallard, 1997b, p. 4-5). Além disso, os escritos de Chevallard concorrem para eliminar, na sua teoria, vestígios de outros empregos para a expressão cunhada por Verret, posto que tratam exatamente das mudanças que sofre o conhecimento nesse processo, partindo da premissa explícita da existência de uma distância entre o saber a ensinar e os objetos de ensino definidos enquanto tal. De todo modo, Lopes e Perrenoud propõem terminologias alternativas que, apesar de pertinentes, não se desdobram em teorias significativamente diferenciadas”. Por isso, não me oponho à expressão “transposição didática”, uma vez que compreendo que seu uso não representa uma mudança idêntica e total de um lugar para outro, tal qual se utiliza para a “transposição do Rio São Francisco”, mas como a mudança de tom realizada na arte musical, conforme explicitou Chevallard. A partir de meus estudos, compreendo que quem faz a mediação do conhecimento é a linguagem, então, caso levasse em consideração as objeções de Lopes, eu diria “intermediação didática”.

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O enfoque desta tese é na rede de saberes conforme pensada pelos teóricos da didática, refletindo a respeito de como se aprende atualmente, quais os obstáculos à aprendizagem, como melhor desenvolvê-la, como se faz a transposição didática, ou seja, a maneira como se ensina conteúdos produzidos por especialistas, tais como cientistas e artistas, de forma que os alunos consigam compreendê-los. Não menosprezo a importância dos saberes pedagógicos, haja visto que o desenvolvimento cognitivo e da sensibilidade proporcionados pela literatura influenciam nas relações entre os sujeitos da educação, que não existe sem nós, pois somos seres de cooperação e colaboração. É apenas como critério de análise que foco numa abordagem didática.

Foram representadas na Figura 1 os saberes didáticos e pedagógicos porque os alunos aprendem em interação. Embora haja aprendizagens individuais, a rede estabelecida em sala de aula é benéfica para o desenvolvimento do grupo, pois, “de uma certa maneira, o aluno, na prática, nunca está sozinho diante dos saberes. [...] a sala de aula é como uma microssociedade onde cada um ajusta as suas crenças e os seus comportamentos em função dos outros” (GAUTHIER; MARTINEAU, 2001, p. 65).

No seio dessas interações, entre os conhecimentos de um professor com seus alunos, ele “visa fazer assentar os conhecimentos do aluno em saberes pré-definidos” (CONNE, 1996, p. 223). Ao passo que Conne (1996) se vale de esquemas para explicar sua compreensão de saberes e conhecimentos, valho-me da ideia de rede. Como professor de Matemática, ele utiliza os conhecimentos específicos de sua área para exemplificar o conceito de “saber” e de “conhecimento”, ao escrever sobre a transposição didática, afirmando que “o saber é um conhecimento que controla uma situação e as suas transformações, elas próprias indutoras de conhecimentos” (CONNE, 1996, p. 238). Eu exemplifico com a metáfora da rede (saber) de pesca (aprendizagem). Se houver apenas fios (informações), os peixes (conteúdos) escaparão entre eles. Os nós (conhecimentos) são os laços dados nos fios para que façam sentido, adquiram significado. A literatura é a motivação para laçar os nós, o movimento que impulsiona tais nós a serem laçados, sob a supervisão e auxílio de um pescador mais experiente: o professor.

Assim como o pescador não consegue realizar a pesca se a rede não tiver nós, pois os peixes escapariam através dos fios de náilon soltos, também não seria capaz de atar os nós se não houvesse tais fios. É possível compreender o duplo sentido da

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rede de saberes, a qual não se efetiva sem nós (primeira pessoa do plural), professores e alunos, e sem nós (laços) de significação, isto é, os conhecimentos.

Assim, é impossível evocar um conhecimento independentemente de qualquer saber, porque a referência ao saber, tomado como modelo, encontra-se imediatamente inscrita nele, sendo portanto difícil falar do conhecimento e do saber em separado. Isto não significa, evidentemente, que, enquanto fenômeno, o conhecimento não possa ser considerado relativamente independente das formas que virá a assumir (saber). Mas então, quem pretender tratá-lo desse modo estará a referir-se mais à estrutura e ao funcionamento do conhecimento, ou seja, aos processos cognitivos (etc.), do que aos conteúdos (CONNE, 1996, p. 233-234).

Ou seja, é impossível que haja redes de saberes sem nós de conhecimento. Mas é possível estudarmos a constituição de tais nós, descobrir de que tipo são, como se desenvolveram a partir dos fios de informações, de que tipo de informação se trata, por exemplo. Porém, para entender como se aprende, é necessário analisarmos o contexto da rede, os saberes. Cada significação, cada conhecimento estruturado por determinada informação pode ser mais frouxo ou mais apertado, dependendo de como o aluno conseguiu ligá-lo, conectá-lo. Também é importante que saiba como desatar alguns nós para formar outros mais importantes, mais significativos para sua rede. A relação entre alguns nós forma um conceito; a relação entre mais grupos de nós-conceito formam um conteúdo; a relação ainda mais ampla entre nós-conteúdo forma uma disciplina, um componente curricular; e esta rede vai aumentando para área, currículo, e assim por diante, abraçando a complexidade da educação.

Sem os nós, os alunos são, de acordo com Conne (1996, p. 234-235). “sujeitos que flutuam, que balançam de um ponto de vista para outro, que não conseguem coordenar juízos que lhes parecem inconciliáveis, etc.” Estão tentando se agarrar aos fios que possuem, sem os devidos laços. “Sujeitos para quem a relação da situação com a representação continua a ser uma relação unívoca de indução de conhecimentos, por outras palavras, sujeitos que não dominam a situação” (CONNE, 1996, p. 235). Ficam à deriva de fios sem relação, com o professor tentando la(n)çar os nós que eles próprios deveriam atar. Sem nós os discentes não conseguem chegar à rede, ao saber.

Os professores já possuem uma rede bem estruturada de seu componente curricular, tecida ao longo de anos de formação acadêmica – muitas vezes com nós apertados demais para se abrirem ao novo (nó-cego?) –, enquanto os alunos operam apenas com fios de informações que receberam do lugar onde vivem ou leram na internet sem a devida compreensão e contextualização, portanto, sem nós. Sendo

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assim, há uma lacuna entre os saberes dos professores e as informações dos alunos. Só de ver e ouvir o professor articular sua rede em sala de aula, os alunos não conseguem criar uma rede, apenas adquirem mais informações, as quais tentam transcrever na hora da avaliação, sendo esquecidas em seguida. Tal lacuna é a falta de conhecimento. Possuem alguns, mas não o suficiente para uma boa pescaria de compreensão dos conteúdos escolares.

Mas o que ocorre se não há conhecimento para a rede do saber, ou a capacidade do aluno de relacionar, de interpretar as inúmeras informações que recebe é insuficiente para que sejam dados os nós necessários à aprendizagem, para a tessitura da sua rede? De nada adianta o professor tentar dar nós de conteúdo, a partir de seu saber, se os alunos estão enrolados em emaranhados de informações desconexas. Ficará falando de dentro de sua rede enquanto os alunos estão off-line, ou fora do barco. Minha aposta na literatura é no sentido de ajudar a organizar os fios que permitirão religar, ficar on-line para os conteúdos, construir os nós para conseguirem pescar – da forma como um bom pescador o faz, não como é dito ao cochilarem em uma aula.

Se os alunos apenas possuem fios, caminham numa corda-bamba, podendo cair das ideias a qualquer momento. Então, como recuperar uma formação sociocultural deficitária e ainda conseguir ensinar Matemática, Geografia, Biologia, Artes, Química, História, etc.? Como constataram os professores Flávio Brayner e Juan Nápoles Valdez: pela literatura. O professor de qualquer componente curricular pode utilizar o texto literário, seja um poema, romance, conto, dramaturgia, para fornecer a construção dos nós que formarão a rede de saberes de seu componente. O texto literário alarga, expande e faz ver criticamente o conhecimento cotidiano ao qual o aluno pode estar desatento, por estar distraído com o mundo virtual e tantas outras coisas. A literatura desenvolve a linguagem, imaginação, criatividade, sensibilidade e ainda fala sobre questões históricas, sociais e culturais, ou seja, dá material para o aluno tecer sua rede de saberes. Então, o professor de cada componente curricular, inclusive o professor de Literatura, pode ajudar no enlaçamento de informações em conhecimentos, para poder ensinar os saberes específicos de suas matérias, no modelo já descrito de nós que ampliam a rede, começando por um saber, formando um conteúdo, disciplina, e assim por diante, de acordo com as determinadas situações.

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Por um lado, a situação é indutora de conhecimento; por outro lado, o conhecimento permite agir sobre a situação. [...] Quando o sujeito reconhece o papel ativo de um conhecimento sobre a situação, para ele, o laço indutor da situação sobre esse conhecimento torna-se invertível, ele sabe. Um conhecimento assim identificado é um saber, é um conhecimento útil, utilizável, porque permite ao sujeito agir sobre a representação. [...] Só por intermédio dos saberes, e portanto, das situações, ou antes, das suas transformações, se pode agir por forma a induzir (mobilizar e transmitir) os conhecimentos. Os saberes indutores e os conhecimentos induzidos não são forçosamente idênticos, mas sua relação resulta da capacidade que os conhecimentos têm de transformar as situações (CONNE, 1996, p. 231-8).

Isto porque, nessa rede gigante, cada nó pode influenciar a constituição de outros nós, modificando a estrutura da rede. Mesmo que o professor pense não haver tempo suficiente para o trabalho com literatura, uma poesia curta ou um miniconto pode auxiliar na ampliação do vocabulário, da visão de mundo, da capacidade de interpretação dos alunos.

O desafio inicial para a ideia da presente tese foi desenvolver os nós de conhecimentos em um Curso de Licenciatura em Química, do IFFar-PB, alargando a compreensão que os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem tinham sobre o texto literário e sobre o ensino de química. A inspiração para a escrita deste texto veio da experiência como docente no referido curso, na turma do 1º semestre, no ano de 2013, quando, ministrando o componente curricular Língua Portuguesa e Produção Textual, ao trabalhar o conteúdo Tipologia Textual, dividi a turma em grupos, cada uma com um conteúdo específico da Química, e solicitei que apresentassem os textos da maneira mais criativa possível, a qual julgassem ser mais interessante para ensinarem-no quando professores. Minha surpresa foi que a maioria dos textos, não apenas os narrativos, foram transformados em textos literários e lidos, cantados ou dramatizados para os colegas, com a devida entonação e caracterização.

Tal ideia foi tão interessante que, ao compartilhá-la com os colegas docentes do curso, inspirou um projeto para o ano seguinte – o qual será detalhado no capítulo “Multiplicidade” –, que apresentou resultados ainda mais positivos, fazendo-me refletir sobre o potencial da literatura como uma ferramenta intelectual9 capaz de auxiliar no desenvolvimento de conhecimentos necessários para que se aprenda um conteúdo, como ocorreu com a Química.

9 Vigotski (2000) afirmou que os seres humanos não seguem a medida causal do corpo, afetando a mente e vice-versa. É pelo intelecto e uso de ferramentas intelectuais (simbólicas) que se processa a organização do comportamento humano.

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Foi por isso que decidi fazer Doutorado em Educação nas Ciências – Linha de Pesquisa 1: Currículo e formação de professores –, não específico em um Programa de Pós-Graduação (PPG) em Literatura, pois a minha preocupação é com o ensino e a aprendizagem em geral, não apenas dos conteúdos da teoria literária. Mesmo estes são melhor compreendidos pela capacidade de criar ligações que a literatura possui.

Para melhor entender a questão de como textos literários colaboram com a aprendizagem, realizei estudos bibliográficos, uma entrevista com coordenadora de um Curso Superior e um Grupo Focal com integrantes das turmas da Licenciatura em Química participantes das atividades que envolveram textos literários, tendo suas impressões sobre tais atividades registradas em áudio e, posteriormente transcritas. Muitas das percepções dos estudantes compõem a escrita da tese, demonstrando como eles veem o tema. Por uma questão ética, os alunos são identificados por letras, pois assim o preferiram quando falei do anonimato de suas identidades antes do início dos encontros do Grupo Focal. Para interpretação dos dados foi utilizada a Análise de Conteúdo, conforme proposto por Bardin (2016).

A ideia surgida na prática docente, conjugada com os estudos por mim realizados – desde a Licenciatura em Letras, passando pelo Mestrado em Letras-Literatura e o Doutorado –, fizeram-me aprofundar e ampliar meus conhecimentos sobre a utilização de textos literários no alargamento da visão de mundo dos alunos, através da conexão entre os significados que já sabiam a respeito das palavras com novas possibilidades de interpretação destas, fazendo sentido ao passarem pelos seus sentimentos e compreensões. Tal experiência culminou na produção de contos, histórias em quadrinhos (HQ) e peças teatrais, analisados no capítulo 5. O texto também apresenta pesquisa bibliográfica para melhor compreensão de pontos importantes que auxiliam na análise dos temas abordados nos capítulos.

O tema proposto é necessário diante da chamada crise da educação, quando se tem cada vez mais informação e cada vez menos capacidade de compreensão, com os chamados analfabetos funcionais, os alunos que apenas decoram para a prova, mas não possuem o conhecimento necessário para a vida nem ética e empatia, o que assola as relações intra e extraescolares. A literatura é uma expressão artística que pode ser desenvolvida e desenvolver o prazer de estudar, o qual se perdeu na tentação das redes sociais. A questão da literatura como sustentação da dimensão didática, que permite pensar a educação aberta, não fragmentada, mais condizente com a vida humana, é abordada a partir da ideia de que se pode, dedicando alguns

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minutos por aula à leitura – do professor para os alunos, ou deles próprios em material preparado pelo professor – de poesias e contos curtos, por exemplo, religar os sentidos das palavras, deixando de serem apenas mais informação e, ao passar pela interpretação e emoção discente, virar conhecimento capaz de ampliar seu vocabulário, sua compreensão e sua imaginação, colaborando, assim, para a aprendizagem dos conteúdos a serem ensinados posteriormente, pois somos seres de linguagem.

Os principais autores utilizados são Edgar Morin, com sua compreensão sobre a importância do pensamento complexo; Flávio Brayner e a ideia de reforma da educação pela literatura; Maria de Lourdes Dionísio e o leitor cosmopolita; Mario Osório Marques10 e a Educação nas Ciências, destacando a relevância de todos os saberes – não apenas os técnico-científicos – e os agentes envolvidos na educação; Italo Calvino com as propostas que elucidam a função literária e as características que dela devem ser mantidas neste milênio; Silvina Lopes, para ajudar a entender a importância de defender o atrito literário, desestabilizar verdades da educação, não automatizar e formatar pessoas; entre outros autores que colaboraram para a construção do corpus da tese.

Espero contribuir com a conscientização de que a literatura pode ser a fonte de motivação que falta para a ampliação do pensamento, para a retomada do enlace de conhecimentos, para um pensar alargado, que permita uma Educação nas Ciências, não tecnicista, mas complexa e respeitando a complexidade humana.

Após os estudos e pesquisas bibliográficas, reflexões sobre a prática profissional e análise das falas do Grupo Focal e da entrevista, foi realizada a escrita, baseada e estruturada de acordo com Seis propostas para o próximo milênio, de Italo Calvino (2015). Nesse livro, o escritor descreve as características necessárias para a literatura deste milênio e como ela pode contribuir com a sociedade terceiro-milenar. Conforme relata sua esposa, Esther Calvino, no início do referido livro, o autor foi convidado a realizar seis conferências, entre 1985 e 1986, na Universidade de Harvard, com tema livre, decidindo-se por valores literários a serem preservados no terceiro milênio.

O título original é Lezioni americane (lições americanas), pois, conforme conta a esposa, era assim que Calvino se referia às escritas ao conversar com um amigo,

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enquanto as estava produzindo. O subtítulo “Sei proposte per il prossimo millenio” (seis propostas para o próximo milênio) veio de uma anotação de Calvino em inglês que dizia “six memos for the next millenium”, seguida dos temas de cada conferência: 1- Leveza; 2- Rapidez; 3- Exatidão; 4- Visibilidade; 5- Multiplicidade; 6- Consistência (CALVINO, 2015). Tal subtítulo é o título do livro em português. Os capítulos do livro seguem a sequência das conferências. As propostas calvinianas iluminam a escrita desta tese. Seus capítulos seguem a ordem das conferências/propostas/capítulos do livro de Calvino, por isso a introdução chama-se “Leveza”.

Não há forma melhor de iniciar algo do que com leveza. Leveza é vitalidade, agilidade, pois o que pesa temos dificuldade de levar. Desejo que minha escrita seja leve para que o leitor leve consigo novos conhecimentos a comporem sua grande rede de saberes. Ser leve e não pesar. A morte é um pesar, e foi a morte súbita que impediu Calvino de proferir as outras conferências, deixando escritas apenas as primeiras 5 virtudes da literatura, um verdadeiro testamento de sua arte.

Cada vez que o reino humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu devia voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar de ponto de observação, que preciso considerar o conhecimento e controle. As imagens de leveza que busco não devem, em contato com a realidade presente e futura, dissolver-se como sonhos... No universo infinito da literatura sempre se abrem outros caminhos a explorar, novíssimos ou bem antigos, estilos e formas que podem mudar nossa imagem do mundo... (CALVINO, 2015, p. 21-2).

Eis o que poderia ser levado em consideração pelos educadores do atual milênio: conteúdos permitindo que os alunos possam seguir seus caminhos e abrir outros, de conhecimento, não apenas serem formatados para realizar uma determinada atividade, decorarem para as avaliações sem que tenham um significado para suas vidas. Pelo contrário, assim como a literatura, os componentes curriculares poderiam mudar a forma como veem o mundo, não precisam ser apenas mais alguns pesos no cotidiano discente.

O texto literário não possui sentido único, ele é interativo, só faz sentido a partir da interpretação do leitor. Em verdade em verdade vos digo, nenhum texto faz sentido sem a interpretação do leitor, mas a ideia que se tem é que eles falam por si. Não! Embora quem os escreveu tenha pensado em um significado para sua escrita, ela só significa algo a partir da interpretação do leitor. Pela leitura e interpretação ganha nova vida. A ficção literária ajuda na compreensão por abertamente dizer que seu texto faz

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sentido ao saber o que significa para o leitor, não com ele procurando o que o escritor quis dizer, significar.

O objetivo do texto literário não é facilitar os conteúdos. A literatura não é uma facilitadora, mas uma complexificadora. Então, por que os alunos conseguem aprender melhor com ela? Porque ela realiza mais ligações com conhecimentos já existentes, permite mais nós, ampliando os conhecimentos, para que se alcance a rede de saberes de determinado componente curricular? Porque é leve, mesmo quando parece difícil. Para Calvino (2015, p. 30), a leveza “está associada à precisão e à determinação, nunca ao que é vago ou aleatório”. Ou seja, ela ajuda a criar laços de compreensão na análise dos conteúdos. A “viagem” realizada pelo texto literário não faz do aluno um alienado da ficção. Faz dele um viajante com mais repertório de conhecimento na bagagem, capaz de compreender melhor a semântica dos textos escolares e extraescolares. Permite desfrutar o prazer de um texto que toca, ou deveria tocar, pois só tem sentido ao passar por sua imaginação.

Se quisesse escolher um símbolo votivo para saudar o novo milênio, escolheria este: o salto ágil e imprevisto do poeta-filósofo que sobreleva o peso do mundo, demonstrando que sua gravidade detém o segredo da leveza, enquanto aquela que muitos julgam ser a vitalidade dos tempos, estrepitante e agressiva, espezinhadora e estrondosa (CALVINO, 2015, p. 26).

Atualmente, não cabe mais o ensino da Ciência como verdade absoluta, por poder ser testada e replicada em laboratório. Essa é uma concepção ultrapassada, que sufoca a criatividade, a capacidade de um olhar diferenciado para o próprio objeto de estudo, como se o conhecimento já estivesse ali, pronto para ser colhido, e não tivesse de ser analisado e estudado por um cientista dotado de sentimento, não apenas de raciocínio lógico.

Em uma realidade como essa, Literatura, Filosofia e outras Ciências Humanas têm seu valor diminuído porque se julga que elas não sirvam para nada. Quando tal julgamento está apenas relacionado a uma visão imediatista e mercadológica, elas podem assim ser consideradas, pois não têm um produto visível e que possa ser vendido. No entanto, sem elas, a maioria dos produtos, meios de transporte e comunicação não existiriam, afinal, sem a compreensão da realidade histórico-cultural, cientistas e fabricantes nem seriam capazes de perceber o que é mais necessário e/ou lucrativo. Conforme Perissé (2006, p. 136),

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Nessa sociedade de consumo – cujos critérios para reconhecer a beleza, a eficácia, o profissionalismo, o que é ético e o que traz felicidade são tão questionáveis –, que se interessa preferentemente por um saber do qual provenham frutos materiais, e, por isso, tem pouca paciência com a reflexão filosófica, com a leitura variada, com o amor à arte, com a pesquisa desinteressada, com o jogo mental não-imediatista... esta nossa sociedade narcisista e materialista mal consegue perceber que é justamente dessas atividades espirituais “descartáveis”, dessas atividades em que o mais importante consiste em ser e menos em ter e em fazer, é exatamente dessas “atividades inúteis” que, em última instância, nasceram no passado e nascerão no futuro as invenções mais úteis, os modos mais eficazes de melhorar a vida de todos.

Se a vida se torna apenas necessidade e lucratividade, um dos preceitos calvinianos se faz imperativo: “a literatura como função existencial, a busca da leveza como reação ao peso do viver”. Além de outros pontos, por exemplo, “a escrita como metáfora da substância pulverulenta do mundo”, ao afirmar que, para Lucrécio, letras eram como átomos sempre a se movimentarem, cujas permutações “criavam as palavras e os sons mais diversos” (CALVINO, 2015, p. 41). Dessa forma, embora valendo mais que um baú cheio de ouro, o conhecimento é leve e pode ser carregado facilmente.

Tendo a literatura como fonte de conhecimento, o autor (2015) relata seu dispositivo antropológico, principalmente em sua origem: a literatura oral. A respeito da leveza, lembra a levitação a outro mundo realizada pelos xamãs para uma percepção diferente da realidade e assim poder encontrar uma solução para diminuir o sofrimento da tribo, quando literatura e realidade se fundiam, demonstrando sua proximidade com a Antropologia e Etnologia.

A leveza literária possui, no mínimo, três acepções diferentes: “1) um despojamento da linguagem por meio do qual os significados são canalizados por um tecido verbal quase imponderável até assumirem essa mesma rarefeita inconsistência” (CALVINO, 2015, p. 30), exemplificada com uma poesia de Emily Dickinson, que expressa coisas leves tal qual a poesia que serve de epígrafe à introdução desta tese; “2) a narração de um raciocínio ou de um processo psicológico no qual interferem elementos sutis e imperceptíveis, ou qualquer descrição que comporte um alto grau de abstração” (CALVINO, 2015, p. 31), sendo exemplificada por um trecho de A fera na selva, de Henry James, sobre a acusação de uma personagem ter guardado uma ideia que não tinha coragem de exprimir, estando ela nervosa, mas leve, apesar de sua estrutura firme; e “3) uma imagem figurativa da leveza que assuma um valor emblemático [...] Há invenções literárias que se impõem

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à memória mais pela sugestão verbal que pelas palavras” (CALVINO, 2015, p. 32), por exemplo, Dom Quixote sendo levantado pelo moinho de vento após investir sua lança contra ele. Essa passagem não ocupou muitas linhas no livro de Miguel de Cervantes, no entanto, Calvino (2015) afirma que ela continua sendo uma das cenas mais célebres da literatura, apesar de Cervantes não ter usado muitos recursos estilísticos para sua narração.

Sem abandonar a leveza, no segundo capítulo, “Rapidez” – após esta introdução-capítulo –, trato da rapidez com que as informações são absorvidas e repassadas na era digital, sem análise, sem se relacionarem ao já sabido, puros fios soltos, sem dar nós de conhecimento que as ajudariam a compor a rede. Por outro lado, como não há a possibilidade de mudar completamente a forma como os alunos se relacionam com a tecnologia e sua velocidade, a aposta (proposta) da literatura com a rapidez é a utilização de poesias pequenas ou contos (short stories) – também trechos de romances e peças teatrais – que não cansem por sua extensão, mas fiquem retumbando no pensamento dos alunos, fazendo com que realizem novas ligações, novas sinapses, transformem a informação (fio) em conhecimento (nó) para compor sua rede de saberes relacionados ao conteúdo lido, a polissemia possível das metáforas da poesia e o descortinar de novos mundos da prosa das histórias curtas. Ideias de rede, pensamento em rede, rede de computadores, tessitura (de textos) de redes também remetem ao tema deste capítulo. Ainda serão abordadas as tecnologias da inteligência, de acordo com Pierre Lévy (2010) e os desafios da linguagem no século XXI, como tratados por Pedro Demo (2007).

A “Exatidão” será o terceiro capítulo, a crítica à razão da Modernidade Sólida que, muitas vezes, ainda impera na escola através de um ensino que se pretende exato, mas é apenas fechado, fragmentado, tecnicista, quando se poderia pensar uma Educação nas Ciências, complexa, alargada, onde a incerteza seja vista como parte integrante e fundamental da busca por exatidão (tarefa impossível, mas movimentadora, como anunciado pelo próprio Calvino). Nesse capítulo, a complexidade de Edgar Morin ilumina com os estudos sobre ordem-desordem, e (in)certeza da Ciência e do Homo sapiens-demens. Ainda, é discutida a atual visão de Ciência, a diferença entre inteligência e consciência e como o inconsciente define muito de nossas vidas. Também é relatada a experiência durante o Doutorado Sanduíche e apresentada a entrevista com a presidente da Escola de Arquitetura (EA)

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da Universidade do Minho (UM), de Portugal, e o trabalho com literatura em Cursos Superiores de diversos cursos e países.

O quarto capítulo, “Visibilidade” trata desta não apenas no sentido de destaque, mas de ensinar a ver diferente, dar nova visão, viabilizar o antes não visto. É o capítulo onde serão apresentados os conceitos literários que fazem da literatura uma potente arma para a desautomatização dos processos educativos e do ser humano. A defesa do atrito, conforme Silvina Lopes (2003), o leitor cosmopolita de acordo com Lourdes Dionísio (2011) e o estranhamento (CHKLOVSKI, 1978), são alguns dos conceitos abordados nesse capítulo.

O quinto capítulo, “Multiplicidade”, explicita a multiplicidade do trabalho com o texto literário e como o resultado desse produz múltiplos conhecimentos para o alcance dos nós que formam a rede de saberes. A partir de minha experiência profissional, principalmente nos cursos Técnico em Química e Licenciatura em Química do IFFar-PB, contando com um Grupo Focal com estes alunos a se formarem professores. Articulado ao campo teórico, o empírico contou com contos e HQ, produzidos pelos alunos do Curso Técnico, também análise das peças de teatro e das impressões dos estudantes da Licenciatura em Química que participaram do Grupo Focal, a respeito do impacto do trabalho com textos literários em sua vida acadêmica, profissional e cotidiana.

A conclusão é entrelaçada com a “Consistência”, pois seria o tema da última conferência de Calvino, porém, o autor faleceu subitamente, sem escrevê-la. No entanto, o conjunto de sua obra já demonstra a consistência de suas escritas e sua preocupação com a literatura deste milênio que ele não conseguiu conhecer. Espero que até a conclusão o texto da tese consiga levar o leitor, desde a leveza, passando pela rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade, a dar mais laços de conhecimento para que sua rede de saberes se amplie e inclua mais literatura em sua vida e sua prática profissional, e que, apesar dos pesares, elas sejam leves como as coisas que o vento não levou.

O próximo capítulo explana a rapidez, um valor não só da literatura, mas do nosso tempo, o qual é chamado por alguns de pós-modernidade, nomeado por Bauman (2001, p. 8-9) como Modernidade Líquida:

Associamos “leveza” ou “ausência de peso” à mobilidade e à inconstância: sabemos pela prática que quanto mais leves viajamos, com maior facilidade e rapidez nos movemos.

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Essas são razões para considerar “fluidez” ou “liquidez” como metáforas adequadas quando queremos captar a natureza da presente fase, nova de muitas maneiras, na história da modernidade.

É desse tempo, e de como a literatura pode auxiliar na educação nele, que trato a seguir.

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2 RAPIDEZ: EDUCAÇÃO, LITERATURA E A ERA DIGITAL

A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais. É portanto, um pisca-pisca. [...] A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim, pisca pela última vez e morre. – E depois que morre? – perguntou o Visconde. – Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?

Monteiro Lobato (2017, p. 19). Nunca a expressão “num piscar de olhos” fez tanto sentido para expressar a velocidade com que as coisas ocorrem. Na era digital, tudo é muito rápido. A velocidade com que as informações chegam até nós, via internet, é surpreendente. Pierre Lévy (1999, p. 173), um dos principais pensadores da informática na atualidade, ao se referir à rapidez atual afirma que:

O ritmo precipitado das evoluções científicas e técnicas determinam uma aceleração geral da temporalidade social. Este fato faz com que os indivíduos e grupos não estejam mais confrontados com saberes estáveis, a classificações de conhecimentos legados e confortados pela tradição, mas sim um saber fluxo caótico, de curso dificilmente previsível no qual deve-se agora aprender a navegar. A relação intensa com a aprendizagem, a produção e a transmissão de conhecimentos não é mais reservada a uma elite, diz agora respeito à massa de pessoas em suas vidas cotidianas e seus trabalhos.

A grande questão é as pessoas estarem preparadas para o bom uso das ferramentas tecnológicas atuais. A configuração escolar ainda se parece muito com a que fora projetada para as elites, sendo que as pessoas de outras classes sociais já participam dela há bastante tempo. Urge desenvolver conhecimento e não apenas acúmulo de informação em uma educação aberta à incerteza11. Não mais de verdades

11 Segundo Morin (2005, p. 99-100), “O poeta Eliot dizia ‘que conhecimento perdemos na Informação e que sabedoria perdemos no Conhecimento?’, querendo dizer com isso que o Conhecimento não é harmonia e comporta diferentes níveis que se podem combater e contradizer. Conhecer comporta ‘informação’, ou seja, possibilidade de responder a incertezas, mas o conhecimento não se reduz a informações; ele precisa de estruturas teóricas para dar sentido às informações; percebemos, então, que, se tivermos muitas informações e estruturas mentais insuficientes, o excesso de informação mergulha-nos numa ‘nuvem de desconhecimento’, o que acontece frequentemente, por exemplo, quando escutamos rádio ou lemos jornais. Muitas vezes a concepção de mundo do cidadão do século 17 opôs-se à do homem moderno; aquele tinha limitado estoque de informações sobre o mundo, a vida, o homem; tinha fortes possibilidades de articular essas informações, segundo teorias teológicas, racionalistas, céticas; tinha fortes possibilidades reflexivas porque dispunha de tempo para reler e meditar. No século 20 [muito mais no 21], o cidadão ou pretendente a tal categoria depara incrível número de informações que não pode conhecer e nem sequer controlar; suas possibilidades de articulação são fragmentárias ou esotéricas, ou seja, dependem de competências especializadas; sua possibilidade de reflexão é pequena, porque já não tem tempo nem vontade de refletir. Portanto, levanta-se uma questão: o excesso de informações obscurece o conhecimento; o excesso de teoria,

Referências

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