• Nenhum resultado encontrado

A concretização do dever estatal de prestar o serviço a Saúde e os parâmetros adotados pelo Supremo Tribunal Federal frente as demandas de medicamentos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A concretização do dever estatal de prestar o serviço a Saúde e os parâmetros adotados pelo Supremo Tribunal Federal frente as demandas de medicamentos"

Copied!
44
0
0

Texto

(1)

ANA LAURA LORINI RAUCH

A CONCRETIZAÇÃO DO DEVER ESTATAL DE PRESTAR O SERVIÇO À SAÚDE E OS PARÂMETROS ADOTADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL FRENTE AS DEMANDAS DE MEDICAMENTOS

Ijuí (RS) 2018

(2)

ANA LAURA LORINI RAUCH

A CONCRETIZAÇÃO DO DEVER ESTATAL DE PRESTAR O SERVIÇO A SAÚDE E OS PARÂMETROS ADOTADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL FRENTE AS DEMANDAS DE MEDICAMENTOS

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador (a): MSc. Eloisa Nair de Andrade Argerich

(3)

2018

Dedico este trabalho aos meus pais, que me apoiaram no desenvolvimento deste projeto, a todos que me acompanharam ao longo da graduação e as pessoas que me inspiraram a trabalhar no tema deste trabalho, desenvolvendo uma visão mais ampla da realidade prestacional da saúde no país.

(4)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, pela vida, força e coragem.

A minha orientadora, por ter aceito este desafio, pela sua dedicação e disponibilidade durante todo o desenvolvimento do trabalho. Aos meus pais, por todo apoio, incentivo e críticas, que me fizeram ver de forma mais clara e melhorar sempre que possível.

Ás pessoas que de alguma forma contribuíram para que eu mantivesse firme a escolha que fiz na área que amo trabalhar.

A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, meu muito obrigada!

(5)

“A menos que modifiquemos à nossa maneira de pensar, não seremos capazes de resolver os problemas causados pela forma como nos acostumamos a ver o mundo. ”

(6)

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica realiza uma análise pontual do reconhecimento do direito fundamental à saúde como um direito social e imprescindível para a preservação da vida, explicando um pouco mais sobre os princípios e institutos aos quais está se fundamentando as demandas judiciais que buscam a efetivação deste direito. Discute-se a atual falência do Sistema de Saúde/Estado na prestação dos serviços em saúde, buscando compreender a as decisões proferidas com relação ao reconhecimento do dever solidário dos entes federativos na prestação dos serviços de saúde e sua importância para a concretização desse direito.

Palavras-Chave: Direito Constitucional. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Responsabilidade Solidária. Princípio do Mínimo Existencial.

(7)

ABSTRACT

The present work of a monographic research carries out a punctual analysis of the recognition of the fundamental right to health as a social right and essential for the preservation of life, explaining a little more about the principles and institutes to which the judicial demands that seek the effective this right. It discusses the current bankruptcy of the Health System / State in the provision of health services, seeking to understand the decisions made regarding the recognition of the solidarity obligation of the federative entities in the provision of health services and its importance for the realization of this right.

Keywords: Constitutional Law. Principle of the Dignity of the Human Person. Solidarity Responsibility. Principle of the Existential Minimum.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...09

1 A CONCRETIZAÇÃO DO DEVER ESTATAL DE DESENVOLVER AÇÕES E PRESTAR SERVIÇOS DE SAÚDE...11

1.1 O direito a saúde esculpido na Constituição Federal e as faces do direito a saúde...11

1.1.1 O direito constitucional a saúde como um direito fundamental social ...17

1.1.2 Direito fundamental de segunda dimensão e o dever do Estado de prestar serviços ao cidadão...18

1.2 A imposição judicial da prestação a saúde e fornecimento de medicamentos...21

1.2.1 A violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial..23

1.3 A participação conjunta dos entes federados na promoção da saúde pública em face do art. 196...26

2 PARÂMETROS ADOTADOS PELO STF PARA A SOLUÇÃO JUDICIAL DOS CASOS CONCRETOS FRENTE AS DEMANDAS POR MEDICAMENTOS...28

2.1 A responsabilidade solidaria entre a União Estados e Municípios ...28

2.1.1 A reserva do possível e o mínimo existencial...29

2.2 Analise de casos concretos em face das demandas de medicamentos ...33

2.2.1 Caso Prático 1...33

2.2.2 Caso Prático 2...35

2.3 Parâmetros utilizados pelo STF...37

2.3.1 Aspectos gerais da Repercussão Geral 793...40

CONCLUSÃO...42

(9)

INTRODUÇÃO

A compreensão sobre o reconhecimento da responsabilidade solidária na área da saúde, entre os entes federativos, União, Estado e Municípios, exige, sem sombra de dúvida que, preliminarmente se verifique em qual dimensão se enquadra o direito à saúde.

Dessa forma, entender o significado de direitos humanos e direitos fundamentais é de suma importância no que diz respeito ao reconhecimento do direito à saúde como um direito fundamental social.

É fundamental, portanto, deixar assente que nessa pesquisa o direito à saúde categoriza-se como direito fundamental, mas é parte integrante dos direitos humanos, pois tem a ver com a vida e dignidade, valores que exigem proteção estatal.

Desta forma, utilizando-se do método hipotético-dedutivo, a pesquisa será do tipo exploratória, com a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores para desenvolver um texto capaz e suficiente que responda o problema proposto, corrobore ou refute as hipóteses levantadas e atinja os objetivos propostos na pesquisa, ou seja, verificar a partir das decisões judiciais o embasamento para a responsabilidade solidária dos entes federativos, no âmbito da saúde.

Assim, no primeiro capitulo estuda-se o surgimento dos direitos fundamentais sociais, tidos como os direitos de segunda dimensão, seu conceito histórico e seu desenvolvimento ao longo dos anos, perpassando pelo princípio da dignidade da pessoa humana, e sua importância perante a garantia dos direitos humanos na atualidade, bem como uma breve diferenciação do direito à saúde e à vida, que, no que tange a judicialização da saúde, em muitas situações se confundem. No que tange a dignidade da pessoa humana e o princípio do mínimo existencial, foi realizada a diferenciação tênue existente entre eles. Além disso, discorre-se sobre a Constituição Federal de 1988, e a importância de suas inovações, referentes às garantias fundamentais, como cláusulas pétreas, para o ordenamento jurídico brasileiro, garantindo a aplicabilidade imediata destes direitos.

(10)

Já, no segundo, analisa-se os princípios conflitantes do mínimo existencial e a reserva do possível, este último, limitante dos gastos da administração pública. Finalmente, procede-se a realização de uma análise da Repercussão Geral nº 793, responsável pelo balizamento das decisões em todos os Tribunais estaduais, e os fundamentos utilizados pelo Ministro relator na decisão que reconheceu o dever prestacional de todos os entes federados, solidariamente, de fornecimento de medicamentos necessários e indispensáveis a garantia da saúde da população.

(11)

1 A CONCRETIZAÇÃO DO DEVER ESTATAL DE DESENVOLVER AÇÕES E PRESTAR SERVIÇOS DE SAÚDE

Para que se possa chegar a uma compreensão sobre o reconhecimento da responsabilidade solidária entre os entes federativos, União, Estado e Municípios, exige, sem sombra de dúvida que, preliminarmente se verifique em qual dimensão se enquadra o direito à saúde.

Dessa forma, entender o significado de direitos humanos e direitos fundamentais é de suma importância no que diz respeito ao reconhecimento do direito à saúde como um direito fundamental social. Então, passa-se a desenvolver e explicar o conceito desses direitos, bem como a sua evolução história e dimensões para, assim, adentrar-se na temática que envolve o dever estatal de desenvolver ações e prestar serviços na área da saúde, bem como a imposição judicial da prestação à saúde e fornecimento de medicamentos.

1.1 O direito a saúde esculpido na Constituição Federal e as faces do direito à saúde

Inicialmente, mostra-se necessário esclarecer o significado de direitos humanos e direitos fundamentais, uma vez que isso vai permitir que se possa verificar em qual categoria o direito à saúde encontra seus fundamentos.

Sabe-se que são inúmeras as discussões doutrinárias acerca de um e de outro, mas identificar com clareza os direitos humanos possibilita que haja um entendimento mais adequado e se possa utilizar a terminologia adequada no desenvolvimento desta pesquisa.

Falar em direitos humanos significa dizer que são normas jurídicas internas e externas, que visam proteger a pessoa humana. Nas palavras de Alexandre de Moraes são (2013, p. 25):

Um conjunto institucionalizado (positivado) de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade o respeito à sua dignidade por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e o desenvolvimento da personalidade humana.

(12)

No entendimento de Flávia Piovesan (2006. p.16): “Os direitos humanos são inerentes à existência humana e objeto de regulação internacional” e o ser humano como um ser único e por isso goza do respeito à sua dignidade.

Segundo a referida autora (2006, p.18) “o conceito de direitos humanos é dotado de universalidade, pois possui extensão universal, pois basta possuir condição de pessoa para ser titular de direitos”. Portanto, o homem é considerado em sua totalidade e reconhecidos universalmente, pois esse reconhecimento por toda a sociedade gera maior confiança e assim pode realizar suas aspirações enquanto ser humano. (PIOVESAN, 2006).

Cumpre mencionar que não se pretende esgotar o assunto, por isso, compreender o significado de direitos fundamentais é de suma importância.

Ingo Wolfgang Sarlet (2017, p. 323) define direitos fundamentais como:

Todas as posições jurídicas concernentes às pessoas (naturais ou jurídicas, consideradas na perspectiva individual ou transindividual) que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, expressa ou implicitamente, integradas à constituição e retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos, bem como todas as posições jurídicas que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparadas, tendo, ou não, assento na constituição formal.

Resumidamente, pode-se considerar como direitos fundamentais aqueles direitos reconhecidos na esfera do direito constitucional de determinado Estado, ou seja, que estão positivados em determinada ordem jurídica, em um determinado momento histórico, diferentemente dos direitos humanos que emanam das Declarações dos Direitos de Virgínia, em 1776, nos Estados Unidos da América, a Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, em 1789, na França, entre outras.

Tendo como referência a historicidade dos direitos, registra-se que mais recentemente, “a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, veio a ser introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993” são exemplos que mostram que há muitos anos a preocupação com os direitos humanos estava presente no mundo todo. (PIOVESAN, 2006, p. 19)

(13)

Para Jorge Miranda (2017, p.12) direitos fundamentais são “os direitos ou as posições jurídicas subjetivas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material” 1

Infere-se que é inerente aos direitos fundamentais o respeito à dignidade humana. Nas palavras de Sarlet (2017, p.407):

Importante é que se deixe assente que vida e dignidade são grandezas (valores, princípios, direitos) que não podem ser hierarquizados em abstrato, respeitando-se, ademais, a sua pelo menos parcial autonomia no que diz com seus respectivos âmbitos de proteção.

De certa forma, é necessária a garantia da efetividade dos direitos fundamentais sociais e não a mera positivação destes, tendo em vista a dificuldade de se realizar integralmente o dever estatal, abrangendo toda coletividade.

Feitas estas colocações, faz-se necessário esclarecer, neste primeiro capítulo, um pouco dos princípios atrelados ao direito à saúde e a garantia prestacional dos serviços de saúde e fornecimento de medicamentos, para que se possa proceder no aprofundamento das questões no direito à saúde, efetivamente, a fim de possibilitar a uma análise de sua efetivação, frente aos casos concretos.

Os direitos fundamentais sociais, são conhecidos por direitos de segunda dimensão e, passaram a ser reconhecidos após a Revolução Industrial no Século XIX, quando houve a queda da burguesia e o crescimento da sindicalização do proletariado, surgindo a necessidade de fazer concessões as classes mais baixas, criando-se o Estado de Bem-Estar Social, a fim de garantir direitos sociais básicos como, ensino público e gratuito a todos, saúde pública, direitos trabalhistas e previdenciários.

Neste cenário, nas palavras de Pedro Rui da Fontoura Porto (2006, p. 58):

Trata-se, pois, da alteração da visão de Estado meramente garantidor das liberdades individuais, para a concepção de um Estado obrigado a prestações 1 Normas materialmente constitucionais, ou seja, normas que por sua essência deveriam estar previstas no texto constitucional, estarem previstas na Constituição, ou seja, serem igualmente normas formalmente constitucionais. As normas formais constitucionais Normas formalmente constitucionais são aquelas normas previstas no texto da Constituição, tendo sido produzida e aprovada por um processo solene e qualificado. (MIRANDA, 2017, p. 327)

(14)

sociais tendentes à obtenção de uma maior igualdade social, donde decorre o elevado cunho ideológico desses direitos [...]

Segundo Bruno Galindo (2006), a realização de tais direitos fundamentais implica uma responsabilidade ativa por parte do Estado na implementação de políticas públicas norteadas para essa realização. Ressalva-se que, para que o Estado cumpra com a sua responsabilidade, é necessária a disponibilização de recursos orçamentários, caso contrário, os direitos não poderão ser efetivados nem mesmo com a determinação constitucional expressa.

Contudo, pode-se auferir que existe uma grande dificuldade na efetivação dos direitos sociais, devido a questão econômica - orçamentárias dos órgãos responsáveis e também a falta de aplicações adequadas para a garantia da obtenção e aplicação de meios e recursos capazes de tornar as medidas, que leva um número elevado de pessoas buscar a efetivação destes direitos, principalmente na área da saúde, na esfera judicial.

Conforme elucida Sarlet (2017, p. 610 e 611):

O problema da exigibilidade dos direitos sociais, contudo, se revela especialmente delicado, quando se trata de avaliar em que medida é possível, por intermédio do Poder Judiciário, impor ao Poder Público uma prestação diretamente fundada na Constituição, isto é, quando se cuida de verificar a exigibilidade dos direitos sociais na condição de direitos originários a prestações, ou seja, de uma prestação não previamente assegurada por lei infraconstitucional e/ou já disponibilizada no sistema de bens e serviços por força de políticas públicas já existentes.

Como bem apresenta o já mencionado autor (2017, p. 611 e 612), o ponto mais polêmico na exigibilidade dos direitos sociais é a chamada reserva do possível, tendo em vista a importância da questão econômica aos direitos de segunda dimensão, principalmente em se tratando de prestações estatais. O fato é que a exigibilidade judicial dos direitos sociais não costuma levar em consideração o fator custo da prestação, gerando assim uma análise importante de que, de certa forma a efetividade dos direitos sociais estão ligados também a questão econômica, podendo haver impactos também da reserva do possível, quanto as prestações visam assegurar o fornecimento de bens e serviços já regulados por políticas públicas existentes.

(15)

[...] o que a Constituição assegura é que todos tenham, em princípio, as mesmas condições de acessar o sistema público de saúde, mas não que qualquer pessoa, em qualquer circunstância, tenha um direito subjetivo definitivo a qualquer prestação oferecida pelo Estado ou mesmo a qualquer prestação que envolva a proteção de sua saúde. Considerando que a própria Constituição autoriza a existência de sistemas privados de prestação de serviços de saúde, [...] vislumbra que a gratuidade em qualquer caso se revela questionável.

Pode-se dizer que, deve-se possibilitar o acesso igualitário a todos os cidadãos, prevalecendo a gratuidade apenas aos casos de extrema necessidade, que é o caso de parte da população brasileira, porém não há a necessidade da gratuidade indiscriminada da prestação dos serviços apenas porque a prestação é fornecida pelo Estado, ou seja, se há autorização para empresas privadas explorar o fornecimento de serviços de saúde, não deve haver a exigência que o ente estatal deva prestar tal serviço totalmente de graça a todos.

Nesses termos Sarlet (2017, p.622), complementa:

O financiamento dos direitos sociais é, portanto, aspecto central para assegurar a tais direitos a níveis adequados de efetividade, de tal sorte que a sua previsão no orçamento público e cobertura pelo sistema tributário [...] ocupa um papel de destaque nas agendas dos diversos Estados, ademais de adquirir maior ou menor relevância constitucional.

A principal controvérsia quanto a efetivação dos direitos sociais, ainda é o seu financiamento, tendo em vista o contraponto de que, deve ser harmônico, distribuído de forma a beneficiar a todos os demais direitos também garantidos pelo texto constitucional, como moradia, educação, saneamento básico e, até mesmo o próprio interesse público e privado.

Vislumbra-se que Sarlet (2017, p. 602):

[...] ainda que se possa falar, no caso, de alguns direitos sociais, especialmente em virtude de sua positivação no texto constitucional, em uma maior relevância de uma concretização legislativa, essa peculiaridade não afasta o dever de atribuir também as normas de direitos sociais uma máxima eficácia e efetividade, obrigação cometida a todos os órgãos estatais, no âmbito de suas respectivas competências, dever ao qual se soma o dever de aplicação direta de tais normas por parte dos órgãos do Poder Judiciário.

(16)

Tal conjuntura fica igualmente clara pelas palavras de Mariana Filchtiner Figueiredo (2007, p. 35.):

As diferenças que servem de critério para agrupar os direitos humanos em sucessivas gerações, também perdem muito de sentido quando submetidas ao exame dos custos e orçamentários dispendidos pelo aparato estatal na realização de todos os direitos.

Paulo Bonavides (2005, p. 564) traça com clareza o importante panorama que envolve o surgimento desses novos direitos e as mudanças que espelham na sociedade:

Os direitos da segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX.

Ao continuar, percebe-se, nas palavras do autor, a relevância dos direitos sociais, pela grande ligação e, por que não dizer, complementaridade ao princípio da igualdade. Diz ele: “Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e os estimula”. (BONAVIDES, 2005, p. 564).

Além disso, Bonavides (2005, p. 565) chama a atenção para o fato de os direitos sociais terem proporcionado uma nova visão do papel do homem na sociedade, que, pelas dimensões/gerações de direitos anteriores, estava centrada no indivíduo e, agora, volta-se ao coletivo.

Os direitos sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção clássica dos direitos da liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e à valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda a plenitude.

(17)

O ponto crucial a destacar, com relação ao surgimento dos direitos sociais, é que tais direitos foram fruto de muita luta, eles foram realmente uma conquista das classes oprimidas. Não se pode olvidar que a efetivação desses direitos foi, e continua sendo, primordial ao equilíbrio da sociedade, e tamanha são sua importância e grandeza que passam a ser previstos pelos textos constitucionais.

1.1.1 O direito fundamental à saúde como um direito fundamental social

Inicialmente, propõe-se uma análise do reconhecimento do direito à saúde como fundamental, tendo em vista os períodos conturbados e de grandes mudanças ocorridos no passado.

Identifica-se o aparecimento pela primeira vez, na Constituição de 1934, em seu art. 10, “Compete concorrentemente à União e aos Estados: [...] II – cuidar da saúde e assistência pública.”, complementado pelo art. 138, também da Constituição de 1934:

Art. 138: Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: [...] f) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a moralidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a propagação das doenças transmissíveis; g) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais.

Interessante mencionar que no plano internacional, foi apenas em 1º de janeiro de 1948, com a entrada em vigor da Constituição da República Italiana, que passaram a reconhecer os fenômenos ligados a saúde, como processos biológicos e sociais, trazendo a saúde não mais como um fator de produtividade e sim, como direito do cidadão, (Schwartz, 2001, p. 45)

No Brasil, positivou-se o tema de forma definitiva, apenas em 1988, com a promulgação da chamada Constituição Cidadã, sendo notório o atraso na integração do direito à saúde no sistema constitucional pátrio, já que, trata-se de um elemento de cidadania e de extrema relevância a vida humana.

(18)

A saúde é, senão o primeiro, um dos principais componentes da vida, seja como pressuposto indispensável para sua existência, seja como elemento agregado a sua qualidade, assim, a saúde se conecta com o direito à vida, (Schwartz, 2001, p. 52).

Explica Figueiredo (2007, p. 77) que:

A noção de que a saúde constitui um direito humano e fundamental, passível de proteção e tutela pelo Estado, é resultado de uma longa evolução na concepção não apenas do direito, mas da própria ideia do que seja saúde, em si mesma considerada.

O direito à saúde é direito social que apresenta, simultaneamente, dupla dimensão, defensiva e prestacional. Enquanto o direito de defesa, o direito à saúde determina o dever de respeito, no sentido em que não se deve afetar a saúde de alguém, mas sim, preservá-la. Na dimensão prestacional, imputa o dever, em especial ao Estado, de executar medidas reais e concretas no sentido de fomentar a efetivação da saúde da população, tornando a coletividade credora de um direito subjetivo, (Figueiredo, 2007, p. 88)

Assim, a prestação material do direito fundamental à saúde passa a ser de responsabilidade do Estado.

1.1.2 Direito fundamental de segunda dimensão e o dever do Estado de prestar serviços ao cidadão

Contextualizado historicamente o surgimento ou conquista dos direitos sociais, precisamos defini-los, ressaltando-se a sua estreita relação com o direito de igualdade e os princípios da dignidade da pessoa humana, o direito à vida e garantias individuais, em contraponto aos princípios orçamentários, a reserva do possível e a garantia do mínimo existencial.

Depreende-se tal relação do próprio conceito de direitos sociais formulado por José Afonso Silva (2007, p. 286): “são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. ”

(19)

Na Constituição Federal de 1988, os direitos sociais encontram-se dispostos no Capítulo II, art. 6º, do Título II, dentre os direitos e garantias fundamentais, colocados de forma genérica no art. 6º:

Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).

Com certeza, a Constituição de 1988 trouxe uma maior valoração dos direitos sociais para o Direito brasileiro, uma vez que lhes concedeu o status de direitos fundamentais, os quais, por sua vez, adquiriram força especial em nossa atual Carta. Assim, encontra-se nas lições de Piovesan (2006, pp. 33-34) a seguinte colocação:

O Texto de 1988 ainda inova ao alargar a dimensão dos direitos e garantias, incluindo no catálogo de direitos fundamentais não apenas os direitos civis e políticos, mas também os sociais [...] Trata-se da primeira Constituição brasileira a inserir na declaração de direitos os direitos sociais, tendo em vista que nas Constituições anteriores as normas relativas a tais direitos encontravam-se dispersas no âmbito da ordem econômica e social, não constando do título dedicado aos direitos e garantias.

Na mesma linha, afirma Sarlet (2009, p. 66): “A acolhida dos direitos fundamentais sociais em capítulo próprio no catálogo dos direitos fundamentais ressalta, [...] de forma incontestável sua condição de autênticos direitos fundamentais, [...]”

Aliado à influência dessa nova posição dos direitos sociais na Constituição vigente, temos o princípio da aplicabilidade imediata das normas referentes aos direitos e garantias fundamentais, ditado pelo art. 5º, § 1º, que, pelo já exposto, atinge também os direitos-objeto de nosso estudo.

(20)

Atente-se ainda que, no intuito de reforçar a imperatividade das normas que traduzem direitos e garantias fundamentais, a Constituição de 1988 institui o princípio da aplicabilidade imediata dessas normas, nos termos do art. 5º, § 1º. Esse princípio realça a força normativa de todos os preceitos constitucionais referentes a direitos, liberdades e garantias fundamentais, prevendo um regime jurídico específico endereçado a tais direitos.

Neste sentido, Sarlet (2009, p.66-67) acrescenta, que, à aplicabilidade imediata de tais direitos, a proteção ensejada “mediante a inclusão destes no rol das ‘cláusulas pétreas’ [...] do art. 60, § 4º, da CF, impedindo a supressão e erosão dos preceitos relativos aos direitos fundamentais pela ação do poder Constituinte derivado”.

Ressalta-se que, como ocorre com os demais direitos fundamentais, os direitos sociais também possuem uma dimensão objetiva e outra subjetiva. A perspectiva objetiva, reflete o vínculo entre esses direitos e com o sistema de fins e valores constitucionais a ser respeitados e concretizados por toda a sociedade. Em relação a perspectiva subjetiva, está em pauta a possibilidade de ser exigíveis em face de seu destinatário, (SARLET, 2017).

Dessa forma, tem-se utilizado muito o argumento de que as normas de direitos sociais, especificamente os referentes aos direitos prestacionais, seriam normas meramente programáticas, necessitando de prévia manifestação legislativa para servir de fundamento a dedução direta de deveres constitucionais de prestação por parte do Poder Público

Conforme explica Sarlet (2017, p. 611):

Tal linha argumentativa, especialmente no que exclui qualquer possibilidade de dedução em juízo de um direito subjetivo originário a prestações [...], não pode subsistir, seja em face do teor literal e da compreensão dominante da norma contida no art. 5º, §1º, da CF/88, seja pelo fato de que os direitos sociais perderiam a sua condição de direitos fundamentais, caso seu objeto e a decisão sobre sua eficácia e efetividade ficassem integralmente [...] subordinados ao legislador [...].

Assim, após as considerações acerca da possibilidade de reconhecimentos dos direitos sociais e, controvérsia que os cercam, conforme anteriormente explicitado, passamos a

(21)

analisar diretamente, o dever do Estado na prestação de serviços a saúde, garantindo uma vida digna e saudável a todos os cidadãos.

1.2 A imposição judicial da prestação a saúde e fornecimento de medicamentos

Primeiramente, informa-se que a imposição judicial, não caracteriza somente a judicialização da saúde, mas sim a garantia da prestação de um serviço essencial, que não é efetivado se não por este meio.

Observa-se que, o direito à saúde como dever do Estado e direito de todos explicito no art. 196 da CF/88 assim determina: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, deixa evidente que a concretização da prestação do referido direito é dever do Estado e caso tal não ocorra, o cidadão brasileiro necessita socorrer-se no Poder judiciário, para entre outros direitos efetivar a saúde e o fornecimento de medicamentos.

Nesse sentido Germano Schwartz (2001, p. 147) acentua que “Há um flagrante desrespeito e uma facciosa não-aplicação do art. 196 da CF/88, o direito a saúde como dever do estado e direito de todos” demonstrando que esse direito social fundamental, que garante a vida, encontra obstáculos no Sistema Único de Saúde, bem como no sistema social jurídico, econômico e político, para sua efetivação.

Registra-se ainda que as demandas da população referentes a saúde são incalculáveis, e os governos federal, estadual e municipal não possuem recursos suficientes para dar conta das necessidades básicas em uma área tão importante (SCHWARTZ, 2001).

Além desta realidade, outra que chama atenção é com relação ao fornecimento de medicamentos, pois cada vez mais o poder aquisitivo da população brasileira tem diminuído acentuadamente e não possuem condições de arcar com os custos dos medicamentos e bancar os tratamentos prescritos pelos médicos (SCHWARTZ, 2001).

(22)

Assim, não resta outra saída à população do que se socorrer ao Poder judiciário, por meio de ações judiciais, para ter seu direito efetivado.

Em decorrência disso, se verifica a judicialização da saúde, que ocupa um espaço cada vez maior com a proposição de ações para obter um direito garantido constitucionalmente.

Para corroborar o exposto, Angélica Carlini (2014, p. 137) expõe que:

No Brasil o fenômeno da judicialização da política é contemporâneo ao início da vigência da constituição de 1988 e se acentua a partir da década de 90 quando os Poderes Executivo e Legislativo não conseguem dar as respostas de efetividade de direitos fundamentais sociais para todos os cidadãos, criando um clima de marcada frustração com a democracia.

Percebe-se assim, que há um fortalecimento do Poder judiciário e consequentemente isto aumenta o volume de trabalho na área judicial.

Destaca-se ainda que as decisões judicias na área da saúde estão voltadas para assegurar que os cidadãos tenham o mínimo de condições para viver com dignidade, pois a saúde é indispensável para que um ser humano possa ter qualidade de vida.

Não menos importante é o fornecimento de medicamentos para tratamentos médicos de cidadãos que não possuem o mínimo de condições financeiras para arcar com as prescrições médica e necessitam dos fármacos para amenizar a dor e assegurar a sua dignidade e o mínimo existencial, uma vez que com a não efetivação do direito social e fundamental a saúde apresenta-se como uma violação do princípio da dignidade, criando um clima de frustração e descrença nos poderes Executivo e Legislativo.

1.2.1 A violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial

Falar no princípio da dignidade da pessoa humana não é uma tarefa fácil pois a caminhada e perspectiva dos direitos fundamentais do homem mostram o quanto se busca a sua construção, uma vez que é parte inerente ao ser humano e sinalizam para o respeito a continuidade da vida, em qualquer situação, o que implica em condições mínimas de sobrevivência.

(23)

Registra-se que foi com os horrores ocorridos na Segunda Guerra Mundial, manifestados no período nazifascista que a dignidade da pessoa humana encontra seus fundamentos.

Preceitua Karine da Silva Cordeiro (2012, p. 77, sic) que

[...] sobreveio a Segunda Guerra Mundial, e o “desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos” manifestado no período nazifascista “resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade”, o que levou uma mudança de paradigma na concepção dos direitos humanos [...].

Inquestionável o desrespeito ocorrido nesse período que fez com que mudanças fossem necessárias.

Nesse cenário, dispõe Flademir Jerônimo Belinati Martins (2012, p. 98):

Embora já se tenha mencionado que o valor da dignidade da pessoa humana constitui o valor-guia do ordenamento constitucional brasileiro, importa ressaltar que ele foi expressamente positivado pelo constituinte de 1988 numa fórmula principiológica. O postulado da dignidade da pessoa humana não é, portanto, criação constitucional, mas valor a que a constituição decidiu atribuir máxima relevância jurídica mediante formulação principiológica (deontológica) e expressa incorporação ao sistema jurídico constitucional. Trata-se, portanto, de princípio constitucional que tem a pretensão de plena normatividade (CF, art. 1º, inciso III).

Ainda, cabe ressaltar que a dignidade da pessoa humana, segundo Cordeiro (2012, p. 81);

Esta premissa, de dignidade da pessoa humana como aquilo que existe de irredutivelmente humano, também engloba a ideia de ser humano que reclama respeito e proteção, quaisquer que sejam as circunstâncias, já que, como valor objetivo, a dignidade implica que o homem não seja funcionalizado a projetos alheios (homem como fim em si mesmo).

Assim, pode-se afirmar que a dignidade humana é violada quando o homem se torna objeto, é humilhado, estigmatizado e alvo de discriminação e perseguição.

(24)

Não é diferente a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2006, no Habeas Corpus 85.327, com voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, evidencia que “o princípio da dignidade da pessoa humana, na sua acepção originaria, proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações judicias [...]”.

Na mesma esteira Silva (2009, p. 125) assinala que a dignidade “é uma propriedade intrínseca da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interior, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente”

Constata-se assim que a dignidade da pessoa humana tem um núcleo de integridade que assegura a todas as pessoas o direito de ser tratado da mesma forma, desde que observadas as suas diferenciações.

Importante referir que a CF/88 consagra a dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, no art. 1º, inciso III e é o núcleo axiológico central de todas as decisões nas áreas social, política e jurídica.

De acordo com Sarlet (2009, p. 74), “a norma contida no art. 1º, inciso III, da carta de 1988, tem dupla estrutura, de princípio de regra, além de ser fundamento de posições jurídico subjetivos, outorgando direitos subjetivos e positivos, de cunho negativo e positivo, inclusive de feição prestacional”, deixando claro que a concretização do direito a saúde passa necessariamente pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Pelo fato que em dada circunstancias esse princípio prevalecerá sobre todos os demais. (CORDEIRO, 2012).

Cumpre apresentar de forma simples, mas direta que, a dignidade da pessoa humana orienta o reconhecimento dos direitos fundamentais, dentre os quais se destacam os direitos de segunda geração, os direitos sociais na sua dimensão prestacional, ou seja, o pleno exercício de receber do Estado prestações voltadas ao mínimo existencial, criando condições que permitam a cada um usufruir de uma vida digna.

Quando a proteção da dignidade humana interligada com o mínimo existencial pode-se aprepode-sentar que, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal em decisões na área da saúde reconhece a existência

(25)

[...] de um núcleo existencial de existência mínima inerente a ao respeito pela dignidade da pessoa humana, bem como, pela implementação de políticas públicas, pelo poder público, respeitando a intangibilidade do núcleo consubstanciador do mínimo existencial. (STF, 2015)

Assevera Eurico Bitencourt Neto (2010, p. 128) que o direito ao mínimo para existência constitui “a reserva de eficácia da dignidade da pessoa humana” que por sua vez corresponde “ a uma fração nuclear da dignidade da pessoa humana à qual se deve conceder eficácia jurídica, positiva ou simétrica.

Para compreender o significado de mínimo existencial, é necessário tecer algumas considerações sobre o tema.

Nas palavras de Cordeiro (2012, p. 118) são esclarecedoras quando acentua que “as prestações abrangidas pelo mínimo existencial devem assegurar os recursos materiais necessários a que o indivíduo leve uma vida saudável, além de promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência [...]”.

Percebe-se, portanto, que há um entrelaçamento entre o mínimo existencial, a dignidade humana e a vida decente, pois o objetivo do mínimo existencial é o atendimento das necessidades básicas indispensáveis para proporcionar uma vida com mais qualidade.

Faz parte do mínimo existencial, portanto, o direito à saúde, pois sem saúde não há vida digna e nem sobrevivência com qualidade.

Não se esgota no direito à saúde o mínimo existencial, pois, vincula-se a esse todos os demais direitos sociais, uma vez que o conteúdo central da dignidade da pessoa humana remete as condições de habitabilidade, acesso a saúde, educação, lazer, segurança entre outros

1.3 A participação conjunta dos entes federados na promoção da saúde pública em face do art. 196

Ao tratar da participação conjunta dos entes federativos na prevenção da saúde pública em face do art. 196 é imprescindível abordar aspectos referentes as competências

(26)

constitucionais, uma vez que o art. 23 da CF/88 estabelece que: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”, demonstrando que todos tem o dever de promover a saúde e políticas públicas voltadas a coletividade.

Por outro lado, essa mesma determinação deixa evidente a responsabilidade solidária entre os entes federativos, no que diz respeito a promoção de saúde pública.

Conforme observa-se com uma simples leitura do artigo 196 da Constituição, já mencionado anteriormente que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, [...]”.

Desse modo, constatadas as origens constitucionais dos direitos sociais, bem como, tendo em vista a importância da constitucionalização desses direitos, passa-se a analisá-los na nossa atual Carta Magna.

Encerra-se este capítulo, enfatizando-se a importância da Constituição de 1988 em relação aos direitos sociais e, até mesmo os princípios por ela garantidos, afirmando que, por apresentarem-se elevados a direitos e garantias fundamentais e, por conseguinte, atribuir-lhes a aplicabilidade imediata, bem como o status de cláusula pétrea é que tem se conseguido que estes sejam efetivados, muitas vezes apenas em após a intervenção do Poder Judiciário, mas de uma forma que os cidadãos tenham reconhecidos a sua garantia de vida digna e saudável.

(27)

2 PARÂMETROS ADOTADOS PELO STF PARA A SOLUÇÃO JUDICIAL DOS CASOS CONCRETOS FRENTE AS DEMANDAS POR MEDICAMENTOS

Neste segundo capítulo, desenvolve-se uma análise mais detalhada da decisão do Supremo Tribunal Federal, que, ao reconhecer a repercussão geral do Recurso Extraordinário nº 855.178/SE, reiterou o entendimento que todos os Entes Federados possuem a responsabilidade solidária de prestar serviços de saúde, diminuindo assim, a oneração excessiva dos gastos.

Porém, antes de adentrar no tema há a necessidade de se estudar o significado de responsabilidade solidária no contexto da Constitucional Federal, bem como o que se entende por mínimo existencial e reserva do possível, para depois abordar a Repercussão Geral d 793

2.1 A responsabilidade solidaria entre a União Estados e Municípios

Há a necessidade de se compreender o significado de responsabilidade solidária entre os entes federativos para que se possa verificar os fundamentos das decisões do STF acerca do tema que envolve a saúde e em especial no que tange a judicialização da saúde e suas consequências na esfera da administração de recursos dos Municípios e Estados.

Sabe-se que promover e preservar a saúde cabem ao mesmo tempo a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme preceitua o art. 23, da CF/88. No entanto, ao ler o art. 30, inciso VII, o texto constitucional confere aos Municípios o dever de “prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e dos Estados, serviços de atendimento à saúde da população”. (BRASIL, 1988)

A Constituição Federal define um modo de cooperação entre União, Estados e Municípios, esses devem em comunhão de esforços, incrementar o atendimento à saúde da população, para que haja a responsabilidade solidária entre os entes. Assim, pode-se dizer que responsabilidade solidária, no caso da saúde, é a obrigação partilhada entre todos os entes federados e que todos são responsáveis pela manutenção, preservação e promoção da saúde.

Pode-se afirmar, que a judicialização do direito à saúde nada mais é do que tutela do direito dos cidadãos ao acesso integral à saúde pelo Poder Judiciário e isso, por um lado, apresenta-se como um aspecto positivo, mas por outro, ou seja, a garantia de um direito

(28)

básico, do mínimo existencial, mas por outro, traz sério comprometimento dos recursos financeiros dos entes federativos, quando em razão do princípio da solidariedade, os Municípios, por ex. são chamados a fornecer medicamentoso de alta complexidade.

Para os juízes, em geral, questões relativas ao orçamento público, como a escassez de recursos e a não previsão de gasto, bem como o não pertencimento do medicamento pedido às listas de medicamentos do SUS, não são razões suficientes para se denegar o pedido de um tratamento médico, dado que este encontra respaldo no direito à saúde assegurado pela Constituição Federal (BORGES, 2007, p. 151)

Não se pode deixar de mencionar que a responsabilidade pela prestação à saúde é tripartite, tanto que cada um dos entes federativos deve aplicar parte de suas receitas na saúde. No entanto, também convém lembrar que há recursos da União que são vinculados à saúde e “depositados no Fundo Nacional de Saúde, parte deles deve ser transferida aos estados e municípios, em conformidade aos critérios previstos no artigo 17 da Lei Complementar 141, de 2012”2, lembra Schwartz, 2001, p. 157).

Assim, chega-se a compreensão que a atuação do judiciário em questões que envolvem à saúde, deve estar assentada na premissa da dignidade da pessoa humana, mas, também no princípio da igualdade e da reserva orçamentária.

Quer dizer, os juízes têm o dever de tutelar um direito tão especial como o direito à saúde, mas não pode sobrepor-se ao Poder Executivo e ao tomar decisões determinando judicialmente o bloqueio de recursos, por ex. está violando a separação de poderes. Mas, também, não podem deixar o cidadão sem a proteção estatal.

2.1.1 A reserva do possível e o mínimo existencial

Não há como se falar em problemas nas prestações em saúde e suas consequências, sem citar, de alguma forma, os princípios que mais entram em conflito nesta discussão, ou seja, a defesa do fornecimento do mínimo necessário a assegurar a dignidade da pessoa e, as restrições sofridas pelos entes federativos pelas questões orçamentárias.

2O rateio dos recursos se funda em três eixos: a) necessidades de saúde municipal e estadual, sob a dimensão demográfica, socioeconômica, geográfica e epidemiológica; b) serviços em rede; e c) avaliação de desempenho. (LC 141/2012).

(29)

Importante destacar que, além de estar estreitamente relacionado com os problemas de concretização dos direitos sociais, o mínimo existencial está diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, visto que busca garantir um padrão de vida básico, assegurando a todos um padrão mínimo para sobrevivência.

Nas palavras do filósofo Rawls, apud Cordeiro, (2012, p. 99):

[...] abaixo de certo nível de bem-estar material e social, de formação e da educação, as pessoas simplesmente não podem participar da vida política e social como cidadãos, menos ainda como cidadãos iguais. [...] o fundamento constitucional em si é perfeitamente claro: é o que é necessário para dar o devido peso à ideia de sociedade enquanto sistema equitativo de cooperação entre cidadãos livres e iguais.

Partindo deste pensamento, surgiu, pioneiramente, na Alemanha a primeira elaboração que contemplava o direito subjetivo à garantia do acesso a recursos mínimos para uma existência digna, sendo reconhecido também, posteriormente, pelo Tribunal Federal Administrativo da Alemanha, em favor dos indivíduos carentes, um direito a ajuda material prestada pelo Estado. (CORDEIRO, 2012).

A partir daí, consolidou-se, naquele país, o entendimento de que o direito a um mínimo de existência: é um genuíno direito fundamental; é um direito subjetivo a prestações; e está radicado no princípio da dignidade da pessoa humana, no direito a vida e à integridade física, no núcleo essencial do princípio do Estado Social e no princípio da igualdade. (CORDEIRO, 2012).

Enfatiza-se que, o mínimo existencial decorre, também, da proteção da vida, se apresentando como uma exigência do princípio da dignidade da pessoa humana, implicando um complexo de direitos fundamentais que garantes a existência digna com condições mínimas para uma vida saudável e ativa, além de proporcionar a participação da vida em sociedade.

Apesar de não estar expressamente demonstrado na Carta Magna de 1988, consolida-se a sua existência no art. 1º, inciso III: “a dignidade da pessoa humana”, como fundamento do Estado Democrático de Direito, art. 3º, inciso III: “ erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, como objetivo fundamental da República e, por fim, o caput do art. 170: “ A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, [...]”. (BRASIL, 1988).

(30)

Conforme assevera Ricardo Lobo Torres, citado por Cordeiro, (2012, p. 107):

A proteção do mínimo existencial é pré-constitucional e, assim sendo, está ancorada na ética e se fundamenta na liberdade, ou melhor, nas condições iniciais para o exercício da liberdade, na ideia de felicidade, nos direitos humanos e nos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana. Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais de liberdade.

Ainda não há uma clareza no desenvolvimento da temática pelo Supremo Tribunal Federal, embora muitas vezes mencionado e utilizado para fundamentar diversas decisões proferidas, podendo-se inferir que o direito ao mínimo existencial foi acolhido pelo sistema constitucional brasileiro como direito fundamental, sendo decorrente do direito universal a vida com dignidade, a liberdade e a segurança. Tal presunção deve-se ainda ao fato que a meta central das constituições modernas seja a promoção do bem-estar do homem, partindo da garantia de condições dignas, proteção aos direitos individuais e condições materiais mínimas para uma vida saudável.

Entende-se, neste aspecto, que a garantia do mínimo existencial, além de consistir, em si, um ideal de justiça, porquanto diretamente conectado ao valor absoluto da pessoa humana, é, ao mesmo tempo, requisito essencial para o pleno exercício da liberdade material e para a democracia, cujo êxito é notoriamente de pendente da qualidade dos atores que participam na formação da vontade na esfera pública e cuja legitimidade supõe a participação igualitária de todos na formação da vontade comum.(Cordeiro, 2012, p. 109)

Outrossim, conforme explica Sarlet, (2017, p. 625):

De qualquer modo, a garantia efetiva de uma existência digna abrange, de acordo com a compreensão prevalente, mais do que a garantia da mera sobrevivência física, situando-se, portanto, além do limite da pobreza absoluta e não se reduzindo à mera existência física, ou seja, aquilo que alguns designam como mínimo existencial fisiológico, mas alcançando também a garantia de um mínimo de integração social, bem como acesso aos bens culturais e participação na vida política, aspectos que dizem respeito a um mínimo existencial sociocultural.

De acordo com a teoria analítica jurídica de Robert Alexy, citada por Ana Carolina Lopes Olsen (2011, p. 314):

O mínimo existencial é concebido como uma regra, oriunda da ponderação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e da

(31)

igualdade material, de um lado, e os princípios da separação dos poderes, competência do legislador e limite oriundo de direitos fundamentais de terceiro. [...] A proporcionalidade entra para se evitar que a proteção do mínimo existencial onere excessivamente outros direitos (de terceiros) ou princípios constitucionais.

Adentrando na seara do direito à saúde, o Supremo Tribunal Federal entendeu por bem, vincular a dimensão positiva deste direito ao mínimo existencial, considerando como ponto de referência a saúde do paciente. Isso tudo está evidenciado nas decisões proferidas, em que se garantiu o fornecimento de diversos medicamentos e tratamentos que não se enquadram no quadro prestacional do Sistema Único de Saúde, não são básicas, porém, a sua ausência poderia acarretar danos graves, ou até mesmo, irreparáveis a vida dos pacientes. (CORDEIRO, 2012)

Observa-se, para que seja garantido o mínimo existencial, esbarra-se em um princípio da administração pública, da reserva do possível, responsável por regulamentar e limitar os gastos públicos. Esse princípio o mais utilizado nas defesas realizadas pelos entes federados, baseando-se nas alegações que toda e qualquer prestação deve ocorrer pelo SUS, visto que os repasses de valores para fins de prestação dos serviços em saúde são realizados periodicamente. (grifo nosso)

Assim, passa-se a uma análise mais detalhada deste instituto responsável pela limitação de gastos, iniciando com a afirmação de Olsen (2011, p. 185):

A primeira análise a ser feita a respeito da reserva do possível, parte da dimensão do custo. Já que os direitos fundamentais implicam na realização de despesas por parte do Estado para se tornarem efetivos, a problemática da despesa passaria a fazer parte do próprio conceito de direito, de modo que, diante da escassez de recursos disponíveis, não haveria direito a ser defendido. A escassez de recursos acabaria por inviabilizar o próprio reconhecimento do direito subjetivo a prestações sociais.

Sustenta-se que o Estado somente poderá reconhecer o dever prestacional na medida em que exista uma contingencia de recursos suficientes a garantir a todos os indivíduos seus direitos, ou seja, parte-se da premissa da escassez de bens, que não permitem a realização uniforme de todos os direitos a todos os cidadãos, sendo necessária a distribuição dos recursos, de modo que, ao efetivar algum direito, outro fique de fora.

É nesse aspecto que se verifica a influência da dimensão econômica sobre a teoria jurídica, e especialmente, sobre a teoria dos direitos fundamentais. Não só a influência, mas, em verdade, a prevalência, [...], que não existem direitos se não houver meios (econômicos) de torna-los efetivos. A questão

(32)

da escassez de recursos deixa de ser um elemento externo dos direitos, que pode comprometer sua efetividade, para ser considerada como elemento intrínseco. (OLSEN, 2011, p. 189)

No âmbito do direito à saúde, a discussão trazida é que o direito só poderia abarcar as prestações fáticas ao alcance do Estado, sendo assim, se a previsão orçamentaria determinasse o gasto de apenas determinado valor para implementação de políticas públicas, (construção de hospitais, tratamentos, fornecimento de medicamentos), não existiria direito à saúde para além desses limites estabelecidos. (OLSEN, 2011).

Para melhor compreensão do exposto, passa-se a análise de casos concretos em face da demanda por medicamentos, para posteriormente verificar os parâmetros de julgamento do utilizados pelo Supremo Tribunal Federal e a Repercussão Geral nº 793.

2.2 Analise de casos concretos em face das demandas de medicamentos

A fim de verificar na prática a fundamentação dos pedidos de medicamentos e tratamentos ajuizados perante a Justiça Gaúcha, realizou-se uma breve análise em alguns casos, constatando-se durante a pesquisa que, o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, anteriormente a decisão do Supremo Tribunal Federal, já reconhecia a responsabilidade solidária dos entes, garantindo o dever prestacional, independente de quem figurava no polo passivo da demanda.

2.2.1 Caso Prático 1: Apelação Cível -Direito à saúde, Estatuto da Criança e Adolescente O primeiro caso que se analisa é uma Apelação Cível que leva o nº 70076295070-Originária do processo nº 023/5.17.0000336-8 que trata do atendimento fundamental à saúde de uma criança/adolescente ocorrido no ano de 2017, ajuizada em face do município de Rio Grande/RS e do Estado do Rio Grande do Sul, a fim de garantir o fornecimento de dois medicamentos ao infante, para tratamento do Transtorno Obsessivo Compulsivo, visto que, ao procurar o posto no município a genitora foi informada de que os medicamentos não seriam fornecidos, vez que, não integravam a lista dos medicamentos fornecidos pelo município, procurando a via judicial para ter o direito de seu filho garantido.

Em primeiro grau, teve seu pedido acolhido, ainda em tutela de urgência, obtendo a confirmação da antecipação de tutela na sentença, condenando ao Estado e ao Município o fornecimento dos medicamentos ao autor.

(33)

O município recorreu ao Tribunal de Justiça, alegando a ilegitimidade passiva e a responsabilidade unilateral do Estado em fornecer os medicamentos, não obtendo êxito, sendo a sentença mantida, de forma a condenar solidariamente o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de Rio Grande a fornecer o medicamento solicitado.

Conforme fundamentação expressa no acórdão analisado:

Nos termos do artigo 196 da Constituição Federal está previsto que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, enquanto o artigo 23, inciso II, da Carta Magna determina que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “cuidar da saúde e da assistência pública”. (Grifo nosso)

E a decisão:

Assim, voto por manter integralmente a sentença, no sentido de condenar o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICÍPIO DE RIO GRANDE, solidariamente, ao fornecimento das medicações [...], devendo ser observada a Denominação Comum Brasileira, conforme prescrição médica, enquanto perdurar a moléstia que acomete o menino [...]. (Grifo nosso)

Veja-se:

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DIREITO À SAÚDE – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS. SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA.

Conforme prevê a Constituição Federal, bem como a legislação infraconstitucional, os entes estatais são solidariamente responsáveis pelo atendimento do direito fundamental da saúde, com prioridade absoluta quando se trata de criança/adolescente, não havendo razão para cogitar em ilegitimidade passiva ou em obrigação exclusiva de um deles, devendo ser assegurada a prestação dos serviços como corolário lógico. Apelação Desprovida (Apelação Cível, 70076295070)

Observa-se nessa decisão que os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul levaram em consideração o fato de que a existência da responsabilidade solidária advém do texto constitucional, quando em seu art. 23 determina que a todos os entes da federação incumbe a responsabilidade pela promoção e preservação da saúde da população.

2.2.2 Caso Prático 2: Apelação Cível – Responsabilidade Solidária- Desnecessidade da

(34)

O caso que envolve essa Apelação Cível nº 70079256871 decorrente da ação originária nº 008/1.14.0017224-7, ocorrido no ano de 2018 diz respeito ao fornecimento de um medicamento para tratamento contínuo de Alzheimer, na qual foi determinado que o Município, juntamente com o Estado se responsabilizasse pelo custeio do tratamento do paciente

Em primeiro grau, obteve-se a antecipação de tutela, garantindo o fornecimento do medicamento, sendo confirmada na sentença, garantindo que, caso não houvesse o fornecimento, deveria proceder-se ao bloqueio de valores na conta dos entes federados, garantindo assim, de forma indireta, o fornecimento do medicamento.

Insatisfeito com a decisão, o Município de Canoas apelou, pugnando pela reforma da sentença, condenando apenas o Estado a fornecer o medicamento, alegando que este não estava previsto na lista de medicamentos fornecidos pelo Município de Canoas, isentando-o da responsabilidade de fornecer o medicamento solicitado pela autora, não obtendo êxito, sendo a sentença mantida, conforme fundamentos abaixo expostos:

O parágrafo 1º do art. 198 da Constituição da República e a Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, disciplinam o Sistema Único de Saúde – SUS -, no sentido da conjugação de esforços materiais e humanos dos entes federativos envolvidos3.

Ainda, com relação à reserva do possível, a norma constitucional prescinde de interpositio legislatoris, isto é, não depende de previsão orçamentária, de programas a serem implementados ou mesmo de lei de hierarquia inferior. Possui o condão de assegurar aos cidadãos carentes o direito ao acesso universal e igualitário aos serviços de saúde.

Conforme ementa abaixo a decisão em Apelação Cível e Remessa Necessária do Tribunal de Justiça do RS:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDARIA 3 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

(...)

1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

(35)

DOS ENTES FEDERATIVOS. DESNECESSIDADE DA PREVISÃO DO MEDICAMENTO EM LISTAS ESPECÍFICAS. I - O sistema de saúde é encargo de todos os entes federados, sem atribuições exclusivas e excludentes. Trata-se de responsabilidade solidária, e o cidadão pode demandar contra qualquer deles, conjunta ou separadamente. Arts. 198, § 1º, da Constituição da República; 241 da Constituição Estadual; e 7º, XI, da Lei Federal nº 8.080/90. Repercussão Geral nº 855.178/SE do STF.

II - O direito à saúde é direito social e dever do Estado - arts. 6º e 196 da CRFB/88 -, e está intimamente ligado ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana; tem estatura de direito fundamental, seja no sentido formal, seja no sentido material, nos termos do art. 5º, §1º, da Constituição da República.

III - Desnecessária a previsão em lista de medicamentos essenciais ou especiais ou excepcionais da Administração, pois atos normativos não se sobrepõem à norma constitucional.

Precedentes jurisprudenciais. Apelação desprovida.

Como observa-se na decisão acima, apesar de seguir o entendimento de que todos os entes federativos possuem a responsabilidade solidária em prestação de saúde, o desembargador fundamentou sua decisão em legislação diversa, demonstrando assim, que apesar de tudo, o legislador fez questão de reconhecer a responsabilidade de todos na garantia de uma sociedade saudável.

Após descrever sucintamente dois casos que deixam evidente a posição do nosso Tribunal de Justiça e que as decisões caminham na esteira do que o Supremo Tribunal tem decidido nos últimos anos, apresenta-se os parâmetros utilizados pelo STF para julgamentos dos casos que envolvem a área da saúde, discorrendo sobre aspectos gerais da Repercussão Geral 793 e suas implicações.

2.3 Parâmetros utilizados pelo STF

A judicialização da saúde ainda é um assunto que suscita debates, embora não seja um tema novo, ainda faz parte das agendas política, jurídica, acadêmica e social. Segundo Sarlet (2018) desde a década 90 ganhou notoriedade e desde então começou a ter um olhar mais especializado na seara jurídica “[..] alcançando cada vez maior repercussão, seja no que diz com o número de demandas judiciais propostas, seja no concernente ao impacto de tais ações sobre os sistemas público e privado de saúde e as políticas e finanças públicas em geral”.

(36)

É interessante registar que o número de demandas na área da saúde tem aumentado gradativamente e cada vez mais a população exige que o Estado, por meio do Poder Judiciário, assegure-lhe o direito básico e fundamental à saúde, ou seja, a efetivação do direito à proteção e promoção da saúde.

Neste sentido, não é demais lembrar que o relatório Justiça em Números de 2017, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) traz a informação de que:

Em 2017 tramitavam 1.346.931 demandas judiciais de natureza diversa envolvendo o direito à saúde até 31.12.2016. Além disso, os gastos da União com ações judiciais envolvendo prestações de saúde cresceu na ordem de 727% entre 2010 e final de 2016, quando alcançou a cifra de R$ 3,9 bilhões, isso segundo estudo do Observatório de Análise de Políticas em Saúde (OAPS). (BRASIL, CNJ, 207)

Evidencia-se nos dados acima que o deferimento judicial de medicamentos e tratamentos médicos dispendiosos ou não, ou de medicamentos em fase experimental provocam a judicialização excessiva.

Por isso, o Supremo Tribunal Federal, que também tem sua parcela de responsabilidade no cenário da judicialização da saúde, pois o enfrentamento da questão tem se alongado desde 2009, quando da Audiência Pública nº 4 que promoveu o debate dos diversos setores envolvidos no tema saúde pública, na busca por respostas à crescente judicialização. As conclusões do voto do seu relator, ministro Gilmar Mendes, fixaram parâmetros judiciais a serem seguidos em ações do gênero, chancelados pelo tribunal.

A Suspensão de Tutela Antecipada 1754 foi formulada pela União no STF contra acórdão proferido pela 1ª Turma do TRF-5. A decisão a que a União buscava suspender determinou-lhe o fornecimento do medicamento Zavesca (princípio ativo miglustate) a paciente portadora da patologia denominada Niemann-Pick Tipo C.

4 O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, contra a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza, para o fornecimento do medicamento ZAVESCA (miglustat) para Clarice Abreu de Castro Neves. Tal medicamento era necessário para aumentar a sobrevida, melhora na qualidade de vida da paciente, bem como, para controlar a doença Niemann-Pick Tipo C, a qual causa uma série de distúrbios neuropsiquiátricos, tais como “movimentos involuntários, ataxia da marcha e dos membros, disartria e limitações de progresso escolar e paralisias progressivas” (BRASIL, TRF 5ª Região, 2007).

(37)

Tratou-se do primeiro grande julgado envolvendo o tema do direito à saúde no STF após a Audiência Pública 4, convocada em 2009 pelo STF, que promoveu o debate dos diversos setores envolvidos no tema saúde pública, na busca por respostas à crescente judicialização. As conclusões do voto do seu relator, ministro Gilmar Mendes, fixaram parâmetros judiciais a serem seguidos em ações do gênero, chancelados pelo tribunal.

Embora tais parâmetros não sejam vinculantes, não impedem que a jurisprudência construída possa ser seguida pelas demais instâncias. Isso porque “a decisão ostenta a força intelectual e persuasiva da mais alta Corte do País”(STA, 175)

Observa-se que nessa época alguns parâmetros de julgamento, não vinculantes, foram fixados, destacando-se:

1) É necessário, inicialmente, perquirir se há uma política pública estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Nestas hipóteses, o judiciário deve intervir para seu cumprimento no caso de omissões ou prestação ineficiente.

2) Caso o primeiro ponto não esteja presente, em seguida, o juiz precisa verificar se a prestação de saúde pleiteada está contida nos protocolos do SUS, caso não esteja, é preciso distinguir se:

2.1) A não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não a fornecer, ou de uma vedação legal a sua dispensação. No caso de omissão administrativa, o registro na ANVISA é condição imprescindível para o fornecimento de medicamentos, impedindo sua importação (com exceção dos medicamentos adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, desde que utilizados em programas em saúde pública do Ministério da Saúde). Na hipótese de decisão administrativa de não fornecer, o juiz deve analisar se o SUS fornece tratamento alternativo, que será privilegiado em detrimento de outros. Porém, poderá haver contestação judicial do ponto no caso de ineficácia do tratamento;

2.2) Os medicamentos e tratamentos são experimentais; caso o sejam, o Estado não está obrigado a fornecê-los;

2.3) Os tratamentos novos ainda não foram incluídos nos protocolos do SUS, mas são fornecidos pela rede particular de saúde. Nesses casos, os tratamentos podem ser deferidos, desde que seguidos de ampla instrução probatória e com reduzida possibilidade de deferimentos cautelares.

Cabe destacar que os dois últimos parâmetros apresentados suscitam muitas discussões, pois há casos em que a vida e a dignidade se sobrepõem ao estabelecido.

O estabelecimento de parâmetros para a judicialização da saúde é um ponto importante para que a sociedade saiba quais são os deveres do Estado para com a concretização desse direito (art. 196, da CRFB). A limitação que o STF impôs à obrigatoriedade de o Estado fornecer substâncias e tratamentos experimentais, bem como a preferência dada aos tratamentos e medicamentos previstos pelas políticas públicas já instituídas, significa que o tribunal, a priori, não vê no Estado um segurador universal de todas e quaisquer pretensões jurídicas sobre direito sanitário. (STF, STA 175/2009)

Referências

Documentos relacionados

Ficou com a impressão de estar na presença de um compositor ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um guitarrista ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um director

O petróleo existe na Terra há milhões de anos e, sob diferentes formas físicas, tem sido utilizado em diferentes aplicações desde que o homem existe. Pela sua importância, este

Desta forma, foram criadas as seguintes hipóteses de investigação: H1 – O compromisso organizacional e o engagement são diferentes para as categorias dos militares dos

A cirurgia, como etapa mais drástica do tratamento, é indicada quando medidas não invasivas como dietas restritivas e a prática regular de exercícios físicos

Dos docentes respondentes, 62,5% conhe- cem e se sentem atendidos pelo plano de carreira docente e pelo programa de capacitação docente da instituição (que oferece bolsas de

No primeiro livro, o público infantojuvenil é rapidamente cativado pela história de um jovem brux- inho que teve seus pais terrivelmente executados pelo personagem antagonista,

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..