• Nenhum resultado encontrado

Negócios jurídicos processuais aplicados às execuções fiscais movidas contra empresa em recuperação judicial

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Negócios jurídicos processuais aplicados às execuções fiscais movidas contra empresa em recuperação judicial"

Copied!
65
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

ALAN VICTOR NERES PAIXÃO

NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS APLICADOS ÀS EXECUÇÕES FISCAIS MOVIDAS CONTRA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

FORTALEZA 2020

(2)

ALAN VICTOR NERES PAIXÃO

NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS APLICADOS ÀS EXECUÇÕES FISCAIS MOVIDAS CONTRA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Janaína Soares Noleto Castelo Branco.

FORTALEZA-CE 2020

(3)
(4)

NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS APLICADOS ÀS EXECUÇÕES FISCAIS MOVIDAS CONTRA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: _______ / _______ / _______.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Profa. Dra. Janaína Soares Noleto Castelo Branco (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Ms. Rui Barros Leal Farias

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Carla Maria Barreto Gonçalves

(5)

AGRADECIMENTOS

Inicialmente, minha maior gratidão a Deus e aos meus pais, Antônia Cleuda e Luiz Tarcísio.

À minha mãe, fonte de ternura e afeto que por incontáveis vezes foi tão importante durante essa jornada, devo muito mais que gratidão. Devo a própria vida.

Ao meu pai, meu melhor amigo, agradeço por todas as lições dadas, sobretudo por entendê-las muito melhor hoje, e agradeço pela parceria para empreender novos desafios que se sucedem ao que ora se encerra.

Agradeço à banca examinadora por aceitar o convite para participar desse momento único na minha vida acadêmica. Agradeço à professora Dra. Janaína Soares Noleto Castelo Branco, por aceitar o pedido para a orientação deste trabalho, pelas profícuas conversas sobre processo civil, pelo apoio no desafio de representar a UFC na 2ª competição Brasileira de Processo em Curitiba-PR, e por outras experiências acadêmicas que foram salutares para o meu entusiasmo no estudo do processo civil.

Agradeço à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, na pessoa dos seus professores, funcionários e colegas que coordenaram os grupos de extensão, por terem contribuído para a minha formação acadêmica e profissional.

Em especial, agradeço aos amigos Jothe Frota, da Fortelivros, Odir, da “Cantina do Odir”, Marcelo, Chuchu e Caio “da xerox”, por propiciarem momentos de descontração e de discussões profícuas sobre futebol e outras questões igualmente intrigantes da vida.

Agradeço ao Fortaleza Esporte Clube, meu time do coração, que nos últimos anos içou voos muito maiores do que o torcedor mais otimista poderia imaginar. Agradeço não apenas por representar a capital alencarina no futebol brasileiro, mas por ensinar que determinados valores são tão importantes em um jogo de futebol como no jogo da vida.

Agradeço aos profissionais com os quais tive oportunidades valiosíssimas de aprendizado extramuros da universidade. Especialmente, Dr. David Sombra Peixoto, Dr. Ronildo Alves Sobrinho e Dr. Francisco Leitão de Sena Júnior.

Agradeço, em especial, à equipe do Rodrigues de Albuquerque Advogados, nas pessoas de seus sócios: Dr. Miguel Rocha Nasser Hissa, Dr. Rodrigo Macêdo de Carvalho e Dr. Rui Barros Leal Farias. As lições diárias sobre excelência técnica, compromisso com a resolução do problema e tratamento ético e íntegro com clientes e colegas de profissão foram fundamentais para a minha formação profissional durante a graduação.

(6)

Por último, mas não menos importante, agradeço aos amigos que fiz durante esses cinco anos de graduação. Aos amigos dos grupos “Los Peppas” e “Tropa de Suínos”, meu muito obrigado por, diariamente, terem sido referências para mim, e por me mostrarem que o acaso e as diferenças não são empecilhos para constituir e fortalecer uma amizade. Todo o conhecimento, a experiência e as conquistas obtidas ao longo da graduação não se comparam à satisfação de conviver com vocês durante esse processo.

(7)

RESUMO

O presente estudo tem como escopo identificar na legislação pátria as condições pelas quais é possível a fazenda pública firmar negócios jurídicos processuais com empresas em recuperação judicial, e exemplificar as formas pelas quais as convenções processuais poderiam contribuir para a consecução dos objetivos do processo de recuperação judicial previstos no art. 49, caput da Lei nº 11.101/05, sem prejuízo dos interesses fazendários, a fim de fazer uma defesa da utilização dos meios autocompositivos, em matéria processual, para viabilizar a realização das pretensões deduzidas em juízo tanto pela recuperanda como pelo fisco. Para estabelecer as premissas nas quais o presente trabalho se sustenta, utiliza-se da pesquisa qualitativa, com a investigação do entendimento doutrinário acerca da recuperação judicial e dos negócios jurídicos processuais. A partir das premissas obtidas com a investigação, prossegue com análise da legislação aplicável aos negócios jurídicos processuais sobre as relações tributárias, especialmente as normas que regem a atuação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, a recém editada Lei de Transação Tributária e a portaria que regulamenta sua atuação no âmbito da PGFN. Com isto, sem pretender consolidar um rol exaustivo de hipóteses aplicáveis, apresentaram-se exemplos de negócios jurídicos processuais que poderiam ser pactuados entre o fisco e a empresa em recuperação judicial, visando atender os interesses de cada uma das partes.

Palavras-chave: Recuperação judicial. Negócio jurídico processual. Direito processual civil. Direito tributário.

(8)

ABSTRACT

The present study aims to identify in the national legislation the conditions under which it is possible for the Tax Authorities to enter into procedural legal transactions with companies undergoing judicial recovery, and to exemplify the ways in which the procedural conventions could contribute to the achievement of the objectives of the judicial recovery process envisaged by the art. 49, caput of Law No. 11101/05, without prejudice to the National Treasury interests, in order to defend the use of self-composing means, in procedural matters, to enable the realization of claims made in court by both the recoveree and the tax authorities. To establish the premises on which the present work is based, it is used qualitative research, with the investigation of the doctrinal understanding about judicial recovery and procedural legal transactions. Based on the premises obtained with such investigation, it proceeds with the analysis of the legislation applicable to the procedural legal transactions on tax relations, especially the rules governing the work of the Attorney General of the National Treasury (PGFN), the recently edited Tax Transaction Law and the ordinance that regulates its performance within the scope of the PGFN. With that, without intending to consolidate an exhaustive list of applicable hypotheses, there were presented examples of procedural legal transactions that could be agreed between the tax authorities and the company in judicial recovery, aiming to serve the interests of each of the parties.

(9)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

2 DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E DAS EXECUÇÕES FISCAIS NO CURSO DO PROCESSO RECUPERACIONAL ... 10

2.1. Noções gerais sobre o instituto da recuperação judicial ... 11

2.2 Conceito de Recuperação Judicial ... 13

2.3 Natureza jurídica da recuperação judicial ... 14

2.4. Objetivos da recuperação judicial ... 17

2.5. Compreensão dos objetivos da recuperação judicial pela teoria dos jogos ... 18

2.6 Das execuções fiscais na recuperação judicial ... 20

3. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS ... 25

3.1. Histórico dos negócios jurídicos processuais ... 25

3.2. Conceito de negócio jurídico processual ... 26

3.3. Classificação dos negócios jurídicos processuais ... 28

3.3.1. Negócios jurídicos processuais típicos ... 28

3.3.2. Negócios jurídicos processuais atípicos... 29

3.4. Os negócios jurídicos processuais no Código de Processo Civil ... 32

3.5 A desmistificação da pretensa defesa ao interesse público como único fundamento para o controle judicial dos negócios jurídicos processuais envolvendo a Fazenda Pública ... 35

3.6. Negócios jurídicos processuais nas relações tributárias ... 41

4. DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS NA LEI DE TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA E SUA REGULAMENTAÇÃO PELA PORTARIA PGFN 9.917/20 ... 49

5. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA DURANTE A RECUPERAÇÃO JUDICIAL ... 52

(10)

1 INTRODUÇÃO

Diferentemente de boa parte dos ordenamentos jurídicos internacionais que versam sobre a recuperação judicial, a Lei nº 11.101/05, que disciplina em nosso ordenamento a recuperação judicial, optou por excluir os tributos do regime de recuperação judicial, o que vem há muito causando uma série de controvérsias acerca dos limites da independência das execuções fiscais em relação ao juízo recuperacional.

Tais controvérsias, somadas a vários outros fatorem apenas contribuem com a ineficiência do instituto da recuperação judicial, o que resulta no insucesso tanto da pretensão da empresa, ao convolar em falência, como do fisco, que não possui prioridade entre os credores durante a liquidação da massa falida, e que por isto, não raro, o fisco queda-se frustrado no recebimento de seus créditos.

Nesse contexto, a vigência do Código de Processo Civil introduziu em nosso ordenamento jurídico uma série de inovações de ordem legal e principiológica, as quais possuem como escopo principal a construção de um modelo cooperativo de processo, no qual as partes assumam verdadeiro protagonismo na condução dos processos e procedimentos, adaptando-os às peculiaridade de cada caso e visando à melhor tutela de seus interesses.

Sob essa perspectiva, empreende-se uma análise da possibilidade de aplicação do referido instituto, dos seus fundamentos e limites, às empresas executadas pelo fisco e que estejam em recuperação judicial. A análise visa, além de fomentar o estudo sobre a aplicação dos negócios jurídicos processuais, apresentar alternativas que viabilizem a consecução dos objetivos da recuperação judicial, previstos no art. 49, caput da LRF.

Entrementes, para se chegar às ilações expositivas em relação às hipóteses de negócios jurídicos processuais aplicáveis – isoladamente – no bojo das execuções fiscais e da recuperação judicial, e conclusivas em relação à possibilidade de aplicação sobre execuções fiscais contra empresas em recuperação judicial, entende-se necessária a abordagem preambular do instituto da recuperação judicial, destacando a controversa relação entre este e as execuções fiscais.

Faz-se necessária também a abordagem preambular dos negócios jurídicos processuais, suas premissas, classificações e limites, visando trazer à lume uma variada gama de possibilidade de autocomposições processuais, embora sem pretender exaurir o assunto.

(11)

Feito isto, apresentam-se alguns exemplos de negócios jurídicos processuais que já constituem objeto de norma, em sua maior parte, de iniciativa da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, destacando os aspectos que mais interessam aos fins do presente estudo, bem como outros pontos que limitam ou desestimulam a utilização do referido instituto.

Por fim, apresentam-se hipóteses exemplificativas de negócios jurídicos processuais que poderiam ser realizados entre o fisco e o devedor que estivesse em recuperação judicial, com vistas a viabilizar a consecução dos interesses, em conjunto, do fisco e da empresa em recuperação judicial.

(12)

Um dos princípios que norteiam o Direito Empresarial é o da preservação da empresa, cujos alicerces estão fincados no reconhecimento da sua função social. Por isto, a crise econômico-financeira é tratada juridicamente como um desafio superável, ainda que se cuide de atividade tutelada pelo regime de direito privado.

Em complemento, pontua Gladston Mamede:

Como se só não bastasse, a previsão de um regime jurídico para a recuperação da empresa decorre, igualmente, da percepção dos amplos riscos a que estão submetidas as atividades econômicas e seu amplo número de relações negociais, para além de sua exposição ao mercado e seus revezes constantes1.

Em razão das consequências nefastas que as crises nas empresas podem gerar, criou-se o instituto da recuperação judicial. Trata-se, em suma, de uma medida genérica para solucionar, na via judicial e mediante composição com os credores, a crise pela qual determinada empresa passa.

Por outro lado, sob o ponto exclusivamente fazendário, especificamente no que tange ao êxito de suas pretensões judiciais, a recuperação judicial, quando deferida, mais se afigura como um problema do que uma solução.

Isto porque, quando do deferimento da recuperação judicial, aparentemente surge um conflito entre dois princípios: o da efetividade da administração pública e o da preservação da empresa. Logo, embora o fisco tenha a prerrogativa legal da autonomia das execuções fiscais em relação à recuperação judicial, na prática ocorre um prejuízo na continuidade das referidas execuções em razão do processo recuperacional.

Em razão dos interesses tutelados e o consequente tratamento legal dado a cada ação, a recuperação judicial e as execuções fiscais há muito vêm sendo objeto de amplo debate doutrinário e jurisprudencial sobre quais interesses devem se sobrepor.

Na prática, o que se vê é que a dificuldade de conciliação entre os interesses do fisco e das empresas em recuperação judicial constitui-se em um dos principais fatores para o insucesso na utilização do instituto.

De acordo com informações colhidas no sítio eletrônico do doingbusiness, estima-se que, atualmente, o Brasil possui uma taxa de recuperação, correspondente a quantos centavos

1 Falência e recuperação de empresas/ cf. MAMEDE, G. Direito Societário. 11. São Paulo: Atlas, 11 ed., 2020.

(13)

em cada dólar as partes reivindicadoras (credores, fisco e funcionários) podem recuperar de uma empresa insolvente, de apenas 18,2%2. Isto é, para cada dólar aportado na empresa insolvente, se recupera apenas 18 centavos de dólar.

No presente tópico, serão apresentadas algumas noções gerais do instituto da recuperação judicial, seu conceito, sua natureza jurídica e seus objetivos, bem como o controvertido tema das execuções fiscais sobre empresas recuperandas, sem pretender exaurir o assunto, pois a intenção é apenas trazer à lume alguns dos problemas cuja solução poder-se-ia residir no instituto dos negócios jurídicos processuais.

2.1. Noções gerais sobre o instituto da recuperação judicial

O instituto da recuperação judicial originou-se nos Estados Unidos no século XIX, mas apenas com a crise de 1929 ganhou maior relevância, com a criação de leis específicas sistematizadas por um diploma denominado Chadler Act (1938), consolidado através do Bankruptcy Code na década de 90, que atualmente regula a recuperação judicial em seu Chapter 11.

Também na segunda metade do século XX, outros países passaram a prever o referido instituto, como a França com o Rescue Procedure, a Alemanha com o Insolvency Proceedings, e a Itália com o The Extraordinary Administration for Large Insolvent Companies.

Um dos atributos da lei americana, seguida pelas suas similares em outros ordenamentos jurídicos, é o de exercer um regime de atração das diversas matérias afeitas a uma empresa, qualquer que seja a sua natureza, até mesmo as tributárias, para que assim encontrem disciplina exclusiva no juízo competente da recuperação judicial3.

Sobre legislação recuperacional francesa, interessante destacar que os impostos estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, com exceção do “IVA” (imposto sobre valor acrescentado), conforme determinação da União Europeia4.

2 THE WORLD BANK. Facilidade de fazer negócio em Brasil. TWB, Washigton, DC, 2020. Disponível em

https://portugues.doingbusiness.org/pt/data/exploreeconomies/brazil#DB_ri. Acesso em 28 ago 2020.

3 OLIVEIRA, A. G. Aspectos tributários relevantes para as empresas em recuperação judicial. IBET, São Paulo,

2020. Disponível em https://www.ibet.com.br/aspectos-tributarios-relevantes-para-as-empresas-em-recuperacao-judicial/. Acesso 26 ago 2020.

4 COSTA, G. Turnaround management association. Recuperação Judicial na França. TMA, São Paulo, 2020.

Disponível em https://www.tmabrasil.org/blog-tma-brasil/artigos/recuperacao-judicial-na-franca-aspectos-para-legislacao-brasileira-se. Acesso em 28 ago 2020.

(14)

A Lei 11.101/05 trouxe importante reforma no ordenamento à época, substituindo o instituto da concordata previsto no Decreto-Lei nº 7.661/45, e acrescentando dois institutos ao nosso ordenamento: a recuperação judicial e extrajudicial.

Enquanto que a concordata consistia, em suma, no perdão parcial dos débitos, dilação dos prazos de pagamentos ou na combinação dessas hipóteses, a recuperação judicial traz um rol amplo de possibilidades de que o empresário dispõe para evitar a falência do seu empreendimento5.

Com efeito, a Lei 11.101/05 conferiu relevo ao princípio da função social da empresa, como decorrência do estatuído no art. 5º, XXIII, e art. 170, III, da Constituição Federal. Pelo referido princípio, a atividade empresarial não pode ser desenvolvida apenas para o proveito do seu titular.

Não interessam apenas os desejos do empresário individual, do titular de EIRELI ou dos sócios da sociedade empresária, vale dizer, é fundamental que a empresa seja exercida em atenção aos demais interesses que a circundam, como o interesse dos empregados, do fisco e da comunidade6.

Não raro, a função social é posta em conflito com o interesse da fazenda pública, pois, além de atender aos interesses do fisco, mediante recolhimento de tributos, a função social da empresa também compreende a geração de empregos, a circulação de riquezas e o fomento da economia.

Ademais, o princípio da preservação da empresa é o mais caro ao instituto da recuperação judicial, primeiro porque tem sua origem no princípio da garantia do desenvolvimento nacional, previsto nos arts. 3º, II, 23, X, 170, VII e VIII, 174, caput e §1º, e 192 da Constituição Federal7, segundo porque sua consagração está presente ao longo de diversos dispositivos da Lei nº 11.101/05, o que denota a intenção primordial da manutenção da atividade empresarial.

Contudo, diferentemente da prática internacional e do que preconizam os princípios sucintamente mencionados acima, no Brasil se optou por excluir os tributos do regime de

5 Cf. art. 50 da Lei 11.101/05. BRASIL. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a

extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF: Presidência da República, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at o2004-2006/2005/lei/l11101.htm#:~:text=LEI% 20N%C2%BA%2011.101%2C%20DE%209 %20DE%20FEVEREIRO%20DE%202005.&text=Regula%20a% 20recupera%C3%A7%C3%A3o%20judicial%2C%20a,empres%C3%A1rio%20e%20da%20sociedade%20emp res%C3%A1ria.. Acesso em: 20 maio 2020

6 ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo; RIBEIRO, Ademar apud TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito

empresarial: falência e recuperação de empresas. São Paulo: Saraiva Educação, vol. 3, 6. ed., 2018. p. 81.

(15)

recuperação judicial, conforme se verifica a partir da leitura do art. 6º, §7º da Lei 11.101/058, e do art. 187 do Código Tributário Nacional9.

Antes de adentrar neste tema, se faz necessário pontuar o conceito do instituto da recuperação judicial, sua natureza jurídica, seus objetivos e como estes se relacionam segundo a teoria dos jogos, com vistas ao estímulo à pratica de atos autocompositivos processuais por todos os agentes envolvidos na recuperação judicial, incluindo o fisco.

2.2 Conceito de Recuperação Judicial

Para Eduardo Goulart Pimenta, a recuperação judicial representa “uma série de atos praticados sob supervisão judicial e destinados a reestruturar e manter em funcionamento a empresa em dificuldades econômico-financeiras temporárias”10.

Paulo Sérgio Restiffe, por entender que a recuperação judicial possui uma natureza processual, afirma que ela é:

pretensão posta em juízo (ajuizada) – no exercício do direito de ação, portanto – de natureza privatística empresarial, cujo objetivo é atingir, extraordinariamente, a extinção das obrigações, com a superação da crise econômico-financeira, cabendo ao Estado entregar a prestação jurisdicional, que consiste, em caso de procedência do pedido, no estabelecimento do estado de recuperação empresarial, ou em caso de improcedência, no eventual estabelecimento do estado de falido11.

Por seu turno, Sérgio Campinho afirma que a recuperação judicial é o:

somatório de providências de ordem econômico-financeira, econômico-produtiva, organizacional e jurídica, por meio das quais a capacidade produtiva de uma empresa possa, da melhor forma, ser reestruturada e aproveitada, alcançando uma rentabilidade autossustentável, superando, com isto, a situação de crise econômico-financeira em que se encontra seu titular – o empresário –, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego12.

Para Marlon Tomazette, a recuperação é um conjunto de atos, cuja prática depende de concessão judicial, com o objetivo de superar as crises de empresas viáveis. Assim, o autor estabelece os seguintes elementos conceituais do referido instituto: a) série de atos; b)

8 Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso

da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. [...] § 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica (BRASIL, 2005).

9 Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em

falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. (Ibid., 2005).

10 PIMENTA, Eduardo Goulart. apud TOMAZZETTE, 2018. p. 72.

11 RESTIFFE, Paulo Sérgio. Recuperação de empresas. Barueri: Manole, 2008. p. 47.

12 CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio

(16)

consentimento dos credores; c) concessão judicial; d) superação da crise; e e) manutenção das empresas viáveis13.

Em relação ao elemento conceitual “a)”, cumpre antecipar que em tais atos se compreendem aqueles eminentemente processuais, posto que, a exemplo do conceito exposado por Paulo Sérgio Restiffe, citado anteriormente, parte da doutrina compreende que o instituto da recuperação judicial possui natureza processual.

Com efeito, as crises que ensejam o pedido de recuperação judicial são complexas, e por isto não são solucionadas mediante um ato simples, mas são necessários diversos atos para possibilitar a recuperação, como mudanças nas relações com credores, alteração de prazo para cumprimento do plano de recuperação judicial apresentado, dentre outros.

2.3 Natureza jurídica da recuperação judicial

São diversas as teorias doutrinárias acerca da natureza do instituto em comento, o que é plenamente justificável em razão de não se tratar de um simples ato, mas uma série de atos, conforme comentado anteriormente.

Tais teorias podem ser classificadas em: a) contratualista; b) processualista; c) dicotômica; e d) mista, à qual o presente trabalhado pretende filiar-se, sem prejuízo do reconhecimento das demais classificações, dependendo do ato que se pretende classificar.

Sob a perspectiva da teoria contratualista, à qual boa parte da doutrina é adepta, a recuperação é um negócio jurídico realizado sob supervisão judicial14, isto é, há uma natureza contratual na recuperação judicial.

Portanto, segundo a teoria contratualista, a recuperação judicial é um acordo de vontades entre o devedor em crise e seus credores, que se manifestam em conjunto, por meio de assembleia de credores, uma vez que possuem uma comunhão de interesses15.

Sobre a teoria processualista, conforme discutido anteriormente, Paulo Sérgio Restiffe reconhece na recuperação judicial uma natureza processual, mantendo-se, para ele, a mesma natureza da concordata16. No mesmo sentido, Waldo Fazzio Júnior assevera que a

13 TOMAZETTE, 2018. p. 73.

14PENTEADO, Mauro Rodrigues. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Sátiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio de A. de Moraes (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 84; ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 299; MARZAGÃO, Lídia Valéria. A recuperação judicial. In: MACHADO, Rubens Approbato (Coord.). Comentários à lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 92; CAMPINHO, 2006, p. 123; VILLANI, Gian Piero apud TOMAZETTE, 2018. p. 84.

15 TOMAZZETTE, 2018, p. 85. 16 RESTIFFE, 2008, p. 43-45.

(17)

recuperação judicial seria uma ação constitutiva positiva com o objetivo de superar a crise econômico-financeira pela qual passa o devedor17.

Parte da doutrina segmenta a teoria processualista em teoria da decisão judicial e do contrato processual.

Rubens Requião defende que a base da teoria da decisão judicial é a decisão homologatória do plano de recuperação judicial:

Não é, por isso, a maioria dos credores aquela que constrange a minoria à conclusão de um contrato, mas a autoridade do Estado que, sob força do direito, decide sobre a modalidade da ação de todos os credores.

A minoria, enfim, é obrigada não por uma vontade de contratar a ela imposta, ou dela extorquida, nem por uma vontade fictícia: todos os credores estão sujeitos a um pronunciamento do juiz18.

A teoria da decisão judicial possuía grande apoio na vigência do Decreto-Lei nº 7.661/45, o que não ocorre com a Lei 11.101/05, pois, em seu art. 58, caput19, prevê a obrigatoriedade do juiz em conceder a recuperação judicial se cumpridas as exigências legais. Por seu turno, a teoria do contrato processual representa a existência de um contrato de cunho judicial e não civil, que é caracterizado pela força da decisão judicial homologatória do plano e da concessão da recuperação judicial em obrigar os credores dissidentes e ausentes a cumprirem o que fora deliberado em assembleia geral pela maioria dos credores20.

Ainda que de forma preliminar, a teoria do contrato processual confere fundamento ao negócio jurídico processual no bojo do processo recuperacional, na medida em que se reconhece o controle judicial – ainda que do ponto de vista meramente formal – da vontade das partes, mediante a homologação do plano aprovado pelos credores.

Opondo-se ao reconhecimento da natureza processual do instituto, Marlon Tomazette lança mão das lições de Jorge Lobo, que afirma que não há natureza processual na recuperação porquanto não há citação para responder, mas para opinar, o juiz não decide uma lide, não há revelia, produção de provas, audiência de conciliação, instrução, julgamento e sucumbência21.

17 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação judicial de empresas. São Paulo: Atlas,

2005. p. 128-129.

18 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 114.

19 Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não

tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei. (BRASIL, 2005).

20 Domingos, Carlos Eduardo Quadros. Da aplicabilidade do negócio jurídico processual na recuperação

judicial de empresas. 2017. 147 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.p. 92

(18)

Com toda a vênia possível, e para os fins que o presente trabalho se propõe, não há como concordar com a negação da natureza processual da recuperação judicial. Conforme dito anteriormente, a recuperação judicial, por definição, consiste em uma série de atos, dentre os quais estão os de natureza processual.

A citação para opinar, ao invés de responder, por exemplo, não possui o condão de retirar de determinada ação sua natureza processual, pois a própria ausência de citação não desnatura o viés processual da ação que julga liminarmente improcedente o pedido autoral.

Quando à defendida ausência de produção de provas no processo recuperacional, discorda-se de tal entendimento em razão de, no procedimento de habilitação dos credores, haver a necessária apresentação dos documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a serem produzidas, conforme se depreende da leitura do art. 9º, III da Lei nº 11.101/0522.

Por outro lado, há uma série de atos considerados processuais na recuperação judicial, como o reconhecimento do litisconsórcio ativo entre empresas recuperandas, a decisão que indefere liminarmente a inicial, por inépcia ou por carência de interesse processual, por exemplo, a expedição de edital, dentre tantas outras.

A natureza dicotômica da recuperação judicial sugere que o instituto é dividido em duas naturezas jurídicas diversas: a natureza contratual e a natureza mandamental23.

A contratual decorre da leitura do caput do art. 58 da Lei 11.101/05, que obriga o juiz a deferir o plano de recuperação judicial que não sofreu qualquer objeção, salvo se houver infringência do plano por razões de ordem pública.

Por sua vez, a natureza mandamental se extrai do art. 58, §1º, pelo qual o juízo poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação pela assembleia geral de credores, isto é, não estará obrigado a conceder.

E por fim, sob a perspectiva da natureza mista, apresentada por Manoel Justino Bezerra Filho, a recuperação judicial é constituída de atos regidos tanto por normas de direito material como de natureza processual. Nesse sentido, o autor pontua:

De qualquer forma, reitere-se a observação feita anteriormente, no sentido de que esta Lei, da mesma forma que a lei anterior, tem natureza mista, trazendo tanto normas de direito material quanto normas de direito processual. O artigo estabelece que, não existindo normas processuais na Lei 11.101/2005 que regulem um determinado caso, o aplicador do Direito (incluindo seus destinatários) deverão, em caráter subsidiário,

22 Art. 9º A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7º, § 1º, desta Lei deverá conter:

[...] III – os documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a serem produzidas; (BRASIL, 2005).

(19)

recorrer às normas previstas no Código de Processo Civil, com o intuito de encontrar ali o regramento adequado para a hipótese. Dessa forma, em primeiro lugar, o aplicador vai se valer das normas processuais específicas previstas na Lei de Recuperação, apenas dirigindo-se ao CPC caso não encontre disposição pertinente24.

Para os fins do presente trabalho, e sem prejuízo da adoção das outras teorias, que podem ser complementares entre si, a teoria da natureza mista é a mais escorreita, considerando que a recuperação judicial é composta por uma série de atos que dizem respeito ao rito a ser seguido. Este rito é disciplinado tanto por normas de natureza material – isto é, pela Lei de RF – como de natureza processual – pelo CPC.

A disciplina do rito da recuperação judicial pelo CPC se dá pela aplicação do art. 189 da Lei nº 11.101/05, que determina a aplicação subsidiária do diploma processual.

Corroborando a teoria da natureza mista da recuperação judicial, Geraldo Fonseca de Barros Neto assevera:

Ao contrário, a recuperação judicial se processa, do início ao fim judicialmente. Nasce a recuperação judicial pelo ajuizamento da petição inicial; o plano de recuperação é apresentado em juízo, ao qual se direcionam as objeções contrárias a tal plano; a concessão da recuperação é ato do juiz; encerra-se a recuperação por sentença25.

Feitas tais considerações acerca da natureza da recuperação judicial, apresenta-se de forma sucinta os objetivos deste instituto.

2.4. Objetivos da recuperação judicial

Pelas definições conceituais apresentadas anteriormente, é claro que o principal objetivo do instituto da recuperação judicial é a superação da crise econômico-financeira pela qual passa a empresa devedora.

Sobre os objetivos da recuperação judicial e a finalidade da Lei 11.101/05, Manoel Justino Bezerra Filho expõe:

Há autores que entendem que esta nova Lei atingirá seus objetivos anunciados, ou seja, propiciará mesmo condições para a recuperação judicial de empresas em crise; outros entendem que a Lei sofreu tantas e tamanhas interferências, especialmente do capital financeiro e do fisco nacional, que não conseguiu formular um sistema que dê possibilidade de qualquer tipo de recuperação à empresa.

[...]

A recuperação judicial destina-se às empresas que estejam em situação de crise econômico-financeira, com possibilidade, porém, de superação, pois aquelas em tal

24 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. 13. ed. rev., atual. e ampl.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018, p. 447.

25 BARROS NETO, Geraldo Fonseca de. Aspectos processuais da recuperação judicial. Florianópolis:

(20)

estado, porém em crise de natureza insuperável, devem ter sua falência decretada, até para que não se tornem elemento de perturbação do bom andamento das relações econômicas do mercado26.

Nesse mister, os objetivos mais específicos da recuperação judicial, elencados no art. 47 da Lei 11.101/05, são: a) a manutenção da fonte produtora; b) a manutenção dos empregos dos trabalhadores; e c) a preservação dos interesses dos credores.

Não por acaso o primeiro objetivo elencado é a manutenção da fonte produtora, pois é em torno desta fonte produtora – é dizer, a atividade empresarial – que orbitam os interesses dos trabalhadores, dos credores, incluindo o fisco, e da comunidade em geral.

É mais importante que a atividade empresarial continue funcionando, ainda que com outro titular, pois sua manutenção permitirá a geração de novos empregos e de riquezas, bem como o atendimento às necessidades da comunidade27.

Sem pretender discutir o segundo objetivo específico, por não interessar aos fins do presente estudo, cumpre salientar que a preservação dos interesses dos credores também não é mencionada em terceiro lugar por acaso.

Com efeito, a regra é que, entre duas medidas possíveis, uma favorável aos credores e outra à manutenção do emprego, esta deverá prevalecer.

2.5. Compreensão dos objetivos da recuperação judicial pela teoria dos jogos

Preterir o interesse dos credores em face da manutenção dos empregos ou da fonte produtora, à primeira vista, pode parecer um contrassenso, uma vez que é mediante a concordância dos credores que o plano de recuperação judicial é aprovado.

Seria difícil imaginar que os credores abririam mão de levar a efeito a priorização dos seus interesses para priorizar o interesse de terceiros, e sob estas condições aprovariam o plano.

Contudo, a verdade é que a realidade econômica impõe essa ordem de preferência entre os objetivos da recuperação judicial retromencionados, de modo que é plausível defender que não há tal contradição. A explicação para esta defesa pode ser feita de forma bastante ilustrativa mediante a aplicação da teoria dos jogos28.

26 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falências comentada. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2005. p. 130.

27 Ibidem, p. 76.

28PIMENTA, Eduardo Goulart. Recuperação de empresas. São Paulo: IOB, 2006, p. 78;

BAIRD, Douglas G.; GERTNER, Robert H.; PICKER, Randal C. apud TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação de empresas, São Paulo: Saraiva Educação, vol. 3, 6. ed., 2018. p. 81.

(21)

A teoria dos jogos tenta modelar as interações entre os grupos de interesse, quando estes agem de forma estratégica, isto é, como se fosse um jogo, levando em conta a conduta dos outros29.

Como bem explica Marlon Tomazette:

As interações ocorrem nas mais diversas situações, e especialmente nas situações da empresa em crise. Os conflitos serão constantes, uma vez que cada grupo de interesses (fisco, credores, fornecedores, trabalhadores...) tentará proteger o seu interesse, mas a solução tenderá a ser a mais eficiente para todos, diante da racionalidade econômica esperada em relação aos agentes30.

Para entender a conduta dos agentes ligados a uma empresa em crise e, assim, entender como estes se relacionam, é necessário identificar o jogo, os jogadores, as estratégias possíveis e os ganhos esperados para cada estratégia.

Em um contexto de empresa que entrou com pedido de recuperação judicial, o jogo é a crise econômico-financeira de uma empresa viável, onde há vários grupos de interesse.

Estes grupos – empregados, fornecedores, instituições bancárias, fisco etc. – são os jogadores, que terão a faculdade de adotar a estratégia que, em termos simples, consistirá em apoiar o plano de recuperação judicial, seja mediante voto favorável ao plano ou, no caso dos titulares de créditos que não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, suspensão das ações e execuções que tiverem contra a empresa recuperanda, até a superação de crise e a retomada a adimplência com todos os credores.

No caso de rejeição do plano proposto, o juízo decreta a falência da empresa, a qual será liquidada e todo o valor resultante será utilizado para pagar o saldo devedor, se os recursos apurados na liquidação forem suficientes para fazer frente a todos os créditos habilitados, o que é praticamente impossível de ocorrer, posto que a decretação ou a convolação em falência quase sempre só ocorre quando a empresa não tem patrimônio sequer para apresentar um plano minimante viável, ou para cumprir o plano aprovado anteriormente.

Em situações como esta, o valor do patrimônio da empresa está muito aquém do valor das dívidas que ela possui.

Nesse contexto, é evidente que se os jogadores não optarem por um jogo cooperativo, o prejuízo para os credores será bem maior do que se eles optarem por cooperar entre si e com a empresa recuperanda, visto que apenas com a manutenção da atividade produtora é possível a manutenção dos empregos, o adimplemento dos contratos com

29POSNER, Richard. Economic analysis of law. 5. ed. Boston: Little, Brown and Company, 1998, p. 21; SADDI, Jairo; PINHEIRO, Armando Castelar. apud TOMAZETTE op cit p. 92.

(22)

fornecedores e instituições bancárias, a criação de novos contratos, o que contribui para a economia de um modo geral e para a consecução do interesse fazendário, mediante o pagamento de tributos pela empresa recuperada, pelos seus empregados, pelos fornecedores e pelo mercado consumidor.

Por isso é que o sucesso da recuperação judicial depende da sua compreensão como um jogo precipuamente cooperativo. Afinal, o resultado dessa compreensão leva a efeito a ordem dos objetivos previstos no art. 47, caput da Lei nº 11.101/05.

Essa compreensão, sem dúvida, reside tanto nas relações de direito material como de direito processual, pelo que o instituto dos negócios jurídicos processuais podem ser ferramentas interessantes para viabilizar esse “jogo cooperativo” na recuperação judicial.

O objetivo principal da empresa, que também é o objetivo principal do art. 47, caput da Lei nº 11.101/05 e o único meio pelo qual todos os demais objetivos podem ser cumpridos em sua totalidade, é manter-se ativa adimplindo as dívidas existentes mediante pagamento de parte delas sem prejudicar a manutenção da fonte produtora, ou até, se possível, aumentar a lucratividade, acelerando, assim, o cumprimento do plano aprovado.

Em linhas gerais, o escopo inicial da recuperação judicial é convencer os grupos de credores de que os ganhos serão maiores no futuro com a manutenção da atividade da empresa recuperanda, de que é melhor abrir mão de algo nesse momento, para posteriormente haver ganhos maiores.31

Não obstante, se reconhece que, não apenas em relação ao fisco, mas especialmente em relação a ele, por razões que serão apresentadas sucintamente no próximo tópico, a escolha pela cooperação – quando é possível, claro – não afigura-se como a mais interessante, razão pela qual cabe à legislação apresentar estímulos à conduta cooperativa, a fim de superar o comportamento litigioso – quando for possível, conforme será melhor exposto em tópico próprio desse trabalho.

2.6 Das execuções fiscais na recuperação judicial

Conforme antecipado no início, os créditos fiscais não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, de modo que a regra de suspensão prevista no art. 6º da Lei 11.101/05 não alcança as execuções de natureza fiscal, ressalvados os casos em que houve concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional, conforme prevê o §7º do mesmo artigo.

(23)

O parcelamento de débitos fiscais, por força do art. 151, VI do CTN, suspende a exigibilidade do crédito tributário, podendo ser concedido, segundo o art. 155-A do mesmo diploma, na forma e condições previstas em lei específica.

Desse modo, a suspensão da exigibilidade não é medida que possa ser determinada pelo juízo recuperacional, mas que deverá ser buscado pelo devedor junto à autoridade fiscal.

O art. 187 do CTN estabelece que a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores, seja em recuperação judicial ou em falência, por exemplo.

As regras aplicam-se de forma indistinta às Fazendas Federal, Estaduais e Municipais, sendo mantidas as respectivas execuções fiscais em trâmite, em apartadado.

Embora não faça parte do objeto de estudo, importante salientar que, em caso de falência, a fazenda perde a posição prioritária que a recuperação judicial lhe confere. Conforme dispõe o art. 83 da Lei de RF, os créditos acidentários, créditos trabalhistas (até o limite de 150 salários mínimos) e os créditos com garantia real, até o limite do valor do bem gravado, possuem prioridade no pagamento.

Nesse sentido, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 118.148/RS, e, posteriormente, a Primeira Seção, nos Embargos de Divergência no Recurso Especial 444.964/RS, pacificaram entendimento de que a preferência do crédito trabalhista há de subsistir quer a execução fiscal tenha sido aparelhada antes, quer depois da decretação da falência.

Assim, “mesmo já aparelhada a execução fiscal com penhora, uma vez decretada a falência da empresa executada, sem embargo do prosseguimento da execução singular, o produto da alienação deve ser remetido ao juízo falimentar, para que ali seja entregue aos credores, observada a ordem de preferência legal”32.

Se faz esse destaque apenas para corroborar que a compreensão da recuperação judicial segundo a teoria dos jogos, com vistas à superação da conduta litigiosa e à adoção de uma postura mais cooperativa, afigura-se como a mais escorreita também para os interesses do fisco.

Voltando à recuperação judicial, a não sujeição dos créditos tributários ao concurso de credores não significa que há uma relação de total independência entre a fazenda e a recuperação judicial.

Nesse sentido, em julgamento do Agravo Interno no Conflito de Competência 156.263/SC, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça esclareceu que:

(24)

AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DEFERIMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1. COMPETÊNCIA INTERNA DA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ. 2. MEDIDAS DE CONSTRIÇÃO DE BENS E VALORES INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO DA EMPRESA NO BOJO DA EXECUÇÃO FISCAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL. 3. ADVENTO DA LEI N. 13.043/2014. AUSÊNCIA DE MODIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. MANUTENÇÃO DA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DO STJ QUE DEFERIU A LIMINAR PLEITEADA NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A Corte Especial do STJ definiu a competência interna da Segunda Seção para dirimir as controvérsias que envolvam execuções fiscais nas quais foram realizados atos de constrição e processos de recuperação judicial. Precedentes. 2. O deferimento do processamento da recuperação judicial não tem, por si só, o condão de suspender as execuções fiscais, na dicção do art. 6º, § 7º, da Lei n. 11.101/2005, porém, a pretensão constritiva direcionada ao patrimônio da empresa em recuperação deve, sim, ser submetida à análise do juízo da recuperação judicial. Ressalte-se que o referido entendimento deve ser aplicado mesmo antes da realização da Assembleia Geral de Credores, bastando o mero deferimento do processamento do pedido pelo Juízo de primeiro grau, sob pena de se inviabilizar o respectivo plano de recuperação judicial. 3. O advento da Lei n. 13.043/2014, que possibilitou o parcelamento de crédito de empresas em recuperação judicial, não repercute na jurisprudência desta Corte Superior acerca da competência do Juízo universal, em homenagem ao princípio da preservação da empresa. Precedentes. 4. Agravo interno desprovido.

(STJ - AgInt no CC: 156263 SC 2018/0007141-9, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 22/08/2018, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 27/08/2018). (Grifou-se).

Desse modo, verifica-se que a ausência dos efeitos da recuperação judicial sobre os créditos fiscais não é absoluta, de modo que, após deferido o processamento do pedido de recuperação judicial, constritiva direcionada ao patrimônio da empresa em recuperação deve, sim, ser submetida à análise do juízo da recuperação judicial, em homenagem ao princípio da preservação da empresa.

Pelo impasse então apresentado para o ente fazendário na consecução dos seus interesses, considerando que todas as execuções fiscais prosseguem em apartados nos mais diversos juízos, verifica-se que o caminho cooperativo é mais adequado para o atendimento mais efetivo e célere dos interesses do fisco, se comparado com o caminho contencioso.

Com efeito, a litigiosidade fiscal em diversos juízos e foros durante o curso de recuperação judicial não viabiliza a satisfação dos créditos fiscais deduzidos em juízo e a execução concursal do plano, o que pode levar ao insucesso da recuperação de uma empresa potencialmente viável, o que consequentemente leva à sua convolação em falência e, para o fisco, torna-se mais improvável a satisfação dos seus interesses.

Nesse rumo de ideias, Marlon Tomazette pondera:

[...] o fisco deve colaborar ou, ao menos, não atrapalhar a recuperação judicial. Nesse sentido, a Lei nº 11.101/2005 determinou que ‘as Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo

(25)

com os parâmetros estabelecidos na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional’ (art. 68). Além disso, definiu-se que os devedores enquadrados como microempresas e empresas de pequeno porte farão jus a prazos 20% (vinte por cento) superiores àqueles regularmente concedidos aos demais devedores33.

Nesse contexto, se faz necessário buscar reconhecer e levar a efeito a perspectiva cooperativa introduzida ao processo pelo CPC então vigente, mediante a utilização de institutos como o negócio jurídico processual, a fim de possibilitar ao ente fazendário buscar, na via processual, métodos cooperativos de resguardar os seus interesses, contribuindo – ou evitando empecilhos – para a superação da crise em razão da qual a empresa devedora lançou mão do processo de recuperação judicial, a fim de que todos os objetivos previstos no art. 47 da Lei nº 11.101/05 sejam efetivamente cumpridos.

Acerca da possibilidade de as relações tuteladas pelo direito público serem objeto de convenção processual, são as lições de Antônio do Passo Cabral:

[...] admitiu-se que o direito público também passasse a ser objeto de convenção em diversas medidas. Por exemplo: a) nos processos de falência, insolvência e recuperação judiciais; b) conciliação das causas do Estado (art. 10, parágrafo único, da Lei n. 10.259/2001); c) a possibilidade de que não haja reexame necessário em condenações da Fazenda Pública abaixo de mil salários mínimos para a União (art. 494, §2º do novo CPC); d) a ausência de ajuizamento de execução fiscal em alguns casos de pequeno valor (art. 20 da Lei n. 10.522/2002; arts. 7º e 8º da Lei 12.514/2011); e) o termo de compromisso para as infrações nos mercados de capitais (art. 11, §5º da Lei 6.385/76); f) a tão famosa delação premiada; g) a transação penal; h) suspensão condicional do processo; i) negociação em improbidade administrativa; j) termos de ajustamento de conduta; etc34.

Como se verifica das lições acima, os negócios jurídicos, tema que será tratado no próximo capítulo, estão presentes em várias searas do direito, o que não poderia ser diferente na seara processual.

33 TOMAZETTE, 2017. p. 118

34CABRAL, Antonio do Passo. A Resolução n. 118 do Conselho Nacional do Ministério Público e as

convenções processuais. apud BOCALON, João Paulo. Os negócios jurídicos processuais no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. 2016. 241 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016. p. 15-16.

(26)

O sistema processual civil vigente adota um modelo cooperativo de processo, contendo várias normas que prestigiam a autonomia da vontade das partes e permitem que elas negociem sobre o processo, de modo mais evidente que no CPC de 1973.

O CPC trata, por exemplo, da autocomposição, regulando a mediação e a conciliação nos arts. 165 a 175 e inserindo a tentativa de autocomposição como ato anterior à defesa do réu nos arts. 334 e 695, da inclusão de matéria estranha ao objeto litigioso do processo pelo art. 515, §2º, e dos acordos sobre o processo por meio da cláusula geral de negociação do art. 190.

O presente tópico irá analisar o instituto dos negócios jurídicos processuais, expresso no último dispositivo retromencionado e em outros previstos em nosso ordenamento. 3.1. Histórico dos negócios jurídicos processuais

Os primeiros contornos legais dos negócios jurídicos processuais se deram no direito francês a partir da década de 8035, com o contrat de procédure. Na França, todos os acordos entre as partes litigantes nos quais o objeto era a alteração da forma de condução do processo em curso regiam-se pelas normas do contrato processual, que obrigatoriamente deveria ser homologado pela autoridade judiciária competente.

Sobre o contrat de procédure, aponta Diogo Assumpção Rezende de Almeida:

Em meados da década de 1980, advogados e magistrados franceses identificaram algumas questões que dificultavam a tramitação de processos ou a prestação jurisdicional e que poderiam ser enfrentadas por meio de convenções, celebradas entre advogados, com a aquiescência das cortes. No ano de 1985, esse contrato de procedimento consistia em um calendário estabelecido pelo acordo das partes, em primeira ou segunda instância, que fixava de início as datas em que cada litigante deveria apresentar suas conclusões e aquela na qual ocorreria o julgamento36.

A primeira forma de contratualização do processo no direito francês consubstanciou-se na possibilidade de discussão e confecção, entre as partes, de um calendário processual. Esta hipótese é expressamente contemplada pelo CPC, sobre a qual será melhor discutido mais adiante.

35 MARINONI, Luiz Guilherme. In: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO,

Daniel (Orgs.). Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 1. p. 531

36 ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. As convenções processuais na experiência francesa e no novo

CPC. In: CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coords.). Negócios processuais. 2. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 335-336.

(27)

Posteriormente, o direito francês ampliou as hipóteses que poderiam ser objeto de negócios jurídicos processuais, com destaque para a regulamentação e padronização de procedimentos protocolares perante os tribunais, bem como outras questões como escolha de expert para perícia, eleição de foro etc.

Na Alemanha, o código instrumental civil, foi promulgado em 1877 e entrou em vigor em 1879, passando por uma profunda reforma em 2002, ocasião em que foi reforçada a figura do negócio jurídico processual.

A referida reforma fortaleceu o impulso formal e material do processo, dando mais protagonismo de direção ao juiz. Adotou-se, ainda, um sistema processual mais flexível, com capacidade de adaptação às características singulares da causa, autorizando a estipulação de contratos processuais pelas partes.

Acerca do negócio jurídico processual no ordenamento alemão, leciona Trícia Navarro Xavier Cabral:

Por fim, e não obstante ser dado ao direito francês o título de criador do contrat de

procédure, por edição de lei expressa, o negócio jurídico processual já existia no

direito italiano, embora não expressamente em seus diplomas legais. As hipóteses de negócios jurídicos processuais eram extraídas de dispositivos que tratavam de juramento, confissão e renúncia, por exemplo37.

À época, a doutrina italiana teceu duras críticas contra a ausência de legislação escorreita e específica para a compreensão e aplicação deste instituto38.

3.2. Conceito de negócio jurídico processual

Por ser tema relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro e pouco difundido na prática forense, o conceito de negócio jurídico processual ainda é objeto de discussão na doutrina pátria. Por este motivo, serão apresentados diversos conceitos doutrinários sobre o instituto para, ao final, apresentar um conceito que melhor se relacione com os fins do presente estudo.

Luiz Guilherme Marinoni conceitua:

Deve-se entender por essa expressão todos os acordos realizados na pendência de um processo judicial que disciplinam o modo como o magistrado deverá conduzir a tramitação da causa visando à prestação da tutela jurisdicional39.

37 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Reflexos das convenções em matéria processual nos atos judiciais. In:

CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coords.). Negócios processuais. 2. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 309-310.

38 Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 2009. p. 969. 39 MARINONI, 2017, p. 531.

(28)

Por sua vez, Daniela Santos Bonfim apresenta a seguinte definição:

[...] tem-se que o negócio jurídico processual é fato jurídico processual cujo suporte fático tem como elemento nuclear exteriorização de vontade do sujeito, mediante exercício de autorregramento da vontade, dentro dos limites preestabelecidos pelo sistema, para escolher entre as categorias jurídicas processuais e, no que for possível, escolher o conteúdo e estruturação das relações jurídicas processuais. A exteriorização de vontade do sujeito que implica no exercício de um poder de regular, em maior ou menor medida, o conteúdo de situações jurídicas processuais significa a existência de um negócio jurídico processual40.

Com uma definição que melhor atende aos fins deste trabalho, Fredie Didier Jr. conceitua o negócio jurídico processual como “fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático confere-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais”.41

Pelas definições doutrinárias apresentadas acima, se faz imprescindível pontuar quatro elementos considerados essenciais para a conceituação do negócio jurídico processual, quais sejam: o fato jurídico; o ato volitivo; o aspecto negocial; a limitação pelo ordenamento jurídico; e a regulação de determinada relação jurídica cujo objeto se refere a atos processuais ou procedimentais.

Se faz necessário entender os atos processuais e os atos procedimentais como fenômenos distintos, pois, conforme ensina Humberto Theodoro Júnior:

Enquanto o processo é uma unidade, como relação processual em busca da prestação jurisdicional, o procedimento é a exteriorização dessa relação e, por isso, pode assumir diversas feições e modo de ser. A essas várias formas exteriores de se movimentar o processo aplica-se a denominação de procedimento42.

Sobre o primeiro elemento, resulta da classificação do negócio jurídico como fato jurídico, na medida em que pressupõe a existência de um fato social, o qual é inserido no mundo jurídico.

Em relação ao segundo elemento, este se depreende da necessária manifestação da vontade humana para que o negócio produza efeitos no mundo jurídico.

O terceiro elemento decorre do segundo, sendo caracterizado pela conjugação de vontades das partes negociantes.

40 BONFIM, Daniela Santos. A legitimidade extraordinária de origem negocial. In: CABRAL, Antonio do

Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coords.). Negócios processuais. 2. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 454-455

41 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1, p. 376-377. 42 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito Processual Civil. 44. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Forense,

(29)

Quanto ao quarto elemento, diz respeito aos limites impostos pelas normas previstas, implícita ou expressamente, no ordenamento jurídico. A indisponibilidade do interesse público, corolário da supremacia do interesse público e assunto sobre o qual será tratado mais adiante, pode ser compreendida como um exemplo dessa limitação.

Por fim, o quinto elemento está mais associado à finalidade do negócio jurídico processual, qual seja, de regular a relação jurídica cujo objeto diz respeito a atos processuais ou procedimentais.

Pelas definições e elementos ora apresentados, e para os fins do presente trabalho, os negócios jurídicos processuais podem ser entendidos como fatos jurídicos processuais que encontram suporte fático na autonomia da vontade consensual das partes, limitada pelo ordenamento jurídico, com o fim de criar, modificar ou extinguir determinado direito cujo objeto se refere a um ato processual ou procedimental.

3.3. Classificação dos negócios jurídicos processuais

Os negócios jurídicos processuais são classificados em típicos ou atípicos. A diferença entre ambos reside na existência, ou não, de previsão legal. Passemos a uma breve exposição das duas classificações.

3.3.1. Negócios jurídicos processuais típicos

Neste caso, há a regulação prevista em lei, com previsão expressa sobre o objeto do negócio ou a forma como os negócios podem ser firmados entre as partes. No CPC, eleição negocial de foro (vide art. 63), o calendário processual (vide art. 191, §§1º e 2º), o acordo para a suspensão do processo (vide art. 313, II), a organização consensual do processo (vide art. 357, §2º), e a desistência do recurso (vide art. 999), são exemplos de negócios jurídicos processuais típicos.

É possível subdividir os negócios jurídicos processuais típicos em unilaterais, bilaterais e plurilaterais43.

A desistência do recurso, o reconhecimento da procedência do pedido, a renúncia ao recurso, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação, a escolha do juízo da execução, a desistência da penhora pela exequente são exemplos de negócios unilaterais.

43 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro. I Congresso

Peru-Brasil de Direito Processual. Peru, 2014. Disponível em: https://www.academia.edu/10270224/Neg ócios-_jurídicos_processuais_no_processo_civil_brasileiro?auto_ download=true. Acesso em 06 ago. 2020

(30)

Os negócios jurídicos bilaterais podem ainda ser divididos em contratos, quando as vontades dizem respeito a interesses contrapostos, e acordos ou convenções, quando as vontades se unem para um interesse comum. As hipóteses de acordos ou convenções processuais são mais comuns que as de contratos processuais.

Em reforço às classificações mencionadas acima, é importante destacar que o art. 200 do CPC não deixa dúvidas quanto à possibilidade de negócios unilaterais e bilaterais no ordenamento pátrio.

Por fim, temos a subclassificação dos negócios jurídicos plurilaterais, formados pela vontade de mais de dois sujeitos. Aplicando às relações processuais, temos como exemplo de negócio jurídico processual típico plurilateral a sucessão processual voluntária (vide art. 109 do CPC). É o que acontece, também, com os negócios processuais celebrados com a participação do juiz44.

Além dos casos mencionados acima, são exemplos de negócios jurídicos processuais típicos: a) escolha do depositário e da forma de administração do bem penhorado, no caso de penhora de empresa, outros estabelecimentos ou semoventes (vide art. 862, §2º do CPC); b) escolha de depositário-administrador no caso de penhora de frutos e rendimentos (vide art. 869); c) acordo de avaliação do bem penhorado (vide art. 871, I); opção do executado pelo parcelamento, que por sua vez é um negócio unilateral de eficácia mista, material e processual45 (vide art. 916); d) suspensão negocial da execução (vide art. 921, I, c/c art. 313, II; e art. 922).

3.3.2. Negócios jurídicos processuais atípicos

Fora das hipóteses legalmente previstas, é facultada às partes a possibilidade de pactuarem negócios jurídicos processuais cujos termos não estejam expressamente previstos em lei, de modo que seja possível ajustar a forma e o conteúdo de tais negócios aos interesses e necessidades das partes negociantes.

44 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Negócios jurídicos processuais atípicos no Código de Processo Civil de 2015.

[online] Revista Brasileira de Advocacia, 2017. Disponível em:

https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwiXwb6ChYjrAhV8D7 kGHSa-DpIQFjACegQIAhAB&url=http%3A%2F%2Fwww.mpsp.mp.br%2Fportal%2Fpage%2Fpo

rtal%2Fdocumentacao_e_divulgacao%2Fdoc_biblioteca%2Fbibli_servicos_produtos%2Fbibli_boletim%2Fbibli _bol_2006%2FRBA_n.01.04.PDF&usg=AOvVaw3S3H3ovrpY3VedWVRCCbpk. Acesso em 06 ago. 2020. 45 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale. Napoli: Jovene, 1965. p.107/ DIDIER JÚNIOR., Fredie; CABRAL, Antônio do Passo. Negócios Jurídicos Processuais Atípicos e Execução. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2017. v. 67, 2018.

(31)

Tal possibilidade é autorizada pelo art. 190 do CPC, o qual transcreve-se abaixo, para facilitar uma análise direta do seu conteúdo:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade46.

Sobre este dispositivo, vale ressaltar que, por se tratar de o que a doutrina denomina como “cláusula geral de negociação processual”47, naturalmente permite às partes uma liberdade sobre negociar os termos de procedimentos e regramentos processuais que desejam adotar, com vistas a conferir um tratamento processual mais adequado para cada caso, atribuir às partes mais protagonismo na condução do processo ou procedimento que lhes interessa, além de estimular a autocomposição entre as partes.

Em verdade, a cláusula geral prevista no art. 190 do CPC impõe uma redefinição do dualismo direito público-direito privado. Nesse sentido, pondera Rosa Maria de Andrade Nery48:

o sujeito de direito, no âmbito das situações particulares, pode agir livremente no contexto de todas as situações jurídicas que não lhe sejam proibidas (atipicidade dos negócios jurídicos privados). Diferentemente se dá com o sujeito que realiza atos e negócios que se inserem no contexto do trato das coisas públicas, a quem se permite apenas a realização daquilo para cujo exercício esteja previamente autorizado (princípio da legalidade ou da tipicidade dos negócios de direito público: a administração pública só pode agir secundum legem).

Decerto, a referida cláusula geral foi inspirada no processo arbitral, cuja principal característica é a liberdade, dada às partes, de pactuarem a respeito do procedimento mediante o qual determinada situação litigiosa será submetida à arbitragem. Ademais, há previsão expressa no art. 1º, §1º da Lei 9.307/96, com redação dada pela Lei 13.129/2015, conferindo à administração pública a possibilidade de utilização da via arbitral49.

46BRASIL. Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Presidência da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.go v.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 20 jul. 2020.

47 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 9 ed., Salvador: Juspodivm,

2017. p. 389

48 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 172.

49 Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos

patrimoniais disponíveis. § 1º A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. BRASIL. Lei n° 9.307, de 23 de setembro de

Referências

Documentos relacionados

C) O nível trófico do qual pertence a garça apresentará maior nível de contaminação por mercúrio, porém, o nível trófico do qual pertence o fitoplâncton apresentará

Agora você tem o tempo para avaliar seus preços, para assegurar que suas margens e rentabilidade são as.. melhores que

A presente Chamada tem por objetivo selecionar propostas para apoio financeiro a projetos que visem incentivar a editoração e publicação de periódicos científicos brasileiros

Produz industrializados com a marca própria Minuano para mercado interno (55%) / externo (45%) e presta serviços sazonais de terceirização para outras agroindústrias. F3 – Passo

É por meio da direção de arte e direção de fotografia que o trabalho da imagem no audiovisual é refinado a partir do conceito proposto pelo roteiro e diretor geral, sendo o

Esta avaliação tem por objetivo avaliar o conhecimento do candidato conforme conteúdo programático divulgado abaixo, sendo o nível da prova de acordo com a

43 Gestão e Fiscalização de Contratos Administrativos DEMANDA GERAL 44 Cursos de Atualização para Comissão de Ética DEMANDA GERAL. 45 Preparação Para Gestores Públicos

c) Créditos concedidos por prazo não superior a um ano. Verifica-se que o sujeito passivo não cumpre nenhuma das condições atrás descritas uma vez que a participação de