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Uma visão filosófica antiessencialista para o abandono da noção de racionalidade jurídica: os processos de decisão em direito como ambientes lingüísticos regrados e contingentes

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO. UMA VISÃO FILOSÓFICA ANTIESSENCIALISTA PARA O ABANDONO DA NOÇÃO DE RACIONALIDADE JURÍDICA: os processos de decisão em direito como ambientes lingüísticos regrados e contingentes. Adrualdo de Lima Catão. DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Área de Concentração: Filosofia, Sociologia e Teoria Geral do Direito. Recife 2005.

(2) Adrualdo de Lima Catão. UMA VISÃO FILOSÓFICA ANTIESSENCIALISTA PARA O ABANDONO DA NOÇÃO DE RACIONALIDADE JURÍDICA: os processos de decisão em direito como ambientes lingüísticos regrados e contingentes. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife / Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Área de Concentração: Filosofia, Sociologia e Teoria Geral do Direito. Orientador: Prof. Dr. João Maurício Adeodato.. Recife 2005.

(3) CATALOGAÇÃO NA FONTE. 340.12 C357v. Catão, Adrualdo de Lima Uma visão filosófica antiessencialista para o abandono da noção de racionalidade jurídica: os processos de decisão em direito como ambientes lingüísticos regrados e contingentes / Adrualdo de Lima Catão. – Recife : Edição do Autor, 2005. 130 f. Orientador: João Maurício Leitão Adeodato. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Direito, 2005. Inclui bibliografia. 1. Direito - Filosofia. 2. Pragmatismo. 3. Hermenêutica (Direito). 4. Processo decisório (Direito). I. Adeodato, João Maurício Leitão. II. Título. 340.12. UFPE/CCJ-FDR/PPGD/EFR-efr. (CDD-Dóris de Queiroz Carvalho) BPPGD2005-10.

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(5) Dedicado a Antônio e Miriam, exemplos de vida, sem os quais eu nada seria..

(6) AGRADECIMENTOS Quero aqui agradecer sinceramente àqueles que também fizeram parte dessa dissertação. Para começar, meus companheiros de mestrado, que, ao longo do curso, tornaram-se meus verdadeiros amigos aqui nessa terra recifense. Fabiano, Mariana, David, Carolzinha, Mayra, Enoque, Dani, além de Ale, parceira de verdade não só no mestrado, mas em todas as situações difíceis que passei por aqui. Não posso esquecer da galera do grupo de pesquisa Retórica e Direito, fomentador das discussões apresentadas neste trabalho. Agradeço ao meu orientador, João Maurício, exemplo de dedicação à academia e de responsabilidade com seus alunos. Ao professores, principalmente George Browne, Torquato Castro Jr., Eduardo Rabenhorst e Alexandre Da Maia e aos funcionários da Pósgraduação, em nome de Josi, Carminha e Eurico. Em Maceió, a todos os amigos que torcem por mim e que, por várias maneiras, contribuíram com este trabalho. Karina, que me acompanhou e me incentivou no início do curso. Minhas irmãs, Nathália e Priscila. Meus companheiros de farra: Wander, Bosa, Pereira, Guaxuma, Edinho, Sanches, Hugo, Fabrício, Christian, Marquinhos e Helder, por terem me liberado de algumas delas para concluir as etapas dessa formação. Meus ex-sócios Thiago Bomfim e Felipe Lins, além de Expedito e meus amigos professores do CESMAC e da FAA. Ao pessoal do gabinete, César, Bia, Poly, Claudinha, Patrícia, André, Rosinaldo, Thauana, Carlos, Rodrigo, Martinha e Natália, por agüentarem os papos chatos de Filosofia do Direito. Millena, que esteve comigo na fase final, permitindo-me concluir este trabalho mesmo diante da inesperada, mas maravilhosa situação que vivenciamos. Agradeço enfim, a todos os meus alunos, de Maceió e de Recife, por me terem feito apurar as idéias aqui apresentadas, e madurar as premissas filosóficas que baseiam este trabalho..

(7) O Reino Avulso De tanto contemplar-te, sinto o fogo de uma beleza abstrata iluminar-me. Parti de ser humano ou contingente. De perfil, sou palavra. Do mar que penso faço o mar que existe. Quem sou eu senão linguagem? No tempo me acrescento, sendo imagem liberta do sensível. Expectador, vou perdendo e ganhando a cada passo no reino avulso da vida, e o sonho que me segue é a realidade de um sonho mais real que me fascina. Do paraíso expulso, rondo a porta de um domínio perdido. Ó linguagem, ó meu país natal, vem receber teu filho! IVO, Ledo. Poesia Completa: 1940-2004. Rio de Janeiro: TopBooks, 2004, p. 331..

(8) RESUMO CATÃO, Adrualdo. Uma visão filosófica antiessencialista para o abandono da noção de racionalidade jurídica: os processos de decisão em direito como ambientes lingüísticos regrados e contingentes. 2005. f. 121. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. Esta dissertação pretende apresentar a idéia de que a filosofia do direito não precisa manter a noção de racionalidade como critério de correção e previsibilidade das decisões jurídicas. A superação das idéias de racionalidade ligadas à visão essencialista da norma e dos fatos jurídicos, parece levar a uma espécie de relativismo, que, em direito, se identifica com a idéia de arbitrariedade na tomada de decisões. Apresenta-se a tentativa habermasiana de uma racionalidade procedimental, baseada na obediência a regras transcendentes, como uma postura a ser superada por uma filosofia pragmatista do direito. A idéia central é a de que os processos de decisão em direito são ambientes lingüísticos regrados e, ao mesmo tempo, contingentes. Assim, a idéia de uma racionalidade procedimental não contextual é, não só filosoficamente frágil, mas também de pouca utilidade, dada a constatação da contingência e da existência de vários tipos de processos decisórios, cada um servindo a seus propósitos específicos. A postura pragmatista, ligada às idéias wittgensteinianas é, destarte, a mais propícia ao estudo do direito de uma sociedade complexa como a brasileira.. Palavras-chave: Filosofia do direito; racionalidade jurídica; pragmatismo..

(9) ABSTRACT CATÃO, Adrualdo. An antiessentialist philosophical vision for the abandonment of the legal rationality’s notion: the decision procedures in law as steady and contingent linguistic surroundings. 2005. f. 121. Master Degree – Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. This dissertation intends to present the idea that Philosophy of Law does not need to maintain de notion of rationality as a criterion of correction and predictability of the law decisions. The surmounting of the ideas of rationality linked to the essentialist vision of law and facts seems to lead to a kind of relativism, which, in jurisprudence, identifies itself with the idea of arbitrary decisions. Here, Habermas’ approach to a procedural rationality, based on obeying transcendent rules, is presented as a bearing to be surmounted by a pragmatic philosophy of law. The central idea is that the decisions procedures in law are steady and, at the same time, contingent linguistic surroundings. Thus, the idea of a noncontextual procedural rationality is, not just philosophically fragile, but also of small utility, through the verification of contingency and of the existence of various species of decision procedures, each one serving to each specifics purpose. The pragmatic bearing, linked to wittgensteinian ideas is, hence, the most favorable to the studies of law in a complex society as Brazilian’s. Key Words: Philosophy of law; legal rationality; pragmatism..

(10) INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12 I – O problema filosófico a ser investigado: do essencialismo legalista ao essencialismo procedimentalista ................................................................................................................. 12 II. Organização formal do trabalho ....................................................................................... 16 CAP. 01. SUPERAÇÃO DO ANTIESSENCIALISMO E ANTI-REPRESENTACIONISMO PARA UMA FILOSOFIA PRAGMATISTA DO DIREITO: APRESENTAÇÃO DO MARCO FILOSÓFICO DO TRABALHO........................................................................... 18 1. Introdução: o Pragmatismo pós-giro lingüístico pragmático ............................................. 18 2. Pragmatismo como antiessencialismo: crítica à concepção realista de que as coisas têm essências a serem descobertas pelo ato de conhecimento ...................................................... 19 3. Giro Lingüístico e Representacionismo: a proposta de uma linguagem ideal representativa da realidade.......................................................................................................................... 22 4. A visão wittgensteiniana da linguagem como instrumento de ação: a noção de “jogo de linguagem” .......................................................................................................................... 28 CAP. 02. A BUSCA DA SEGURANÇA PELA RACIONALIDADE SUBSUNTIVA: A SUPERAÇÃO DA NOÇÃO DE NEUTRALIDADE DO INTÉRPRETE JURÍDICO E DA INTERPRETAÇÃO COMO REPRODUÇÃO DE SENTIDO.............................................. 36 1. Introdução: o problema da visão essencialista da norma jurídica e a neutralidade do intérprete.............................................................................................................................. 36 2. A noção de texto jurídico-dogmático e a apresentação do paradigma da neutralidade como pureza do ato interpretativo .................................................................................................. 37 3. O modelo essencialista de interpretação que ainda vigora na dogmática jurídica contemporânea: voluntas legis e voluntas legislatoris........................................................... 41 4. A visão do homem como ser histórico-temporal para uma concepção hermenêutica do conhecimento....................................................................................................................... 46 5. A noção de circularidade hermenêutica como superação da noção tradicional de neutralidade no direito (a interpretação como atividade produtora de sentido) ...................... 50 CAP. 03. A SUPERAÇÃO DA DISTINÇÃO FATO-VALOR: UMA POSTURA FILOSÓFICA PRAGMATISTA PARA A SUPERAÇÃO DA NOÇÃO DE OBJETIVIDADE NA AFERIÇÃO DOS FATOS EM DIREITO...................................................................... 56 1. Introdução: a noção de fato como construção humana (para uma visão diferente da prova nos processos de decisão)..................................................................................................... 56 2. A noção de fatos pré-lingüísticos como corolário de uma postura representacionista: os “fatos brutos”....................................................................................................................... 58 3. A concepção tradicional do fato no direito: a distinção entre fato jurídico e fato bruto na teoria de Pontes de Miranda ................................................................................................. 63 4. A distinção fato-valor como objetivação dos fatos e subjetivação dos valores: argumentos para uma tentativa de superação da noção tradicional de objetividade como representação da realidade .............................................................................................................................. 66 5. Uma visão pragmatista de diferença entre questão de fato e questão de direito: a controvérsia sobre os fatos e a sua normatividade................................................................. 72 6. A verdade como descrição mais útil do mundo: o pragmatismo como teoria antirepresentacionista e suas implicações na questão da prova dos fatos no processo judicial..... 78.

(11) CAP. 04. A BUSCA FILOSÓFICA POR CRITÉRIOS RACIONAIS DE CORREÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS: O RACIONALISMO PROCEDIMENTAL COMO POSTURA UNIVERSALIZANTE......................................................................................................... 85 1. Introdução: a superação das concepções essencialistas e o receio do relativismo (a busca da Filosofia do Direito pela “racionalidade” dos processos de decisão) ..................................... 85 2. O receio da “ditadura” do Poder Judiciário e a busca da Filosofia do Direito pela racionalidade judicial ........................................................................................................... 86 3. A superação da razão centrada no sujeito: racionalidade como fundamento das regras de lógica, sinceridade e liberdade no discurso ........................................................................... 90 4. A busca pela racionalidade das decisões judiciais: a teoria da argumentação jurídica como forma de se encontrar critérios descontextualizados para a racionalidade do discurso judicial ............................................................................................................................................ 95 5. O falso paradoxo da liberdade discursiva: porque as tentativas racionalizantes nãocontextuais não se adaptam à postura pragmatista na filosofia ............................................ 100 CAP. 05. IRRACIONALISMO X RACIONALISMO: UMA DISTINÇÃO A SER SUPERADA NUMA FILOSOFIA DO DIREITO QUE LEVE EM CONSIDERAÇÃO MULTIPLICIDADE DE USOS E A CONTINGÊNCIA DOS PROCESSOS DE DECISÃO JURÍDICA......................................................................................................................... 106 1. Introdução: a descontrução da noção de racionalidade jurídica (um apontar para seu paulatino desuso) ............................................................................................................... 106 2. A noção de paradigma e a contextualização dos critérios de correção e verdade dentro do jogo de linguagem: a segurança jurídica identificada com os limites contextuais para a decisão .......................................................................................................................................... 107 3. A distinção comensurabilidade-incomensurabilidade como questão de grau: incomensurabilidade como impedimento temporário à comunicação.................................. 116 4. O receio do relativismo e a crítica à noção de comensurabilidade ................................... 119 5. A contingência da linguagem jurídica e a multiplicidade dos processos de decisão: por um progressivo desuso da noção de racionalidade pela Filosofia do Direito ............................. 123 BIBLIOGRAFIA: .............................................................................................................. 131.

(12) 12. INTRODUÇÃO I – O problema filosófico a ser investigado: do essencialismo legalista ao essencialismo procedimentalista O presente trabalho quer apresentar a visão de que os processos de decisão jurídica são ambientes lingüísticos contextuais, guiados por regras e, ao mesmo tempo, contingentes, passíveis, portanto, de modificação de seu vocabulário e, conseqüentemente, das suas próprias regras. Tais regras de aferição da correção das assertivas e das decisões está presente na própria linguagem, não sendo cabível pensar-se em critérios últimos ou incondicionais. Para chegar a uma tal conclusão o trabalho precisa desconstruir duas tentativas racionalizantes que têm influência marcante na Filosofia do Direito e na hermenêutica jurídica. A primeira se refere à visão própria do racionalismo clássico, representado pelas teorias da interpretação jurídica baseadas numa visão da interpretação como ato neutro e de reprodução de sentido. Esta postura, tipicamente essencialista e representacionista, trabalha com a visão de que o processo de decisão estaria absolutamente limitado pelo sentido do texto normativo e sua correspondência com os fatos, limitação da qual o decididor e os contendores não podem fugir. A participação do intérprete fica em segundo plano e se deixa de lado a noção de sentido contextualizado. Assim sendo, os critérios de racionalidade eram encontrados da essência dos textos normativos, ou jurídico-dogmáticos. Trata-se da noção essencialista, típica do legalismo da Escola da Exegese, que não encontra eco sequer na visão kelseniana da interpretação1, mas que permeia até hoje muitos dos manuais de Introdução do Direito.. 1. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 387..

(13) 13. A segunda proposta tenta substituir a primeira, visualizando o direito como ambiente lingüístico complexo, buscando formas de racionalidade não mais nos textos e fatos jurídicos, mas na obediência a critérios procedimentais pragmáticos, cujo fundamento tem caráter incondicional e universal. A tentativa aqui é a de desconstruir ambas as posturas, para concluir pela inutilidade dos usos totalizadores da palavra “racionalidade”, quando aplicada aos processos de decisão jurídica, tendo em vista a variedade de ambientes lingüísticos em que tais processos ocorrem. Para discorrer sobre a problemática, o trabalho se organiza em cinco capítulos. No primeiro deles, apresenta-se o marco filosófico que servirá para negar o essencialismo e as noções totalizadoras e essencialistas da racionalidade. Assim, em sua aproximação hermenêutica do pragmatismo, as idéias de Rorty servem como crítica às noções representacionistas do conhecimento, bem como às noções essencialistas do ser. Destarte, o trabalho, inicialmente, é o de imaginar uma atividade autorizada a ostentar o nome de “filosofia”, mesmo não tendo nada a ver com descobrir a forma de se encontrar a essência da norma jurídica, o sentido último dos textos dogmáticos, ou o procedimento racional em si mesmo.2 A tarefa do segundo capítulo é a de superar a busca pela racionalidade jurídica baseada na idéia de sentido único do texto, e de neutralidade como distanciamento e não participação do intérprete na definição do sentido dos textos dogmáticos. Apresenta-se a filosofia hermenêutica heideggeriana e as noções de circularidade hermenêutica e historicidade do homem, como forma de defender a indeterminação prévia dos textos normativos.. 2. RORTY, Richard. A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa: Dom Quixote, 1988, p. 277..

(14) 14. A distinção fato-valor e a noção de fato como algo puro e desvinculado da participação humana é o objeto do terceiro capítulo. Tenta-se apresentar a idéia de que a prova no direito não seria algo simplesmente objetivo, no sentido de que serviria a “representar” os fatos em discussão num processo. Apresenta-se outra visão da distinção entre questão de fato e questão de direito, apontando seu uso na dogmática e superando a visão de que as questões de fato seriam objetivas, pois estariam lidando com a “realidade”. Assim é que, até a prova em direito é lingüística, e, portanto, as controvérsias fáticas são tão problemáticas quanto as controvérsias valorativas, vendo-se a prova como instrumento de persuasão e de convencimento, ou como meio de justificação de decisões. O problema a ser discutido no quarto capítulo é que as decisões judiciais não possuem mais a certeza que possuíam no alvorecer do Estado de Direito com a Revolução Francesa e as teorias interpretativas do positivismo legalista. A segurança jurídica que se buscava alcançar, com a visão do juiz como mero repetidor das normas gerais previamente postas, não mais se adapta às exigências de mutabilidade e complexidade sociais que, cada vez mais, apresentam situações inusitadas e que necessitam de uma resposta imediata por parte do Judiciário, impedido que está de alegar o non liquet. A decisão judicial, vista não mais como mero ato de conhecimento, mas agora, também como um ato de “vontade”3, passa a ter um caráter “arbitrário”, o que cria um importante desafio para a Filosofia do Direito, qual seja, a questão de como “fundamentar racionalmente” uma decisão tomada “subjetivamente”, mesmo que nos limites de uma moldura e mesmo que se admita que tal escolha somente ocorre em casos específicos de indeterminação.4. 3 4. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 393. HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 137..

(15) 15. Um dos caminhos encontrados pelos filósofos para resolver o “problema” da racionalidade é o das teorias procedimentalistas da argumentação, que se baseiam em regras práticas e éticas que informam o procedimento e, ao mesmo tempo, conferem racionalidade ao mesmo. Este trabalho quer apresentar um caminho alternativo. Criticam-se, pois, as premissas filosóficas em que se baseiam as teorias argumentativas baseadas numa racionalidade procedimental, pois situam as regras da racionalidade fora do ambiente lingüístico contextualizado. No capítulo quinto, a tentativa é a de superar o relativismo sem precisar de um conceito de razão baseada em elementos não contextuais. Quer-se deixar de lado o receio do decisionismo sem recorrer a um racionalismo procedimental. Ao contrário, a tentativa é de apresentar a filosofia pragmatista e a visão wittgensteiniana da linguagem como instrumento de ação para que se vejam os processos decisórios como ambientes lingüisticamente regrados e, portanto, não sujeitos à arbitrariedade do irracionalismo ou do relativismo. Contudo, este regramento não deve ser alçado à categoria de “racional” no sentido de incondicional. Isto porque as regras que o compõem não são consideradas imutáveis, nem são fórmulas heróicas de se encontrar o rumo do conhecimento em direção à essência da norma jurídica ou da justiça. Ao contrário, a proposta de visão dos processos de decisão pretende apresentálos como ambientes lingüísticos contingentes, cujas regras controlam e, ao mesmo tempo são forjadas continuadamente e de forma imprevisível. Uma decisão que se chame hoje, absurda, amanhã poderá não ser assim tachada. Assim é que a proposta do presente trabalho deixa de lado determinado uso tradicional da palavra “razão”, que designa a segurança na tomada das decisões jurídicas, não.

(16) 16. em favor do irracionalismo ou do relativismo. A despeito da manutenção do uso da palavra, propõe-se um gradativo desuso da mesma, que cada vez menos consegue conferir a segurança que outrora proporcionou aos processos de decisão jurídica.. II. Organização formal do trabalho A pesquisa bibliográfica na área de Filosofia e Filosofia do Direito será utilizada como base para a elaboração do trabalho, buscando-se tratar a problemática sob um enfoque eminentemente de crítica ao paradigma epistemológico tomado por base pelas visões tradicionais da decisão jurídica. O presente trabalho não responde a questões dogmáticas sobre o processo de tomada de decisões em direito, apesar de apresentar, no decorrer do texto, referências a questões dogmáticas, que servirão para ilustrar o interesse que a filosofia pode despertar em questões estritamente jurídicas. No que se refere à apresentação física, optou-se pela sobriedade do estilo de letra times new roman e do espaçamento entre linhas 2,0, estando de acordo com as normas da ABNT. A escolha pela referência bibliográfica completa apresentada no rodapé da folha se baseia no fato de que o leitor deve sempre ser levado em consideração na escolha da forma de apresentação de qualquer pesquisa, e a referência completa, apesar de repetitiva, facilita a visualização imediata do autor e da obra, sem a necessidade de remeter o leitor ao final do texto. O rodapé servirá, muitas vezes, para a elaboração de comentários e esclarecimentos que não deveriam constar no corpo do texto. As citações não estarão parafraseadas apenas quando a reprodução literal do trecho for essencial ao entendimento da idéia que se quer apresentar. Evita-se a transcrição de.

(17) 17. trechos em língua estrangeira, visando a facilitar a compreensão do leitor não versado no idioma da obra citada. A transcrição de trechos de obras em língua estrangeira será feita por tradução do autor, mantendo-se a transcrição original no rodapé. A utilização de aspas quer destacar as citações literais, bem como palavras com duplo sentido ou mesmo em destaque, além dos títulos de artigos de periódicos consultados. Evita-se o recurso ao texto em itálico ou em negrito, sendo que este último serve a destacar os títulos dos livros e periódicos que serviram à elaboração do trabalho..

(18) 18. CAP. 01. SUPERAÇÃO DO ANTIESSENCIALISMO E ANTIREPRESENTACIONISMO PARA UMA FILOSOFIA PRAGMATISTA DO DIREITO: APRESENTAÇÃO DO MARCO FILOSÓFICO DO TRABALHO. 1. Introdução: o Pragmatismo pós-giro lingüístico pragmático. Trata este capítulo de apresentar o marco teórico-filosófico que norteará todo o trabalho. Aqui se tentará apresentar os pontos básicos que orientam a pesquisa, notadamente a postura pragmatista e suas relações com a visão wittgensteiniana do não-representacionismo da linguagem. A tentativa aqui é a de focalizar a proposta de Richard Rorty de mesclar as idéias dos pragmatistas clássicos com a filosofia lingüística pragmática e hermenêutica, de forma a apresentar o marco teórico que informa as idéias principais do presente trabalho. Apresentam-se,. pois,. tais. noções. filosóficas. como. movimentos. antiessencialistas e anti-representacionistas, numa forma de rompimento com os dualismos metafísicos sujeito-objeto, aparência-realidade, essência-acidente, característicos da filosofia clássica desde dos gregos5. Trata-se da superação de concepções metafísicas, baseadas no entendimento de que a função do pensamento seria descobrir as essências das coisas do mundo. O marco filosófico que orienta este trabalho propicia um entendimento livre dos dualismos metafísicos acima mencionados, levando-se ao desenvolvimento do que se pode denominar de giro linguístico-pragmático ou reviravolta lingüístico-pragmática da filosofia contemporânea.6 Nesse sentido, a tese que se pretende abordar é aquela segundo a qual, num novo mundo filosófico, não se deve tentar encontrar na linguagem ou no pensamento. 5. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 153. 6 OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 15..

(19) 19. representações da realidade,7 desde que o conhecimento não é conhecimento de essências, ou da coisa em si, mas sim um ato condicionado aos interesses e necessidades humanos, sempre inserido num ambiente lingüístico, abrindo espaço à concepção pragmática da linguagem. Assim é que se pretende no presente capítulo demonstrar a pertinência da tese pragmatista para a visão do direito e dos processos de decisão jurídica, apresentando aquele que decide como um ser inserido num ambiente lingüístico e, pois, histórico, cultural, temporal e finito, enfim, humano. E é nesse ponto que se encontra a mais valiosa contribuição do que se convencionou chamar de neopragmatismo, típico do pensamento de Richard Rorty, para uma visão pragmatista do direito. Trata-se da substituição da pergunta “estou eu descrevendo o objeto em sua realidade ou apenas sua aparência?”, pela pergunta: “estou eu usando a melhor descrição possível para a situação em que me encontro?”.8 Daí que é este marco teórico vem informar a visão do direito e dos processos de decisão jurídica apresentada nesse trabalho. 2. Pragmatismo como antiessencialismo: crítica à concepção realista de que as coisas têm essências a serem descobertas pelo ato de conhecimento. O pragmatismo, como uma filosofia da ação, quer acabar com a distinção entre conhecer coisas e usá-las. Para isso, apresenta-se contra a tese de que as coisas do mundo tenham uma essência a ser descoberta e de que, portanto, seria função do conhecimento buscar esta essência. “Sin embargo, para hacer plausible esa afirmación, los pragmatistas. 7. “(…) we shall no longer think of either thought or language as containing representations of reality”. RORTY, Richard. “A pragmatist View of Comtemporary Analytic Philosophy”. Site da Universidade de Stanford. Disponível em <www.stanford.edu/~rrorty/>. Acesso em: 05 de setembro de 2003. 8 RORTY, Richard. “A pragmatist View of Comtemporary Analytic Philosophy”. Site da Universidade de Stanford. Disponível em <www.stanford.edu/~rrorty/>. Acesso em: 05 de setembro de 2003..

(20) 20. tienen que atacar la idea de que conocer X es estar relacionado con algo intrínseco a X, mientras que usar X es estar em uma relación accidental, extrínseca a X.” 9 A idéia de que conhecer algo é buscar a sua essência se refere ao dualismo metafísico essência-acidente, que, por outro lado, diz respeito à distinção entre extrínseco e intrínseco, sendo esta a distinção que uma filosofia que se considere pragmatista deve superar, utilizando-se do que se chama de antiessencialismo.10 É evidente que o dualismo entre a postura platônica – de que os universais lingüísticos que o ser humano utiliza para designar coisas através da linguagem corresponderiam a objetos verdadeiramente existentes – e a postura segundo a qual tais universais seriam apenas símbolos contextuais é uma das disputas das mais antigas da filosofia. Em direito, esta dicotomia é apresentada pela disputa entre privilegiar a noção de que as regras gerais possuem uma essência significativa e, de outro lado, a visão de que o direito deve ser analisado sob o ponto de vista casuístico, concreto. Nesse, sentido, quer-se adotar neste trabalho a visão de que o homem seria um ser biologicamente carente – tendo somente a linguagem como referencial – trabalhando a questão com as especificidades do vocabulário pragmatista.11 Para o pragmatista nada há em um objeto que não seja relacional, inexistindo nesse objeto algo como uma essência a ser pesquisada, de forma que qualquer definição de algo será sempre uma relação deste objeto com outros, e não algo que seja “em si”. Richard Rorty, ao tentar demonstrar como pensar de forma antiessencialista, apresenta, como exemplo, a proposta de se pensar as coisas como números. O fato é que é. 9. RORTY, Richard. Esperanza o conocimiento? Una introducción al pragmatismo. Buenos Aires: Fundo de Cultura Econômica, 2001, p. 47. 10 RORTY, Richard. Esperanza o conocimiento? Una introducción al pragmatismo. Buenos Aires: Fundo de Cultura Econômica, 2001, p. 47. 11 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 214 e ss..

(21) 21. difícil pensar nos números como tendo características intrínsecas. Assim, saber qual a natureza de um número, o que ele é “em si mesmo”, aparte as suas relações com outros números, não faz sentido: Lo que se busca es una descripción de 17 que sea de diferente tipo que las siguientes descripciones: menor que 23, mayor de 8, la suma de 6 y 11, la raíz cuadrada de 289, el cuadrado de 4.123.105, la diferencia entre 1.687.922 y 1.678.905. Lo molesto de todas estas descripciones es que ninguna parece llevarnos más cerca del número 17 que cualquiera de las otras.12. Portanto, qualquer das descrições do número “dezessete”, feitas acima, são sempre referentes às suas relações com outros números e qualquer delas é capaz de nos levar à noção do número 17. Na tentativa de se livrar da concepção de que existem essências a serem descobertas pela atividade do conhecimento, tenta-se apresentar a tese pragmatista de que não há sentido em falar na distinção entre essência e acidente, já que, não somente no caso dos números, mas no que se refere a qualquer tipo de coisa, o que há para conhecer são as suas relações com outras coisas.13 Ao tentar descobrir a natureza intrínseca de uma mesa, por exemplo, de nada adianta bater na mesa como forma de se adquirir um conhecimento intrínseco ou nãolingüístico da mesa. Para o pragmatista, para saber o que é a mesa, não há melhor resposta que: “aquello com respecto a lo qual los siguientes enunciados son verdaderos: marrón, fea, dolorosa ante um movimiento enérgico de la mano, capaz de interponerse en el camino, hecha de átomos, etcétera”.14 O pragmatista, pois, acredita que a preocupação de se separar a coisa de suas relações é uma preocupação vã. Isto porque, numa visão pragmatista, “Não pode haver 12. RORTY, Richard. Esperanza o conocimiento? Una introducción al pragmatismo. Buenos Aires: Fundo de Cultura Econômica, 2001, p. 51. 13 RORTY, Richard. “Pragmatismo, filosofia analítica e ciência”. PINTO, Roberto Margutti Pinto; MAGRO, Cristina; ett ali. Filosofia analítica, pragmatismo, e ciência. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998, p. 15. 14 RORTY, Richard. Esperanza o conocimiento? Una introducción al pragmatismo. Buenos Aires: Fundo de Cultura Econômica, 2001, p. 56..

(22) 22. nenhuma diferença em alguma parte que não faça uma diferença em outra parte”.15 Se assim o é, não há que se perscrutar sobre ter alcançado ou não a essência da coisa, a despeito das relações a que esta coisa está submetida e de que forma ela pode ser útil aos propósitos e necessidades humanos. É nesse ponto que James afirma que “a posse da verdade, longe de ser aqui um fim em si, é somente um meio preliminar em direção a outras satisfações vitais”. A tese pragmatista sustenta, portanto, que não pode haver um ponto arquimediano de medida sobre qual das descrições é mais ou menos correspondente à natureza intrínseca do objeto, já que cada descrição servirá a interesses e propósitos diferentes.16 Assim, ao contrário de se buscar uma essência, seria mais útil buscar no vocabulário da prática e da ação, do que no da teoria e da contemplação, alguma informação sobre o significado das coisas do mundo. O fato é que, se as coisas nada mais são do que o estabelecimento de determinadas relações, não há sentido em se perguntar sobre sua “essência”, posto que não há uma “essência” sem correspondência com as necessidades humanas. Incabível, pois, pensar que, em direito, poder-se-ia obter interpretações jurídicas que revelem o que seria uma essência da norma jurídica ou mesmo decisões que sejam adequadas a algo como a “verdade” ou a “realidade”, conforme se verá mais à frente, no desenvolver deste trabalho. 3. Giro Lingüístico e Representacionismo: a proposta de uma linguagem ideal representativa da realidade. O que se percebe da análise do pragmatismo proposto por Rorty é uma adaptação da filosofia pragmatista clássica às filosofias pragmáticas da linguagem, 15. JAMES, William. Pragmatismo e outros ensaios. Rio de Janeiro: Lidador, 1967, p. 46. Esta visão servirá para, no terceiro capítulo deste trabalho, fundamentar a visão pragmatista dos fatos no direito. JAMES, William. Pragmatismo e outros ensaios. Rio de Janeiro: Lidador, 1967, p. 118. 16.

(23) 23. notadamente à filosofia wittgensteiniana da segunda fase, bem como à filosofia hermenêutica heideggeriana e à noção do círculo hermenêutico.17 Daí que a filosofia pragmatista que se pretende implementar nesse trabalho passa pelas noções encontradas nas teorias filosóficas surgidas com o que se convencionou chamar de “giro lingüístico”. Cabendo, neste primeiro capítulo, tentar esclarecer como uma visão pragmatista deve lidar com esta revolução na filosofia. O problema é que tais revoluções filosóficas sempre tendem ao fracasso, posto que apresentam um novo método, um novo vocabulário para resolução das mesmas questões filosóficas que se apresentam desde os gregos.18 Assim é que a mais recente revolução filosófica, tratada comumente de giro lingüístico, é encarada de forma crítica por Rorty, pois apresenta o ponto de vista de que os problemas filosóficos poderiam ser resolvidos, desde que fossem encarados como problemas lingüísticos, reformando-se a linguagem comum, ordinária, cheia de erros e imprecisões, para uma linguagem ideal. Tem-se, assim, nos chamados neopositivistas lógicos, uma tentativa de criação de uma linguagem ideal que pudesse por fim à obscuridade do conhecimento causada por problemas estritamente lingüísticos.19 Inicialmente, pois, a reviravolta lingüística significaria uma maneira diferente de se trazer à tona os problemas filosóficos, tratando os problemas anteriores sob a rubrica de “problemas lingüísticos”.20. 17. GHIRALDELLI JR, Paulo. Richard Rorty: a filosofia do novo mundo em busca de mundos novos. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 50 e 57. 18 RORTY, Richard. El giro lingüístico: dificuldades metafilosóficas de la filosofia lingüística. Barcelona: Paidós Ibérica, 1990, p. 47-48. 19 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 157 e WARAT, Luiz Alberto. O direito e sua linguagem. C/colab.Leonel Serevo Rocha. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 37. 20 OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 12..

(24) 24. No primeiro “giro lingüístico”, com os positivistas lógicos do Círculo de Viena21, tinha-se a idéia de que a linguagem deve servir como instância mediadora entre o homem e o mundo, de forma que os problemas filosóficos deveriam ser resolvidos por uma linguagem perfeita, uma linguagem ideal. Trata-se da tentativa de se encontrar um caráter designativo da linguagem, onde se tem “a teoria da afiguração como correspondência estrutural entre frase e estado de coisas, respectivamente, fatos, elaborada no Tratactus. A frase representa, por semelhança estrutural, o estado de coisas por ela referido”. Trata-se da visão de que “existe um mundo em si que nos é dado independentemente da linguagem, mas que a linguagem tem a função de exprimir” o que levou Wittgenstein a buscar esta linguagem perfeita, capaz de corresponder com exatidão à estrutura ontológica do mundo. 22 Há, aqui, uma preocupação central com as questões semânticas e sintáticas, donde os problemas pragmáticos, aqueles referentes à relação do signo com seu usuário, não se apresentam a não ser em uma linguagem natural, sendo irrelevantes para o que se chama de neopositivismo lógico.23 Deixa-se de encarar a linguagem como um mero instrumento secundário, passando-a a uma categoria privilegiada na filosofia, mantendo-se, todavia, a diferença entre pensamentos lingüísticos e não-lingüísticos e tomando a filosofia lingüística como forma de solução última de todos os problemas filosóficos. Segundo afirma Rorty, o que distinguiria a filosofia analítica de outras iniciativas filosóficas do século XX seria a idéia de que o giro, junto com o uso da lógica. 21. “Reconhece-se, geralmente, como fundador do positivismo lógico um grupo que surgiu na década de 20 deste século, conhecido sob a denominação de Círculo de Viena. Schlick, e Carnap podem ser indicados como seus membros mais destacados. Nagel, Moris, Quine, Fèigl, entre outros, tembém participaram; tendo Peirce, Frege e Wittgenstein (Tratactus) como precursores necessários”. WARAT, Luiz Alberto. O direito e sua Linguagem. C/colab.Leonel Serevo Rocha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 37. 22 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 121. 23 WARAT, Luiz Alberto. O direito e sua linguagem. C/colab.Leonel Serevo Rocha. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 46..

(25) 25. simbólica, tornaria possível, ou pelo menos mais fácil, transformar a filosofia numa disciplina científica. A esperança, portanto, seria a de que os filósofos viessem a se tornar capazes, por meio de uma pesquisa cooperativa, de “adicionar tijolos ao edifício do conhecimento”.24 Seria como transformar a filosofia em um esforço de encontrar o fundamento para o conhecimento humano através da linguagem. Esta primeira frente em que se operou o giro lingüístico não deixa de lado os dualismos metafísicos acima mencionados, já que tem por intuito eleger uma linguagem ideal como forma de solucionar tais problemas, mantendoos, todavia, como verdadeiros problemas da filosofia. Assim, caberia à filosofia da linguagem retirar as assertivas filosóficas do âmbito da linguagem natural para que se possa constatar o que, “verdadeiramente” significam, encarando-se, dessa forma, a linguagem, ainda, como possibilidade de se representar o mundo como ele “é”. Trata-se de uma tentativa de se conservar algo da tradição cartesiana, um “esforço, dentro da recente filosofia da linguagem, para especificar ‘como é que a linguagem se apega ao mundo’, criando em conseqüência um análogo do problema cartesiano de saber se como é que o pensamento se apega ao mundo”. 25 Daí que a proposição é “uma imagem da realidade, (...) um modelo de realidade tal qual a pensamos”. Ao mesmo tempo, “o sentido da proposição é a sua concordância ou sua não concordância com as possibilidades da existência e da não-existência de estados de coisas”. 26 É como se o “espelho da natureza” deixasse de se encontrar internamente (pensamento) e passasse a ser encontrado externamente, ou seja, na linguagem, reabilitando as questões filosóficas clássicas em termos lingüísticos. É isso, justamente, o que proporciona a 24. RORTY, Richard. “Analytic philosophy and transformative philosophy”. Site da Universidade de Stanford. Disponível em <www.stanford.edu/~rrorty/>. Acesso em: 05 de setembro de 2003. 25 RORTY, Richard. A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa: Dom Quixote, 1988, p. 168. 26 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado Lógico-Filosófico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 52 e 71..

(26) 26. possibilidade de se pensar e falar sobre o mundo. Eis a constatação lógica do porquê de a linguagem fazer sentido.27 É a linguagem o ponto de investigação filosófica principal, já que os equívocos produzidos em filosofia são nada mais que incoerências lingüísticas, que somente podem ser solucionadas com uma linguagem ideal. Os “equívocos” da linguagem ordinária são as razões para as confusões conceituais que os filósofos tratam como “problemas filosóficos”. Este é o objetivo expresso da única obra de vulto publicada por Wittgenstein ainda em vida28. O Tratado LógicoFilosófico quer mostrar que os problemas filosóficos simplesmente desaparecem quando se entende a lógica da linguagem: O livro trata dos problemas da filosofia e mostra – creio eu – que a posição de onde se interroga estes problemas repousa numa má compreensão da lógica da nossa linguagem. Todo o sentido do livro podia ser resumido nas seguintes palavras: o que é de todo exprimível, é exprimível claramente; aquilo de que não se pode falar, guardase em silêncio.29. Resolver os problemas da filosofia é, no entanto, o intento também do que se chama de “segunda fase” da filosofia wittgensteiniana (que será abordada no próximo ponto). O que identifica a proposta do Tractatus é que ele quer cumprir tal desiderato apresentando a idéia de que a linguagem teria uma “estrutura lógica subjacente, cujo entendimento mostra os limites do que se pode dizer clara e significativamente”.30 Tais limites são encontrados na Lógica e nos seus desenvolvimentos propostos, principalmente por Russell31, de quem Wittgenstein pôde apreender as noções fundamentais. 27. CONDÉ, Mario Lúcio Leitão. Wittgenstein: linguagem e mundo. São Paulo: Annablume, 1998, p. 52. Wittgenstein publicou, ainda em vida, outras duas obras: um glossário alemão para crianças no curso primário e o roteiro de uma conferência a ser ministrada num encontro patrocinado pela Revista Mind e pela Sociedade Aristotélica. EDMONDS, Davids. EIDINOW, John. O atiçador de Wittgenstein. Rio de Janeiro: Difel, 2003, p. 222. 29 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado Lógico-Filosófico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 27. 30 GRAYLING, A. C. Wittgenstein. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 29. 31 A Teoria das Descrições de Russell não cabe nos propósitos desse trabalho, mas é a chave para a formalização da linguagem ordinária e a conseqüente evolução da lógica. Consiste na visualização das partes isoladas das 28.

(27) 27. para a elaboração do Tratado. Ao destacar a importância filosófica da Lógica e, mais especificamente, do calculo do predicado, encara-a como a linguagem perfeita, que pode definir os limites do que pode ser dito, e, por conseguinte, do que tem significado. A filosofia da linguagem teve, pois, início, “como a tentativa de produzir um empirismo não-psicologístico mediante a reformulação de questões filosóficas como questões de lógica”.32 O Tratado reconhece, pois, que a linguagem perfeita deve refletir a estrutura do mundo, já que, tanto a linguagem, quanto o mundo, têm uma estrutura. É a análise clara e o reconhecimento desse isomorfismo entre mundo e linguagem que pode livrar a linguagem das imprecisões que fazem “surgir” os problemas filosóficos.33 Eles são tidos como proposições que não conseguem retratar nada no mundo, não tendo conexão com o mesmo, pois não refletiriam sua estrutura.34 Vê-se porque a Lógica tem papel fundamental na filosofia: o fato de que o papel da linguagem é um só, o de representar a estrutura lógica do mundo. Tudo aquilo que não sirva a este propósito, ou seja, que não reflita a estrutura lógica do mundo, está fora do que pode ser dito, e, portanto, segundo o Tratado, deve ser silenciado, pois: O método correto da Filosofia seria o seguinte: só dizer o que pode ser dito, i.e., as proposições das ciências naturais – e portanto sem nada que ver com a filosofia – e depois, quando alguém quisesse dizer algo metafísico, mostrar-lhe que nas suas proposições existem sinais aos quais não foram dados uma denotação.35. O objetivo desse capítulo, nesse sentido, é o de demonstrar que o pragmatismo como antiessencialismo e anti-representacionismo pode ser útil a uma concepção da sentenças, como forma da verificação de sua falsidade ou veracidade. Assim, a despeito de a França ser uma república, a frase “Rei da França é careca” tem significado, mesmo não denotando nenhuma figura existente. Russell explica dividindo a sentença em três: 1. Existe um rei da França; 2. Existe um único rei da França; 3. O que quer que seja o rei da França, é careca. Expondo, pois, a lógica da linguagem, tem-se que, sendo a primeira assertiva falsa, toda afirmação é falsa. Usando, pois, as formas lógicas e os instrumentos de uma linguagem formalizada, conseguir-se-ia definir o que pode e o que não pode ser dito. GRAYLING, A. C. Wittgenstein. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 50 e ss. 32 RORTY, Richard. A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa: Dom Quixote, 1988, p. 168. 33 MORENO, Arley R. Wittgenstein: os labirintos da linguagem. Campinas: Universidade de Campinas, 2000, p. 59. 34 GRAYLING, A. C. Wittgenstein. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 49. 35 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado Lógico-Filosófico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 27..

(28) 28. reviravolta lingüística como reviravolta lingüístico-pragmática, superando, com a ajuda do próprio Wittgenstein, agora em sua segunda fase, a noção de que a única função da linguagem é a denotação, que não se confunde com “representação da realidade”.. 4. A visão wittgensteiniana da linguagem como instrumento de ação: a noção de “jogo de linguagem” Para os propósitos desse trabalho, o de apresentar o processo de decisão jurídica como jogo de linguagem, cabe analisar a noção básica da segunda fase da filosofia de Wittgenstein, quando ele passa a visualizar a linguagem como instrumento de ação humana. Não se adentrará, neste momento, aos questionamentos mais aprofundados da filosofia wittgensteiniana, já que no decorrer do trabalho, as noções da pragmática da linguagem serão usadas, junto às idéias pragmatistas e hermenêuticas, para fundamentar a tese proposta na dissertação e os desdobramentos das questões específicas sobre os processos de decisão jurídica. É que o giro lingüístico, conforme dito acima, teve um momento inicial no qual ainda se deixava levar pelos dualismos gregos, apegando-se a uma tentativa de se encontrar, através da linguagem, a essência do conhecimento, ou das coisas do mundo. A despeito desse momento inicial, Rorty apresenta o linguístic turn, num segundo momento, com características das linhas de pensamento anti-representacionistas, quando se passou a considerar o pensamento do último Wittgenstein como tendo dado uma nova forma de se pensar sobre a suposta relação entre a linguagem e a realidade, em contraste com os neopositivistas lógicos, e com o próprio Wittgenstein do Tractatus.36 A viragem pragmática veio, pois, com o próprio Wittgenstein ao rever sua postura filosófica em relação à linguagem, trazendo a noção de que a linguagem não é 36. “This line of thought, running through the later Wittgenstein, as well as through the work of Sellars and Davidson, has given us a new way of thinking about the relation between language end reality”. RORTY, Richard. “Analytic philosophy and transformative philosophy”. Site da Universidade de Stanford. Disponível em <www.stanford.edu/~rrorty/>. Acesso em: 05 de setembro de 2003..

(29) 29. representação do mundo. Isso passa pela consideração antiessencialista de que não há um mundo com essências a serem descobertas pelo homem que deve percebê-las e, depois, utilizar-se da linguagem para sua transmissão. Assim é que: (...) pensar na linguagem como uma imagem do mundo – um conjunto de representações de que a filosofia necessita de exibir como estando numa qualquer espécie de relação não-intencional com aquilo que representam – não é útil para se explicar como a linguagem é apreendida ou compreendida.37. Trata-se do “sentimento de que não há nada no mais profundo de nós excepto (sic) o que nós próprios lá pusemos (...), nenhuma argumentação rigorosa que não seja obediência às nossas próprias convenções”.38 Nesse sentido, o trabalho da “segunda fase” da filosofia de Wittgenstein se refere a seus escritos que vão desde a década de 1930 até sua morte. Tais textos são trabalhos posteriores ao Tractatus, quando Wittgenstein, após um longo tempo longe da filosofia, volta novamente seu interesse para as questões antes tratadas, agora sob um ponto de vista diferente. O período de transição que viveu a filosofia wittgensteiniana se refere a questionamentos que envolvem, principalmente, a autoridade da lógica como linguagem representativa da realidade. Passa-se a ver a linguagem lógica como uma entre tantas outras linguagens possíveis. A metáfora da linguagem como imagem ou espelho formal do mundo dá lugar à noção de linguagem como ferramenta.39 Esta fase de transição ocorre quando Wittgenstein retorna à Cambridge e vive um intenso período de atividade intelectual, no qual desenvolve as idéias que vão formar a sua outra obra de grande vulto, qual seja, as “Investigações Filosóficas”. Aqui, a preocupação. 37. RORTY, Richard. A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa: Dom Quixote, 1988, p. 231. RORTY, Richard. Conseqüências do pragmatismo. Lisboa: Piaget, 1999, p. 45. 39 EDMONDS, Davids. EIDINOW, John. O atiçador de Wittgenstein. Rio de Janeiro: Difel, 2003, p. 240. 38.

(30) 30. com a linguagem continua, mas não se a vê mais como tendo a única função de representar a estrutura lógica do mundo. Nesse sentido, Wittgenstein demonstra sua mudança de pensamento quando passa a ver sua linguagem ideal apresentada no Tractatus como “um jogo de linguagem específico e, portanto, um processo de interação social; só que em virtude de seu caráter artificial dá uma impressão de pureza, isto é, de separação de uma práxis social...”.40 Assim, qualquer linguagem ideal seria nada mais que um entre tantos vocabulários possíveis, apenas um entre tantos processos de interação social que apenas dá a impressão de estar desvinculado das práticas e necessidades humanas. A Lógica Simbólica é um vocabulário específico, que serve para responder determinadas questões, mas ignora outras.41 Passa-se a ver a linguagem como ferramenta, instrumento pelo qual o homem realiza suas várias necessidades. Se assim o é, não se pode pensar a linguagem como tendo uma única função, como se pensou no Tractatus. Abandonam-se, pois, os resquícios de realismo ontológico.42 Como forma de negar a essência representativa da linguagem, Wittgenstein, ao iniciar suas Investigações Filosóficas, apresenta uma citação de Santo Agostinho na qual uma criança (o próprio Agostinho) aprendia o sentido das palavras pela designação feita ostensivamente pelos seus pais, de modo que ouvindo as palavras, compreendia a que objetos elas se referiam. Seguindo este mote, Wittgenstein argumenta: E parece-me que agora se pode dizer: Santo Agostinho descreve a aprendizagem da linguagem humana como se a criança chegasse a uma terra desconhecida cuja língua 40. OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 145. 41 RORTY, Richard. Philosophy and social hope. London: Penguim books, 1999, p. 178. 42 MORENO, Arley R. Wittgenstein: os labirintos da linguagem. Campinas: Universidade de Campinas, 2000, p. 59..

(31) 31. não compreendesse: como se ela já tivesse uma língua, mas não esta. Ou antes: como se a criança já pudesse pensar, apenas não pudesse falar. E “pensar” aqui quer dizer “falar para si próprio”. 43. Ora, aqui Wittgenstein critica o aprendizado ostensivo da forma como é vista por Agostinho, que ocorre quando alguém aponta para algo e diz um nome, supostamente identificando o nome com o objeto. O argumento do Tractatus, que se identifica com uma postura essencialista e representacionista é a de que “se os significados de palavras consistissem num vínculo denotativo com objetos, então este vínculo teria de ser estabelecido pela definição ostensiva, ou seja, indicando um objeto – tipicamente, apontando-o com um dedo – e proferindo seu nome”.44 Todavia, não se pode identificar a definição ostensiva com o fundamento do aprendizado da linguagem, primeiro porque a definição ostensiva já é um jogo de linguagem e, portanto, já depende de determinados pressupostos lingüísticos significativos. Isto porque, dado que a criança não tem ainda linguagem, como poderia ela saber que o “apontar” serve para “nomear” uma coisa? De outro lado, como poderia a criança aprender o significado de um verbo de forma ostensiva? Como apontar para um verbo? Como a criança ou iniciante na linguagem vai saber se ao apontar, está-se a designar o nome da coisa e não a sua forma ou a sua cor? Santo Agostinho não fala de uma distinção a introduzir entre as diferentes palavras. Quem descreve a aprendizagem da linguagem desta maneira pensa, julgo eu, em primeira analise, em substantivos como ‘mesa’, ‘cadeira’, ‘pão’ e em nomes de certas atividades e propriedades; e, quanto às restantes espécies de palavras, alguma coisa se há-de encontrar.45. Portanto, para que o ato de apontar e nomear sirva a seu propósito, os participantes da linguagem devem, desde já, estar inseridos numa forma de vida e, conseqüentemente, num jogo de linguagem. Ademais, A denotação é apenas uma preparação 43. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. (IF 32) GRAYLING, A. C. Wittgenstein. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 97. 45 WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. (IF 1). 44.

(32) 32. para o uso de uma palavra. Imaginar que a denotação é a essência da linguagem é deixar de lado as funções mais variadas das palavras que pronunciamos dia-a-dia.46 Em segundo lugar, a denotação é apenas um, entre tantos aspectos e funções da linguagem. Nesse sentido, a noção de jogo de linguagem, que serve a vários propósitos na filosofia da segunda fase de Wittgenstein, vai, aqui, ser usada para demonstrar a multiplicidade de usos que a linguagem tem, ao contrário da visão de que a linguagem teria uma essência, que seria a de refletir a estrutura lógica do mundo.47 Trata-se, pois, de identificar linguagem e ação humana. A questão é que esta atividade humana (a linguagem) se dá sempre em contextos de ação com características próprias e específicas, que refletem a função que a linguagem deve ter e somente pode ser compreendida a partir desse contexto.48 Wittgenstein não define o que são jogos de linguagem, e nem poderia fazê-lo, sob pena de contrariar sua visão antiessencialista. Assim é que a forma de vida do ser humano se configura em linguagem que, em sendo instrumento de ação, se desdobra em infinitas possibilidades, que são os jogos de linguagem. Ao invés de definir um conceito de jogo de linguagem, Wittgenstein exemplifica-os como sendo contextos de formas de vida nas quais o homem atua, age. “A expressão jogo de linguagem deve aqui realçar o fato de que falar uma língua é uma parte de uma actividade ou de uma forma de vida”.49 Sempre se está num jogo determinado. São vários os jogos com que o ser humano age e entre os mesmos não há qualquer elemento essencialmente comum. Ao invés de tentar encontrar uma essência da linguagem “eu afirmo que todos estes fenômenos [jogos. 46. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. (IF 27). RORTY, Richard. Philosophy and social hope. London: Penguim books, 1999, p. 56. 48 OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 138. 49 WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. (IF 19 e 23). 47.

(33) 33. de linguagem] nada têm em comum, em virtude do qual nós utilizemos a mesma palavra para todos – mas antes que eles são aparentados entre si de muitas maneiras diferentes”. 50 O que ele faz é apresentar exemplos e tentar demonstrar a parcialidade da linguagem para alegar que somente o contexto social em que cada jogo é jogado pode dar sentido ao que é dito. “Em nossa linguagem, não se trata apenas de designar objetos por meio de palavras; as palavras estão inseridas numa situação global que regra seu uso...”.51 Imagine-se, desde já, a diferença entre os jogos de “relatar” com os de “ordenar”. Pense-se num jogo que, quando um dos participantes disser “cinco lajes!”, deve o outro lhe trazer nada mais que cinco lajes. A expressão “cinco lajes!” designa um estado de coisas? Nesse sentido, para apresentar a multiplicidade de formas de uso da linguagem, Wittgenstein pergunta: Qual é a diferença entre o relato ou a asserção ‘Cinco lajes’ e a ordem ‘Cinco lajes! – Bem, é o papel desempenhado pelo acto de pronunciar estas palavras no jogo de linguagem. Mas também será o tom em que estas palavras são pronunciadas que será diferente, e a expressão facial, e muitas outras coisas.52. Ora, assim se vê que a linguagem não pode se resumir a uma única função, a de dar nomes. Identifica-se, pois, a linguagem, como uma atividade da vida do ser humano, como falar, beber, andar. O homem, portanto, usa a linguagem. E como os usos dependem dos interesses, sendo múltiplos e complexos os interesses humanos, são também múltiplos e complexos os usos da linguagem. “Mas quantas espécies de proposições há? Talvez asserção, pergunta e ordem? Há um número incontável de espécies: incontáveis espécies diferentes da aplicação daquilo a que chamamos ‘símbolos’, ‘palavras’, ‘proposições’.”53 São tantas as espécies quantos são nossos interesses. Utiliza-se a linguagem para dar ordens, descrever objetos, relatar um 50. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. (IF 65). OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 139. 52 WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. (IF 21) 53 WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. (IF 23). 51.

(34) 34. acontecimento, formar e examinar uma hipótese, traduzir, inventar uma estória, mentir, fingir, cantar, pedir, entre tantos outros usos.54 Isso, todavia, não quer dizer, em Wittgenstein, que o “uso” seja a essência da linguagem. Ao contrário, a noção de “uso” demonstra a multiplicidade de jogos de linguagem e a multiplicidade dos propósitos para os quais a linguagem pode ser utilizada, contrariando, expressamente, o pensamento dos lógicos e do próprio “autor do Tractatus LógicoPhilosophicus”55. Esta “dieta unilateral” é o que proporciona a visão essencialista e representacionista que se quer afastar. A filosofia que queria ver na linguagem apenas um propósito (o de representar, denotar) proporciona a visão de que há uma essência das coisas, essência esta que a linguagem deve representar. Deve o filósofo ter uma visão panorâmica da linguagem, como forma de afastar os maus entendidos lingüísticos que levam ao pensamento essencialista, de ver a linguagem como representação da realidade.56 Diante da inserção do ser humano na linguagem, nenhum sentido tem se perguntar sobre se uma frase representa a realidade, ao invés de se questionar sobre a utilidade ou não da descrição apresentada para consecução de determinados fins humanos. Um desses fins humanos é realizado pelo direito e, nesse sentido, visualizar-se o processo de decisão como um ambiente lingüístico, nos moldes das posturas filosóficas aqui adotadas, vai interferir profundamente na noção tradicional da interpretação jurídica dos textos normativos, do papel do decididor em direito e da própria justificação dos processos de decisão jurídica. As posturas aqui apresentadas vão informar todo o decorrer do trabalho e, principalmente, darão o tom da conclusão que se pretende apresentar, levando-se em 54. “Mais tarde, Austin utiliza estes verbos performativos para analisar a dupla realização dos actos de fala, através dos quais um falante, ao dizer algo, está simultaneamente a dizer algo”. HABERMAS, Jürgen. Racionalidade e comunicação. Lisboa: Edições 70, 1996, p. 155. 55 WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. (IF 23). 56 SPANIOL, Werner. Filosofia e método no segundo Wittgenstein. São Paulo: Loyola, 1989, p. 101 a 104..

(35) 35. consideração que o processo de decisão jurídica é um entre tantos jogos de linguagem que o homem usa..

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