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A criança e sua compreensão sobre a morte

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Academic year: 2021

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SOLANGE STREY

A CRIANÇA E SUA COMPREENSÃO SOBRE AMORTE

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UNIJUI – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE - DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

A CRIANÇA E SUA COMPREENSÃO SOBRE A MORTE

SOLANGE STREY

ORIENTADORA: DRA.LALA CATARINA LENZI NODARI

Trabalho de Conclusão do curso de Graduação em Psicologia apresentado como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ)

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Dedico esta conquista aos meus pais Eno e Ilse, pela oportunidade e sacrifícios prestados para a realização deste curso; ao meu querido companheiro Fernando e aos demais que, de alguma forma, me apoiaram no decorrer deste percurso acadêmico. Só o que tenho a dizer. Obrigada de coração!

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AGRADECIMENTOS

Muitos foram aqueles que, direta ou indiretamente, cooperaram na realização deste trabalho.

Agradeço minha Orientadora, Professora Lala, pela confiança e dedicação, por toda a liberdade no desenvolvimento deste estudo, pelos vários momentos difíceis que ela soube me conduzir para poder ficar mais tranquila, e que não mediu esforços em ajudar durante a realização deste trabalho. Muito obrigada por ter acreditado no meu potencial.

Um agradecimento especial aos meus pais, pela oportunidade de entrar na faculdade, pelos sacrifícios que tiveram que passar em seu trabalho para continuar me proporcionando os estudos, pelo apoio e incentivo.

Ao Fernando, meu noivo, pela paciência nos momentos difíceis e, principalmente, pela compreensão para finalizar e compartilhar comigo a trajetória que culminou na realização desse trabalho.

A todos os meus amigos e colegas, em especial a Eneida, sempre prestativa a ouvir e a dialogar sobre os assuntos da Psicologia e a ouvir-me nos momentos difíceis. Muito obrigada pelas risadas descontraídas que por ti foram proporcionadas. Este trabalho é resultado do incentivo da minha família, que é linda e admirável, e a todos que tanto torceram por mim e acreditaram no meu potencial, durante estes seis anos de curso, para a chegada deste momento tão especial que é a formatura.

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TÍTULO: A CRIANÇA E SUA COMPREENSÃO SOBRE A MORTE ALUNA: SOLANGE STREY

ORIENTADORA: DRA.LALA CATARINA LENZI NODARI RESUMO:

Este trabalho, de cunho bibliográfico, tem o intuito e objetivo de apresentar a constituição e o rompimento normal dos primeiros vínculos afetivos entre a mãe e filho. Tal rompimento caracteriza as primeiras perdas constituintes do sujeito, a partir da teorização do autor Winnicott. As obras do autor que foram lidas e analisadas são: A criança e o seu mundo (1982) e Os bebês e suas mães (2012). Ele nos mostra que é de suma importância que a criança estabeleça vínculos afetivos, como também os rompa. Essa perda simbólica é constituinte do sujeito/criança em seu processo de desenvolvimento. Esse processo se dá por meio de rupturas e perdas. Só é possível na configuração do luto. Este, quando as perdas se dão no real (como no caso da morte da mãe) colocam o sujeito frente à esta realidade. A discussão acerca deste processo (a morte) e a compreensão dela, pela criança, é o objeto central desse trabalho, ou seja, o presente trabalho foi desenvolvido de forma a buscar entender que concepção a criança tem sobre a morte, enquanto está se estruturando. Esse percorrido foi realizado tendo como foco as questões do ponto de vista afetivo e cognitivo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...6 CAPÍTULO 1 - A CONSTITUIÇÃO E O ROMPIMENTO DOS VÍNCULOS ...8 CAPÍTULO 2 - COMO A CRIANÇA LIDA COM A MORTE ASPECTOS COGNITIVOS E AFETIVOS ...20 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...36 REFERÊNCIAS ...39

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho, intitulado “A concepção da morte para a criança”, surgiu a partir de um estágio clínico, no qual foi possível interrogar-me sobre algumas questões enquanto clinicava. Procurando respostas as minhas perguntas, achei interessante desenvolver o tema.

O trabalho discute a hipótese de que a constituição e o rompimento normal dos vínculos afetivos são essenciais para a estruturação do sujeito na infância. Em face do processo de rompimento, instalam-se possibilidades de enfrentamento de situações de luto, especialmente em casos de morte na família. Desse modo, discute-se a relação entre o sujeito, seu desenvolvimento e a forma como ele compreende e eventualmente “lida” com a morte. Diante disso, procura-se responder as seguintes questões: “Quando começa o processo de descoberta da morte pela criança? Como a criança lida com a morte em suas diferentes fases do desenvolvimento? Como esta interfere em seu desenvolvimento afetivo e cognitivo na formação da personalidade?”

Inicialmente, fez-se um levantamento bibliográfico sobre o tema, seguido da seleção e organização do material. Utilizou-se de artigos, livros, teses e dissertações, reportando-se, especialmente, a D. W. Winnicott (1982; 2012) e a Wilma da Costa Torres (1999). Outros teóricos também foram abordados em relação à constituição e o rompimento dos vínculos afetivos e em como a criança lida com a morte no que concerne aos aspectos cognitivos e afetivos. Os autores principais foram Freud (2006), Bromberg (2000) e Kovács (1992).

O trabalho apresentado foi estruturado em dois capítulos. O primeiro capítulo discute a importância dos vínculos afetivos e seu rompimento (normal) na relação de díade “mãe/bebê” para a formação e desenvolvimento saudável da criança. Para isso, o trabalho destaca o período da gestação da mãe até mesmo antes do bebê nascer, a amamentação, a alimentação, moralidade, primeiros passos até o momento de sua independência.

Para a criança, a constituição e o rompimento dos vínculos (normais) entre a mãe e filho são essenciais e constitutivos para o desenvolvimento saudável na primeira infância, considerando que esse vínculo é fundamental para a formação da personalidade da criança.

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O segundo capítulo aborda o rompimento a partir das perdas/morte no real para a criança, e no modo como ela lida, elabora e compreende do ponto de vista afetivo e cognitivo, o que lhe permitirá estruturar-se se como sujeito de linguagem.

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CAPÍTULO 1: A CONSTITUIÇÃO E O ROMPIMENTO DOS VÍNCULOS

Neste capítulo são desenvolvidas questões relacionadas aos primeiros vínculos que se estabelecem entre a mãe e o bebê, como também o rompimento normal desses vínculos. Com o rompimento ocorrem perdas constituintes com as quais o sujeito precisa lidar desde muito pequeno. Cada sujeito desenvolve maneiras próprias de lidar com as suas perdas, ressignificando o que perdeu.

Inicialmente é trabalhado o processo normal de constituição, formação e rompimento de vínculos sob a ótica de Winnicott. Ao trabalhar a ideia de rompimento de vínculo, discute-se a questão de morte e luto, uma análise amparada nas contribuições de Freud e de outros autores, como: Raimbault, Kovács e Bromberg. Para tratar de modo mais profundo a formação e o rompimento de vínculo no processo de constituição do sujeito, buscou-se o embasamento teórico em Winnicott, que discorre sobre o assunto.

Quando se pensa acerca do ser humano em desenvolvimento, compreendemos que a “construção” do indivíduo vem se realizando desde o nascimento, e início da construção dos primeiros vínculos. Isso ocorre por meio dos primeiros contatos com a mãe, a quem Winnicott se refere como sendo a pessoa que se incumbe dos papéis afetivos na relação com o seu bebê. Mas, pode-se chamar “mãe” também a cuidadora, aquela que exerce o papel de amparar e proteger.

O autor atribui à mãe e ao seu modo de cuidar do bebê uma constante e ininterrupta tarefa, e é a partir dessa dedicação que vai construir a boa ou má formação dos vínculos afetivos.

Winnicott (2012), quando fala desses vínculos entre a mãe e seu bebê, trata das necessidades reais do corpo. Às vezes, é preciso que a mãe levante seu bebê e o vire de lado; é preciso aquecimento ou menos roupas, para que possa ocorrer transpiração, ou até mesmo um conforto a mais, um contato mais suave como o da lã. Quando ele chorar, poderá ter cólicas, e, então, é preciso pegá-lo de forma que se sinta mais aliviado. Todos esses cuidados devem ser incluídos no atendimento às necessidades físicas do bebê para sua sobrevivência.

A formação do vínculo mãe-bebê é essencial na infância e de suma importância nos períodos posteriores da criança. Para Winnicott (2012), é perante a presença da mãe que a criança pode iniciar o processo de desenvolvimento pessoal

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e real. O autor fala dessa mãe, como “suficientemente boa”, termo que usa para designar a mãe que estabelece com seu bebê os “bons” vínculos.

Antes mesmo de a mulher dar à luz, ela toma conhecimento desse novo mundo que surge em sua vida. O bebê começa a “existir” no ventre materno pelo fato de a mãe cercá-lo de percepções e sentimentos em relação às coisas e acontecimentos durante a gravidez.

Desde o remoto início da existência, o bebê já começa a reagir e sentir todas as emoções que a sua mãe lhe passa. Nos nove meses, o bebê ouve as vozes e se acostuma com elas até o momento de nascer. Se a grávida estiver tranquila, é provável que o bebê reaja da mesma forma, sentindo que o seu mundo está em perfeita harmonia, e isso o deixará calmo e sem agitação, sem que nada o atrapalhe. Esses fatores poderão influenciar no parto saudável, vindo, possivelmente, a contribuir para a vida saudável do bebê.

Nos casos de uma gestação tranquila e em perfeita sintonia com o bebê, este poderá ter condições de dormir bem e possivelmente sem agitações para mamar. Quando estiver com fome, irá pegar o seio guiado pela mãe para saciar a fome e não com ânsia de mamar. Se a sua fralda estiver limpa e ele não estiver com fome, o bebê não terá motivos para acordar, e seu sono será profundo, condição para crescer forte e saudável, sem complicações. Do contrário, o bebê que teve mãe ansiosa e agitada durante a gestação terá todos os requisitos para um parto com complicações e sérios problemas.

O bebê que nasce de uma mãe agitada poderá desenvolver ansiedade, pois pode ter “aprendido” a ser ansioso. Seu sono será agitado, e acordará várias vezes à noite. Estará ansioso para mamar, mesmo sem fome. Em estado de ansiedade extrema do bebê, este poderá ter dificuldade de pegar o seio da mãe corretamente; poderá engolir muito ar e pouco leite, e isso irá lhe causar cólicas e vários despertares para a mamada. O ar engolido pelo bebê é um dos fatores contribuintes para a cólica, mas nem sempre é motivo agravante. É possível verificar que o bebê é influenciado desde o ventre materno.

Após o nascimento do bebê, a mulher que trabalha começa a se privar de seu lazer e a descobrir a necessidade de privação de tudo para o benefício do bebê, pois vai querer estar perto do filho nesse momento inicial da vida.

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Winnicott (1982, p. 17) explica que:

Para que os bebês se convertam, finalmente, em adultos saudáveis, em indivíduos independentes, mas socialmente preocupados, dependem totalmente de que lhes seja dado um bom princípio, o qual está assegurado, na natureza, pela existência de um vínculo entre a mãe e o seu bebê: amor é o nome desse vínculo. Portanto, se você ama o seu filhinho, ele estará recebendo um bom princípio.

Winnicott (1982) pergunta se a alimentação é somente o ato de nutrir. A esse respeito, podemos referir que, atualmente, se conhece o leite materno como o melhor alimento do ponto de vista nutricional, e que aquela mãe que não tiver para amamentar o seu bebê não precisará entrar em pânico, pois também há leite bom para comprar no mercado. Quando se fala em nutrição, o leite do mercado possui os nutrientes de que o bebê precisa para se desenvolver saudável.

O autor discute, ainda, o quão importante é o processo da amamentação na relação dual mãe-bebê. A amamentação é a primeira e a mais significativa prática na construção dos laços afetivos entre a mãe e seu bebê. Ele enfatiza que “todo o processo físico funciona precisamente porque a relação emocional se está desenvolvendo naturalmente” (WINNICOTT, 1982, p. 33).

A amamentação, portanto, é um processo em que se cria um cenário para a mãe e o seu bebê, pois a mãe o pega em seus braços,o acaricia, propicia, com isso, afeto, conversa com ele. Esses contatos são de extrema importância para a construção dos primeiros vínculos afetivos. A alimentação infantil, quando bem sucedida, é fundamental para a educação da criança.

Nas palavras de Winnicott (1982, p. 36),

A única base autêntica para as relações de uma criança com a mãe e o pai com as outras crianças e, finalmente, com a sociedade, consiste na primeira relação bem sucedida entre a mãe e o bebê, entre duas pessoas, sem que mesmo uma regra de alimentação regular se interponha entre elas, nem mesmo uma sentença que dite que um bebê deve ser amamentado ao peito materno. Nos assuntos humanos, os mais complexos só podem evoluir a partir dos mais simples.

Em torno dos nove meses de idade, o bebê começa a jogar longe os brinquedos. Com essa atitude, parece esperar que o adulto venha e os apanhe. Isso pode ser um indicativo de que ele está apto a desapegar de certas coisas. No que concerne à amamentação, esse comportamento já indica que ele começa, sozinho,

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a produzir o desmame. Esse é o momento indicado para o desmame, já que o próprio bebê está “demandando”. Já a moralidade da criança inicia-se em torno dos seis meses de vida, segundo Winnicott (1982). Isso aparece nos momentos quando surge para a criança a necessidade de se separar dos objetos e por isso atira-os no chão. Aqui a criança começa a ter a capacidade de destruição. É nessa hora que a mãe tem a oportunidade de integrar os impulsos que atacam, destroem. Isso irá humanizar o bebê. A partir desses vai se formando a noção de responsabilidade que ainda se liga com o sentido da culpa. É nessa fase que a criança começa a odiar ou amar o objeto, mas a sua mãe está por perto para mediar essa confusão de sentimentos.

Segundo Winnicott (1982, p. 108),

A criança torna-se gradativamente, com isso, apta a tolerar o sentimento de angústia (culpa), a respeito dos elementos destrutivos nas experiências instintivas, porque sabe que haverá uma oportunidade de recompensar e reconstruir [...] O equilíbrio aí implícito acarreta um sentido de justo e de errado mais profundo do que quaisquer normas meramente impostas pelos pais.

A mãe “suficientemente boa”, no entendimento de Winnicott (2012), tem sensibilidade para sentir ou perceber as necessidades de seu filho e se colocar no lugar dele. Ela lhe supre também todas as demandas corporais, e as necessidades do ego. No entanto, salienta o autor que mãe poderá vir a falhar em questões de exigências do próprio instinto, mas nunca deixará seu filho desamparado, provendo suas necessidades egoicas. Quando a díade funciona, o ego está amparado em todos os sentidos.

O bebê bem cuidado rapidamente estabelece com as pessoas no seu entorno uma relação de apoio egoico. Quando este apoio for inadequado ou patológico, a criança poderá apresentar outros padrões de comportamento, como inquietude, apatia, inibição (WINNICOTT, 2001). A esse respeito, Winnicott (2001, p. 21) refere ainda como forma de compreensão desse processo a “Preocupação Materna Primária”, expressão cunhada por ele. Este conceito diz respeito a uma mãe que se preocupa em oferecer um ambiente suficientemente bom para o seu bebê. A mãe que se desenvolve nesse contexto faz com que a criança comece a se manifestar e a experimentar as sensações iniciais da vida. Somente a mãe sensibilizada vai sentir-se na pele do bebê, e assim preencher todas as necessidades da criança.

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Essas necessidades são, de alguma forma, corporais, transformando-se em necessidades do ego. Começa a surgir uma relação egoica entre o bebê e sua mãe, da qual a mãe se recupera, e o bebê começa a construir as primeiras ideias de que sua mãe é uma pessoa. Visto deste ângulo, esse momento é essencial para o bebê, e ocorre de modo positivo o desenvolvimento mental do bebê.

Winnicott (2012, p. 20) refere que:

A saúde mental do indivíduo está sendo construída desde o início pela mãe, que oferece o que chamei de ambiente facilitador, isto é, um ambiente em que os processos evolutivos e as interações naturais do bebê com o meio podem desenvolver-se de acordo com o padrão hereditário do indivíduo. A mãe está assentando, sem que o saiba, as bases da saúde mental do indivíduo.

Outro fato importante a considerar nesse contexto, segundo o autor, é de que:

Graças a uma assistência satisfatória, estes sentimentos terríveis se transformam em experiências positivas, vindo somar-se a confiança que o bebê adquire com relação ao mundo e as pessoas. Ser feito aos pedaços, por exemplo, passará a ser uma sensação de relaxamento e repouso se o bebê estiver em boas mãos; cair para sempre se transforma na alegria de ser carregado, e no entusiasmo e prazer que decorrem do movimento; morrer e morrer e morrer passa a ser consciência deliciosa de estar vivo, e, quando a Constância vier em auxílio a dependência, a perda de esperança quanto aos relacionamentos se transformará numa sensação de segurança,de que,mesmo a sós,o bebê tem alguém que se preocupa com ele. (WINNICOTT, 2012, p.76).

Os bebês, que são desejados por seus pais e pelos demais membros da família, têm a possibilidade de percorrer um trajeto de legado hereditário (na medida em que a realidade exterior o permita). Essa situação possibilita à criança se envolver e criar laços afetivos com outras pessoas em seu meio ambiente e na sociedade (WINNICOTT, 2012).

Pode-se observar ainda que, para um desenvolvimento saudável e organização psíquica, é necessário amor e dedicação dos familiares. Além disso, um lar estável, atitudes consistentes com rotinas, contribuem para a criança construir seu mundo, oferece perspectiva para se formar como um indivíduo completo, em perfeita saúde mental e possivelmente “apta” para encarar as adversidades da vida.

Até aqui a saúde mental de uma criança, segundo o autor, foi considerada através do papel exercido pela mãe. Sabe-se que não menos importante é o pai,

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porque ele também constrói um vínculo de amor e dedicação com seu filho, igualmente como o feito a partir da relação do bebê e a amamentação.

Para Winnicott (2012), é muito importante que os bebês passem pelos estágios iniciais, nos quais têm suas necessidades básicas satisfeitas pela mãe, uma vez que ela se adapta às necessidades do seu filho.

Pode-se afirmar que no desenvolvimento infantil existe uma etapa de dependência absoluta até que a criança consiga avançar, podendo fazer as coisas sozinha, chegando à sua própria independência. Segundo Winnicott (2012), os bebês quando nascem já estão inseridos nessa dependência, pois tudo o que se passa ao seu redor os afetará de modo diverso. A esse respeito, Winnicott (2012, p. 74) diz que as crianças

estão o tempo todo tendo experiências que se armazenam em seus sistemas de memória de uma forma capaz de dar-lhes confiança no mundo ou, pelo contrário, de deixá-los com falta de confiança e com a sensação de serem um pedaço de cortiça no oceano, um joguete das circunstâncias.

O autor menciona ainda que, “Uma criança ou um adulto amadurecidos têm um tipo de independência que se mescla, de uma forma feliz, a todos os tipos de necessidade, e ao amor, o que se torna evidente quando a perda provoca um estado de luto” (WINNICOTT, 2012, p.73).

A partir dessas considerações, veremos como se concretizam as primeiras experiências de independência da criança. Tomemos como exemplo o bichinho de pelúcia que a criança escolhe como predileto, e através do qual pode vir a construir e elaborar o mundo exterior e as suas relações com a independência. Essa relação com o objeto escolhido é a sua primeira possessão para a qual ela dispensa muito afeto. É o objeto transitório (primeira relação com o outro).

Segundo Winnicott (1982), o objeto intermediário é a base de toda a vida cultural do ser humano adulto e faz parte do desenvolvimento emocional normal. O que realmente importa não é o tamanho desse objeto, mas sim os cheiros, os “contornos simbólicos” que ele começa a adquirir. Quando isso acontece, pode-se perceber que o desenvolvimento da criança vai bem, no sentido de segurança de algo externo a ela.

O autor explica ainda que existe uma outra necessidade muito sutil. O contato dos seres humanos que pode suprir e satisfazer o desejo do bebê, às vezes exige

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que o bebê se envolva no ritmo respiratório da mãe; por outras, no cheiro da mãe para que ele sinta que sua mãe está perto dos sons do ambiente, dos movimentos que ele possa começar a ter. Assim, ele constrói seus próprios recursos para que ele consiga ter responsabilidade e chegar à sua independência (WINNICOTT, 2012). Esse primeiro objeto da criança poderá suprir a ausência da mãe, denomina-se “objeto transitório” dele a criança terá capacidade de cuidar seus brinquedos e de seus animais. Aos poucos, os objetos transitórios desaparecem e dão lugar às brincadeiras que dão sentido ao mundo exterior e ao sonho.

Até aqui, pode-se ver que se estreitam os laços de afeto como também os laços de compreensão que permitem entender porque a criança chora, bem como o afastamento do filho de sua mãe. Numa relação assim construída, parece fácil que a mãe ajude seu filho nos momentos mais cruciais do processo de desenvolvimento; na construção positiva dos laços afetivos.

Outro momento também importante é o brincar, através do qual a criança manifesta suas fantasias, traz o mundo real pela brincadeira. Um dos exemplos é o brincar de casinha, “Papai” e “Mamãe”. Com essas brincadeiras, a criança reconstrói o seu mundo real, o seu lar, onde vive. Nesse processo, o amor e dedicação são fundamentais para a construção dos vínculos normais de uma criança com seus familiares. A partir dessa construção ocorre também o rompimento normal desses vínculos afetivos que são constitutivos do sujeito.

A respeito dessa necessidade, Winnicott (1982, p. 118) diz que:

[...] se a mãe não souber ver no filho recém-nascido um ser humano, haverá poucas probabilidades de que a saúde mental seja alicerçada com uma solidez tal que a criança, em sua vida posterior, possa ostentar uma personalidade rica e estável, suscetível não só de adaptar-se ao mundo, mas também de participar de um mundo que exige adaptação.

As crianças parecem não gostar de bagunça e de confusão que não cessam, pois se sentem inseguras, e sentem que estão a todo o momento dependentes de seus pais. O afeto é de suma importância para a constituição da criança, e para que ela comece a buscar a independência através de seus atos. Na busca da independência, a criança começa a romper os primeiros vínculos normais, levando em consideração a ausência da mãe, seja qual for à razão.

A criança, quando fica sem a mãe por algum tempo, conserva a imagem dela viva dentro de si. No entanto, se a mãe se ausenta por um determinado tempo e não

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aparece, a criança não é capaz de conservar dentro de si essa imagem. Isso fará com que a criança não consiga mais usar o objeto transitório, que a acalma, pois perde o significado, perde toda a área intermediária do contato afetivo. Se a mãe retornar ao lar, a criança precisa reconstruir todo o afeto de novo, e isto levará tempo para novamente confiar em sua mãe e começar a ter os vínculos afetivos reestabelecidos para que a criança use novamente os objetos intermediários.

Winnicott (1982) fala da necessidade da criança em regressar para determinar seus direitos e leis do desenvolvimento. Uma das regressões mais comuns é voltar a chupar o dedo, que usava como sendo o seu objeto transitório. Quando a criança se privar do objeto transitório, poderá ocorrer inquietação e insônia.

Outra questão que deve ser levada em conta na falha dos vínculos afetivos é a deficiência do processo de holding. O holding é descrito por Winnicott (2005, p. 26-27) como uma fase em que a mãe ou substituta:

– Protege da agressão fisiológica. – Leva em conta a sensibilidade cutânea do lactente... e a falta de conhecimento por parte deste da existência de qualquer coisa que não seja ele mesmo. – Inclui a rotina completa do cuidado dia e noite adequada a cada bebê e segue também as mudanças instantâneas do dia-a-dia que fazem parte do crescimento e do desenvolvimento do lactente, tanto físico quanto psicológico. O holding (segurar) inclui especialmente o holding físico do lactente.

[...].

O desenvolvimento, em poucas palavras, é uma função da herança de um processo de maturação, e da acumulação de experiências da vida; mas esse desenvolvimento só pode ocorrer num ambiente propiciador. A importância deste ambiente propiciador é absoluta no início, e a seguir relativa; o processo de desenvolvimento pode ser descrito em termos de dependência absoluta, dependência relativa e um caminhar rumo à independência.

Todo vínculo de afeto estabelecido com a criança, seja ela com a mãe, pai, irmão, ou até mesmo com o seu bichinho de estimação,quando se ausenta,ou não se encontra mais em seu meio, a criança terá que passar pelo trabalho do luto para ressignificar o que perdeu. A forma de encarar as perdas (ou morte) dependerá da forma como ela se constituiu na perda simbólica, na qual a criança terá recursos para melhor compreender e lidar com uma situação de morte real, por exemplo.

Para a criança, um dos mais fortes rompimentos dos laços afetivos é provavelmente a morte dos pais, pois ocorre uma separação dos vínculos afetivos. Ela deverá reestabelecer através do luto novos vínculos afetivos, caso contrário,

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poderá acarretar sérios conflitos e danos a seu desenvolvimento. Quando acontece um rompimento, a criança se sente desprotegida, o seu mundo se despedaça por inteiro, e ela terá que apreender a reconstruí-lo novamente com a ajuda dos que ficaram.

Pela ótica da Psicanálise, segundo Freud (2006), o trabalho de luto é um processo no qual o sujeito que perde um objeto amado, precisa deslocar e transferir a energia para o eu numa tentativa de investir nas lembranças e representações do objeto perdido. Logo que o processo de presentificação do objeto no eu do sujeito fique estagnado pela dor da perda, a partir daí o sujeito se encontra desligado de todas as lembranças, não estando mais presentes as esperanças do objeto perdido, e, então, poderá investir em novos objetos, deslocando a libido para novos objetos externos.

Freud (2006, p. 249) caracteriza o processo de luto a partir da comparação com a melancolia, como: “É a reação a perda de um ente querido, a perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante”. Ele afirma ainda que o luto não pode ser considerado uma condição patológica, pois em algumas pessoas essas mesmas influências podem produzir melancolia.

Freud (2006, p. 250) faz uma distinção entre o luto e a melancolia.

[...] a mesma perda de interesse pelo mundo externo- na medida em que este não evoca esse alguém -, a mesma perda de capacidade de adotar um novo objeto de amor (o que significa substituí-lo) e o mesmo afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre ele.

As perdas são inevitáveis aos seres humanos. Freud (2006) destaca as diferenças entre as pessoas em trabalho de luto e outras que então produzem a melancolia. Os sujeitos que desenvolvem a melancolia demonstram uma disposição patológica. Já no luto, não sendo este patológico, seria uma atitude normal perante a vida. O luto será superado quando o sujeito investir novamente em novos objetos.

Conforme Freud (2006), quando o sujeito perde um objeto amado,essa libido que ali está investida precisa ser desligada para que o eu invista no mundo externo. Ou seja, esse trabalho de luto consiste no desamor pelo objeto que morreu ou se foi. Isto acontece porque o sujeito se depara com o seu próprio amor narcísico, e é este que o mantém vivo.

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Bowlby (apud KOVÁCS, 1992, p.157) acrescenta em seus estudos a diferença de um processo de luto normal e luto patológico.

A exacerbação dos processos presentes no luto normal, com uma duração muito mais longa e com características de obsessividade, configuram um processo patológico. O que define como luto saudável é a aceitação da modificação do mundo externo,ligada a perda definitiva do outro,e a conseqüente modificação do mundo interno e representacional,com a reorganização dos vínculos que permaneceram.Os processos defensivos são constituintes regulares de todo o processo de luto,em qualquer idade,e se tornam patológicos quando assumem caráter irreversível,fazendo parte integrante da vida.

Freud (2006, p. 250) faz também a seguinte pergunta: Em que consiste o trabalho que o luto realiza?

Cada uma das lembranças e expectativas isoladas através das quais a libido está vinculada ao objeto é evocada e hipercatexizada, e o desligamento da libido se realiza em relação a cada uma delas. Por que essa transigência, pela qual o domínio da realidade se faz fragmentariamente, deve ser tão extraordinariamente penosa, de forma alguma é coisa fácil de explicar em termos de economia. É notável que esse penoso desprazer seja aceito por nós como algo natural. Contudo, o fato é que,quando o trabalho do luto se conclui,o ego fica outra vez livre e desinibido.

O trabalho de luto se realiza a partir do teste de realidade, tendo a concepção de que o objeto de amor não existe mais. Existe uma exigência de que toda a libido antes investida possa ser retirada da ligação com o objeto. Mas pode haver resistências, pois, como o próprio Freud (2006, p.250) destaca, não é fácil para as pessoas “abandonarem de bom grado uma posição libidinal1, nem mesmo na realidade, quando um substituto já lhe acena”.

1Sigmund Freud, na obra “Psicologia das Massas e Análise do Eu” (1921), definiu a libido como sendo a "energia de tais instintos, que tem a ver com tudo o que pode ser resumido como o amor." A libido segundo Freud, não está relacionada somente com a sexualidade, mas também está presente em outras áreas da vida, como nas atividades culturais, caracterizadas pela sublimação da energia libidinosa de Freud.

Segundo a teoria da libido em Freud, na infância a libido se desenvolve por fases e por várias etapas características do desenvolvimento: oral, anal,fálica, latente, e finalmente, uma fase genital.

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Para Freud (2006, p. 250),

Os traços mentais distintivos da melancolia são um desanimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo,a perda da capacidade de amar,a inibição de toda e qualquer atividade,e uma

diminuição dos sentimentos de auto-recriminação e

auto-envilecimento,culminando numa expectativa delirante de punição.

Ao analisar o trabalho do luto, Freud (2006, p. 260) explica que:

Cada uma das lembranças e situações de expectativa que demonstram a ligação da libido ao objeto perdido se defrontam com o veredicto da realidade segundo o qual o objeto não mais existe; e o ego,confrontado,por assim dizer,com a questão de saber se partilhará desse destino,é persuadido,pela soma das satisfações narcisistas que deriva de estar vivo,a romper sua ligação com o objeto abolido.Talvez possamos supor que esse trabalho de rompimento seja tão lento e gradual,que,na ocasião em que tiver sido concluído,o dispêndio de energia necessária a ele se tenha dissipado.

Raimbault (apud KOVÁCS, 1992), por sua vez, aponta que, para que ocorra o trabalho do luto, é necessário que se trabalhe na desidentificação e desinvestimento da energia, para que se permita a entrada do objeto perdido na forma de lembranças, palavras e atos. Assim, a criança poderá investir a energia em outro objeto. Quando a criança não consegue se desidentificar ocorrem os sentimentos de culpa, portanto, a criança se culpa pelo que aconteceu, se culpa pela morte do outro, e, por isso, como forma de reparação, ela se pune e autodestrói. Com todos esses sentimentos, a criança poderá manifestar alguns sintomas, como perturbações fisiológicas, dificuldades de alimentação e sono, retorno ao autoerotismo e distúrbios nos relacionamentos sociais, entre outros.

O tempo do luto, segundo a mesma autora, é variável e pode permanecer vários e longos anos. Para muitas pessoas, o processo do luto é inacabável, perdurando a vida toda, podendo em qualquer momento sentir tristeza profunda, desânimo,quando esta pessoa lembrar do morto.

Raimbault (apud KOVÁCS, 1992) reforça que, para realizar-se o luto, é necessário:

1) uma desidentificação e um desligamento dos sentimentos em relação ao morto;

2) aceitação da inevitabilidade da morte; 3) um substituto para a libido desinvestida.

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Como já foi visto, é preciso que o sujeito dê um tempo para elaborar o processo do luto, pois precisa ter calma, paz consigo mesmo para que possa novamente investir em novos objetos.Para que isso aconteça,é necessário que o sujeito possa ter recordações do falecido,como fotos e sentir a presença na ausência do falecido.

Segundo Bromberg (2000, p. 20),

Luto é uma ferida que precisa de atenção para ser curada. Esse processo de cura é basicamente composto por duas mudanças psicológicas a serem realizadas durante o período de luto. A primeira é reconhecer e a aceitar a realidade: a morte ocorreu e a relação agora está acabada. A segunda é experimentar e lidar com todas as emoções e problemas que advém da perda.Essas mudanças se mesclam e levam tempo.Cada uma delas é necessária para a superação do luto.

As perdas são inerentes à vida do sujeito, sendo portanto, universais. Cada ser vai ter à sua maneira de lidar com as perdas. Segundo Kovács (1992), esse processo será influenciado pela forma como as perdas se deram desde o nascimento até a vida adulta do sujeito.

A morte do outro é uma possibilidade que temos de experiência de ver a morte, que não a própria, mas é como se algo de nós morreu junto, pois o vínculo com falecido é tão extremo que sentimos falta dele.

Kovács (1992, p. 149) explica que:

É a morte da qual todos temos recordações, desde a mais tenra infância, nas inevitáveis situações de separações da figura materna temporárias ou definitiva, mas sempre dolorosas.Separação ou morte de figuras parentais,amigos,amores,filhos,todos temos histórias a contar.A perda e a sua elaboração são elementos contínuos no processo de desenvolvimento humano.

A autora permite ainda que entendamos que, para que ocorra a constituição do sujeito é necessário que o sujeito passe por várias perdas. Essas são fundamentais e determinantes para o seu desenvolvimento, pois, na vida adulta, isso irá diferenciar no sentido de como conseguiu superar as perdas na infância.

No próximo capítulo abordaremos o modo como a criança lida com a morte nos aspectos cognitivos e afetivos, ou seja, como ela entende a morte, e elabora a morte efetivamente.

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CAPÍTULO 2: COMO A CRIANÇA LIDA COM A MORTE ASPECTOS COGNITIVOS E AFETIVOS

No capítulo anterior, foi analisado o conceito de vínculo. Foi possível compreender que os primeiros vínculos ocorrem entre a mãe e o seu bebê. Também a importância da mãe na formação e no desenvolvimento dos vínculos afetivos em relação ao filho, e o modo como estes começam a se romper na constituição do sujeito, formando as primeiras perdas simbólicas, que são constitutivas e fundamentais no desenvolvimento de uma criança.

Neste capítulo, procuramos explicar de que modo é possível pensar a morte que acontece no real para as crianças. Buscamos esclarecer, a partir da visão de alguns autores, este assunto que ainda é pouco difundido. Para muitos, ainda é considerado um tabu falar de morte com a criança. Para desenvolver este segundo capítulo, encontramos respaldo nos seguintes autores: Wilma da Costa Torres e Maria Júlia Kovács.

Quando começam a se romper os primeiros vínculos (normais), a criança se depara com a ausência da mãe. Esse é um processo importante para o seu desenvolvimento saudável. As primeiras ausências/perdas são consideradas simbólicas e constitutivas do sujeito. A partir delas, a criança começa a elaborar as suas primeiras concepções de morte, tanto do ponto de vista afetivo quanto cognitivo. Este é um processo gradual pelo qual, precocemente, a criança começa a registrar em sua memória, através de suas vivências, as concepções de morte que circulam em seu meio familiar e social, concepções essas carregadas de sentido afetivo e que lhe permitem a construção cognitiva dessa “realidade”.

Kovács (1992) fala da morte como sendo parte do desenvolvimento humano, desde a mais tenra idade. A criança, nos primeiros meses de vida, já vive a ausência de sua mãe. Sente que esta não é onipresente. As primeiras ausências maternas são vividas pela criança como mortes. Há desamparo, pois a criança não tem condições de sobreviver sem sua mãe nesse momento. Para ela, essa é uma das marcas mais fortes dessa dura ausência a qual pode ficar “carimbada” no processo constitutivo do desenvolvimento da criança. “A morte do outro configura-se com a vivência da morte em vida. É a possibilidade de experiência da morte que não é a própria, mas é vivida como se uma parte nossa morresse, uma parte ligada ao outro pelos vínculos estabelecidos” (KOVÁCS, 1992, p.149).

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A morte de que o sujeito recorda, desde a mais tenra infância, são aquelas referidas às inevitáveis separações da figura materna, que podem ser definitivas ou temporárias, mas que são sempre dolorosas e difíceis. Segundo Kovács (1992), a perda e a separação são processos contínuos no desenvolvimento humano, e podem, por isso, ser nomeadas de morte “consciente” ou de morte vivida.

A autora Kovács (1992) fala de morte como perda, trata-se de um vínculo que se rompeu, de forma irreversível, isso quando é perda real e concreta. Nesta representação sempre haverá dois sujeitos: um que é “perdido” e outro que sente falta e lamenta, pois foi um pedaço de si que se foi. Este outro, em parte está internalizado nas memórias e lembranças, na situação do luto elaborado. A morte provoca sentimentos fortes. É quase impossível encontrar alguém que nunca tenha sofrido uma perda. A perda vivida conscientemente parece ser a mais temida do que a própria morte, porque esta não é vivida concretamente. A única morte que é experienciada pelo homem é a perda, simbólica ou concreta. A morte envolve vários sentimentos, como também pessoas e um tempo para ser superado. Se a morte ocorrer de forma inesperada pode haver paralisação e impotência (KOVÁCS,1992).

A autora diz ainda que:

Ações do cotidiano, como falar, atravessar uma rua, cuidar do outro, alimentar-se são matizadas pelo constrangimento do inusitado em duas situações: diante da própria perda e diante de alguém que perdeu alguém. Embora saibamos racionalmente que a morte é inevitável, este saber nem sempre está presente, fazendo surgir o paradoxo da morte (in) esperada. Em casos extremos a morte invade de tal forma a vida que passa a fazer parte dela. (KOVÁCS, 1992, p.150).

Acrescenta a autora:

Ver a perda como uma fatalidade, ocultar os sentimentos, eliminar a dor, apontar o crescimento possível diante dela, podem ser formas de negar os sentimentos que a morte provoca, para não sofrer. (KOVÁCS,1992, p.150) A experiência da relação materna tão acolhedora e receptiva, também é responsável por outra representação poderosa da morte, ou seja, a morte como figura maternal que acolhe, que dá conforto. Esta representação provavelmente é bastante acentuada em indivíduos que tentam suicídio diante de situações insuportáveis, ou que originam impasses profundos. (KOVÁCS, 1992, p. 3).

A referida autora fala da morte na concepção da criança, e entende que seu desenvolvimento cognitivo e emocional experiencia as mortes efetivas que as rodeiam.

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Na sociedade, segundo o senso comum, as crianças não sabem nada sobre a morte e devem continuar não sabendo. Ainda se pensa que a criança deve ser poupada desses assuntos, no entanto, todas as crianças, em algum momento, já pisaram em uma formiga e ela parou de se mexer. E isso fez com que a criança ficasse curiosa ou assustada com o que aconteceu.

Kovács (1992, p. 3-4) diz que toda a criança já presenciou a morte ou já “perdeu”:

Um passarinho, um gato, um peixe ou qualquer bicho de estimação. Percebeu então que ficaram “diferentes”do que eram quando estavam vivos. Além disso, podem morrer bisavós, avós, pais, irmãos e, nos noticiários e novelas da TV, inúmeras pessoas. Diferentes das personagens de desenhos animados, que sempre renascem, aqueles jamais retornam. É uma tarefa muito difícil para a criança definir vida e morte, pois na sua percepção a morte é não-movimento, cessação de algumas funções vitais como alimentação, respiração; mas na sua concepção a morte é reversível, pode ser desfeita. Há diferenças entre vivos e mortos, mas os últimos poderão ser ressuscitados sozinhos ou com ajuda de alguém. Na realidade não é assim, os verdadeiros mortos não ressuscitam; como a criança consegue elaborar esta contradição?A morte se faz acompanhar de uma tentativa de explicação e, por outro lado, fortes emoções assolam quando de seu acontecimento. A dor acompanha as mortes e o processo de luto se faz necessário;a criança também processa as suas perdas,chora,se desespera e depois se conforma como o adulto. Certamente não expressará a sua dor, se não souber que aconteceu uma morte, entretanto a criança percebe que algo aconteceu pois todos estão agindo de uma forma diferente.

Diante da morte de um bichinho de estimação, a criança se depara com implicações da morte, e defronta-se com a sua própria finitude e com uma dor muito forte que a morte provoca.

Torres (1999) explica que, como forma de lidar com a situação, a criança poderá organizar secretamente uma cerimônia, um ritual para enterrar o animal de estimação.

Esse tipo de “jogo” tem um profundo significado, pois permite a criança externalizar seus sentimentos, ansiedades e medos. Algumas vezes, elas insistem não apenas na cerimônia do enterro, mas ainda fazem questão de que um brinquedo ou um objeto pessoal seja enterrado junto com o animal. Esses objetos funcionam como uma oferenda, que vai servir para apaziguar os sentimentos de culpa que a criança sente por achar que não cuidou bastante bem de seu animal de estimação e por isto é responsável por sua morte. (TORRES, 1999, p. 121).

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Segundo a autora, esses rituais das crianças podem ser oferecidos e sugeridos pelos adultos, pois permitem associar dinâmicas de culpa, reparação e apaziguamento.

Quando acontece de um irmão falecer, a criança poderá não sentir imediatamente, pois estará na presença de seus pais. Mas o que poderá vir a acontecer quando o irmão dividiu seu quarto, os seus brinquedos com o irmão falecido. Nessas circunstâncias é provável que terá dificuldades de elaborar essa morte (TORRES, 1999). Conforme Torres (1999, p. 121),

No caso da criança mais velha, a morte de um irmão pode provocar intensa reação, uma vez que esse evento deflagra a percepção de que ela própria irá morrer. Já no caso de criança menor, se a causa da morte do irmão não ficar clara, ela poderá passar a adotar comportamentos regressivos como defesa, a fim de, na fantasia, não atingir a idade em que o irmão morreu, por temor que o mesmo aconteça com ela.

Os pais que perdem seus filhos podem reagir de duas maneiras diferentes com o filho sobrevivente: ou os pais se aproximam mais do filho e passam a ser protetores, ou poderão ficar perturbados e manter um relacionamento à distância. Poderá ser problemático à medida em que os pais criem e idealizem o filho morto, e passam a criar expectativas em relação ao filho sobrevivente. Isso se torna difícil à medida que este outro filho ocupe o lugar do seu irmão, na tentativa de compensar os pais pela perda (TORRES,1999).

A maior crise da vida, porém, continua sendo aquela em que a criança perde um dos seus pais, pois terá perdido também sua segurança (TORRES,1999). De um modo geral, existem quatro principais resultados do luto perante a perda dos pais. Segundo Torres (1999, p. 122),

Permanecer na fantasia ligada ao progenitor morto; investir a libido em atividades; temer amar outras pessoas; e, finalmente, aceitar a perda e encontrar outra pessoa para amar, o que é uma indicação de que o processo de luto transcorreu normalmente.

Se isto não acontece, futuros relacionamentos possivelmente poderão vir a ser prejudicados pela busca consciente ou inconsciente de uma réplica de seu relacionamento infantil com o progenitor morto.

No caso de um menino mais velho, quando perde sua mãe, essa perda poderá ser percebida por ele como uma rejeição. Em consequência, os seus relacionamentos futuros poderão se romper com a figura feminina. Pode evitar as

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mulheres, pois elas podem fazer o mesmo que sua mãe fez e, perante a morte de seu pai, poderá perder seus referenciais como modelo; poderá ter dificuldades a respeito da sua imagem, sua autonomia, construção da identidade (TORRES,1999).

A evolução do processo de luto é totalmente influenciada “pelo que é dito” à criança, e de “como é dito”, principalmente quando falamos da morte de um dos pais.

Bowlby (apud TORRES, 1999) afirma que há uma proporção de dificuldades que a criança enfrenta depois da perda de um dos pais. No caso da perda da mãe, dependerá e muito da ajuda do pai para a resolução do luto, mas a ajuda compartilhada torna-se difícil quando o pai sobrevivente não suporta o próprio luto.

Torres (1999, p. 123) apresenta algumas medidas importantes para a criança no processo de luto, tais como:

Promover a comunicação aberta e segura dentro da família, informando a criança sobre o que aconteceu; garantir que terão o tempo necessário para elaborar o luto, e que terão um ouvinte compreensivo toda vez que expressarem saudade, tristeza, culpa e raiva; e, finalmente, no caso da morte de um dos pais, assegurar-lhes que continuarão tendo proteção, pois não é incomum que a criança tenha medo de perder o pai sobrevivente e de que a morte venha buscá-la também.Essa garantia de segurança será facilitada quando a criança tiver tido um relacionamento seguro com os pais antes da perda.

A autora fala da importância de destacar a eficiência das medidas ligadas ao modo da curiosidade da criança em relação a uma situação de perda anterior na família. Se a curiosidade da criança sempre foi atendida, no momento de comunicar uma morte na família será mais fácil para a criança, a participar do pesar da família. Agora, se essa morte foi ocultada e a curiosidade da criança reprimida, será muito difícil a criança elaborar o luto, podendo passar por vários tipos de experiências, como fobias, tiques, distúrbios comportamentais e problemas de aprendizagem. Para Torres (1999, p. 123), “Crianças que não expressam verbalmente a dor da perda podem desloca-lá para uma situação externa, evitando, assim lidar diretamente com o conflito interno”.

Para Kübler-Ross (1991), a criança, quando perde a mãe, se ausenta, deparando, então, com vários sentimentos de amor e ódio.

A criança de cinco anos perde a mãe tanto se culpa pelo desaparecimento dela, como se zanga porque ela a abandonou deixando de atender a seus rogos. Quem morre se transforma, então,

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em um ser que a criança ama e adora, mas o odeia com igual intensidade por essa dura ausência. (KÜBLER-ROSS,1991,p. 8).

A criança pequena que perde muito cedo sua mãe ainda se encontra aniquilada no processo de ausência e presença oferecida pela figura de apego com a qual, desde muito cedo, passou a ter contato, ou seja, a partir do momento em que nasce e que esta lhe oferece afeto e lhe mantém a sobrevivência. A criança, quando muito pequena, não tem condições suficientes de entender a morte da sua genitora. Essa perda pode ser para ela um processo irreversível, porque acredita que sua mãe aparecerá e irá satisfazer seus desejos novamente. Se isso não acontece, os relacionamentos futuros dessa criança poderão ser prejudicados de forma consciente e inconsciente, motivados pela morte do progenitor. Esses fatos mudam a partir da forma como é dito a criança, e de que forma seus familiares suportam a dor do luto e como o fazem neste luto que é compartilhado.

A criança não compreende a morte mesmo que os adultos. Ela tende a pensar que a qualquer momento sua mãe irá voltar. Quando a criança não responde a uma situação vivida, é necessário que o outro se coloque. “Portanto faz-se necessário entre os humanos expressar-se por meio da linguagem para que haja um entendimento de si, e do que acontece entorno” (BAKHTIN, 2000).

Como assegura Bakhtin (2006, p. 115):

Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro.

Tendo em vista que a morte acontece com todas as pessoas, é preciso que ela seja tratada com seriedade, sempre levando em conta a idade e o estágio de desenvolvimento em que a criança se encontra.

Torres (1999) faz algumas observações de crianças muito pequenas quando se separam da mãe. Nessas situações, a criança passa por três etapas do luto natural: o protesto, quando a criança não acredita que a mãe esteja morta, e luta para recuperá-la. Essa fase se dá quando a criança se desespera, e qualquer som ou imagem faz lembrar a pessoa ausente; o desespero, que surge quando a criança realmente acredita que a mãe realmente morreu. Nessa fase, a criança se torna apática e retraída, mas não significa que tenha esquecido a pessoa falecida; e, por

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último, a etapa da esperança, quando a criança busca organizar a sua vida sem a presença do falecido.

Lamers (apud TORRES, 1999) parte das formações de Bowlby2 para construir um modelo com a finalidade de mostrar os aspectos físicos e emocionais das etapas do luto infantil, no qual os termos que se situam no interior do círculo significam as reações emocionais, e os situados fora do círculo significam as mudanças físicas e as possíveis manifestações de comportamento provocados pela perda da criança.

Figura 1: A criança diante da morte

Fonte: autor, ano e página de onde tirou a figura

Fonte:Torres (1999, p. 120)

2 Bowlby (2004, p. 38) designou comportamento de apego como “qualquer forma de comportamento que resulta na consecução ou conservação, por uma pessoa, da proximidade de alguma outra diferenciada e preferida”. Ainda, segundo o autor, a teoria de apego postula que a capacidade de formar e manter laços afetivos é o principal traço de saúde mental do indivíduo e que a busca de conforto e proteção nos momentos difíceis da vida sugere que este indivíduo confia nas pessoas pelas quais se vincula e terá também a capacidade de ajudar e acolher outra pessoa, caso seja necessário (BOWLBY, 1989).

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Portanto, vale ressaltar que a linha de separação entre o luto sadio e do luto patológico são muito tênues, diferenciando somente na intensidade e não no sintoma.

Segundo Torres (1999, p. 119),

O processo e os resultados das reações da criança ao luto dependerão de vários fatores, tais como a idade, a etapa do desenvolvimento em que a criança se encontra, de sua estabilidade psicológica e emocional e da própria significação da perda, isto é, da intensidade e diversidade dos laços afetivos.

Quando pensamos ou falamos sobre a morte, lembramos de algo, ou de alguém que perdemos e de que gostávamos muito. Esse sentimento que temos quando falamos sobre a morte, às vezes, pode nos levar a uma eventual “fuga da realidade”, na qual cada ser humano adulto demonstra o seu jeito de se relacionar frente à dificuldade. No que se refere à separação/perda de um ente querido, o adulto possui um vasto mundo externo cheio de vínculos, diferenciando - o da criança. Isso permite pensar como é a perda de um familiar para uma criança, que ainda está centrada num mundo limitado pelos pais, e que ainda não construiu identidade própria.

Para que a criança consiga elaborar a perda, é necessário que, após a morte, alguém com quem ela tenha contato revele toda a história do que aconteceu para que a criança se sinta cuidada e protegida. A criança poderá negar a morte, e, por isso, se tornar agressiva. Mesmo que não revele os sentimentos de tristeza, poderá desenvolvê-los sob a forma de atos de violência na escola, ou até mesmo com seus brinquedos3.

O adulto tem uma concepção errônea das questões que envolvem a relação da criança com a morte. Muitas vezes, tem atitudes inadequadas, e usa eufemismos e mentiras para a criança.

Segundo Kovács (1992, p. 48), “Ao não falar, o adulto crê estar protegendo a criança, como se essa proteção aliviasse a dor e mudasse magicamente a realidade. O que ocorre é que a criança se sente confusa e desamparada sem ter com que conversar”.

3 Sabe-se que a criança, por meio da brincadeira, mostra as suas vivências passadas e suas fantasias internalizadas. Dessa forma, consegue aliviar-se, expondo seus comportamentos agressivos e exprimindo a sua dor, aquilo que a angustia. (Nota da autora)

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Kübler-Ross (1991) fala da morte de uma pessoa querida, que causa uma dor imensa, e ainda mais difícil quando falamos em criança, e principalmente quando esta passa a sentir a ausência da pessoa falecida e começa a romper as figuras de apego. Para a criança assimilar a morte, é necessário que, por meio da linguagem, ela chore, fale, desenhe, brinque. Entretanto, é necessário que o adulto apresente algumas questões sobre a morte para a criança, nas quais o adulto passa a responder questões relacionadas em vez de criar ilusões, ou até mesmo eufemismos. A explicação da morte deve ser feita numa linguagem adequada ao nível cognitivo e linguístico da criança. Devem-se evitar os eufemismos e metáforas, por exemplo: “alguém que foi dormir”, foi viajar, ou foi para o céu, Deus o levou.

É igualmente insensato, como aconteceu, dizer que ‘Deus levou o Joãozinho para o céu por amar as criancinhas’ a uma menina que perdeu o seu irmão. Esta menina, ao se tornar mulher jamais superou a sua mágoa contra Deus, mágoa que degenerou em depressão psicótica quando da perda do seu próprio filho, trinta anos mais tarde. (KÜBLER-ROSS, 1991, p.19).

Explicações tais como “foi para o céu” podem gerar desequilíbrios emocionais, até mesmo ansiedades na hora de dormir. É importante que a criança conviva com o enfermo quando alguém estiver em fase terminal na família, participe das atividades voltadas a encarar a morte para que não venha a ter problemas psicológicos futuros (KÜBLER-ROSS,1991).

No desenvolvimento infantil existe o pensamento mágico e a onipotência, por isso a criança se pergunta se ela irá morrer também, ou seja, aqui ela reproduz algo que já está vinculado à história da humanidade. A criança se apresentará como herói de dia, mas à noite lhe virão pesadelos, monstros, fantasmas que a ameaçam. Para a criança, a morte é algo quer provém do mal, e desconhecido pela criança.

Não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou coisas más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo, ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. (BAKHTIN, 2006, p. 96).

Para a criança, a morte de um familiar provoca uma imensa dor, porém deixar de falar sobre a morte não irá aumentar ou diminuir essa angústia, mas aliviará o sofrimento da criança, e ela poderá fazer o processo de elaboração do luto

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(KOVÁCS,1992). Mas, o que geralmente acontece é que os adultos ocultam a verdade, e esta atitude faz com que “a criança se encontre numa terrível confusão, um desolado sentimento de desesperança, criado porque já não tem quem recorrer” (ABERASTURY,1984, p.129).

Uma vez afastada a possibilidade de o adulto oferecer a verdade à criança, atravanca-se o primeiro momento de elaboração do luto, que é a aceitação do fato de que o outro desapareceu e não voltará mais. Pela técnica da Psicanálise com crianças, tem-se observado, direta e indiretamente, que as crianças percebem os fatos que acontecem, os quais o adulto podem não ser perceber. Nem sempre as crianças expressam por meio de palavras. As crianças pequenas podem recorrer a uma linguagem mímica ou não verbal, e as maiores apelar para jogos ou desenhos que exprimem suas fantasias dolorosas (ABERASTURY,1984).

O ocultamento da morte para a criança, diz Aberastury (1984), dificulta-lhe o trabalho de luto, como também do próprio adulto, perturbando os vínculos da criança com o mundo. “O adulto projeta na criança a parte infantil que não quer saber a verdade, mas também com esse atraso coarta o trabalho do luto”. (ABERASTURY,1984, p.129).

No primeiro momento de um trabalho de luto, é necessário que a criança saiba que a ausência do ente querido é definitiva. Caso a família oculte a verdade e recorra a esta mentira, vai-se emaranhando um quadro perturbador que atinge a capacidade cognitiva, a qual pode ser grave e até se tornar patológica. Quando a criança não conhece muito bem o processo da morte, ela viverá essa experiência de ausência como um abandono.

O silêncio do adulto, ao contrário do que ele pensa, inibe a criança de falar sobre os seus sentimentos, curiosidades. Com esse silêncio/omissão do adulto, a criança percebe que algo está errado, porque vê pessoas tristes. Neste trabalho, os autores abordados reforçam a importância de falarmos sobre a morte para a criança, sem que isso seja um segredo para ela, mas fazendo isso de forma natural, até por que a vida continua (ABERASTURY, 1894).

Para compreendermos a concepção da morte na infância, temos que entender este conceito como um dos princípios que organizam a vida de um sujeito, com impactos na formação da personalidade e da cognição da criança.

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Os primeiros estudos acerca do conceito de morte para a criança começaram em meados do século XX e continuaram na década e 70, e pautavam que a criança tinha o conceito de morte no seu respectivo desenvolvimento cognitivo global.

Conforme Torres (1999), a psicanálise e a epistemologia genética foram as precursoras nas pesquisas sobre o tema da morte na criança. Na medida que a psicanálise ortodoxa começou a criar suas raízes ela passou também a investigar sobre o tema, mas as pesquisas só começam a se efetivarem depois do período edipiano. A epistemologia genética já afirmava que as estruturas cognitivas de uma criança atingem as operações formais no início da adolescência.

Estudos da teoria freudiana e piagetiana afirmam que a criança, nas suas primeiras fases do desenvolvimento, nada compreende sobre a morte. Consideram que o conceito da morte é algo unitário e que requer, portanto, uma visão mais clara da criança, uma abordagem multidimensional nas diferentes fases do desenvolvimento.

As crianças constroem o conceito da morte em seu processo de desenvolvimento cognitivo. Torres (1999) refere que as investigações começaram em 1934 sobre a concepção da morte pela criança e continuaram ao longo dos anos, buscando compreender e investigar em qual a idade da criança começa a entender a morte. Isso está inteiramente ligado ao nível de desenvolvimento global.

Torres (1999) apresenta três níveis de compreensão de conceito da morte pela criança que são apresentados da seguinte forma:

a) Irreversibilidade - a compreensão de que o corpo físico não pode viver depois da morte; um conceito segundo o qual “uma vez que morre não se pode mais voltar a viver”. Impossibilidade de retornar ao estado anterior, morte do corpo.

b) Não-funcionalidade - o entendimento das funções que definem a vida, e que cessam com a morte.

c) Universalidade - a compreensão de que tudo que é vivo morre. Torres (1999) defende a ideia de que, na primeira etapa, a criança de 5 anos não entende a morte (irreversibilidade); a criança a vê como temporária, como se esse alguém poderia voltar novamente. A criança também não tem noção da funcionalidade, pois atribui vida e consciência ao morto. Na fase da não-funcionalidade, ela está na etapa do animismo, impossibilitando-lhe a concepção da morte. Nesse período, a criança começa a ser desafiada pelo mundo, para ser mais

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ativa, a ter domínio, para ser mais produtiva, no entanto, seu pensamento ainda é ilógico e egocêntrico. Ela começa a fazer perguntas relacionadas à morte devido ao egocentrismo. Nessa etapa, o conceito de morte emerge como imobilidade em contraposição ao de estar vivo, representado pelo movimento. A morte é tida como uma associação entre a separação e sono, mas não de forma definitiva, pois ainda mantém a reversibilidade (TORRES, 1999).

Torres (1999) explica também que a criança de 5 ou 6 anos é mais ativa devido à vida escolar. As atividades nesse ambiente a fazem sentir-se gratificada, adquirindo competências. Cognitivamente, se preocupa com as regras, embora o seu pensamento ainda não esteja definido. A concepção da morte como universal, que acontece com todos nessa fase, é personificada nas figuras (bichos-papão, caveira...). A noção de irreversibilidade começa a se instalar, e então a criança tem a concepção da morte, e de que esta não pode ser evitada. Existe associação ao sono, à perda de consciência, ao medo, à separação frente à obscuridade e ao vazio.

Na segunda etapa, dos 5 a 9 anos, a criança constrói uma personificação da morte, mas ainda a vê como irreversível e não mais como inevitável. Nesse período, quando ela está diante de uma situação de morte, já começa a se questionar. Portanto, já consegue diferenciar os vivos dos mortos através do padrão da mortalidade. Sendo assim, ela tem a percepção de que, quando “se move”, está vivo; de quando “não se move”, está morto. A criança nesse período pode usar alguns eufemismos como “o vovô está dormindo” e achar que o vovô morreu, e poderá sentir medo ao dormir. “não se tem noção da irreversibilidade” (TORRES,1999, p. 28).

Na terceira etapa citada por Torres (1999), a criança acima dos 9 anos já reconhece a morte como inevitável. Ela já tem a noção de que todos os seres humanos vão morrer e que faz parte da vida. A partir desta idade dos 9 e 10 anos, a criança já percebe a morte, envolvendo a cessação das atividades corpóreas, e tem uma diminuição do pensamento mágico. A criança é capaz de associar a morte com a ideia de vida cujo fim seria a velhice, através dos ciclos.

Com relação à concepção de morte, Kovács (1992) explica que os adultos se negam a conversar com a criança, e argumentam que a criança não sabe nada a respeito da morte. A partir desse entendimento, foram feitas várias pesquisas para apontar o que a criança tem de concepção da morte. Uma das pioneiras foi Nagy

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(TORRES,1980), a qual estudou 378 crianças húngaras de 3 a 10 anos utilizando a técnica do desenho e as palavras. A autora identificou que a criança até os 5 anos não possui noção da morte como definitiva, portanto, a criança percebe a separação, e que a morte é gradual, podendo ser reversível. A partir dos 5 a 9 anos, a autora fala que a criança tende a despersonificar a morte; ela tem a percepção de que alguém vem buscar. Na terceira etapa, entre os 9 a 10 anos, a morte é entendida pela criança como cessação de atividades, com característica da universalidade (KOVÁCS, 1992).

Kovács (apud TORRES, 1999), em outra pesquisa com 183 crianças de 4 a 13 anos, destaca a importância de estudar os conceitos de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo nos seus diferentes períodos:

A) Período pré-operacional - A criança não distingue seres inanimados e animados. Ela não percebe elementos inorgânicos, ou seja, não vive e não morre. Ela não tem percepção da morte, a morte é para a criança um processo irreversível e não definitiva.

B) Período das operações concretas - Neste processo, a criança já distingue os seres inanimados e animados, mas ainda não consegue responder a questões lógico - categoriais de causalidade da morte. A morte continua sendo um processo irreversível e não percebida.

C) Período das operações formais - Neste processo a criança entende a morte como sendo um processo interno do seu corpo, estende-se como universal, podendo dar respostas lógico - categoriais e de causalidade. Ela entende que a morte é definitiva, fazendo parte da vida como um ciclo.

Estas pesquisas sobre a aquisição do conceito de morte em crianças são muito importantes, quando se considera a necessidade de falar com elas sobre a morte. Neste caso, podem - se usar palavras e experiências que sejam compreendidas pela criança. Não se trata de evitar o tema e sim, de trazê-lo para uma dimensão que possa ser assimilada pela criança, de acordo com o seu nível de desenvolvimento. (KOVÁCS,1992, p.52).

Torres (1999) investigou as concepções da morte na criança, em termo de conhecimento e a evolução do conceito da morte, para identificar e descrever as características desse conceito em três diferentes níveis de desenvolvimento cognitivo. Na primeira pesquisa, o objetivo era investigar o desenvolvimento do

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