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De corpo e alma: a materialidade da escrita e a subjetividade autógrafa

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM GESTÃO EM ARQUIVOS. DE CORPO E ALMA: A MATERIALIDADE DA ESCRITA E A SUBJETIVIDADE AUTÓGRAFA. MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO. Vanessa Gomes de Campos. Santa Maria, RS, Brasil 2009.

(2) DE CORPO E ALMA: A MATERIALIDADE DA ESCRITA E A SUBJETIVIDADE AUTÓGRAFA. por. Vanessa Gomes de Campos. Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão em Arquivo da Universidade Aberta do Brasil, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em Gestão em Arquivos. Orientadora: Prof.ª Mestre Eneida Izabel Schirmer Richter. Santa Maria, RS, Brasil 2009.

(3) Universidade Federal de Santa Maria Universidade Aberta do Brasil Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão em Arquivos A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia.. DE CORPO E ALMA: A MATERIALIDADE DA ESCRITA E A SUBJETIVIDADE AUTÓGRAFA. elaborada por Vanessa Gomes de Campos. como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista Comissão Examinadora Prof.ª Me. Eneida Izabel Schirmer (Presidente/Orientadora) Prof.ª Dr.ª Gláucia Vieira Konrad (UFSM) Prof.ª Me. Marlise Giovanaz (UFRGS). São João do Polêsine, 28 de novembro de 2009.

(4) AGRADECIMENTOS. Agradeço ao meu grande mestre, Monsenhor Ruben Neis, que me deu a oportunidades de conhecimento e me ensinou lições que eu jamais aprenderia nos bancos acadêmicos. Onde ele quer que esteja, sei que sempre torceu por mim. Ao Prof. Franklin Leal que tão generosamente respondeu a minhas indagações: muito obrigada! À Prof.ª Ana Regina Berwanger: não tenho palavras, “mestra” Berwa, para agradecer essa linda trajetória que um dia me indicaste! À Orientadora, Prof.ª Eneida Izabel Schirmer Richter, obrigada pela orientação. À querida Coordenadora Prof.ª Denise Molon Castanho, mulher maravilha que sempre respondeu prontamente qualquer questão. À Mari, eterna parceira das empreitadas intelectuais, das longas discussões ao telefone, das viagens ao Polêsine... A todos que acompanharam o processo, em especial, à restauradora Silvia Breitsameter, obrigada pela oportunidade, pelas conversas, pelas trocas! À Oficina das Origens: essa sociedade foi a ideia mais brilhante que já vi. À minha inestimável família, sobretudo ao novo membro, Francisco: você é o pinguinho de gente mais forte do mundo. Ao meu amor, Leonardo, sempre tranquilo, ali do meu lado: minha eterna gratidão!.

(5) O indivíduo materializa sua relação com a realidade imprimindo personalidade na sua letra. Clarisse Herrenschmidt.

(6) RESUMO Monografia de Especialização Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão em Arquivos Universidade Aberta do Brasil Universidade Federal de Santa Maria DE CORPO E ALMA: A MATERIALIDADE DA ESCRITA E A SUBJETIVIDADE AUTÓGRAFA AUTORA: VANESSA GOMES DE CAMPOS ORIENTADORA: PROF.ª ME. ENEIDA IZABEL RICHTER SCHIRMER São João do Polêsine, 28 de novembro de 2009. O presente trabalho objetiva conhecer dois manuscritos eclesiásticos, do período colonial brasileiro (1753 e 1759), na sua composição material, a fim de verificar a existência de elementos de subjetividade mesmo que tenham sido criados dentro de normas e padrões institucionais. Através da análise paleográfica como técnica investigativa, utiliza-se o método analítico-comparativo para fazer emergir a identidade de cada escrita, em um panorama interdisciplinar que envolve a História, a Filologia e a Grafologia, assim como a Paleografia como instrumento de leitura e de crítica. Após situar os documentos em seu contexto de produção, demonstrado a partir da história eclesiástica sul-riograndense, a escrita do Pe. Thomaz Clarque e a de Ignacio de Souza Maciel Sardinha são analisadas e comparadas, demonstrando-se semelhanças e diferenças que se misturam às trajetórias pessoais. O traçado cursivo da letra, as questões ortográficas e a ligação entre as palavras confere identidade a cada escrita, do mesmo modo que se conectam com a realidade, na qual se inserem.. Palavras-chave: análise paleográfica, subjetividade, escrita, escrivão, período colonial brasileiro..

(7) ABSTRACT. The object of the present paper is to aknowledge two ecclesiastic manuscripts, from brazilian colonial period (1753 and 1759), in its material composition in order to verify the existence of subjectivity elementents, even those created within institutional standards. Through palaeographical analisys, used as investigation technique, the comparative analytical method is used to bring out the identity of each writing, in an interdisciplinary view envolving history, filology and graphology, as well as palaeography as reading and critical instrument. After situating the documents in their production contexts, shown through ecclesiastical history of Rio Grande do Sul, the writing of Father Thomaz Clarque and Ignacio de Souza Maciel will be analysed and compared, showing similarities and differences that blend with their personal paths. The trace of the cursive script, the spelling matters and the linking between the words determinate the identity of each writing, as well as conect them with the reality they are situated within.. Key words: palaeographical analisys, subjectivity, writing, scribe, brazilian colonial period..

(8) LISTA DE FIGURAS. FIGURA 1 – Organograma básico da hierarquia da Igreja Católica ........................... 17 FIGURA 2 – Organograma básico da estrutura hierárquica eclesiástica no RS ......... 19. FIGURA 3 – RS: Paróquias em 1822 .......................................................................... 21. FIGURA 4 – Tipo de letra e ductus do Pe. Thomaz Clarque ...................................... 29 FIGURA 5 – Exemplos da letra d minúscula ............................................................... 30. FIGURA 6 – Exemplos da letra h minúscula ............................................................... 30. FIGURA 7 – Exemplos das letras E, M, N maiúsculas ............................................... 30 FIGURA 8 – Fragmento de um dos depoimentos ....................................................... 31. FIGURA 9 – Fragmento do Termo de Entrega ........................................................... 32 FIGURA 10 – Exemplos de letras que iniciam parágrafos .......................................... 32. FIGURA 11 – Ângulo de inclinação medido através das letras t, f, b ......................... 33 FIGURA 12 – Exemplos das palavras unidas indevidamente ..................................... 34. FIGURA 13 – Numeração arábica .............................................................................. 34 FIGURA 14 – Frente e verso da mesma folha: oxidação da tinta ............................... 36. FIGURA 15 – Tipo de letra e ductus de Ignacio de Souza Maciel Sardinha ............... 38. FIGURA 16 – Exemplos de automatismos: s caudado e ão ....................................... 38. FIGURA 17 – Exemplo de sse .................................................................................... 39 FIGURA 18 – As duas formas da letra z no final da palavra: maiz e Paiz .................. 39. FIGURA 19 – Exemplo dos grafemas pr ..................................................................... 39. FIGURA 20 – Fragmento de um dos depoimentos: os traços no final da linha .......... 40 FIGURA 21 – Exemplo de letra no início do parágrafo ............................................... 40. FIGURA 22 – Ângulo de inclinação medido através das letras t, f, b ......................... 41 FIGURA 23 – Exemplos de S maiúscula: SetteCentos Sincoenta; ComSeycão ........ 41. FIGURA 24 – Exemplos das palavras unidas indevidamente: da vara e Parrocho da dita .......................................................................................................................... 41. FIGURA 25 – Exemplo de til usado como representante nasalar ............................... 42. FIGURA 26 – Numeração arábica .............................................................................. 42.

(9) LISTA DE ANEXOS ANEXO 1 – Fac-símile da folha 3 dos Autos de Justificação Matrimonial de 1753 (Escrivão Pe. Thomaz Clarque) .................................................................................. 60 ANEXO 2 – Fac-símile da folha 9v dos Autos de Justificação Matrimonial de 1759 (Escrivão Ignacio de Souza Maciel Sardinha) ............................................................. 61.

(10) LISTA DE APÊNDICES APÊNDICE A – Transcrição Paleográfica (Autos de Justificação Matrimonial – 1753/20) ...................................................................................................................... 63 APÊNDICE B – Transcrição Paleográfica (Autos de Justificação Matrimonial – 1759/7) ....................................................................................................................... 78.

(11) SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... A IGREJA CATÓLICA NO RIO GRANDE DO SUL: HISTÓRICO E ACERVO DOCUMENTAL .......................................................................................................... 1.1 Arquivos Eclesiásticos: alguns questionamentos ......................................... 1.2 A Igreja Católica no RS: organização e administração ................................... 1.2.1 Sujeição ao Bispado do Rio de Janeiro ............................................................. 1.2.1.1 Comarcas Eclesiásticas .................................................................................. 1.2.1.2 Vigararia Geral ................................................................................................ 1.2.2 Bispado do Rio Grande de São Pedro .............................................................. 1.2.2.1 Significado de Cúria, Bispado e Diocese ........................................................ 1.3 No Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre (AHCMPA): os Autos de Habilitação Matrimonial ...................................................................... 1.3.1 AHCMPA: o acervo ............................................................................................ 1.3.2 Caracterizando os Autos de Habilitação Matrimonial ........................................ ANÁLISE PALEOGRÁFICA DOS AUTOS DE HABILITAÇÃO MATRIMONIAL ..... 2.1 Análise Paleográfica ........................................................................................... 2.2 Autos de Habilitação Matrimonial (1753) .......................................................... 2.2.1 Aspectos Gráficos .............................................................................................. 2.2.2 Aspectos Materiais ............................................................................................ 2.2.3 Aspectos Complementares ................................................................................ 2.3 Autos de Habilitação Matrimonial (1759) .......................................................... 2.3.1 Aspectos Gráficos .............................................................................................. 2.3.2 Aspectos Materiais ............................................................................................ 2.3.3 Aspectos Complementares ................................................................................ A MATERIALIDADE DA ESCRITA E A SUBJETIVIDADE AUTÓGRAFA ............... 3.1 “E eu Escrivão que o escrevy” .......................................................................... 3.1.1 Pe. Thomas Clarque .......................................................................................... 3.1.2 Ignacio de Souza Maciel Sardinha ................................................................... 3.2 De corpo e alma .................................................................................................. 3.2.1 A escrita cursiva ................................................................................................ 3.2.2 As questões ortográficas ................................................................................... 3.2.3 A ligação das palavras ....................................................................................... CONCLUSÃO ............................................................................................................. REFERÊNCIAS .......................................................................................................... ANEXOS ..................................................................................................................... ANEXO 1 – Fac-símile da folha 3 dos Autos de Justificação Matrimonial de 1753 (Escrivão Pe. Thomaz Clarque) .................................................................................. ANEXO 2 – Fac-símile da folha 9v dos Autos de Justificação Matrimonial de 1759 (Escrivão Ignacio de Souza Maciel Sardinha) ............................................................ APÊNDICES ............................................................................................................... APËNDICE A - Transcrição Paleográfica (Autos de Habilitação Matrimonial – 1753/20) ...................................................................................................................... APÊNDICE B - Transcrição Paleográfica (Autos de Habilitação Matrimonial – 1753/20) ....................................................................................................................... 11 14 14 16 17 18 20 21 22 23 23 24 27 27 29 29 35 36 37 37 43 43 44 44 45 47 49 49 50 51 52 54 59 60 61 62 63 78.

(12) INTRODUÇÃO A meados do século XVIII, dois homens tiveram a responsabilidade de ocupar o ofício de Escrivão da Vara Eclesiástica de Viamão. Um deles era sacerdote português que, no auge de sua maturidade, radicou-se na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Viamão. Seu nome era Pe. Thomaz Clarque. O outro, um homem jovem, solteiro, nascido no Rio de Janeiro, migrou com a sua numerosa família em direção ao extremo sul da América portuguesa. Chamava-se Ignacio de Souza Maciel Sardinha. Esses dois personagens foram os autores materiais de uma série de documentos, atualmente guardados no Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre (AHCMPA). Após a verificação de cento e sessenta e nove processos de Habilitação Matrimonial do período entre 1753 a 1763, optou-se por observar mais de perto dois itens: o que corresponde ao casal Jerônimo da Silveira Machado e Maria Santa (1753/20) e o do casal Félix Rodrigues Fernandes e Cristina Guterres (1759/20). A riqueza de conteúdo é indiscutível, pois são verdadeiras histórias de vida que podem ser resgatadas (o leitor pode conhecê-las nas transcrições paleográficas que estão nos Apêndices A e B). Mas os documentos não são apenas “conteúdo”, eles têm uma composição material que nem sempre é destacada na prática arquivística. Sendo assim, o presente trabalho objetiva conhecer os manuscritos na sua materialidade, a fim de verificar a existência de elementos de subjetividade mesmo que tenham sido criados dentro de normas e padrões institucionais. (Aliás, a padronização diplomática é impecável, favorecendo a comparação da prática do ofício em cada escrivão.) Para levar a cabo tal proposta, o suporte técnico é dado pela análise paleográfica. A partir dos aspectos de análise elaborados pelo livre docente em Paleografia João Eurípedes Gualandi Franklin Leal, foi possível trazer à tona características próprias da escrita de cada escriba que, por sua vez, são comparadas entre si. Ressalta-se que ao longo do trabalho surgiu a necessidade de se buscar recursos capazes de ajudar na qualificação analítica. Com o auxílio da História, da Filologia e da Grafologia, mais uma vez se evidencia a relação inseparável dos saberes.

(13) 12. na produção do conhecimento. Através da História, o contexto ajuda a explicar diversos fatores sobre a realidade abordada. Da Grafologia emprestou-se a abordagem técnica da representação gráfica. Quanto à Filologia, estudando as raízes da língua escrita, transforma-se em companhia quase obrigatória. Nesse panorama interdisciplinar, a Paleografia esteve à frente para servir de instrumento de leitura e também de crítica. Infelizmente, no Brasil os estudos da Paleografia crítica ainda são incipientes, destacando-se na área arquivística apenas o domínio da Paleografia de leitura. Entretanto, essa realidade deve ser mudada, pois o trabalho em arquivos históricos pode ser facilitado se a Paleografia for utilizada como ferramenta para se compreender o processo gerador da informação, do seu conteúdo orgânico e da tecnologia que lhe está associada. Pensar no tema paleografia, em tempos de novas tecnologias da informação, parece algo retrógrado e sem muita valia. Entretanto, quando o local de trabalho é os arquivos históricos, com documentação manuscrita de séculos passados, o arquivista deve buscar uma formação que lhe possibilite o tratamento dessa documentação. Além dos conceitos, métodos e outros pressupostos da ciência arquivística, a Paleografia torna-se algo crucial para o acesso à informação contida nos documentos em questão. Dessa forma, a Paleografia será a porta que estabelecerá a comunicação entre o documento/arquivista/usuário, transformando-se em um mecanismo de estudo que abrange desde fatores de inteligibilidade a possibilidade de prova de autenticidade, origem, procedência documental. A Monografia ora apresentada é um “exercício” da complexidade que envolve a Paleografia crítica. Apesar da escassez bibliográfica brasileira, nos tempos de hoje a facilidade em acessar outras produções intelectuais é inestimável. Dessa forma, sabese que os rumos da Paleografia estão completamente voltados a uma visão integral do mundo da escrita e de seus protagonistas. Para muitos autores, como o italiano Armando Petrucci ou como os espanhóis Ana Belén Sánchez Prieto, Ángel Riesco Terrero, Francisco Gimeno Blay, é somente através da análise paleográfica que se consegue afrontar criticamente e interpretar historicamente uma sociedade produtora de escritos a partir de seus meios materiais. Ao tratar da palavra escrita, está-se estabelecendo um relacionamento que vai além da materialidade da própria palavra,.

(14) 13. uma vez que esta encerra em si mesma, significados e características que revelam outras realidades. Nesse sentido, quando se lida com a palavra fixada – a escrita – em documentos de séculos antecedentes, devemos perceber um mundo ainda mais distante que traz a necessidade da leitura de caracteres, muitas vezes, pouco usuais ou mesmo em desuso nos dias de hoje. A exposição está organizada em três Capítulos. O primeiro contextualiza a documentação no tempo, no espaço e na instituição que a abriga, revelando alguns aspectos da história eclesiástica do Rio Grande do Sul. No segundo Capítulo, apresenta-se a análise paleográfica dos dois processos (1753 e 1759), demonstrando nos exemplos as semelhanças e as diferenças de cada escrivão. O último capítulo compara ambas as escritas, com a apresentação de breves biografias e questões que permitem inferir na materialidade da escrita e na subjetividade autógrafa..

(15) CAPÍTULO 1 A IGREJA CATÓLICA NO RIO GRANDE DO SUL HISTÓRICO E ACERVO DOCUMENTAL. 1.1 Arquivos Eclesiásticos: alguns questionamentos Na atualidade, o foco das discussões a respeito dos arquivos da Igreja Católica é a função pastoral histórica e cultural a eles atribuída. A crescente inclusão do arquivo eclesiástico no contexto sociocultural da comunidade cristã e dos territórios nacionais, incentiva pensar em melhores maneiras de organizá-los, preservá-los, geri-los e divulgá-los. Na Carta Circular de 1997 (“A Função Pastoral dos Arquivos Eclesiásticos”), a responsabilidade da preservação da memória institucional propõe um significado mais abrangente e espiritual para a preservação da documentação:. “[. . .] os arquivos são lugares da memória das comunidades cristãs e fatores de cultura para a nova evangelização. São, pois, um bem cultural de primeira importância, cuja peculiaridade está em registrar o percurso feito ao longo dos séculos pela Igreja em cada uma das realidades que a compõem. Enquanto lugares da memória, devem recolher sistematicamente todos os dados com que é escrita a articulada história da comunidade eclesial, para oferecer a possibilidade duma côngrua avaliação daquilo que se fez, dos resultados obtidos, das omissões e dos erros.”. Por isso, tratar de arquivos eclesiásticos é perceber a responsabilidade que os mesmos têm com a sociedade, uma vez que a própria cultura desta pode estar embasada nas funções pastorais e civis do cristianismo ocidental. No Brasil, especificamente, sabe-se que a união oficial da Igreja Católica com o Estado perdurou até finais do século XIX. Essa relação denominou-se Padroado Régio e consistia nos privilégios que o monarca português, representado pela Mesa de Consciência e Ordens, mantinha sobre a administração eclesiástica, cabendo-lhe a escolha de cargos eclesiásticos hierárquicos e o direito de cobrança e administração dos dízimos. Em.

(16) 15. contrapartida, o poder civil se obrigava a erguer e manter os locais de culto, assim como a sustentar o clero, para a expansão da fé cristã.1 Dessa forma, a documentação eclesiástica acaba por revelar aspectos da vida social que outros tipos documentais produzidos pelas instituições civis se calaram, sobretudo para períodos mais recuados da história.2 De modo geral, alguns marcos históricos devem ser relembrados, uma vez que deram especial atenção aos arquivos eclesiásticos. Na Europa, desde a Idade Média, as legislações dos Papas e dos bispos lançadas para normatizar a produção documental, sempre privilegiaram os registros sacramentais (casamentos, batismos, óbitos, crisma), mencionando genericamente os demais documentos da administração do bispado e das paróquias. Destacam-se:. a) Concílio de Trento (1545-1563): fixa para os registros dos casamentos e batismos. Foi um marco na história da Igreja, em geral, por ser o primeiro Concílio após a cisão da Igreja Cristã. b) Constituição Maxima vigilantia (1727, Papa Bento XIII): trata dos arquivos e servirá de base para todas as legislações posteriores. c) Códigos de Direito Canônico3 de 1917 e de 1983: o primeiro marca a legislação geral de arquivos, tendo por base a Constituição Maxima vigilantia; o segundo faz poucas alterações em relação ao anterior. O CIC de 1983, entretanto, trouxe a grande novidade de falar especificamente em arquivo histórico e reforçando o cuidado que se deve ter. No Brasil, ainda no período colonial, o grande marco a ser destacado foram as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707) que transformaram para a realidade local o espírito reformador pós-Trento. 1. O Padroado foi criado em Portugal no século XV e trazido ao Brasil como uma das instituições daquele Reino. Em 1532 foi criada a Mesa de Consciência e Ordens, um tipo de tribunal com o qual o rei garantia melhor suas prerrogativas eclesiásticas, usando-o como instrumento para a subordinação dos prelados. 2 “Com bastante freqüência [o episcopado] executou função supletiva na administração civil, da qual inclusive [. . .] podia ser considerado um dos braços.” (SALGADO, 1985, p. 115) 3 Nas demais citações do Código de 1983 usar-se-á sua forma abreviada: CIC (Codex Iuris Canonici)..

(17) 16. Atualmente, o que há de maior destaque e que tem sugerido muitas reflexões é a Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja4. Muito claramente o Papa definiu, dentre os bens culturais da Igreja, os arquivos eclesiásticos, chamando-os bens de particular importância, pois reúnem “[. . .] todos os documentos e instrumentos jurídicos, que se referem e atestam a vida e o cuidado pastoral, assim como os direitos e as obrigações das dioceses, das paróquias, das igrejas e das outras pessoas jurídicas instituídas na Igreja.”. A preservação e o resgate da memória institucional, ligada à memória social5, evidenciam a urgência da existência do arquivo organizado, com as informações situadas em seu contexto de produção. E a memória institucional será fundamentada na documentação acumulada ao longo dos tempos e revelará o “bom governo”.6 No caso específico a ser estudado, o “bom governo” eclesiástico do território do Rio Grande do Sul será refletido no seu legado documental.. 1.2 A Igreja Católica no RS: organização e administração. Na Figura 1, pode-se observar, de modo bastante resumido, a estrutura hierárquica básica da Igreja Católica que se propõe como uma organização internacional e universal. O processo das diferentes transformações, porém, não alterou a função da disseminação da fé e da conversão dos povos.. 4. Comissão criada em 1988 com o nome Pontifícia Comissão para a Conservação do Patrimônio Artístico e Histórico. A partir de 1993 passou a ter a denominação atual. É válido lembrar que a partir de 1923 foi oferecido o curso de Arquivística junto à Escola Pontifícia de Paleografia e Diplomática, a qual hoje tem a denominação oficial de Escola Vaticana de Paleografia. 5 Por memória social, entende-se uma forma de perpetuação da cultura, uma vez que a materialização dos documentos (fragmentos do passado) permite sua existência social. A memória é como uma âncora que não deixa no ar a sociedade diante da mudança e da modernidade e também uma plataforma porque lança a sociedade ao futuro a partir de um passado criado, recriado ou inventado como tradição. (LOVISOLO, 1989, p. 16-17). 6 Expressão calcada de Sastre Santos. Esse autor utiliza o “bom governo” para sugerir a boa administração. Sendo assim, ele afirma que para o “bom governo” dos papéis é necessário o arquivo, o arquivista e a arquivística. Para o “bom governo” da instituição, o arquivo é seu instrumento. (1998, p. 2833).

(18) 17. Santa Sé. CELAM (América Latina). CNBB Núncio Apostólico Regionais CNBB Cúria Diocesana Paróquias. Figura 1 – Organograma básico da hierarquia da Igreja Católica. É o caso da presença da Igreja Católica no território do Rio Grande do Sul, sendo possível compreender a sua atuação a partir de dois momentos distintos. Em um primeiro momento, o território sul-rio-grandense sujeitava-se ao Bispado do Rio de Janeiro. Em um segundo momento, foi criado o Bispado no próprio território do RS, alterando seu status jurídico e proporcionando a presença e tomada de decisões no mesmo Rio Grande do Sul.. 1.2.1 Sujeição ao Bispado do Rio de Janeiro. A ocupação européia do Brasil deu-se através do litoral. O espaço que hoje conhecemos por Rio Grande do Sul começou a ser explorado pelo lusobrasileiro a princípios do século XVIII, quando os primeiros proprietários foram se instalando na rota tropeira Laguna/SC – Colônia do Sacramento (atualmente, Colônia), no extremo sul do Uruguai, local estratégico pertencente à Coroa portuguesa no espaço ocupado pelos espanhóis. O oeste do território do RS, neste momento, pertencia à Coroa espanhola e só foi incorporado ao Império português nos finais do século XVIII. Dentro desse contexto,.

(19) 18. com a existência de agrupamentos sociais, a presença da Igreja Católica seria evidente. Devido à importância geográfica do RS, limítrofe entre os Impérios português e espanhol, o território esteve subordinado à jurisdição da capital da Colônia, sediada no Rio de Janeiro. No caso da Igreja não foi diferente, sujeitando-se ao Bispado do Rio de Janeiro.7 Com a incipiente ocupação era necessário criar estruturas que gradativamente consolidassem a posse portuguesa, destacando-se na administração eclesiástica as Comarcas Eclesiásticas e a Vigararia Geral como topos hierárquicos naquele momento.. 1.2.1.1 Comarcas Eclesiásticas. É preciso reconhecer que as primeiras freguesias do Rio Grande do Sul foram fundadas no século XVIII. O termo freguesia, também sinônimo de paróquia, é usado para expressar a circunscrição territorial e administrativa. Etimologicamente, “freguês” deriva de filii ecclesiae (filhos da igreja) e designa todos aqueles que pertenciam a uma paróquia – seus fregueses.8 Nesse período, o Brasil vivia seu período e todas as instituições eclesiásticas estavam circunscritas pelo direito do Padroado.9 As freguesias, ou paróquias, subordinavam-se às comarcas eclesiásticas, administradas pelos Vigários da Vara ou Forâneos. Ditas Comarcas, por sua vez, eram subordinadas ao Bispado do Rio de Janeiro. Essa organização perdurou até 1848, quando foi criado o Bispado do Rio Grande de São Pedro. O agrupamento das paróquias, ou freguesias, em Comarcas Eclesiásticas, também denominadas Vigararias Forâneas, era governado pelo Vigário da Vara ou 7. No curto período de 06 de dezembro de 1745 a 09 de março de 1748, o território do RS pertenceu ao Bispado de São Paulo. 8 Os poderes governativos portugueses aproveitaram-se do termo na divisão administrativa, sendo a freguesia sinônimo de “[. . .] distrito de uma paróquia, a menor divisão administrativa em Portugal, nas províncias e cidades”. No Brasil, até fins do Império “[. . .] o governo se utilizava da freguesia eclesiástica para nela inserir sua administração civil.” Sendo assim, e dada a permeabilidade entre as funções eclesiásticas e civis, o termo é encontrado em ambos os tipos documentais. (NEIS, Ruben, 1972, p. 6-13) 9 A história do Brasil é tradicionalmente dividida em três períodos: colonial (1500 a 1822), imperial (1822 a 1889) e republicano (1889 em diante). O Padroado Régio foi extinto apenas em 1889 após a instalação do regime republicano..

(20) 19. Vigário Forâneo. As Comarcas existentes no território, até a criação da Vigararia Geral eram, por ordem de criação, sediadas em: Rio Grande, Viamão, Triunfo, Vacaria, Porto Alegre (suprimida em 1773), Estreito (suprimida em 1783), Rio Pardo e São Luís Gonzaga (denominada de Comarca das Missões).. Bispado. Comarcas Eclesiásticas. Freguesias. Curatos. Oratórios/Capelas. Figura 2 – Organograma básico da estrutura hierárquica eclesiástica no RS. Esses Vigários eram nomeados pelo Bispo diocesano e tinham poderes jurisdicionais nas causas graciosas ou voluntárias e nas causas contenciosas ou necessárias. Entende-se por causa graciosa a situação em que o Vigário concede, nega ou revoga graças e, por contenciosa, o poder do Vigário em receber denúncias e fazer sumários das mesmas causas. Os Vigários também se ocupavam dos negócios relacionados aos contratos matrimoniais. Nas palavras de Araújo: “[. . .] os Vigários ou Oficiais, que o Bispo constitui fora da cidade Episcopal e em alguns lugares da Diocese, para aí exercerem uma parte da jurisdição graciosa e contenciosa. Representam estes Vigários nos seus distritos e exercer quase os mesmo poderes, que na cidade Episcopal exercem o Provisor, o Vigário Geral, o Juiz de Casamentos, etc., cujos nomes ou títulos.

(21) 20. eles também tomam; mas há uma grande diferença entre uns e outros Vigários, e é que estes últimos ou os Forâneos, são delegados particulares do Bispo, estabelecidos em certos lugares e à respeito de certas causas somente; enquanto que aqueles primeiros, isto é, o Provisor, o Vigário Geral, etc., são delegados universais, ou em toda a Diocese, e para todas as causas. Os Vigários Forâneos devem ser letrados, ou pelo menos pessoa de bom entendimento, prudência e virtudes. Passa-se-lhes Provisão, e eles prestam juramento.” (ARAÚJO, §406, p. 333). A divisão administrativa eclesiástica assim definida perdurou até 1812, quando se criou a Vigararia Geral. 1.2.1.2 Vigararia Geral “O Rio Grande do Sul, dependente do longínquo Bispado do Rio de Janeiro, tinha dificuldades de ser eclesiasticamente bem administrado, pois, excetuados os Vigários da Vara, não havia uma autoridade superior mais próximo” (RUBERT, 1994, p. 153). A preocupação com a boa administração e o zelo pastoral fica evidente na afirmação de Rubert. Foi por isso que, visando sanar tal deficiência, em 1812 passou a existir no RS a Vigararia Geral, sediada em Porto Alegre e que absorveu as comarcas de Triunfo e Viamão. Subordinados ao Vigário Geral, a partir desse momento, ficaram outras seis Comarcas Eclesiásticas: Rio Grande, Rio Pardo, Vacaria, Piratini, Cachoeira do Sul e Missões. Desse conjunto, somavam-se vinte e cinco paróquias e cinco curatos10 (RUBERT, 1998, p. 15). Na Figura 3, observam-se as posições geográficas das Comarcas e das paróquias no período colonial. O Vigário Geral recebia do Bispo diversas faculdades ordinárias e extraordinárias e tinham jurisdição sobre os demais Vigários da Vara. Além disso, sua autoridade era praticamente como a do próprio Bispo. Em 1833, porém, o Bispo do RJ, D. José Caetano da Silva Coutinho veio a falecer, ficando suprimida a jurisdição do Vigário Geral. Com o governo do Bispado entregue a Vigários Capitulares11, o território do RS foi dividido em Arciprestados (tal 10. “Havia paróquias muito extensas. [...] Reclamava-se a divisão. Mas nos primeiros tempos não havia condições de criar logo em paróquias as pequenas povoações por não preencherem os requisitos mínimos. Daí o zelo de párocos e visitadores para melhorar a situação do povo, criando diversos curatos nos pontos mais necessários.” (RUBERT, 1994, p. 121) 11 O Vigário Capitular substitui o Bispo em uma diocese vacante..

(22) 21. como a Diocese do RJ). Ao todo, no RS, somaram-se cinco Arciprestados: Porto Alegre, Rio Pardo, Rio Grande, Piratini e Missões.12 Essa forma de organização provocou sérias confusões, uma vez que em 1835 o conflito bélico da Revolução Farroupilha incentivou também muitos atos canônicos ilegais. Apenas em 1843 a Vigararia Geral foi restaurada.. Vigararia Geral Comarca Eclesiástica Paróquias dos Sete Povos das Missões Demais paróquias. Figura 3 - RS: Paróquias em 1822.. 1.2.2 Bispado de São Pedro do Rio Grande do Sul. A partir de 1847, iniciaram-se os procedimentos para a criação do Bispado no território do RS. Em 07 de maio de 1848 o Papa Pio IX criou a Diocese de São Pedro do Rio Grande do Sul13, sendo instalada oficialmente apenas em 03 de julho de 1853, 12. A divisão em Arciprestados não alterou a categoria administrativa, pois o Arcipreste tem as mesmas atribuições que o Vigário da Vara. Atualmente, a função equivale ao Coordenador de Área. 13 Pela Bula Papal Ad oves dominicas rite pascendas..

(23) 22. com o primeiro Bispo, Dom Feliciano José Rodrigues Prates. Nesse momento, portanto, é fundado o Arquivo Histórico do Bispado. No período de criação do Bispado, havia cerca de 460.000 habitantes no Rio Grande do Sul, em um território de 283.000 km2, com quarenta e oito paróquias e doze Comarcas Eclesiásticas (RUBERT, 1998, p. 189). Com a criação do Bispado, a administração eclesiástica tem seu máximo representante – o Bispo – no próprio território. Em 1910, o Bispado de São Pedro foi dividido em quatro, passando Porto Alegre, a sede, a Arcebispado, e criando-se mais três Bispados, localizados em Pelotas, Uruguaiana e Santa Maria.14 Ao longo do século XX, foram-se dando outras subdivisões, à medida que a população crescia e o pastoreio espiritual necessitava de novos pastores. O primeiro Bispo, respondendo às normativas canônicas, criou um Seminário que teve sede própria apenas com o seu sucessor, D. Sebastião. Trata-se do atual edifício da Cúria Metropolitana de Porto Alegre, onde se localiza a administração do Arcebispado, assim como o Arquivo Histórico da instituição. No AHCMPA conservam-se documentos da antiga comarca de Porto Alegre, da Vigararia Geral e dos primeiros Bispos do RS. Também fazem parte do acervo alguns documentos de paróquias que não pertencem às jurisdições atuais do Arcebispado, mas que foram recebidas pelo Bispo até os sucessivos desmembramentos ocorrerem. 1.2.2.1 Significado de Cúria, Bispado e Diocese Primeiramente, é importante esclarecer que Bispado ou Diocese são termos que podem ser usados como sinônimos. A diferença entre ambos é que Bispado diz respeito às pessoas e Diocese, ao território. A Cúria Diocesana, por sua vez, é um: “Conjunto de organismos e pessoas que ajudam o Bispo no governo de toda a diocese”, conforme o Dicionário de Direito Canônico. Dessa forma, entende-se por Diocese/Bispado a divisão do território em regiões ou distritos, agrupando várias paróquias. A autoridade máxima na Diocese é a do bispo. 14. Pela Bula Praedecessorum Nostrorum, do Papa Pio X..

(24) 23. Pode-se falar também em Arquidiocese, que se caracteriza por ter Bispados sufragâneos. O Arcebispado é governado pelo Arcebispo, normalmente o Ordinário, que preside uma Província Eclesiástica. Nesse caso, ele é também denominado Metropolita. Os Bispados são governados pelos Bispos, sufragâneos do Metropolita. Na constituição hierárquica da Igreja, a Diocese é considerada Igreja Particular. A definição canônica de Igreja Particular compreende todos os fiéis que habitam num território, ou seja: “A diocese é uma porção do povo de Deus confiada ao pastoreio do Bispo com a cooperação do presbitério, de modo tal que, unindo-se ela a seu pastor e, pelo Evangelho e pela Eucaristia, reunida por ele no Espírito Santo, constitua uma Igreja particular, na qual está verdadeiramente presente e operante a Igreja de Cristo una, santa, católica e apostólica.” (CIC, cân. 369). Dentro da Diocese/ Arquidiocese há organismos que auxiliam no seu governo. Além disso, a área pode ser subdividida em Vicariatos ou Comarcas Eclesiásticas para o melhor governo pastoral. Quando a área é dividida em Vicariatos, os Vigários Episcopais são os representantes diretos do Bispo/ Arcebispo naquele território; quando há uma subdivisão por Comarcas Eclesiásticas, são os Vigários Forâneos os responsáveis em representar a autoridade do Bispo/ Arcebispo. 1.3 No Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre (AHCMPA): os Autos de Habilitação Matrimonial 1.3.1 AHCMPA: o acervo Criado em 1853, com a instalação do Bispado, o Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre tem seu acervo formado pela produção documental eclesiástica desde 1747 (até os dias atuais). São cerca de 200 metros lineares de documentação entre códices, folhas avulsas e fotografias.15 O Quadro de Arranjo encontra-se em fase final de implantação e foi elaborado por base na legislação canônica vigente. O modelo do Quadro de Arranjo seguiu os 15. Ou, cerca de 2.000 códices, 3.000 fotos e 14.000 pastas..

(25) 24. padrões determinados por Sastre Santos e pode ser definido como uma proposta que traduz em conceitos arquivísticos o CIC de 1983. No acervo do AHCMPA, em vista do processo histórico da instituição, são identificados três Fundos: a) Fundo Comarcas/Vigararia: trata-se de um fundo fechado e formado pela documentação produzida/ recebida pelos Vigários da Vara e pelos Vigários Gerais. b) Fundo Bispado/Arcebispado: reúne a documentação a partir da criação do Bispado, na qual há a alteração do status jurídico do território. c) Fundo Paróquias:. congrega a documentação das paróquias, sendo cada. paróquia um Subfundo. Os Autos de Habilitação Matrimonial fazem parte do Fundo Bispado/Arcebispado e são uma das Subséries da Seção Governar.16 A opção por classificá-los nesse Fundo adveio da continuidade dos procedimentos que permaneceram até os inícios do século XX. 1.3.2 Caracterizando os Autos de Habilitação Matrimonial Os Autos de Habilitação Matrimonial formam uma série documental existente no AHCMPA. São cerca de 20.000 itens com datas balizadas entre 1753 a 1930. Não há como saber se houve documentos semelhantes ao período anterior a 1753 na igreja de Viamão (criada em 1747). Entretanto, pode-se pensar em duas alternativas: primeira envolve elementos históricos referentes à ocupação do território, nos quais o incentivo ao casamento como forma de colonização era tão acentuado que muitas uniões poderiam ser sido feitas com menos exigência eclesiástica. A segunda alternativa é o fato de não terem sido preservados.. 16. A cota do documento é III-1.1.22 (Seção Governar, Subseção Reger/Chancelaria, Série Câmara Eclesiástica, Subsérie Habilitações Matrimoniais). A ordenação é cronológica, na qual cada item recebe uma numeração seriada após o ano e a indicação da caixa onde se encontra. Todas as referências desse tipo documental serão indicadas pelo nome do casal, ano do documento/número de ordem..

(26) 25. Os Autos são uma espécie documental definida como: “Relato pormenorizado de um acontecimento com a finalidade, em geral, de conduzir um processo a uma decisão [...]” (BELLOTTO, 2002, p. 49). Pode-se dizer que, atualmente, seriam denominados de processos.17 Enquanto tipo documental, compreende a preparação para o matrimônio entre duas pessoas. O objetivo era provar algumas condições básicas que as habilitavam a casar, como a inexistência de impedimento (graus de parentesco consangüíneo ou por afinidade, promessas de casamento a outras pessoas) e, sobretudo, ser “solteiro, livre e desimpedido” ou “solteira, livre e desimpedida”. Durava o tempo necessário para os noivos deporem, assim como as três testemunhas que confirmariam as alegações iniciais. De modo geral, como a noiva sempre vivia “sob o pátrio poder”, não necessitava apresentar testemunhas, restando somente ao noivo a tarefa de levar três homens (nos mais de cento e cinquenta processos verificados, nenhuma mulher foi chamada a testemunhar) para confirmarem sua trajetória: as freguesias onde passou, o tempo em que lá permaneceu etc. Além disso, essas testemunhas, “tidas como fidedignas e residentes”, deviam esclarecer o relacionamento que tinham como o noivo e como haviam se conhecido.(FARIA, 1998, p. 58-59) Conforme as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, legislação daquele momento: “Os que pretenderem casar, o farão a saber a seu Parocho, antes de se celebrar o Matrimonio de presente, para os denunciar, o qual, antes que faça as denunciações, se informará se há entre os contrahentes algum impedimento, e estando certo que não o há, fará as denunciações em tres Domingos, ou dias Santos de guarda continuos, á estação da Missa do dia, e as poderá fazer em todo o tempo do anno.” (n. 269). Sendo assim, o que hoje é chamado de “proclamas”, antes denominavam “denunciação”. A petição inicial era o primeiro passo para dar início ao processo de habilitar-se ao matrimônio, cuja fórmula era a seguinte:. 17. Processo é uma espécie documental caracterizada pela junção de itens que formam “um conjunto de todos os documentos de diferentes espécies que compõem um processo administrativo ou judicial”. (BELLOTTO, 2002, p. 49).

(27) 26. “Diz N. filho de N. e de N. naturais de tal terra moradores em tal parte e para efeito de se casar com N. filha de N. naturais de tal terra moradores em tal parte quer justificar a saída de sua terra e que não tem impedimento algum.”. A petição era autuada na Justiça Eclesiástica e os noivos compareciam para prestarem depoimento a respeito das informações apresentadas. Como o objeto em estudo data de meados do século XVIII, é válido lembrar que os documentos analisados são de pessoas que estão recém ocupando o extremo sul do Brasil, com trajetórias de vida bastante peculiares, às vezes. Na composição dos Autos de Justificação Matrimonial, havia o procedimento, no qual os noivos tinham que apresentar as certidões de batismo e de “banhos”, ou seja, os proclamas de seu local de origem. No século XVIII, isso era um tanto complicado, devido às distâncias e às dificuldades de comunicação. Dessa forma, nos casos em que ainda restavam dúvidas, sobretudo quanto à idade e mobilidade masculina, eram apresentados fiadores e um prazo ficava estabelecido para a entrega dos documentos. Por fim, também podem ser encontrados em alguns processos os Autos de Justificação de Dispensa. A importância da dispensa era significativa, uma vez que existiam impedimentos entre os noivos que pudessem ocasionar, inclusive, a invalidade do matrimônio. A vigilância era severa, uma vez que as denúncias podiam provocar longos processos na justiça eclesiástica. Os impedimentos podiam ser dirimentes e impedientes 18 A complexidade do documento, enquanto conteúdo, permite diferentes abordagens históricas. No caso a ser estudado, pretende-se focalizar o acesso ao documento mediante sua leitura.. 18. Havia quatorze tipos de pecados dirimentes: erro da pessoa, condição (se havia um escravo e o outro não sabia, antes do casamento), voto religioso, cognação, crime, disparidade de religião, força ou medo, ordem (subdiácono, diácono, sacerdote), ligame (casado com outro por palavras de presente, mesmo que não tenha consumado), pública honestidade, afinidade, impotência, rapto, ausência do pároco e das testemunhas. Esses impedimentos podiam considerar o matrimônio nulo, caso não fossem descobertos antes do enlace. Os impedimentos impedientes envolviam relações de parentesco consanguíneo..

(28) CAPÍTULO 2 ANÁLISE. PALEOGRÁFICA. DOS. AUTOS. DE. HABILITAÇÃO. MATRIMONIAL. 2.1 Análise Paleográfica A análise paleográfica, enquanto técnica, possibilita o enfoque em elementos que poderiam passar despercebidos em uma transcrição paleográfica elementar. Sánchez Prieto lembra que realizar uma análise paleográfica não é tarefa difícil, mas exige atenção e excessiva observação ([19--?], p. 333). Atualmente, a Paleografia tem sido buscada por diversos profissionais como um dos meios de resgatar a escrita produzida em seu contexto sociocultural. Em destaque, Gimeno Blay percebe na escrita um ponto de interseção entre a individualidade e o coletivo, pois traz em si mesma um sistema de sinais e de normas; a escrita é apropriação e uso, além do que deve ser considerado o ato de escrever reside na qualidade técnica material e não só do texto e do conteúdo (1985, p. 10). Portanto, para esse autor, é possível estabelecer uma série de questionamentos na língua escrita porque hoje existe um aparato técnico para a análise paleográfica. Sánchez Prieto, por sua vez, declara que a análise paleográfica propriamente dita baseia-se em uma série de critérios que permitem identificar, autenticar e esclarecer os grafismos ([19--?], p. 334).19 Nesse sentido, a análise paleográfica pode ser um dos melhores aliados na tentativa de fazer emergir elementos da produção de algumas estratégias cotidianas. Os documentos escolhidos para a realização da análise paleográfica são exemplares de um momento histórico com quase duzentos e cinquenta anos. Além da sua característica material, os seus produtores (a instituição eclesiástica, como órgão produtor e detentora dos documentos, e os escrivães) serão observados atentamente, 19. Entende-se por grafismo as: “Características próprias e particulares de uma escrita, aspectos dos sinais gráficos sob o enfoque estético”. (FRANKLIN LEAL, 1994, p. 28).

(29) 28. pois “[...] cada escrivão tem seu estilo, ou seja, sua forma peculiar de traçar as letras, tendendo a diversificar o que a morfologia tende a unificar [...]”. (SANCHEZ PRIETO, [19--?], p. 334) Durante o período abordado no presente trabalho, houve três escrivães eclesiásticos: Pe. Thomaz Clarque, Ignacio de Souza Maciel Sardinha e Pe. João Diniz Alvares de Lima. Após uma breve seleção dos processos existentes entre 1753 a 1763, selecionaram-se dois, sendo um de 1753 e produzido pelo sacerdote e o outro de 1759, por Maciel Sardinha, homem leigo e solteiro naquele momento. Os critérios para a seleção dos documentos foram a antiguidade e contemporaneidade entre ambos, a preservação do suporte e a possibilidade de comparar a escrita de um sacerdote e de um leigo. No que diz respeito à técnica, cabe esclarecer que foram utilizados os elementos apresentados por João Eurípedes Franklin Leal (BERWANGER; FRANKLIN LEAL, 2008, p. 107-108), que aponta três conjuntos de aspectos a serem observados: a) Aspectos Gráficos; b) Aspectos Materiais; c) Aspectos Complementares. Para cada aspecto, há uma série de itens que guiam a análise paleográfica. Dentre os aspectos gráficos, devem ser observados: o tipo de letra, o ductus, os traços adicionais, os automatismos, o peso da escrita, o módulo, o ângulo, a relação entre a escrita usual e a canonizada, a relação entre a utilização de maiúsculas e minúsculas, a distribuição das palavras, a acentuação, a numeração e a existência de sinais taquigráficos. Os aspectos materiais dizem respeito à composição exterior do documento, ou seja, o suporte, o instrumento e a tinta usada na escrita, a encadernação, a dimensão e o estado de conservação. Quanto aos aspectos complementares, busca-se localizar o documento no tempo e no espaço..

(30) 29. Os dois processos selecionados foram transcritos na íntegra e se encontram nos Apêndices. No decorrer da exposição subsequente, serão utilizados fragmentos relevantes à análise paleográfica. 2.2 Autos de Habilitação Matrimonial (1753) Nesse tópico, tratar-se-á da escrita do Pe. Thomaz Clarque, cuja análise paleográfica realizada no processo autuado em 24 de abril de 1753 seguirá os aspectos citados anteriormente. Além disso, alguns complementos serão feitos a partir das orientações de Ana Belén Sánchez. 2.2.1 Aspectos Gráficos Os aspectos gráficos dizem respeito à escrita propriamente dita. No documento analisado, a letra é a humanística cursiva. Quanto ao ductus, pode-se dizer que a ordem de sucessão e o sentido dos traços que compõe cada letra são mais acurados, mesmo se tratando de um documento que objetiva, em algumas partes, a transcrição de depoimentos.. Figura 4 – Tipo de letra e ductus do Pe. Thomaz Clarque.

(31) 30. Pelo seu aspecto geral, trata-se de uma letra com diversos traços adicionais, ou seja, com traços particulares eventualmente adicionados à letra. Do mesmo modo, é uma escrita que identifica seu autor com um rápido olhar, pois contém automatismos próprios do escriba. Ana Belén Sánchez destaca que os automatismos, em geral, são muito mais frequentes nas letras que requerem um número maior de movimentos. ([19-?] p. 334). Figura 5 – Exemplos da letra d minúscula.. A letra d minúscula pode aparecer de três formas diferentes, mas a que se destaca é a da esquerda, na qual a cabeça da letra se apresenta com uma grande curva que encerra um volteio menor, fechando-a completamente. Nas outras duas formas, constantes na palavra idade, a letra é muito semelhante ao traçado das letras do período.. Figura 6 – Exemplo da letra h minúscula.. Outra letra bastante particular é a h minúscula. Nota-se que a haste inferior está acompanhada do traçado destrógiro.. Figura 7 – Exemplos das letras E, M, N maiúsculas..

(32) 31. Também podem ser destacadas como identificadoras dos automatismos do Pe. Clarque as letras E, M, N maiúsculas. Na Figura 7, à esquerda, há um exemplo da letra E, nos quais as curvas são bastante acentuadas. Curvas e alongamentos também são denotados nas letras M e N. No elemento gráfico do peso da escrita, que é o resultado do peso da mão do escriba ao grafar o documento, os traços das letras podem ser grossos e finos. Existindo muito contraste entre grosso/fino, a escrita pode ser classificada pesada. Caso contrário, a escrita será leve, quando o instrumento de execução apresenta ponta fina e aguda. Portanto, para uma escrita ser pesada ou leve dependerá do instrumento de escrita, da posição do instrumento e do material escritório, assim como do progresso da própria escrita.. Figura 8 - Fragmento de um dos depoimentos.. Observando Figura 8, pode-se dizer que ela é leve. Essa dedução baseia-se na pouca diferença existente entre o peso dos traços descendentes e dos traços ascendentes. No traço descendente, os músculos do braço e da mão se contraem e o gesto é de tensão, existindo um aumento natural de pressão no papel. O contrário acontece no traço ascendente, havendo um relaxamento dos músculos e a tendência é ficar mais fino. No fragmento selecionado, o escrivão está tomando nota do depoimento de uma das testemunhas do processo. Pensa-se que, mesmo se tratando do progresso de escrita ligeiramente tenso; é notável que isso não afeta suas características, ainda.

(33) 32. mais se comparada com a Figura 9, quando o Escrivão trata de anotar um dos termos de finalização do processo.. Figura 9 – Fragmento do Termo de Entrega.. O módulo reflete o tamanho da letra e determina a proporção e a dimensão, altura e largura existentes.. Figura 10 – Exemplos de letras que iniciam parágrafos.. O módulo pode ser classificado como pequeno, médio e grande. Da letra do Pe. Thomaz Clarque pode-se dizer que é de proporção média tendente a pequena, sendo as hastes superiores e inferiores bastante acentuadas. A mesma acentuação é observada nas letras maiúsculas no meio do texto e, em maior destaque, para as letras que iniciam os parágrafos..

(34) 33. O ângulo da escrita é determinado pela posição do instrumento escritório em relação à linha da escrita. Sánchez Prieto afirma que o ângulo é o que existe de mais pessoal na escrita. ([19--?], p. 335) Segundo a mesma autora, os ângulos são formados pelo corte do bisel da pena – daí o toque pessoal, uma vez que os cortes eram feitos pelos próprios escribas. É lícito pensar dessa forma, uma vez que os documentos trabalhados datam de meados do século XVIII e a pena de metal passa a ser utilizada apenas no final do mesmo século. Portanto, o Pe. Thomaz Clarque certamente cuidava de seu instrumento escritório, já que seu ofício era o de ser Escrivão. O ângulo da inclinação é medido através do ângulo formado pelas hastes das letras e a pauta horizontal da linha.. Figura 11 – Ângulo de inclinação medido através das letras t, f, b.. Observa-se na figura acima que a inclinação da letra é um pouco maior que 45 graus, com a letra levemente tombada para o lado direito. Os demais elementos a serem tratados, no que diz respeito aos aspectos gráficos são: a relação entre letras maiúsculas e minúsculas, a distribuição das palavras, a pontuação, a acentuação e a numeração. As letras maiúsculas são utilizadas, praticamente, da forma como na atualidade, nos inícios de parágrafos, nos nomes de pessoas e de localidades, nos pronomes de tratamento e títulos de ofícios etc. O escrivão utiliza ligaduras que chegam a unir indevidamente algumas palavras. Na Figura 12, encontram-se dois exemplos: o primeiro mostra a expressão “e eu Escriuão”; no segundo, encontram-se as palavras “e bautizado” unidas, assim como “na freguezia”..

(35) 34. Figura 12 – Exemplos de palavras unidas indevidamente.. No que tange à pontuação e à acentuação, pode-se dizer que são características desse período. Sabe-se que a regulamentação da língua portuguesa passa a acontecer em finais do século XIX. Pe. Thomaz Clarque utilizava a vírgula, em momentos, a princípio, que denotam breve pausa, muito eventualmente o ponto e vírgula e o ponto final. Quanto à acentuação, só é possível destacar o til como acento gráfico. Para encerrar a análise dos aspectos gráficos, na Figura 13 está uma amostra da numeração arábica, usada para calcular as custas do processo. Quando inseria as datas e as idades, ele as escrevia por extenso.. Figura 13 – Numeração arábica..

(36) 35. 2.2.2 Aspectos Materiais O suporte do documento é papel de trapo, que era produzido artesanalmente e perdurou até meados do século XVIII na Europa. Os dois processos objetos desse trabalho sofreram com o ataque de insetos que provocou o aspecto rendilhado, dificultando, mas não impossibilitando, a leitura paleográfica. A origem do papel é européia, pois se sabe que não se produzia papel no Brasil colonial. Isso se reforça das filigranas encontradas.20 Nos Autos de Habilitação em questão, foram encontradas três tipos de filigranas: a) Nas folhas 1, 4, 9 e 11 existe o desenho uma coroa no alto, logo abaixo uma flor de lis e, na ponta final a letra B maiúscula. b) Na folha 3 há uma pomba que segura em seu bico a Cruz de Malta. c) Na folha 11, o desenho é de uma coroa que, de acordo com a simbologia heráldica representa a realeza, seguida por um brasão, e abaixo, finalizando, o nome GHIGLIOTTO, em maiúsculas. Infelizmente, não foi possível determinar a proveniência do papel, mas se supõe que seja português, em função da simbologia da coroa e pela cruz de Malta, comum entre a nobreza, e italiano, por causa do nome Ghigliotto. Quanto ao instrumento de escrita e à tinta, foi utilizada a pena de ave e a tinta ferrogálica. Os danos causados ao suporte pela tinta ferrogálica, como o esmaecimento e a oxidação, são mostrados na Figura 14. O processo tem 11 folhas, sendo algumas escritas frente e verso. Sua dimensão é de 31x21 cm com pauta superior, esquerda e direita de 4 cm. A pauta inferior tem 3 cm. Cada processo foi originalmente costurado, conforme se observa no conjunto total. Dada à antiguidade e fragilidade do suporte as folhas foram entrefolheadas com papel neutro para melhor conservação.. 20. Filigrana, também conhecida como marca d’água, é uma marca ensombrada, visível quando o papel é colocado contra a luz. Era usada pelos fabricantes de papel, a fim de identificar a procedência..

(37) 36. Figura 14 – Frente e verso da mesma folha: oxidação da tinta.. 2.2.3 Aspectos Complementares Conforme. as. indicações. de. Franklin. Leal. –. aqui. seguidas. para. o. desenvolvimento da análise paleográfica – cabe no presente item descrever a origem.

(38) 37. do documento, a relação autor/escrita e a relação original/cópia. Ora, a origem do documento foi discutida no Capítulo 1. Nos demais itens, trata-se de um documento hológrafo e original (e não cópia).21 Por ser um processo, há intervenções de outras escritas: na folha 2 está o requerimento dos noivos; nas folhas 7 e 8, os “banhos” vindos da pátria do noivo; e o Vigário da Vara acompanha o processo rubricando ao final de cada procedimento e descpachando ao final. 2.3 AUTOS DE HABILITAÇÃO MATRIMONIAL (1759) O processo, cujo Escrivão era Ignacio de Souza Maciel Sardinha foi autuado em 28 de agosto de 1759. Os mesmos procedimentos de análise paleográfica serão adotados e evidenciados nessa parte, a fim de buscar, no final, elementos que permitam a comparação das escritas. 2.3.1 Aspectos Gráficos A letra de Maciel Sardinha é humanística cursiva. Pela observação geral da morfologia, vê-se que é uma letra bastante inclinada para a direita, sugerindo uma escrita destrógira.. 21. A cópia se caracteriza por ser uma reprodução ou cópia de época..

(39) 38. Figura 15 – Tipo de letra e ductus de Ignacio de Souza Maciel Sardinha. Percebe-se que é uma letra composta por traços adicionais que acabam por gerar alguns automatismos que identificam o autor, como o s minúsculo, o ão e o z finais, a junção dos grafemas pr.. Figura 16 – Exemplos de automatismos: s caudado e ão.. A letra s minúscula, na maioria das vezes tem sua haste inferior formando o cajado, ou seja, um prolongamento recurvado. (FRANKLIN LEAL, 1994, p. 14) Outra forma característica é o ão no final dos vocábulos, sempre utilizado, conforme a Figura 16..

(40) 39. O sse, tanto no final da palavra quanto no meio, sempre o primeiro s é caudado e o segundo, na forma usual.. Figura 17 – Exemplo de sse.. A letra z do final das palavras aparece de duas formas: uma terminada na linha da base e a outra, com uma haste inferior. É comum para esse Escrivão a utilização da letra z em substituição do s plural. O advérbio “mais” foi grafado com z, assim como o plural “Pais”.. Figura 18 – As duas formas da letra z no final da palavra: maiz e Paiz.. Nos grafemas pr, Maciel Sardinha utiliza a forma arcaica de unir o R ao p. Em todas as vezes que ele utilizou pro, aparece assim grafado.. Figura 19 – Exemplo dos grafemas pr.. Quanto ao peso da escrita, fica evidente o traçado mais grosso nos traços dos das palavras que finalizam as linhas. Relacionado ao instrumento de execução, tal aspecto gráfico tende a classificar a escrita como leve, uma vez que o peso da pena no.

(41) 40. final das palavras na maioria das linhas pode ser atribuído pelo resultado do peso da mão.. Figura 20 – Fragmento de um dos depoimentos: os traços no final da linha. Na proporção e dimensão da letra, determinando a altura e a largura, ou seja, o módulo da letra, pode-se dizer que Ignacio de Souza Maciel Sardinha tinha uma letra de proporção média. Nas maiúsculas e, sobretudo no início de parágrafo, o tamanho aumenta consideravelmente.. Figura 21 – Exemplo de letra no início do parágrafo..

(42) 41. Quanto ao ângulo de inclinação, a escrita de Maciel Sardinha era pouco menor que 45 graus. Sua escrita, portanto, era bem mais inclinada que a do Pe. Thomaz Clarque.. Figura 22 – Ângulo de inclinação medido através das letras t, f, b.. Na relação entre as letras maiúsculas e minúsculas, o escrivão utiliza as maiúsculas de forma irregular, sobretudo na toponímia Viamão que sempre aparece com letra minúscula. É comum a utilização da letra S maiúscula no meio da palavra, assim como em alguma palavra no meio da frase.. Figura 23 – Exemplos de S maiúscula: SetteCento Sincoenta; ComSeypcão.. Na distribuição dos vocábulos, há muitos unidos indevidamente. Uso muito comum é a conjunção e unida à palavra seguinte, assim como os artigos.. Figura 24 – Exemplos de palavras unidas indevidamente: da vara e Parrocho da dita..

(43) 42. Da mesma forma que o Pe. Thomaz Clarque, no que diz respeito à pontuação e à acentuação, Maciel Sardinha também carrega consigo as características desse período do século XVIII.. Figura 25 – Exemplo do til usado como representante nasalar.. A utilização da vírgula é quase nula, mas se destacam diversas ocorrências do ponto e vírgula, substituindo a vírgula. A acentuação se restringe ao til, inclusive como representação do som nasalar; o uso da cedilha e do acento agudo nos verbos é raro. A numeração é a arábica, como demonstra a Figura 26, usada no momento da somatória das custas do processo. No caso de datas e idades, o escrivão as escreve por extenso.. Figura 26 – Numeração arábica..

(44) 43. 2.3.2 Aspectos Materiais Os aspectos materiais do processo de 1759 são os mesmos que os do processo de 1753, inclusive os problemas de conservação. O processo também tem onze folhas, sendo que a maioria das folhas está escrita frente e verso. A dimensão é de 31x21 cm com pauta superior que varia de 2 a 2,5 cm, esquerda e direita entre de 3,5 e 4 cm e pauta inferior com 3 cm. Originalmente costurado, na atualidade suas folhas foram separadas, entrefolhadas com papel neutro e o conjunto acondicionado em invólucro que ajuda na preservação do suporte. Quanto às filigranas, foram encontrados três desenhos: a) Nas folhas 1, 3 e 6, no topo uma coroa bastante elaborada, seguida por um escudo ladeado com bandeira. b) Nas folhas 4, 5 e 8 repete-se a mesma filigrana que o outro processo, o desenho de uma coroa no alto, a flor de lis e a letra B maiúscula no final. c) Na folha 9, há um monograma com as letras “C” e “R”. 2.3.3 Aspectos Complementares A origem do documento está descrita no Capítulo 1. Cabe, portanto, acrescentar que é um documento original e hológrafo, com eventuais intervenções do Vigário da Vara. Nas folhas 2 e 7, respectivamente, estão o requerimento dos noivos e os proclamas. A partir da análise paleográfica, passas-e à comparação de elementos que se destacam nas duas escritas..

Referências

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